
Concentração de trabalhadores em Greve no Largo da Misericórdia, em Setúbal, no dia 24 de Novembro
No rescaldo da Greve Geral de 24 de Novembro, sem dúvida uma das maiores paralisações de sempre em todo o país, os responsáveis do CDS-PP e do PSD desdobram-se me declarações de compreensão pela “impaciência” dos trabalhadores, de respeito pelos “direitos”, declarações que quase nos fazem pensar se não teriam também eles, com tanta compreensão, feito greve. Mas não.
Uma das declarações mais interessantes, que replica, aliás, uma argumentação recorrente em dias de greve, é a de Nuno Magalhães, deputado do CDS-PP eleito por Setúbal. Magalhães manifestou respeito pelos grevistas, claro, mas também por aqueles que queriam ir trabalhar e não o conseguiram. Ainda assim, foi uma declaração moderada face a outras posições assumidas pelo CDS no passado, partido avesso a greves, mas apaixonado por comícios populistas e visitas a feiras de alcofa.
Nuno Magalhães, que se assume aqui como o símbolo de uma certa direita mais radical, apenas replica o mais recorrente argumento dos que contestam as greves: o de que os grevistas não respeitam o direito ao trabalho dos outros. Não deixa de ser absurdo ver a questão desta forma, uma vez que não há outra forma de fazer greve que não a de parar de trabalhar, o que, no caso dos trabalhadores dos transportes, por exemplo, se traduz na paralisação desses mesmos meios de transporte. Os partidos de direita, porém, acompanhados pelo PS, quando está no poder, não se cansam de reproduzir tal argumento.
Estranhamente, Nuno Magalhães nunca se terá interrogado sobre a razão que leva a que muitos trabalhadores não façam, ou melhor, não possam fazer greve. Estranhamente preocupa-se com os que não podem ir trabalhar, mas não se preocupa com o que obriga a ir trabalhar aqueles que, e não são poucos, querem, legitimamente, fazer greve.
O deputado do CDS-PP omite que muitas centenas de milhares de trabalhadores têm vínculos precários e vivem com o permanente receio do despedimento, que centenas de milhares de trabalhadores recebem salários de miséria. Magalhães sabe, mas não quer dizer, que as causas desta precariedade, destes baixos salários residem, em grande escala, nas políticas que o CDS-PP e PSD, com o PS, praticaram e praticam no Governo há mais de três décadas, na destruição do aparelho produtivo nacional que nos faz depender do exterior, na alteração, sempre favorável ao patronato, da legislação laboral, na desregulação de horários e direitos.
Ontem, num piquete de greve, um jovem trabalhador dizia-me que não podia fazer greve porque só ganhava 485 euros por mês e que se dispensasse o salário de um dia de trabalho passaria fome e teria de ir arrumar carros. Ao lado, outro, ainda que tivesse o mesmo problema, defendia-se com o argumento de que faria greve, mas só se fosse por três dias e para ir a Lisboa “partir tudo”.
Os que querem ir trabalhar e muitos dos que foram ontem trabalhar podem, de facto, contestar a greve, mas seguramente haverá um número muito maior daqueles que querem fazer greve, mas não podem. A esses, Magalhães não endereça uma palavra de compreensão, a palavra, aliás, que está mais presente nos discursos dos responsáveis do PSD e do CDS-PP neste dia de rescaldo da greve geral, o que indicia que os comunicólogos do Governo poderão ter delineado previamente a estratégia da “compreensão” para minimizar os ataques de que seriam alvo. A estratégia da “compreensão”, da empatia, permite quase que o Governo se mostre ao lado dos trabalhadores, no que é, sem dúvida, uma das maiores manifestações de hipocrisia política de que há memória.
Na verdade, a lição que a Greve Geral de ontem nos deixa é de que o único caminho é o da luta persistente e sem tréguas às injustiças que este Governo nos impõe.
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