Geral, História, Política

Primeiro de Dezembro, sempre!

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Bandeira da Restauração, 1640.

A bestialidade cega e insensível do Governo P. Coelho chegou ao ponto de eliminar a comemoração oficial de um dos mais importantes símbolos identitários da nação portuguesa – o Primeiro de Dezembro, data que assinala a restauração da independência nacional em 1640.

É mais uma demonstração da capitulação do governo da direita coligada. Da desistência. E da inevitável tentativa que se lhe seguirá de reescrever a história. O que não deixa de ser irónico, porquanto a direita portuguesa sempre se arvorou na defensora da tradição histórica do país…

É chocha a justificação económico-financeirista para acabar com o feriado que assinalava um dos mais épicos momentos da história de Portugal. Aliás, cheira mais a retaliação e a castigo sobre o povo, que a qualquer outra coisa.

Para que estes senhores que nos governam não se esqueçam:

Sucessivas tentativas de invasão dos exércitos de Filipe III assediaram o país durante vinte oito anos, sucessivamente vencidas pelo lado português: Montijo (1644), Arronches (1653), Linhas de Elvas (1659), Ameixial (1663), Castelo Rodrigo (1664) Montes Claros (1665). A paz entre os dois reinos da península só voltaria em 1668. Foram anos de guerra, dificuldades e isolamento.

Se para esta gente que nos governa este acontecimento histórico não merece recordação, o que é que merecerá?

Nota – Também sobre este tema:  1) Um país com memória; 2) 1º de Dezembro… de 2010

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Internacional

Catalunha independente?

Com a Espanha a caminho da recessão e da crise, sopram na Catalunha ventos independentistas. Centenas de milhares de manifestantes desfilaram por ocasião do dia nacional da Catalunha (La Diada, 11 de Setembro) reclamando a independência. Entretanto as instâncias políticas catalãs discutem abertamente a opção. Para onde vai Espanha?

A História está de regresso, pondo a nu fragilidades do Estado espanhol. As anunciadas falências de vários Estados Autónomos, de entre os quais a Catalunha, e os planos de corte que o Estado central pretende aplicar, vem exacerbar as divergências entre a Catalunha e Espanha.

Sendo uma das regiões autónomas espanholas mais desenvolvidas (20% do PIB de Espanha), de há muito que a opção nacionalista/independentista está inscrita na região. Para a compreender pode-se recuar aos anos de chumbo do franquismo e da violenta repressão a que a cultura, a língua e a expressão política nacional catalã foram sujeitas. Mas há que recuar ainda mais no tempo, à época em os catalães lutaram pela sua independência contra a Espanha castelhana na Guerra dos Segadores (1640-1652), enquanto no outro lado da península decorriam as guerras portuguesas da Restauração.

As formações politicas catalanistas, com destaque para a conservadora CiU (Convergência e União)tem dominado o parlamento e o governo catalães, na esmagadora maioria das legislaturas. Mas outras grandes formações políticas não enjeitam a opção nacionalista/independentista.

Forçado pela história a fazer parte da Espanha castelhana, muitos na Catalunha consideram que o país foi seriamente condicionado por uma Espanha de contrastes – que se tem regiões de nível médio europeu, como a própria Catalunha ou o País Basco, tem também grandes regiões autónomas com crónicos problemas de sub-desenvolvimento, casos da Andaluzia ou da Estremadura.

Fazendo parte de Grande Espanha a Catalunha foi chamada a solidarizar-se com as regiões mais pobres; mas agora, com o espectro da bancarrota, essa mesma Espanha pode ser um fardo. Apesar de alguns não deixarem de lembrar que sair de “federação” espanhola pode significar perder um importante mercado.

Como seria uma península ibérica com três países?

O cenário de uma Catalunha independente é hoje plausível. Seja por se tratar de uma nação histórica, seja porque há outros exemplos de alterações de fronteiras na Europa contemporânea: das pacíficas reunificação alemã e divisão da antiga Checoslováquia à sangrenta fragmentação da Federação Jugoslava. Mas o exemplo mais critico para Espanha é o da reconhecida independência do Kosovo relativamente à Sérvia.

Adivinha-se a litigância entre catalães e o Estado Espanhol. O processo segue trâmites constitucionais complexos para as teses independentistas.

Uma península ibérica com três países seria assim: (não considerando o impacto económico da independência catalã:

População (2011): Espanha (sem Catalunha) – 38,5 milhões; Portugal – 10,5 milhões; Catalunha – 7,5 milhões.

Produto Interno Bruto (2011): Espanha (sem Catalunha) – 863.233 milhões €; Catalunha – 210.150 milhões €; Portugal – 171.112 milhões €

O peso relativo a importância de Espanha no contexto da península não estariam em causa, embora perdesse o seu actual estatuto de quinta maior economia da União Europeia e de 12ª do mundo. A desproporção de dimensão e poder face a Portugal diminuiria.

Num clima de agravamento da crise económica, não abrirá a independência catalã a porta a outras saídas? O Euskadi, outra das nações históricas de Espanha, certamente não o deixará de ponderar. E aí o futuro do Estado espanhol, sem duas das suas mais pujantes regiões, poderá ser mais difícil.

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Geral, Internacional

Portugueses na memória da guerra civil de Espanha

Por ter passado despercebido na imprensa portuguesa, dá-se aqui nota de uma homenagem a três carrilanos* portugueses fuzilados durante Guerra Civil de Espanha na localidade galega de Campobecerros, município de Castrelo do Val (Ourense).

A iniciativa, que teve lugar no passado mês de Junho, foi organizada pelo projecto interuniversitario Os nomes, as voces, as vítimas e os lugares, a associação cultural Carrilanos e o município local. (ver vídeo aqui)

O fuzilamento dos três carrilanos portugueses teve lugar em 20 de Agosto de 1936 aquando do avanço das forças franquistas naquela zona da Galiza. Antonio Ribeiro, José Maria Sena (ou Fena) e um terceiro homem de que apenas se sabe o primeiro nome, Ramiro, foram “paseados” pelas ruas da aldeia e depois escoltados até ao alto do Monte da Ladeira. Num lugar conhecido como Lombo do Marco as suas vidas viriam a ser ceifadas pelo fogo de espingardas.

Um dos fuzilados, António Ribeiro, terá sido “um destacado membro do Sindicato de Oficios Varios da CNT, colaborador de Solidaridad Obrera e militante da FAI coruñesa” segundo o historiador Dionisio Pereira, coordenador do projecto interuniversitario galego Nomes e Voces.

À época, numerosos trabalhadores portugueses participavam nos trabalhos de construção da linha férrea entre Zamora e Ourense. Carrilanos portugueses e de várias regiões de Espanha que viriam a ter um significativo papel na resistência ao avanço franquista naquela zona do sueste da Galiza.

Outras informações sobre este tema – ver aqui.

* construtores de via férrea

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Que se jodan

Que melhor que um “Que se jodan” para definir o pensamento de uma certa direita ibérica sobre os desempregados. O dichote é da autoria da deputada do PP espanhol, Andrea Fabra, quando Mariano Rajoy anunciava no parlamento espanhol o corte no subsídio para os desempregados há mais de seis meses.

O desprezo pela sobrevivência e dignidade dos seus concidadãos desempregados fica bem patente nas palavras da deputada valenciana, por sinal filha de um dirigente do PP acusado de tráfico de influência, suborno e fraude fiscal. Palavras porventura irreflectidas, mas que verdadeiramente expressam o que lhe vai na alma.

Um desprezo porventura partilhado por outros colegas de bancada, no lado de lá, como no lado de cá da fronteira. Partilhado mas silenciado. Só assim se explica que o PP espanhol tivesse levado cinco dias a reagir ao caso, fazendo-o forçado pela dimensão do que entretanto se havia tornado num “caso viral” nas redes sociais e imprensa.

Mas… ainda bem que alguém no lado do poder político expressa sem rebuço o que pensa sobre o destino dos mais de cinco milhões de espanhóis que constam nas estatísticas oficiais! Apesar de, mesmo para os sectores que defendem que o desemprego é uma virtude regeneradora, seja mais adequado chorar umas lágrimas de crocodilo pelos desempregados.

Também por cá e com a mesma urgência do governo espanhol, os desempregados foram (são) dos primeiros a pagar o “ajustamento” ditado pela troika. Sendo a condição social com menor organização e escassa capacidade reivindicativa, aos desempregados é sempre reservada a primeira linha das políticas de austeridade, quando não mesmo serem apontados como responsáveis pela sua situação.

Não vivesse esta gentinha que nos governa contida nos limites da uma sociedade em que os movimentos e as forças sociais e políticas ainda se podem organizar e exprimir, dentro e fora dos parlamentos, certamente os veríamos espezinhar por completo os direitos sociais mais básicos.

Que se jodan!

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Here we go again!

ImageAgora que o clube GIPSY está quase completo – com o “resgate” de Espanha decidido e o italiano a começar a perfilar-se – que se seguirá? É que quando um país cai, logo ficamos à espera da vítima seguinte… um dejá vu.

A Europa do Sul (a que se juntou a celta Irlanda) passou da euforia à depressão no espaço de dois anos. Uma crise que começou no sector financeiro com “produtos tóxicos” e que rapidamente expôs a fragilidade dos modelos de desenvolvimento assentes na especulação banca-imobiliário (Espanha e Irlanda de forma extrema) ou, no caso português, na estagnação camuflada pelo acesso ao crédito barato.

Uma crise que expôs a fragilidade e a impreparação da União Europeia e do euro para lidar com situações de crise. As finanças sobrepuseram-se à economia real, às pessoas e às empresas, enquanto os políticos que decidem se tem recusado a olhar para além do imediato. A ameaça de uma recessão de grandes proporções e de efeitos imperscrutáveis é o que temos pela frente. Por ora nos países da periferia da União, mas que ameaça avançar em direcção ao “centro”.

Qual o ponto da situação?

A Grécia.

Com uma economia em recessão desde há anos, os gregos continuam submetidos a um brutal programa de austeridade. Sem expectativas de emergir do desastre, deixaram de aceitar a austeridade contestando-o de todas as formas – desde o protesto nas ruas à recusa de pagamento de novos impostos. A perspectiva de vitória da esquerda Syriza (aliada a outros grupos) parece radicar na aceitação maioritária pelo eleitorado de uma opção que alia a manutenção na UE e no euro, com uma profunda renegociação dos termos do “resgate”. Será possível? A resposta depende de muitos factores.

Agora, que o centrão PASOK-Nova Democracia, que governou o país nas últimas décadas e o conduziu ao desastre, corre o risco de ser democraticamente expulso do poder, os poderes políticos europeus e os seus comentadores de serviço tocam todas as trombetas de que dispõem e ameaçam de forma descarada tornar a Grécia num pária. Uma inadmissível pressão que visa interferir na escolha que os gregos se aprestam a fazer.

Mas uma Grécia fora do euro (e da UE e quiçá mesmo da NATO) seria um duplo erro que não levaria muito tempo a ser lamentado. Acentuaria os riscos sobre todos os equilíbrios precários que ainda subsistem na UE, agravando as pressões dos mercados, ávidos por presas enfraquecidas, sobre os outros países periféricos, como Portugal. E a que muito provavelmente se juntariam Itália e Espanha (no caso espanhol o processo pode não ficar por aqui) respectivamente quarta e a quinta economias europeias.

Erro ainda porque a Grécia não teria muitas dificuldades em, a médio prazo, se reorientar, com isso criando um sério problema géo-estratégico ao chamado bloco ocidental. Olhe-se para o mapa e veja-se onde fica a república helénica. Junto da Turquia, sua irmã inimiga e estrela em ascensão naquela zona do globo; não longe da imperial Rússia, desejosa de reafirmar a sul a sua vocação de grande potência do passado – a Chipre grega já beneficia de um empréstimo russo de 2,5 mil milhões de euros; com os chineses à espreita de novas oportunidades; e que dizer da invejável marinha mercante grega?

Uma cedência de A. Merkel (que é quem decide) forçada por um novo poder político na Grécia forçaria a revisão dos memoranduns irlandês e português. Tudo é possível e não por acaso o “resgate” espanhol foi politicamente decidido antes das eleições gregas… mas sem que se conheçam os seus exactos termos e condições.

Uma vitória da esquerda na Grécia obrigaria ainda os poderes dominantes na Europa a pensar em questões géo-estratégicas que têm andado afastadas das suas preocupações, exclusivamente centradas em matérias financeiras. Devem pois medir as múltiplas consequências de excluir a Grécia; Grécia que certamente tratará de se incluir em algum lado!

Espanha e Itália

Como manda a ordem do infelizmente certeiro acrónimo GIPSY, após os “resgates” da Grécia, Irlanda e Portugal seguiu-se o de Espanha, com a Itália a surgir no horizonte. O “resgate” espanhol, apesar de dirigido ao sector bancário, custará 100.000 milhões; segundo o próprio ministro espanhol da economia De Guindos disse aos seus colegas europeus durante a negociação, o resgate total do Estado espanhol custaria (custará?) 500.000 (!!) milhões e o de Itália 750.000. Onde é que há dinheiro para tanto? Too big to fall, dizem-nos.

O sucesso da operação espanhola medir-se-á nos próximos dias: alguns sinais parecem já apontar para a continuação do movimento ascendente nos juros dos respectivos títulos de dívida pública. Situação similar para os títulos italianos. Um percurso que já vimos nos outros países intervencionados…

A excessiva preocupação com a salvação da banca tem sido uma das principais linhas de combate à crise. Contrasta com a indiferença a que a economia real, o emprego e os desempregados são votados – cortes, cortes e cortes. Salvar a banca deixando as pessoas a definhar? Onde estão os accionistas desses bancos? E os geniais administradores que durante anos e anos se auto-banquetearam com prémios opíparos e imorais? Será que os devolveram, como contributo solidário para ajudar a resolver a embrulhada em que nos meteram. Os políticos co-responsáveis pelos desmandos, esses sofrem, pelo menos, a sanção eleitoral e moral de serem reconhecidos quando circulam nas ruas. Aos dirigentes financeiros mal os conhecemos.

Federalismo ou regresso à casa de partida

Dilacerado longo de séculos por conflitos devastadores, o último dos quais terminado há 67 anos, o continente europeu tem tido na União Europeia um projecto de paz, capaz de dirimir conflitos entre nações. Foi-o nas fases de prosperidade e crescimento que diluíram as diferenças entre os potenciais económicos de cada país, mas questionamo-nos agora se o poderá continuar a fazer. Se tal está na sua natureza.

Tendo presente o seu carácter de super-estrutura de integração e controlo económico de natureza capitalista, importa que, mais ao serviço dos povos do que no passado, possa continuar a ser um factor de paz e segurança. Evoluções recentes mostram a reabertura de feridas que pareciam saradas. E que convergem num ponto comum – o renascido poderio alemão, a nova velha super-potencia europeia que assume agora a primazia nos destinos da União.

Estão também constatadas as fragilidades no domínio da união monetária: uma moeda sem gestão orçamental comum; os diversos níveis de competitividade ou endividamento, no fundo, os mais dispares níveis de desenvolvimento entre os seus membros, agora bem expostos. Dizem-nos que o caminho é mais integração, mais orçamento comum, mais instâncias de decisão e fiscalização orçamental europeias. Alguns acrescentam mesmo títulos europeus partilhados de dívida soberana. Isto é, o caminho já aberto pelo pacto orçamental europeu.

A via federal tem alguns argumentos fortes. A globalização demonstra que as pequenas economias (salvo raras excepções) cedem perante os grandes blocos. Ora a generalidade das economias nacionais europeias são de pequena monta e muito abertas ao exterior, como é, aliás, o caso da nossa. A constituição de um bloco económico coeso – desiderato que está muito longe de ser conseguido – pode evitar a decadência europeia, posta a descoberto pelo crescimento notável de outras potências ou espaços regionais, caso dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), Mercosul ou APEC (Cooperação Económica da Ásia e do Pacífico).

Aceitando a bondade e eficácia da tal solução federal europeia – que está por provar – ela carece de ser sufragada pelo detentor da legitimidade. Para que possa ser uma Europa dos povos. E qual o plano de recuo caso falhe? Tal como com o euro, que adoptámos há já uma década, como recuar ou sair se “não der”? Poderemos estar a juntar todos os ingredientes para uma grande trapalhada internacional mais tarde.

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PS – Sem relação directa ou imediata, o título desta crónica é inspirado no clássico tema rock Here I Go Again (1982) dos Whitesnake  (ver aqui). Também uma homenagem.

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Internacional, Política

Juan Carlos I e a virtude do perdão

Não sou monárquico nem considero que a monarquia seja um bom sistema político. Mas aprecio a forma como Juan Carlos I, rei de Espanha, tem sido um factor de equilíbrio e moderação na complexa sociedade espanhola. A prová-lo o pedido de desculpas público com que tenta contornar o recente episódio criado com a sua ausência do país para fazer um safari milionário – facto só conhecido pelo público após um acidente e muito mal aceite por um povo que vive as agruras do desemprego e do empobrecimento.

O episódio, recheado de aspectos que podem ferir mortalmente o reinado e a instituição monárquica, vale pela capacidade política do mais alto titular do Estado reconhecer publicamente um erro. Uma postura gostaríamos de ver seguida por cá!

Não se sabe se, chegado o dia, o sucessor de Juan Carlos I terá o mesmo sucesso no exercício das funções. E essa é uma das fraquezas da monarquia – a um monarca equilibrado e prestigiado pode suceder um desastre. Mas também não se sabe se a própria monarquia continuará a ser aceite pelos espanhóis quando esse sucessor chegar ou mesmo se Juan Carlos I deixar de ser um monarca prestigiado.

A Espanha de hoje é uma realidade complexa e com um delicado sistema de equilíbrios de poderes entre as nações que a compõem. Um país em que o Chefe do Estado, neste caso o monarca, tem uma função simbólica e política muito sensível. Mas um país que continua a coexistir com a memória de uma república eleita (1931-1939) violentamente derrubada pela força das armas num conflito de que resultaram muitas centenas de milhares de mortos, feridos, desaparecidos e refugiados. Ao actual equilíbrio de Espanha não é estranha a figura deste rei, em concreto.

A chegada de Juan Carlos de Bourbon ao trono espanhol resultou do contexto muito particular da sucessão do ditador Francisco Franco que foi, aliás, o responsável pela sua escolha de entre outros candidatos. Como se vê, uma legitimidade inicialmente frágil mas reforçada pela transição democrática que ocorreu após a morte do ditador e que viria a ser plasmada numa constituição referendada em 1978.

A Juan Carlos, então jovem rei, deve ser creditado o facto de nos momentos iniciais da democracia espanhola ter tido a coragem de se opor publicamente à tentativa de golpe de Estado com que alguns militares se opuseram ao fim do franquismo. Foi em 23 de Fevereiro de 1981, quando o tenente-coronel da Guardia Civil Tejero Molina comandou a invasão do Congresso de Deputados sequestrando Governo e deputados, no que ficou a constituir um dos mais simbólicos momentos da transição espanhola.

A capacidade de um Chefe de Estado (ou outro alto titular) pedir desculpa publicamente só abona a seu favor. E pode ser absolutamente necessária para manter a confiança do público nas instituições. Retira-o de solenidade celestial que alguns julgam possuir quando ocupam lugares de poder. Esquecem-se essas personalidades que são “apenas” representações temporárias que emanam de uma verdadeira fonte de legitimidade – o povo. Juan Carlos parece ter sabido percebido e actuado, antes que fosse tarde. A ver vamos.

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Da greve portuguesa à huelga general espanhola

Espanha cumpre no dia 29 de Março um dia de greve geral, que é convocada sob o lema "Querem Acabar com Tudo, com os Direitos Laborais e Sociais". Declara-se contra “a reforma que elimina direitos históricos dos trabalhadores e a política de retenções que envolve o desmantelamento dos serviços públicos” – lá como cá.

Uma semana após a greve geral portuguesa, os sindicatos espanhóis avançam com a mesma forma de luta, apontando contra as profundas alterações nas relações laborais que ali se perspectivam e que tem muito em comum com as soluções impostas aos portugueses. Há pontos comuns entre as duas situações, mas também há diferenças.

Os pontos comuns.

A crise da dívida soberana e as condições (taxas de juros) de acesso ao re-financiamento aproximam Espanha do grupo de que Grécia, Irlanda e Portugal fazem já parte – o dos países intervencionados e com a sua soberania condicionada.

A ligação da crise da dívida soberana ao problema dos deficits dos Estados nacionais, conduziu à imposição de uma cartilha ideológica que vê a solução na fragilização dos vínculos laborais de milhões de trabalhadores e no embaratecimento do factor trabalho. A par da retracção ou abandono da prestação de importantes serviços públicos pelo Estado. Em Espanha, como em Portugal.

Aos governos socialistas que iniciaram, em ambos os países, o ciclo da austeridade e da desregulação das relações laborais, sucederam-se, com um intervalo de poucos meses, governos de direita legitimados por sufrágios eleitorais – ambos com maioria absoluta, embora no caso português assente numa (facilmente conseguida) coligação pós-eleitoral.

A superestrutura do sindicalismo de ambos os lados da fronteira estrutura-se em torno de duas grandes centrais sindicais com orientações políticas similares. Em Espanha é Confederação Sindical CCOO (Comisiones Obreras), tradicionalmente próxima do PCE/Izquierda Unida, e a UGT (Unión General de Trabajadores), de influência socialista.

A huelga general espanhola foi convocada por ambas as centrais sindicais, tal como por cá o foi a greve geral de Novembro passado.

As diferenças.

A Espanha não está sob “resgate” financeiro internacional – porventura por a sua economia ser de uma dimensão incomportável para o sistema europeu -, mas o seu Governo, também acossado pela pressão de diminuir o deficit, decidiu aplicar um conjunto de medidas na área laboral que se aproxima das condições impostas pela troika em Portugal – e de que já aqui se deu eco. Continuar a ler

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Geral, Internacional

O julgamento de Garzón ou a memória da tragédia

O juíz espanhol Baltasar Garzón é por estes dias o centro de um amargo reencontro dos espanhóis com a sua história. Reencontro que se reveste dos contornos de uma vingança contra quem, no âmago do poder judicial, se atreveu a ter a coragem de confrontar alguns dos casos mais negros da vida espanhola. O nunca resolvido problema da memória dos milhares de vítimas da guerra civil vem agora ao de cima, tal como o azeite.

O mediático juiz Baltasar Garzón tem tomado em mãos alguns dos mais duros e controversos casos da sociedade espanhola: do caso GAL, de terrorismo de Estado contra a ETA, às redes de tráfico de droga na costa galega, aos vários episódios contra a ETA e mais recentemente o caso Gurtel, que continua a ensombrar figuras de proa do PP espanhol. Também no plano internacional B. Garzón tem deixado a marca de uma férrea vontade de combater o mal. O ditador chileno A. Pinochet por pouco não foi extraditado para Espanha para responder pelo assassinato de cidadãos espanhóis; diligência do mesmo tipo protagonizou Garzón contra oficiais da ditadura argentina. Também os Estados Unidos sentiram o “bafo” do juiz andaluz com a abertura de uma investigação sobre o “programa sistemático” de tortura praticado na base de Guantanamo.

Mas foi a abertura de processos relativos aos crimes do franquismo, cometidos durante e após a sangrenta guerra civil espanhola, que contra ele concitou o ódio de uma parte ainda poderosa de Espanha.

Estima-se em 114.000 os “desaparecimentos forçados” durante aquele período negro da história do país vizinho. Ao declarar-se “competente” para os investigar, B. Garzón concitou a ira do que resta da Espanha franquista. Mas os descendentes dos desaparecidos ainda estão por aí e por toda a Espanha multiplicaram-se, nos últimos anos, nomeadamente após a aprovação da Lei da Memória Histórica (2007), as acções de reconhecimento e abertura de valas comuns e de identificação de restos mortais. A mais mediática das quais em torno da identificação dos restos do poeta simpatizante da República Frederico Garcia Lorca, perto de Granada.

Ao contrário de outros países que, melhor ou pior, conseguiram lidar com a memória de conflitos traumáticos que dilaceraram as respecticas sociedades – da Europa pós guerra aos recentes conflitos nos Balcãs, passando pela República da África do Sul do apartheid ou o Ruanda dos massacres – tal nunca foi possível na moderna Espanha democrática. A suave transição espanhola, quase paralela à revolução portuguesa de 1974/75, impediu, através de uma lei de amnistia, o exercício da justiça sobre os casos dos muitos milhares de mortos e desaparecidos – muitos deles terminado já o conflito e fora de qualquer contexto de guerra.

O julgamento de B. Garzón não prestigia a Espanha e não dignifica uma sociedade plural. Mais que representar o julgamento de um homem, significa impedir os espanhóis de poderem compreender em toda a sua plenitude o que aconteceu naqueles anos e, para muitos milhares de famílias, a possibilidade de poder fazer um luto sério e verdadeiro pelos seus familiares de que há muito perderam o rasto.

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Eleições em Espanha – vitória de Pirro?

Mais um. Também o governo espanhol,  socialista por sinal, foi varrido com estrondo pelo eleitorado. O pano de fundo é o mesmo de outras mudanças políticas na Europa periférica: a crise das dívidas soberanas, o desemprego e a austeridade.

Assim tem sido, com eleições (Irlanda, Portugal e Espanha) ou sem eleições (Grécia e Itália), instalou-se a crença de que a substituição de governos chega para travar o avanço da maré de juros e de recessão que começa a instalar-se na Europa.

A onda de contestação que derrubou os socialistas, recolocou no poder o PP após um intervalo de sete anos de governação de J.L.R. Zapatero. Com uma abstenção de 28,3%, à vitória da direita nacional em quase toda a Espanha apenas escaparam as nações históricas do País Basco e da Catalunha, onde as maiores representações parlamentares foram para as formações nacionalistas – para os conservadores da CiU na Catalunha e para a frente da esquerda abertzale Amaiur no País Basco.

Apesar da continuidade do bipartidarismo – PSOE e PP somam 276 dos 350 deputados e mais de 17 milhões e 800 mil votos -, o congreso espanhol passa a partir de agora a contar com representantes de treze formações políticas, contra as nove no anterior parlamento, com um total de 54 deputados (eram 26 no parlamento anterior). De entre as formações de âmbito nacional, relevo ainda para a considerável subida da frente dinamizada pelos comunistas, a Izquierda Unida, que passa de 2 para 11 deputados e para a UPyD (de matriz nacionalista espanhola, laica e progressista) que conquista cinco deputados, contra um nas anteriores eleições gerais.

Mercados derrubam governos

Agarrados à bóia democrática das eleições, mas com os eleitorados condicionados por essa força verdadeiramente determinante que são os “mercados”, os sistemas políticos europeus têm substituído governo atrás de governo. Se assim tem sido nos países da periferia, adiante se verá o que vai acontecer no centro norte da Europa. À bóia democrática justapõe-se o peso pesado da “crise sistémica” com o seu cortejo de penalizações para as classes médias e que empurram as embarcações nacionais para um fundo de recessão. O exemplo de uma crise em tempos de globalização, em que cada uma das nações é demasiado pequena e insignificante para se opor à força dos ventos que sopram dos “mercados”.

Uma das lições que é já possível retirar é a de que política é crescentemente determinada por factores irracionais ou incompreensíveis que emanam das leituras de agências de rating e dos mercados financeiros. E que se tornaram – por obra e graça das instâncias políticas – nos verdadeiros deuses ex machina do sistema político. Políticos eleitos são cada vez mais representantes e executores de políticas não sufragadas, decididas em função de obscuros interesses dos “mercados”.

M. Rajoy em Espanha, como P.Coelho em Portugal, venceram eleições sem se comprometerem com nada em concreto, sem políticas nem medidas definidas; venceram porque estavam lá e beneficiaram do rotativismo instalado. Rajoy foi a votos pela terceira vez. P. Coelho actualizou a famosa máxima de D. Barroso “tenho a certeza que serei primeiro-ministro, só não sei é quando”.

Os continuados aumentos dos juros implícitos da dívida espanhola que já hoje “saudaram” a vitória de M. Rajoy, querem dizer que os mercados não lhe concederam a margem “de mais de meia-hora” que o líder da direita espanhola lhes havia implorado ainda enquanto candidato ao lugar.

Bem podem estes e outros lideres eleitos põr-se de cócoras a pedir favores aos mercados, pois que de pouco ou nada lhes servirá. Há que reformar no sentido do primado da política sobre a economia dos interesses particulares, nebulosos e socialmente irresponsáveis.

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Portugueses, espanhóis. Ibéricos?

Com a crise a abater-se sobre o país, a ideia de uma união ibérica floresce e aumenta o número de portugueses que prefere uma ligação ao vizinho espanhol. Fuga para a frente ou caminho a ponderar?

Os resultados de um estudo de opinião periódico – a terceira edição do Barómetro de Opinião Hispano-Luso, promovido pela Universidade Complutense de Madrid, Universidade de Salamanca, Centro de Analises Sociales e o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (parceiro português), – vêm mostrar a progressiva aproximação entre povos da península e relançar o tema da união dos dois países. Um assunto sempre presente, para o bem e para o mal, na história de Portugal e no imaginário dos portugueses. Claro que nos devemos ater ao facto de, pese a valia científica do estudo, ser suportado por uma amostra de 1.741 inquiridos residentes em Portugal (848) e Espanha (893) que representam o universo de uma população total dos dois países superior a 56 milhões de habitantes.

Confederação?

O barómetro permite verificar que, quer em Portugal, quer em Espanha, aumenta, face a anos anteriores, o número dos defendem uma federação de Estados, que passa de 39,9% (dos portugueses) e 30,3% (dos espanhóis) em 2009, para 46,1% e 39,8%, respectivamente, em 2011. Os que discordam são, no barómetro de 2011, 30,4% dos portugueses e 34,6% dos espanhóis. A concretizar-se qualquer forma de entendimento, as opções “confederais” são as que merecem maior simpatia: “acordar plenos direitos políticos para os cidadãos de cada país residentes no país vizinho” e “formar uma aliança estável como países ibéricos na União Europeia e para a América Latina”.

Haverá uma relação de causa-efeito entre o aumento do número de iberistas e o adensar da crise económica nos últimos anos? Certo é que aumenta o número dos que, em ambos os lados da fronteira, defendem uma “integração económica mais estreita, tanto entre os Estados (coordenação) como entre as empresas (fusões)” – 73,3% dos portugueses concorda (os espanhóis são 63,7%), segundo este estudo. É já hoje claramente perceptível que os dois países têm uma economia progressivamente mais integrada. Para muitas empresas de escala internacional, as fronteiras nacionais deixaram já de ser uma barreira num território que sempre foi contínuo.

É inquestionável que se assiste a uma confluência entre os povos da península, proporcionada quer por um maior contacto e conhecimento mútuo, iniciados com o fim das ditaduras nacionalistas em Portugal e Espanha, quer com o advento do espaço económico que ambos partilham na UE. Mas há escolhos que, no capítulo económico, separam opiniões nos dois lados da fronteira: se a maioria dos portugueses (70,4%) gostaria de ver uma “homogeneização do sistema fiscal”, já nuestros hermanos, não vêm a ideia com tanto entusiasmo – apenas 44,1% perfilham a ideia. Uns e outros estão cientes das disparidades entre os respectivos sistemas fiscais – com claro prejuízo para o lado nacional.

Releve-se ainda a boa imagem que Espanha dispõe junto dos portugueses (77,1% consideram-na Boa ou Muito Boa), assim como o interesse que os assuntos espanhóis merecem aos portugueses (superior ao de espanhóis por temas portugueses). Ambos os povos concordam maioritariamente pelo interesse do ensino da história do país vizinho nas suas escolas (a favor, 68,6% dos espanhóis e 75,3% dos portugueses).

A interpenetração cultural vai ao ponto de 21,5% dos espanhóis pensarem que Saramago  é espanhol, nacionalidade que lhe é atribuída por 26,5% dos portugueses !

Um bloco nacional

A reconfiguração territorial de Portugal após a descolonização (1974/75) foi preenchida pelo sonho europeu (1986). Reduzidos ao rectângulo e às ilhas atlânticas, o país foi rapidamente transportado para um cenário de maior exigência e competição económicas: o espaço comunitário que, de seis países, em1957, se alargou até aos 27 países na actualidade.

Com a aceleração da crise das dívidas soberanas voltaram a realçar-se as “velhas” diferenças económicas no interior da UE, fragilmente escondidas que estavam pela moeda única. Vinte cinco anos após a adesão à então CEE, mantém-se significativas distâncias de desenvolvimento entre o Club-Med (Portugal, Grécia e Espanha) e o norte da Europa. Agora sujeitos às regras do Directório de facto da União, hegemonizado pelo triunfante poderio (conservador) alemão, os países da periferia europeia têm preferido escudar-se na postura de diligentes “bons alunos” que tudo fazem para cumprir, à custa de empobrecimento, os incumpríveis critérios do Pacto de Estabilidade. Quando os anátemas das agências de rating se começaram a abater sobre os Estados nacionais, todos esses Governos preferiram dizer que a sua situação não tinha nada a ver com a do vizinho – foi assim com a Irlanda em relação à Grécia, com Portugal em relação à Irlanda, com Espanha a relação a Portugal – cada um por si tentando desordenadamente fugir à guilhotina dos ratings e das taxas de juro.

Portugal e Espanha (e outros países do Club-Med, dos PIGS ou GIPSI) só terão a ganhar em concertar posições, exigir novas regras e estabelecer plataformas para se fazerem ouvir no interior da União, fazendo valer o seu peso demográfico e a sua capacidade política.

Sobre Portugal e Espanha, vidé outros posts: Mourinho, a Telefonica e  fatalismo lusitano e 1º de Dezembro… de 2010

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Cultura, Política

1º de Dezembro… de 2010

A península Ibérica em 1676

Sem pompa nem circunstância ocorreu mais um 1º de Dezembro, feriado nacional que assinala a data em que Portugal comemora a restauração da sua independência em 1640. A data passou despercebida e a (importante) comemoração do Dia Mundial da Prevenção contra a SIDA sobrepôs-se, no plano mediático, a este tema histórico nacional.

O interesse da comemoração parece, infelizmente, esvair-se no dia de descanso que o feriado nacional concede à maioria (?) dos cidadãos. A evocação da data está hoje quase que reduzida a alguns eventos promovidos por militantes monárquicos, transformada, assim, de forma redutora, em mera afirmação da sua causa.

Mas, quase quatro séculos depois, qual será o sentido de comemorar o acontecimento? À época ela significou a restauração da dignidade e da autonomia dos portugueses, representada pela recuperação do seu poder político próprio – o exercício da coroa por monarca de casa portuguesa (Bragança). Para que tal fosse possível, o país enfrentou, a duras penas, um período de 28 anos de guerras e resistência às ameaças militares espanholas.

Qual então o sentido actual da Restauração?

As relações com Espanha, o iberismo e a união ibérica. A Espanha é hoje um grande país, democrático e plurinacional. Parte significativa do seu êxito e da sua viabilidade como país assenta nas autonomias, a várias velocidades, que soube conceder às suas regiões/nações e que contrariaram o autoritário centralismo castelhano (há mesmo duas autonomias castelhanas – Castela La Mancha e Castela e Leão) que o franquismo exacerbou. A Espanha é um hoje um Estado quase federal.

Em ambos os países ibéricos sempre houve quem defendesse a união ibérica. A história prova-o. A união das coroas ocorrida em 1580 teve muitos apoiantes para além do fundamento de legitimidade dinástica.  A poderosa aliança significada pelo casamento (1469) dos aclamados reis católicos, Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, assinala o princípio de uma era de hegemonia e conquista espanhola, quer na península, quer no mundo da época. Mas, há muitos séculos que os portugueses trilharam caminhos diferentes dos outros povos e das outras nações da Ibéria.

A tentação anexacionista entre os Estados ibéricos sempre existiu, inicialmente nos dois lados da fronteira, depois e em resultado do seu grande crescimento territorial, apenas do lado castelhano-espanhol. Ainda hoje é possível ouvir a alguns estudiosos espanhóis falar de uma síndrome de falta, referindo-se ao território português. Para compensar a sua dimensão face a um vizinho cada vez mais poderoso, Portugal sempre teve que procurar aliados; durante séculos a aliança inglesa correspondeu – precariamente – a essa necessidade.

Até à integração na CEE Portugal e Espanha viveram de costas voltadas, num misto de indiferença e desconfiança mútuos estimulados por nacionalismos autoritários. O reflexo de séculos de conflitualidade. À tentação anexacionista de Espanha (actualizada por Franco por ocasião da 2ª Guerra Mundial, conforme os planos militares de invasão recentemente desvendados) Portugal respondia com um anti-espanholismo acéfalo – “de Espanha, nem bons ventos, nem bons casamentos”. As últimas décadas começaram a alterar este cenário.

Quando a economia melhora em Espanha a atracção pelo união ibérica aumenta. Claro que há hoje um elevado grau de inter-penetração e ligações entre ambos os países – que se acentuará no futuro. É certo que a desconfiança diminuiu, restando alguns pequenos escolhos, como a gestão dos caudais dos rios internacionais e a sempre adiada questão de Olivença. Mas esse clima de entendimento não autoriza uniões ibéricas de carácter político. Em primeiro lugar, porque há muitos séculos de história a separar ambos os países, no que constitui parte importante da sua identidade, pelo menos no caso português. Em segundo, porque a Espanha actual é uma realidade bem mais volúvel que Portugal. Atente-se às vontades soberanistas de importantes regiões, como a Catalunha ou o País Basco; autonomias com tanta autonomia de administração e gestão que estão próximas da efectiva independência, para o que pouco mais lhes falta que exército e política externa. O que será a Espanha dentro de uma década?

Irmãos e amigos, mas cada na sua casa com o seu quintal.

A independência portuguesa e o “império”. Os últimos anos têm sido pródigos em demonstrar que a independência dos países é, no mínimo, relativa. A adesão a organizações internacionais limita o grau de independência das decisões – é o preço de fazer parte do homérico “concerto das nações”, como, por exemplo, a participação em causas que só muito remotamente fazem parte da nossa esfera de interesses.

A adesão de Portugal à então CEE, em 1985, teve apoio maioritário no espectro político mas não foi pacífica. Vivia-se a fase final da guerra fria e da competição entre blocos político-militares. A adesão representou a opção política de entrosar o país ao bloco ocidental, de que fazia já parte na NATO. Perdido o  império com a descolonização, o país viu na comunidade a solução para as suas dificuldades e problemas. A relação com o país vizinho ganhou novo ânimo.

Todos sabemos que parte importante dos destinos nacionais não se decide já em Portugal. Nomeadamente em matéria económica. A integração na UE trouxe uma melhoria do nível médio de vida dos cidadãos, mas, agora que as coisas correm mal, percebemos com clareza que prescindimos de instrumentos que nos concediam autonomia de decisão. Como a moeda e as taxas de câmbio; ou a nossa capacidade produtiva, trocada por uns quantos milhões de euros; ou ainda a ligeireza com que a economia passou a assentar na distribuição.

A União Europeia vai atravessar profundas alterações na sua arquitectura institucional. O elevado número de países que a compõe  tornam o seu funcionamento um complexo desafio. Os grandes e mais poderosos países da União terão a tentação de constituir um directório que tome as principais decisões em nome do império. Esse será o momento fundador da nova ordem.

Iremos continuar a ser independentes? Claro. Do ponto de vista formal. Lutando no fio da navalha por nos mantermos nesse periclitante equilíbrio entre preservar a máxima autonomia de decisão e cumprir as determinações do império.

O “império” não representa um conceito intrinsecamente mau. Se o “império” for “bondoso” e guiado por leis justas e equilibradas pode proteger as nações mais pequenas e os interesses dos mais fracos perante a gula e a ganância dos mais poderosos – há casos desses na história, estude-se, por exemplo, a benignidade dos impérios que permitiram a sobrevivência de pequenas nações. Os membros da UE terão que a fazer corresponder à alegoria. Uma Europa de nações e de povos. Não se vislumbra caminho de recuo.

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À espera dos espanhóis

Portugal e Espanha travam na semana que agora começa duas provas que o antigo seleccionador nacional L.F.Scollari definiria como de “mata-mata”. Na terça-feira, 29, num estádio da Cidade do Cabo, África do Sul e, no dia seguinte, no Centro de Congressos de Lisboa.

Se no primeiro daqueles encontros o resultado será determinado pela força, inteligência e habilidade dos onze homens de cada uma das selecções que estarão no campo – com os imponderáveis ditados pelo árbitro e seus ajudantes – no outro caso jogam-se muitos milhões de euros e o destino próximo (a presença no mercado de comunicações móveis brasileiro) de uma das maiores empresas com sede em Portugal e 36% portuguesa. Em ambos os casos estará também em causa o orgulho de uns e de outros e a imagem projectada de ambas as nações. É a “jangada de pedra” ibérica antes de o ser. Potencia no futebol e na finança, o país vizinho leva a vantagem de golias.

Ao que parece a gestão da espanhola Telefónica ganhou, habilidosamente, avanço nos últimos dias ao vender a entidades suas aliadas cerca de 8% da sua anterior participação na PT. Isto com vista a ultrapassar o eventual obstáculo que lhe seria levantado por ocasião da votação, em assembleia-geral, da venda da participação da PT na holding BrasilCel. Do lado português, a mui afamada gestão de Z.Bava tendo as partes nacionais por certas (será?), tem procurado convencer os fundos estrangeiros da excelência dos seus méritos e da “promessa” de dividendos futuros resultantes da continuação da empresa no mercado brasileiro. Não parece muito perante quem acena com 6,5 mil milhões de euros e fez o trabalho de casa junto da estrutura accionista.

Chega a ser hilariante Z.Bava apelidar de “traição” a atitude da Telefónica, seus parceiros de há 13 anos mas que já lhe haviam mostrado as suas intenções ao apoiarem a OPA da Sonae em 2006, com vista à cisão do mercado brasileiro da PT. Mais certo seria dizer “fomos comidos”. Depois de anos a abrir portas no Brasil a “nuestros hermanos”, devido às vantagens da língua e de outras afinidades culturais, parece agora restar à PT vender a armada e começar a construir frota noutro lado.

Entretanto, a famosa golden share do Estado português na Portugal Telecom poderá vir a ser declarada ilegal, no próximo dia 8 de Julho, pelo Supremo Tribunal da União Europeia. Uma séria machadada para a capacidade de intervenção dos governos nacionais (neste caso o português) nas grandes decisões empresariais e económicas.

Mas, até ao lavar dos cestos é vindima e vamos aguardar pelo epílogo.

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Mourinho, a Telefonica e o fatalismo lusitano

Olhamos para as notícias que nos chegam de Espanha – Real Madrid contrata J.Mourinho, tal como já o tinha feito com C.Ronaldo, por dezenas de milhões de euros; Telefonica disponível para comprar PT; empresas espanholas dominam sectores nacionais; e pensamos: Como é possível? Estamos fadados a que tudo o que de melhor “produzimos” esteja destinado a ser absorvido por nuestros hermanos?

Há muito que mantemos uma relação de orgulho e inveja com Espanha. Um sentimento que se acentua quando vemos os melhores de nós – de que os homens do futebol são apenas a parte mais visível e mediática – emigrarem para o país vizinho.

Orgulho, porque a existência de Portugal se deve à sua afirmação, muitas vezes violenta, face aos reinos que antecederam a Espanha actual. E porque ao longo da nossa história se sucederam numerosos conflitos entre os dois países. Os portugueses orgulham-se de serem o único povo da península que não se submeteu, durante séculos, ao expansionismo hegemónico castelhano. Facto que vemos hoje plenamente demonstrado pelas forças centrífugas dos nacionalismos que tem nas últimas décadas vindo a desmantelar o antigo centralismo de Madrid.

Por outro lado, é com inveja que olhamos para o nosso vizinho. Reduzida à miséria e à pobreza por uma guerra civil sangrenta (1936-1939), a Espanha post-franquista soube galgar níveis de desenvolvimento e melhorar progressivamente o nível de vida da sua população. Algures nos anos oitenta do século passado, o rendimento dos espanhóis suplantou o dos portugueses, numa trajectória que se acentuou. No espaço de um quarto de século Espanha democratizou-se, deixando vir ao de cima o melhor da sua extraordinária diversidade de nacionalidades – autonomias regionais com importantes poderes e competências, embora a várias velocidades – e a sua economia cresceu a taxas notáveis. Os trabalhadores dispõem de maiores rendimentos, os jovens de mais fácil acesso à universidade, os aposentados de melhores pensões de reforma. Em suma, uma economia dinâmica num mercado de 46 milhões de habitantes. E é desta Espanha que temos inveja. 83.800 portugueses (com mais de 16 anos) residiam em Espanha no final de 2009, segundo o INE.

Mas a Espanha de hoje não é uma unidade político-territorial tão consistente como Portugal. A pluralidade das suas autonomias se é uma virtude, é também um risco para a sua coesão. Por exemplo, o de os nacionalismos independentistas das regiões mais ricas, País Basco e Catalunha, se eximirem à necessária solidariedade com as mais pobres. Não é de excluir uma Espanha federal – já quase o é actualmente.

A relação Portugal Espanha evoluiu. A desconfiança dos tempos das ditaduras pintadas de nacionalismo foi substituída por maior circulação, contacto e convivência entre os povos. A desconfiança militar de outros tempos transferiu-se para outros campos. A livre circulação de capitais e o mercado único condenaram a falta de escala. No passado, como no presente, a vocação portuguesa terá que continuar a ser a de olhar para fora, para Espanha, ou mais exactamente para as Espanhas, como para outras paragens com quem mantemos contactos privilegiados de natureza histórica e linguística. Temos pois que ganhar escala.

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Da virtude do exemplo

O governo espanhol acaba de anunciar a eliminação de 29 empresas públicas e o corte de 32 altos cargos de responsáveis de vários ministérios, no âmbito da sua estratégia de diminuição da despesa pública. De entre os sectores abrangidos incluem-se departamentos da Presidência do Governo, Ministério da Economia, Ciencia e Inovacão. Das 106 empresas públicas foram eliminadas 14 e 24 vão dar origem a nove. Foram ainda suprimidos 80 cargos directivos e 450 postos de administradores de empresas públicas e entidades públicas empresariais com mais de seis membros no Conselho de Administração

Mais que o efectivo impacto financeiro de uma medida desta natureza, parece preocupar (e bem!) aos governantes de nuestros hermanos o impacto simbólico da medida. Há que convencer a população a participar nos esforços de austeridade. E se o exemplo começar por cima maiores serão as possibilidades de resultar; não esqueçamos que Espanha tem 20,5 % de taxa de desemprego, o que pode constituir um forte incentivo para a explosão social. Como já percebemos, a receita não variará muito de país para país do famoso grupo PIGS: serão os mesmos de sempre a pagar a crise. O capital, como não tem pátria, está à distância de um clique para mudar de país e de continente.

Só que em Portugal não somos dados às subtilezas espanholas. Começa-se pelos mais fracos de todos (os desempregados), a que se seguem, por ordem, funcionários públicos, trabalhadores por conta de outrem, profissionais independentes, pequenos e médios empresários e classe média em geral. À função pública fica reservado o papel do “bombo da festa”. Em anos de eleições brindada com aumentos de salários, para nos outros ser o “exemplo” do “rigor orçamental”; isto sem esquecermos o seu uso avulso para emoldurar visitas de Chefes de Estado.

Fica a lição de que os sacrifícios terão que ser partilhados por todos e que terão que começar por cima. De outra forma a sociedade não compreenderá e poderão estar, também aqui, reunidas condições para confrontos descontrolados.

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