
Analise política em forma de gif. A riqueza da net tem destas coisas. Aqui: http://giphy.com/gifs/marcelo-total-recall-cavaco-l0GRiuVl1MuO9891e
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1º acto – Cavaco Silva chama, sem delongas, Passos Coelho a formar Governo. Também sem demora anuncia que vai dar posse a esse mesmo Governo. Mesmo quando já (todos) sabia(mos) que seria “chumbado” pela maioria dos deputados no parlamento. Não fez exigências nem colocou condições ao nomeado!
2º acto – No discurso de posse do “Governo com demissão anunciada” dirige-se… não ao Governo, mas sim à oposição e de forma ameaçadora. Passos Coelho e os seus colegas assistem “de bancada” – só estão ali por mero acaso! Pelo meio Cavaco apela à rebelião dos deputados do PS na votação parlamentar e fala… da NATO !!
3º acto – Com o governo demitido pelo parlamento e em funções de gestão; com as dúvidas sobre Portugal a avolumarem-se junto das organizações internacionais, dos agentes económicos e dos mercados, que entende por bem fazer o presidente Cavaco? Viajar para a Madeira e mostrar-se ao leme de uma embarcação.
4º acto – Regressado ao Continente anuncia mais e mais audiências. A banqueiros e a economistas. E aos partidos, claro. Isto depois de ter ouvido entidades tão ilustres e selectas como o fórum para a competitividade e a associação das empresas familiares.
As eleições foram há um mês e meio. Para Cavaco, o país que espere!
Primeira – Estabilidade
A solução de um governo PS com apoio parlamentar do PCP, BE e PEV é a única que garante suporte político maioritário no atual quadro de forças existente na Assembleia da República. A coligação PSD-CDS revelou-se incapaz de assegurar uma solução estável. Apesar das eventuais fragilidades que lhe possam ser apontadas (que só poderão ser avaliadas mais adiante!), a solução liderada por A. Costa corresponde à vontade de mudança de ciclo, maioritariamente expressa pelo eleitorado. E, com uma certa ironia, à continuada exigência de um governo com apoio maioritário, desde há muito formulada pelo Presidente Cavaco Silva.
Segunda – Legitimidade
Não restam dúvidas sobre a legitimidade da solução conseguida pelos partidos da esquerda, que tem abrigo constitucional indiscutível: “O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.” (art.º 187º da Constituição). Tendo havido um histórico de governos liderados pelo partido mais votado, esse não é, em rigor, o critério determinante; a existência de uma maioria parlamentar sim!
Terceira – Urgência
O governo de P. Coelho está demitido e em gestão. O prolongamento do estado de indefinição governativa é a pior das situações. Para que o país possa funcionar com normalidade necessita de ter um governo em plenitude de funções e um orçamento aprovado com a maior das brevidades. Qualquer outra solução – governo de gestão, ou de iniciativa presidencial, aguardando eleições antecipadas, teria elevados custos. Pesados custos em todas as latitudes, das pessoas aos mercados passando pelas empresas e pelo próprio Estado. Qualquer uma destas soluções significaria ainda um governo sem capacidade de acção, adiamento de decisões e de investimentos e um país em campanha eleitoral e instabilidade durante muitos meses.
Cavaco Silva disse hoje, na tomada de posse do XX Governo Constitucional, já apelidado de “O Breve”, que, “ao longo da nossa História, só conhecemos verdadeiro progresso económico e social quando existiu estabilidade política. Sem estabilidade política, Portugal tornar-se-á um país ingovernável”.
Cavaco prossegue na mesma senda do líder parlamentar do PSD, quando afirmava que a “vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor“, ou seja, podemos estar a bater no fundo, mas pelo menos temos estabilidade. Parafraseando alguém que viria a perder a cabeça, se não há pão, então comam estabilidade.
A estabilidade política, na forma como o presidente a entende desde pelo menos 1985, foi sempre um sinónimo de governos de direita ou que aplicassem políticas de direita. Chegados ao momento em que surge a possibilidade de um governo com sustentação nas forças de esquerda, Cavaco agita o papão da falta de estabilidade, o que o confirma, sem qualquer dúvida, como um mero chefe de seita.
A questão da estabilidade é, porém, bastante mais interessante. Será que se pode considerar que existe estabilidade política quando um Governo passa quatro anos a desestabilizar a vida das pessoas, com cortes de salários, subsídios de férias e de natal, sobretaxas de IRS, Contribuições Extraordinárias de Solidariedade, cortes de pensões, alterações de prestações sociais, aumentos brutais de impostos, alterações nos horários de trabalho, maior precarização das relações laborais, aumento de taxas moderadoras, discriminação das mulheres na já resolvida questão do aborto, leis inconstitucionais e muitas mais tropelias que nos fizeram?
É desta estabilidade que fala Cavaco Silva? Pois se é, não, muito obrigado, não a queremos.
Lembram-se dos Marretas? Cada episódio era iniciado por uma música frenética. De súbito surpresa, a música de abertura era um slow languidíssimo. Era, até o bateria, o Animal, desatar num solo estapafúrdio, batendo furiosamente em todos os tambores e pratos enquanto gritava: O Animal Não Aguenta!
Lembrei-me desta cena quando hoje, num desses jornais de distribuição gratuita, me deparo ao lado da notícia de Cavaco a indigitar Passos Coelho, com um discurso miserável bem ao nível dessa gente, com uma coluna inteira, fundo colorido para não passar despercebida, letra de corpo bem grado para a leitura ser fácil, direito a fotografia, esta declaração de Francisco Assis: “Para que desde logo não reste a mais remota dúvida quanto à minha posição, devo declarar que sou frontal e absolutamente contra a ideia de um qualquer governo assente numa maioria de esquerda”.
Aí fica para quem ainda tivesse alguma dúvida: O personagem nunca foi, não é nem nunca será de esquerda! Haja crise para essas coisas se tirarem a limpo e deixarem de andar a enganar a malta com falinhas mansas. Há um ponto em que… O(s) Animal(is) não Aguenta(m)!
É miserável o espectáculo das negociações entre a Grécia e a CEE, BCE e FMI, as reuniões do Eurogrupo e dos primeiros ministros. Uma comédia cínica em que a tragédia grega se consome. Um banquete mal encenado de abutres que em público se disfarçam de pelicanos, com a comunicação social domesticada a sustentá-los, de forma directa ou sinuosa. Nós, portugueses, somos enxovalhados e envergonhados pelas declarações da múmia paralítica que habita em Belém, do texugo Passos Coelho com as suas frases estereotipadas e fedorentas da assexuada pinguim Maria Luís Albuquerque (concorrer com a Merkel não é fácil!) a grasnar inanidades. Todos com a mesma contumácia com que aqui dentro mentem, cometem os maiores desaforos. Olham e lêem a realidade com os seus olhinhos infantis de bandido, a ver se a miséria que plantam, o ogre que alimentam, continuam à solta. Os últimos anos de roubos ao povo português, os rombos no erário público, a venda ao desbarato dos bens públicos, resultaram num enorme e rotundo fracasso. Um gigantesco e assustador monolítico avança a grande velocidade para Portugal, ameaçando-nos: a dívida já é 130% do PIB, há quatro anos era 95%! Os cofres voltaram a estar cheios, mas agora de passivos, de dívidas! A economia continua em coma! A dívida, o serviço de dívida continua imparável, foi empurrado para mais longe! É o caminho certo para o desastre! No horizonte, se não se mudar de política, o caminho de pedras dos gregos.
Cá como lá , a questão de fundo não é económico-financeira! É política! Olhe-se para a Grécia, os números já pouco interessam. Como já tem pouco interessa que a Grécia tenha chegado ao fundo do buraco onde está pela mão do PASOK e da Nova Democracia que, durante seis anos, aplicaram o receituário da troika que provocou a catástrofe actual. Nem interessa se as estratégias negociais da Grécia/Syriza foram incipientes e, por isso, as negociações se complicaram por erros de encenação e representação no teatro de sombras da diplomacia. Nem sequer o mais importante do que está em jogo são os milhões que a Grécia tem que receber para não entrar em bancarrota. Há argumentos que banzam pela falsidade, pela perfídia. Agora, sendo difícil continuar a apoiar as exigências das instituições, apareceu uma nova cáfila de comentadores e jornalistas que dizem compreender a inflexibilidade do FMI, por não ser um organismo político (esta é de morrer a rir!) e por o dinheiro do FMI ser duzentos países, pelo que deve ser seu guardião e defensor. O FMI enquanto ameaça a Grécia se não pagar dois mil milhões de euros, empresta mais 40 mil milhões, a somar a um primeiro empréstimo de 15 mil milhões, à Ucrânia já depois da Rada, o parlamento desse país dirigido por uma camarilha corrupta nazi-fascista, ter aprovado uma lei em que se decreta o não pagamento aos credores! A Ucrânia está e declara-se em bancarrota, o FMI, a CEE e os EUA continuam despreocupadamente a conceder-lhe créditos, sem uma carquilha de hesitação.
É falso que a dimensão da crise grega seja principalmente económica e financeira. A Grécia representa menos que 2% do PIB da CEE. Uma irrelevância! Discutir e encharcar os noticiários com danças e contradança dos números e das medidas propostas ée contrapropostas, é falsear a realidade. A crise grega é uma crise política! A humilhação que a matilha neoliberal quer infligir à Grécia é para que a Grécia se torne um exemplo de como a democracia só existe, só interessa e é aceite se cumprir as regras impostas pelos mandaretes do grande capital, a direita e seus aliados, os socialistas tipo Hollande ou Blair e outros, conjunturalmente mais moderados na via da infidelidade à sua matriz. A esquerda que, mesmo timidamente e sempre de cedência em cedência, ousou enfrentar esses padrões está condenada ao ostracismo. Um aviso aos eleitores dos outros países europeus, votem, votem sempre para fingir que a democracia é um valor universal da civilização ocidental. Se votarem num partido mais à esquerda ficam condenados a serem excluídos da nossa grande famíglia, que procura que o modelo eleitoral se vá apurando até alcançar a grande mistificação do modelo norte-americano em que se escolhe entre hilarys e bushes. Para essa gente o voto só é válido se legitimar o trânsito entre uns e outros, outros e uns que só se diferencia nos pormenores. A máfia democrática o que quer , humilhando o povo grego, a sua vontade expressa nas urnas é condicionar a liberdade de escolha, a liberdade de voto, violar a consciência cívica e política dos cidadãos. O que se quer impor é uma democracia fortemente vigiada. A democracia do campo de concentração do grande capital, a ditadura dos mercados. Nada disto devia ser inesperado. Se o Syriza acreditava que a Europa iria aceitar a vontade do povo grego, que a solidariedade europeia era mais que uma declaração inscrita num papel é porque não estava preparado para enfrentar a Europa.
Foi armado de slogans, atirar-se ao mar de tubarões que a Europa é com os seuss dirigentes marionetas dos grandes grupos financeiros. A crise grega, estes últimos cinco meses, contém grandes ensinamentos e deve provocar grandes preocupações na Esquerda. O Syriza, enredado nos seus ziguezagues ideológicos, está a perder uma oportunidade histórica com uma política de sucessivos recuos, sem ter cavado uma trincheira bem armada onde pudesse resistir e, eventualmente, contra-atacar. A derrota do Syriza, como se está a desenhar, é uma derrota para toda a esquerda, sem poupar nenhuma força de esquerda, das mais coerentes ás mais vacilantes. Do ponto de vista prático não se percebe como é que o Syriza assim que foi empossado não tomou medidas para evitar a fuga de capitais, chegaram aos mil milhões por dia. Como não nacionalizaram bancos, deixando-os em roda livre em conluio com o BCE. Conluio alargado ao Banco Central da Grécia. Sem ferramentas financeiras os 50 000 milhões que existiam no tesouro, nos bancos e nos depósitos, quando formaram goiverno, começaram a desaparecer, antes de mais para pagar a dívida que tonitruantemente diziam não ir pagar ou não pagar com as condições que até aí tinham sido impostas. O plano anti-austeridade do Syriza foi sendo ruidosamente roído pelas instituições, até se chegar a este beco. Deixaram que os recursos que inicialmente dispunham, fossem pilhados pela União Europeia e seus comparsas, o BCE e o FMI. Enquanto isso, julgavam que a Europa se preocupava com o efeito da saída da Grécia no euro? Ou, do ponto de vista político, que a Europa se assusta com um possível reforço da Aurora Dourada, que Tsipras e Varoufakis a espaços, acenaram? Pensavam que as instituições se comoveriam com o voto do povo grego num programa que punha em causa, a austeridade, apesar de, em muitos pontos, ser evasivo? Depois de a banca privada, sobretudo a alemã e a francesa, ter ficado a salvo de possíveis incumprimentos gregos, para isso serviram os últimos empréstimos e não para apoiar a Grécia a sair do ciclo vicioso que a tritura à meia década, atingido esse desiderato, era previsível que a troika apertasse os cordões à bolsa, continuando a apertar o garrote com medidas de estruturais que são a pirataria mais descarada da economia, das infra estruturas, da já depauperada soberania dos países a bem dos mercados e do capital financeiro.
O maior peso da direita mais radical até ao nazi-fascismo na Europa, mesmo no mundo, não é coisa que cause grande preocupação, tal como num passado ainda recente, aos corifeus europeus. O grande capital europeu e trasantlântico foram grandes suportes da subida de Hitler ao poder, enquanto a esquerda se dilacerava. A história tem sempre lições que não devem ser esquecidas. Para essa gente a vontade de um povo é zero se não estiver em consonância com o poder político a mando do capital financeiro. Não é surpreendente que o Syriza, tal como o Podemos, em Espanha, o Cinco Estrelas, em Itália e o mais que aparecer por essa Europa sempre que necessário, tenha sido acarinhado como uma alternativa à esquerda classificada de tradicional O que não deixa de ser surpreendente é que se descredibilize por culpa própria e seja descredibilizado de maneira tão rápida. Perderam utilidade para os mandatários e ideólogos do pensamento único. Num primeiro momento ainda devem ter calculado que, ao aliarem-se com um partido de direita xenófoba, o ANEL, acabariam por ser aceites. Nos primeiros meses, tudo parecia correr de feição, enquanto o Syriza ia deslocando as suas linhas vermelhas até à beira do abismo de perderem completamente a confiança do povo grego, sobretudo os seus votantes. Terá acreditado o Syriza que a troika se comoveria com a vontade do povo grego e que havia um ponto em que, depois de tantas cedências, aceitaria um programa completamente desfigurado, mas que mesmo assim, não correspondia totalmente às suas exigências? Aparentemente foi o caminho que seguiram em cinco meses de negociações que lhes demonstravam o contrário. A inépcia política, os princípios cambaleantes, os radicalismos de pacotilha, são o caldo de cultura para, quando chega o momento das decisões estratégicas, seguir sempre o caminho da colaboração, muitas vezes já sem regras, que acaba por deixar os povos sem alternativa.
A Europa range os dentes ao referendo que é a tábua de salvação de um Syriza, de uma certa esquerda, perante um naufrágio anunciado. O referendo é o último recurso para voltarem a ter algum crédito. O problema é que podem ganhar o referendo mas se continuarem pela mesma via a derrota do povo grego está garantida.
A grande ilusão que os Syrizas espalham, que a Grécia demonstra de forma ineludível, é que quando um governo de esquerda chega ao poder tem que assumir medidas para ter poder real. Está condenado à derrota se não as assume. Poder real que só se consegue com o controle, ainda que parcial, do poder económico, com o controle das alavancas essenciais do poder económico para terem poder político. Sem armas para controlar ou fortemente influenciar o complexo financeiro- industrial, o grande comércio, a grande agro-indústria, os meios de comunicaçâo social, que dominam o aparelho de Estado, ficsm de mãos atadas. Ao não assumir essa frente de luta o Syriza começou por ser saudado, nos grandes órgãos de comunicação social da Europa de da América do Norte, pelo seu realismo político. Os elogios ampliaram-se quando enfrentou internamente, dentro da sua coligação, as tendências de esquerda (Plataforma de Esquerda, Tendência Comunista, Ambientalistas) em nome de um acordo com a Europa, justificando cedências consideráveis, sem perceber, por inépcia política e débil preparação ideológica, que a Europa, tinha por único objectivo prolongar, continuar os programas de austeridade que tinham arrasado a Grécia, atirando-a para níveis de pobreza inimagináveis. O realismo político de Tsipras, o marxismo errático e libertário de Varoufakis, passeando essa nova política de reunião em reunião, de concessão em concessão, foram demonstrando que o que havia de facto de novo era o sem-gravatas, as fraldas da camisa de fora.
A inefável Europa Connosco, através da crise grega, está a enviar um sério aviso aos povos europeus. Deixem-se dessa treta da democracia, da vontade popular. Não podem votar em quem, mesmo que timidamente, belisque os interesses do grande capital. Não se tolerará nem sequer um Syriza! Em Portugal, para esses ditadores de fachada democrática, votar no Partido Comunista Português e seus aliados ou no Bloco de Esquerda só será aceite se a discriminação for garantida. Se forem encerrados num ghetto onde podem esbracejar, vociferar desde que não saíam do ghetto por o ghetto estar bem cercado. Gente avisada, a gente gira de o Livre/Tempo de Avançar preparou-se para a bênção da farsa democrática. Já fez a primeira comunhão. A comunhão solene seguir-se-á. Sabem que Bruxelas, atenta à voz de Berlim, recompensa os traidores.
A derrota do Syriza, por mais fortes e justas críticas que se lhe façam, será uma derrota para toda a Esquerda, não só na Europa mas no mundo. A Esquerda, sem ter que alinhar com o Syriza mas serm necessariamente excluir o Syriza, vive um momento histórico na luta contra a direita de fachada democrática e seus aliados do centro e de uma esquerda latrinária que de esquerda só tem o nome. A procura de alianças à esquerda, por mais difícil e dolorosa que seja, é necessária, sem quebras de princípios fundamentais, com o objectivo bem definido de enfrentar e derrotar a direita e seus comparsas. Tendo bem claro que o poder abstracto, não escrutinado do capital financeiro ocupa largos territórios, que a sua ditadura é bárbara e totalitária. Que já tem, nas linhas recuadas, o nazi-fascismo perfilado no horizonte. Cresce em toda a Europa. Já está no poder, de facto ou lateralmente, na Hungria, na Croácia, na Polónia, nos países bálticos, na Ucrânia. O ovo da serpente está a ser chocado. A luta vai ser áspera e muito dura. A esquerda tem que se realinhar. Será que a lição do Syriza será aprendida? As ilusões espalhadas por esse revisionismo de esquerda, pagam-se caro, e são pagas por toda a esquerda.
As ilustrações utilizadas, do grande artista que foi John Heartfield, devem ser olhadas com a devida distanciação histórica, apesar da sua actualidade
Depois do acordo de princípio, alinhavado entre o governo grego e a CEE, das múltiplas declarações entre os protagonistas e o que os nossos (des) governantes foram comentando em desbragada linguagem, recomendamos um fim-de-semana alucinante à espera dos próximos capítulos desse teatro escabroso em que se procura esfolar a democracia.
“Campo de Concentração Austeridade”, “Loucos por Coligações ou São Bento e os 120 Dias de Sodoma”, ”Portugueses mais um esforço para continuarem a ser Esmifrados” e ”Contos para Adultos dos Tarados das Reformas Estruturais”, quatro filmes para maiores de dezoito anos, recomendados para um fim-de-semana acabrunhante, à espera da lista grega a ser entregue em Bruxelas.
Os dois primeiros são protagonizados por Maria Luís Albuquerque e Wolfang Schaulbe e Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, duas das duplas mais famosas no mundo da pornografia financeira, do cinismo político e da crueldade social. Os dois últimos são grandes orgias, celebrando os infortúnios da austeridade com os quatro protagonistas e narração de Cavaco mergulhado no fundo do Poço de Boliqueime, Opções adicionais discursos, entrevistas, declarações dos protagonistas, não recomendadas por questões de higiene mental.
Aviso muito importante: os filmes contém cenas sadomasoquistas que podem ferir a mais empedernida sensibilidade, mesmo dos mais experimentados.
A ESPERA DOS BÁRBAROS
— Que esperamos na ágora congregados?
Os bárbaros hão-de chegar hoje.
Porquê tanta inactividade no Senado?
Porque estão lé os Senadores e não legislam?
Porque os bárbaros chegarão hoje.
Que leis irão fazer já os Senadores?
Os bárbaros quando vierem legislarão.
Porque se levantou tão cedo o nosso imperador,
e está sentado à maior porta da cidade
no seu trono, solene, de coroa?
Porque os bárbaros chegarão hoje.
E o imperador espera para receber
o seu chefe. Até preparou
para lhe dar um pergaminho. Aí
escreveu-lhe muitos títulos e nomes.
— Porque os nossos dois cônsules e os pretores
saíram hoje com as suas togas vermelhas, as bordadas
porque levaram pulseiras com tantas ametistas,
e anéis com esmeraldas esplêndidas, brilhantes;
porque terão pegado hoje em báculos preciosos
com pratas e adornos de ouro extraordinariamente cinzelados?
Porque os bárbaros chegarão hoje;
e tais coisas deslumbram os bárbaros.
– E porque não vêm os valiosos oradores como sempre
para fazerem os seus discursos, dizerem das suas coisas?
Porque os bárbaros chegarão hoje;
e eles aborrecem-se com eloquências e orações políticas.
– Porque terá começado de repente este desassossego
e confusão. (Como se tornaram sérios os rostos.)
Porque se esvaziam rapidamente as ruas e as praças,
e todos regressam as suas casas muito pensativos?
Porque anoiteceu e os bárbaros não vieram.
E chegaram alguns das fronteiras,
e disseram que já não há bárbaros.
E agora que vai ser de nós sem bárbaros.
Esta gente era alguma solução.
Konstandinos Kavafis
(tradução Joaquim Manuel Magalhães/Nikos Pratsinis)
Os cônsules, pretores que entre dois partidos sozinhos ou coligados, se sucediam na Grécia, impondo ao povo grego as soluções dos bárbaros foram democraticamente derrotados. As iníquas reformas estruturais, um saco de mentirolas que nada reestrutura e tudo destrói, que garrotavam a economia, aumentavam a dívida, mantinham os privilégios da oligarquia, aprofundavam a corrupção, atiravam cada vez mais gregos para a miséria e o desemprego, foram democraticamente derrotadas. Quem venceu pelo voto, propõe outro caminho para sair da crise, caminho dentro do quadro político, económico e social dos bárbaros. Nem isso os bárbaros aceitam. Inquietam-se porque não querem que seja sequer possível pensar que há outras saídas para a crise económica dos países que se debatem com dívidas que são impagáveis, consequência da crise mais geral da Europa tatuada no sistema que se arrasta agónico mas que se julga eterno, sem alternativas.
Governantes e seus sequazes querem ditar, impor as suas leis sobre os países devastados por uma estúpida cegueira que alimenta os oligopólios financeiros, promove uma crescente desigualdade social, instala um desastre económico e social de proporções inquietantes. Mentem manipulando as estatísticas para travestir o desastre. Mentem. mentindo sempre e, sem pudor, fazem circular a mentira por uma comunicação social mercenária ao seu serviço.
Na CEE, os países que se sujeitaram às receitas das troikas, viram as suas dívidas em relação ao PIB aumentar exponencialmente entre 2007 e 2014. Irlanda 172%, Grécia 103%, Portugal 100%, Espanha 92%. A dívida mundial que em 2007 era de 57 biliões de dólares, em 2010 foi de 200 biliões de dólares, ultrapassando em muito o crescimento económico. Tendência que continua o seu caminho para o abismo, em benefício dos grandes grupos financeiros, entrincheirados nos chamados mercados. O chamado serviço da dívida, os juros, são incomportáveis. São esses os êxitos de uma política cega submetida à ganância usuária que não tem fronteiras ou qualquer ética.
Os governos deixaram de estar ao serviço dos seus povos, nem estão sequer dos seus eleitores. São correias de transmissão dos oligopólios financeiros que se subtraem a qualquer escrutínio democrático ou outro de qualquer tipo. Traçam um quadro legal que os suporta e legitima a ilegitimidade. A democracia é uma chatice, um entrave, um pauzinho nessa gigantesca engrenagem que nos atira barranco abaixo, com efeitos devastadores para a humanidade. Nada interessa a não ser o lucro de quem especula sem produzir nada. As pessoas são uma roda nessa engrenagem.
Quem não caminha ordeiramente nesse rebanho, quem se opõe, mesmo que mandatado e sufragado democraticamente, é considerado irresponsável, como disse o ogre Wolfang Schauble, ministro da economia da Alemanha, em relação à Grécia. As suas enormidades ecoam pela boca dos seus bufões, das suas monicas lewinskis por todos os cantos de uma Europa submissa aos diktats do bando de arruaceiros financeiros que rouba a tripa forra países e povos. Em Portugal, as nossas monicas lewinskis são mais fatelas, mais rascas com se tem visto e ouvido de Cavaco a Passos Coelho, de Portas a Pires de Lima mais a matilha dos seus sarnentos rafeiros de fila. Espumam raiva, ódio dos ecrãs televisivos às ondas radiofónicas. Quem se atreve a riscar, ainda que levemente, essa realidade em que nos enforcam é logo atacado e silenciado quanto baste por essa matilha de pensamento ulcerado.
Os burocratas europeus dogmáticos, leitores e intérpretes da cartilha neoliberal dizem que a realidade é assim mesmo! Será?
A realidade nunca é a realidade que nos querem impingir como Aragon tão bem descreveu. Há mais vida para lá desse biombo com que a querem esconder qualquer luz, mesmo bruxuleante, de esperança para a humanidade.
AS REALIDADES
Era uma vez uma realidade
com as suas ovelhas de lã real
a filha do rei passou por ali
e as ovelhas baliam que linda ai que linda está
a re a re a realidade
Era uma vez noite de breu
e uma realidade que sofria de insónia
então chegava a fada madrinha
e placidamente levava-a pela mão
a re a re a realidade
No trono estava uma vez
um velho rei que muito se aborrecia
e pela noite perdia o seu manto
e por rainha puseram-lhe ao lado
a re a re a realidade
CODA: dade dade a reali
dade dade a realidade
A real a real
idade idade dá a reali
ali
a re a realidade
era uma vez a REALIDADE.
Aragon
(tradução António Cabrita)
Em Portugal, as armas e os barões assinalados de uma maioria, um governo, um presidente, o alfa do pensamento politicamente esquálido de Sá Carneiro, deixam registos a assinalar nestes últimos anos.
Um Presidente especialista em raspadinhas premiadas do BPN. Um Primeiro-Ministro que, segundo o seu último empregador, era um entendido em gazuas ”que abria todas as portas” Um Vice-Primeiro Ministro perito em submarinos e feiras e aparecer dedo no ar por tudo e por nada. Uma Ministra das Finanças que hoje diz uma coisa e amanhã outra e é mestre em falhar todos os objectivos ,pelo que os seus melhores orçamentos são os rectificativos. Um moedeiro falso que corta a eito na investigação e vai para a Europa dizer o que nunca disse nem fez para garantir o tacho. Um Ministro da Educação que lança o caos no ensino básico e secundário , sorri satisfeito por lhe cortarem 700 milhões no orçamento do ensino superior e na ciência. Uma Ministra da Justiça que implementa o caos com a reforma judicial. Um Ministro do Ambiente que impõe uma taxa sobre os sacos de plástico e os sujeita ao IVA e inventa um imposto sobre o carbono que vai provocar um aumento generalizado sobre os bens essenciais. Um todo poderoso ex-ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, profissional em licenciaturas turbo. Um Governo finge não saber que a austeridade é o maior inimigo da natalidade e para a incentivar aumenta a discriminação social com um cociente de 0.3/filho no IRS, que beneficia tanto de um presidente de um conselho de administração que ganha 4,2 milhões de euros/ano, como a um casal com o ordenado mínimo, porque os filhos dos ricos não são iguais aos filhos dos pobres. Da chamada sociedade civil exemplos também abundam. Há um banqueiro que cinco dias antes de o seu banco declarar falência apresentou com pompa e circunstância o livro de sua autoria “Testemunho de Um Banqueiro. A história de quem venceu nos mercados”. Um outro recebeu a distinção de doutor honoris causa para nos depois se descobrir o enorme buraco do seu banco que era, diziam, um dos pilares da economia e da finança nacional. Esses dois sucessos tiveram lugar no ISEG pela mão de João Duque que o dirigia e é membro destacado do think-tank nacional que continua a ser reverentemente escutado nos media..
Etc, etc, etc. A lista poderia continuar, ser quase interminável, se não tivesse acontecido nos últimos dias uma iluminação quase divina que nos deixa alumbrados.
O anterior Ministro da Economia tinha descoberto e empunhado a alavanca mestra para aumentar as exportações: o pastel de nata.. Anos passados a por canela nos pasteis de nata sem se verem resultados palpáveis eis que o Presidente da República se chega à frente, dá um valioso e definitivo contributo:“o hipismo é uma área chave para o desenvolvimento da economia nacional”É a grande revelação que banaliza mesmo as da Senhora de Fátima aos pastorinhos. O grande desígnio nacional está encontrado: O Pastel de Nata a Cavalo
“Numa altura em que urge criar riqueza no país e gerar novas bases de crescimento económico, é necessário olhar para o que esquecemos nas últimas décadas e ultrapassar os estigmas que nos afastaram do mar, da agricultura e até da indústria”
O principal rosto do processo de destruição do aparelho produtivo nacional, dos incentivos à desindustrialização, ao abate à frota pesqueira, ao fim de explorações agrícolas, o homem que assumiu como seu o projecto europeu para Portugal que reduzia o País a turismo e serviços, tem de compreender que as suas palavras causam perplexidades, dúvidas e alguma vontade de rir (não fosse o caso tão grave).
A não ser que estejamos perante o reconhecimento dos graves erros e crimes cometidos pelos seus governos contra o País e o desenvolvimento, não é possível admitir a postura de superioridade moral e intelectual com que faz estas afirmações que, até ao momento, não passam de declarações vazias de qualquer significado prático.
Cavaco Silva deu uma entrevista a um jornal espanhol para defender que “Os políticos não podem ignorar a voz do povo”.
Cavaco, que só diz estas coisas a estrangeiros, é, como todos sabemos, o expoente dos políticos que não ignoram a voz do povo.
Vale até a pena lembrar um momento em que Cavaco soube ouvir a voz do povo, ainda que, como se vê na foto, tenha enviado uma delegação de seus representantes para dialogar com os portugueses que, descontentes com aumentos das portagens 25 de Abril, decidiram protestar.
Também Cavaco não ignorou então, corria o ano de 1994, a voz do povo. Felizes de nós que o temos para aconselhar Passos Coelho.
O diálogo, como muitos de nós se lembram, foi bastante construtivo. As imagens televisivas da época demonstram, sem margem para dúvidas, a capacidade que o primeiro ministro de então tinha para ouvir o povo, coadjuvado por outro expoente do diálogo, este também com apurado ouvido, o ministro Dias Loureiro, o tal que hoje se dedica a diálogos sobretudo com empresários e banqueiros duvidosos.
Cavaco Silva especializou-se em falar sem dizer nada. É uma arte que requer longa aprendizagem e experiência, ainda que por vezes, quando menos se espera, aflorem lapsos de monta, em especial quando fala de pensões de reforma.
Cavaco sabe que quanto mais fala, mais se enterra, como diz a sabedoria popular, e, por isso, aperfeiçou ao limite a arte de abrir a boca sem que retire do que disse qualquer conclusão válida, exceto a de que não se quer comprometer. Claro que arte de falar sem dizer nada admite exceções. No caso do Presidente da República, a exceção chama-se Sócrates, inimigo de estimação que, com ele, partilha algumas das maiores malfeitorias de que fomos alvo. Os “bons” espíritos encontram-se sempre.
Cavaco conseguiu até fazer uma campanha de reeleição sem dizer praticamente nada. Lá está, quanto mais falasse mais se enterrava. Há tempos distraiu-se com as pensões de reforma e foi o que se viu.
O mais recente exercício bem sucedido de falar sem nada dizer é a declaração que Cavaco produziu em Singapura, muito longe, já se vê, a propósito de Miguel Relvas andar a ameaçar dizer quem é o homem que vive com uma jornalista do “Público”:“A mais de 15 mil quilómetros de distância, as polémicas que lá correm [em Portugal] chegaram aqui de forma imprecisa. Estou convencido de que tudo acabará por ser esclarecido e com a devida transparência, mas não devo acrescentar mais nada“.
Curioso. Chegaram de forma imprecisa a Singapura, diz Cavaco, em quem se nota o incómodo de ter de falar do amigo Relvas, em particular depois de alguns outros dos seus mais diletos amigos, como o antigo líder parlamentar do PSD cavaquista Duarte Lima, o secretário de estado dos assuntos fiscais dos seus governos Oliveira e Costa, e o conselheiro de estado por si nomeado Dias Loureiro, terem caído nas malhas da justiça. Se o rol das acusações ainda ficasse pelo desvio de uns milhões, ainda vá lá. Mas, segundo as acusações que chegam do Brasil, a coisa mete pistolas e mortes, o que já incomoda um pouco mais…
É curioso que Cavaco afirme que as informações lhe chegaram de forma imprecisa. Há trinta anos, no tempo dos telexes, que aquela coisa nem acentos tinha, ainda se acreditava em alguma imprecisão. Mas hoje, alguém acredita nisso? Mesmo que se esteja em Singapura?
Curioso mas não original em Cavaco. A declaração de Singapura mais não é do que uma actualização da síndroma do Pulo do Lobo, da qual Cavaco padece com grande intensidade. Em 1994, era ele primeiro-ministro, perante questões dos jornalistas sobre críticas que lhe haviam sido dirigidas pelo Presidente da República, Mário Soares, no contexto do congresso “Portugal, Que Futuro?”, Cavaco limitou-se a responder que no Pulo do Lobo, entre Corte Gafo e Mértola, onde estava nesse momento, não chegavam as ondas rádio e, por isso, não conhecia as notícias do dia. Enfim, naquele tempo quase se levava mais tempo a chegar ao Pulo do Lobo do que a Singapura, mas mesmo assim…
A história repete-se com Relvas. Cavaco diz que está convencido de que tudo acabará por se esclarecer, e de forma transparente, claro, mas sobre a situação em si, nem uma palavra…
O que pensa o Presidente da República de um ministro dos assuntos parlamentares que conhece, sem que se saiba como ou porquê, a vida privada de uma jornalista que lhe faz perguntas incómodas? O que pensa o Presidente da República sobre um minsitro dos assuntos parlamentares que ameaça um jornal com um blackout informativo de todo o Governo? O que pensa o Presidente da República de um ministro dos assuntos parlamentares que se expõe desta forma e se deixa envolver com um espião com a mania das grandezas?
O que ele pensa sobre esta matéria é que os portugueses gostavam de saber.
Cavaco, se pensa, não o diz. Está no Pulo do Lobo de Singapura…
Nota: Hoje apeteceu-me exercitar o Acordo Ortográfico. Poupem-me…
Cavaco explica aos australianos que precisam de “good cock” para fazer “good wine”…
Cavaco é um artista. Que me perdoe o senhor Presidente da República, mas ele é que é mesmo o verdadeiro artista português. O homem de Boliqueime, a quem as pensões de reforma que recebe não dão para as despesas, que o mesmo é dizer, não dão para o tabaco, desse-se o caso de ele fumar, informou o país que promulgou o diploma que proibe as reformas antecipadas para defender o “interesse nacional”. Mas, à cautela, dando uma no “cravo e outra na ferradura”, como dizia a minha avó, lá se vai desculpando dizendo que a promulgação não significa que ele, Cavaco, esteja de acordo com o diploma. Nem se pense nisso, diz o inquilino de Belém: “Todos os constitucionalistas reconhecem que o acto de promulgação não significa o acordo do Presidente em relação a todas as normas de um diploma”, sublinhou o presidente. Mas, como se trata de “razões de interesse nacional que o Governo apresentou por escrito entendi que não devia obstar à entrada em vigor”, explicou o nosso inocente Cavaco.
Explicou, mas ficou mal explicado. Então se não concorda, como parece ser o caso, pois se assim não fosse tinha-nos poupado aquela lengalenga dos constitucionalistas, porque promulgou o diploma? E com que normas não concorda? Já agora, qual é o interesse nacional que justifica a promulgação de um diploma que afecta a vida de milhares de trabalhadores de forma irremediável e que foi escondido, antidemocraticamente, de todos os parceiros sociais e políticos interessados na sua discussão? Os cidadãos não fazem parte da equação em que se calcula o “interesse nacional”?
Parece que voltamos assim à política do facto consumado, à prática autoritária do poder de quem se julga isento de prestar contas aos cidadãos. Além da profunda injustiça da medida, que põe em causa um contrato estabelecido com o Estado há dezenas de anos pelos trabalhadores afectados, contrato que gerou expectativas legítimas de que se poderiam reformar em determinada altura das suas carreiras contributivas, há, neste diploma com que Cavaco hipocritamente diz não estar inteiramente de acordo, todo um programa de actuação da direita mais retrógada e neoliberal que tomou conta do Governo. Um programa de desrespeito pelos cidadãos, de corte cego de direitos que apenas nos conduz mais depressa ao abismo e que apenas valoriza os interesses dos detentores do capital.
Todos os dias se ouve falar em sustentabilidade dos transportes públicos ou dos sistemas de abastecimento de água para justificar novos aumentos de preços. Mas, no meio de toda esta parafernália argumentativa, quem garante afinal a sustentabilidade da nossa sobrevivência quotidiana, cada vez mais afogada em aumentos da carga fiscal e dos mais variados bens de primeira necessidade e na retirada de direitos sociais e de salários? Será que a sustentabilidade das pessoas é o que menos interessa?
Que mais teremos de fazer para declarar, também nós, a nossa insustentabilidade?
Quantos terão ainda de se suicidar, como fez aquele cidadão grego na principal Praça de Atenas, para que se entenda que caminhamos apressadamente para uma enorme tragédia?
Cavaco Silva, o providencial homem que raramente se engana e nunca tem dúvidas, teve de abandonar o pedestal de Belém para tentar pôr água na fervura que avivou com as declarações que, em tom algo indignado, proferiu sobre as suas pensões de reforma que, a acreditar nele, mal lhe dão para as despesas, certamente porque a sucessora da Vivenda Mariani já lhe consumiu os recursos amealhados com as célebres mais valias que obteve com as acções do BPN que comprou ao amigo Oliveira e Costa ao preço do latão e vendeu meses depois a peso de ouro.
Quem viu, e ouviu, as declarações do Presidente da República, como eu, não consegue acreditar na sinceridade da desculpa do mais alto magistrado da nação quando afirma, em nota oficial dirigida à agência de notícias ainda do Estado, que “não foi obviamente” seu “propósito eximir-se aos sacrifícios que os portugueses estão a fazer nos dias de hoje, tendo mesmo insistido” que o seu “caso pessoal não estava em questão”. Cavaco escreve esta notinha depois de, olhos nos olhos e obviamente zangado, ter perguntado ao jornalista que o interpelava se o estava a “ouvir bem??” quando referira que apenas iria receber 1300 euros de pensão.
Diz agora o presidente que não foi “suficientemente claro quanto à intenção que queria transmitir”. Nisso, tem razão. Não foi suficientemente claro agora nem quando, na última campanha eleitoral para as eleições presidenciais, fugiu a discutir toda e qualquer questão política e ideológica que estivesse no centro de qualquer divisão ou discussão mais aprofundada na sociedade portuguesa. A falta de clareza permitiu-lhe, uma vez mais, continuar a esconder dos portugueses a sua verdadeira agenda política, valorizando apenas uma aura de austeridade e autoridade que muitos portugueses continuam a apreciar, ele que agora faz o jeito ao primeiro ministro de se fazer de polícia mau do sistema para simular desequilíbrios que não existem, porque, neste caso, os ovos estão todos no mesmo cesto. Ele que nem pestanejou quando promulgou um Orçamento de Estado que rouba subsídios de natal e de férias aos funcionários públicos e a pensionistas.
Cavaco Silva quer convencer-nos de que a sua intenção foi de “ilustrar, com o seu próprio exemplo, que acompanha a situação dos portugueses que atravessam dificuldades” Se o ridículo matasse, Cavaco já estaria caído no chão fulminado por um ataque de agudo de disparate…
Como quer o homem que recebeu em 2011 cerca de 140 mil euros de pensões ser um exemplo para os milhares de portugueses que recebem mensalmente pensões desgraçadas de 300 ou 400 euros ou mesmo para milhares de trabalhadores que ganham pouco mais do que o salário mínimo nacional?
Afinal, Cavaco não só se engana frequentemente, como nos engana frequentemente.
Cavaco Silva deveria ter muitas dúvidas sobre o que vai dizer antes de abrir a boca para se poupar, enquanto Presidente da República, à humilhação de ter de vir, de corda ao pescoço, pedir desculpas aos portugueses que deveria representar, mas que apenas foi capaz de ofender. O pedido de desculpas público que agora apresentou, ainda que em lado nenhum do texto que remeteu à agência Lusa peça desculpa, o que até lhe ficaria bem (os portugueses apreciam muito quem pede desculpa, mesmo que se esteja a fingir…), evidencia, definitivamente, que Cavaco não perdeu os tiques e postura arrogantes que sempre o caracterizaram, a ele e às políticas que praticou e hoje alegremente sanciona.
Cavaco Silva afinal discorda do Governo. Ou melhor, parece que discorda do Governo. Vem agora dizer que as medidas do OE 2012, em particular as que impõem o roubo dos subsídios de natal e de férias aos funcionários públicos (a populaça ulula de contente: “afinal, esses gajos não fazem nada, pra que é que precisam desse dinheiro, annhh?”), “violam a equidade fiscal”.
Cavaco apressa-se a introduzir uma nuance no discurso para não ficar muito mal visto pelos PSD’s mais retintos e esclarece que isto “está tudo nos livros” e quem os leu sabe que é assim.
Ainda que para perceber que isto é um roubo nem seja preciso saber ler, Cavaco quis iluminar-nos e, do alto da sua cátedra de ilustre professor de finanças que anda há trinta anos a lixar isto tudo, faz-se de santo padroeiro dos pobres e oprimidos funcionários públicos, aqueles que, no meio do lixanço geral mais lixados têm sido por sucessivos Governos do PS , PSD e CDS.
Bombos da festa, trapezistas com a vida permanentemente na corda bamba, os funcionários públicos continuam a a ser os que recebem a mais alta factura do disparate e da asneira desta gente desqualificada que nos tem governado.
Desqualificada, incapaz, desonesta.
Cavaco, que faz parte do clube, vem agora fazer de polícia bom, deixando para Passos Coelho e Vítor Gaspar as cacetadas. Esperteza nunca lhe faltou, a ele e aos amigos dele que, no BPN, ainda nos lixaram mais.
E vão-nos lixar até quando?
Selo de Apoio e Solidariedade com os Presos Políticos desenho Eduardo Nery / edição Partido Comunista Português
Amanhã Portugal devia acordar corado pela mais intensa vergonha.
Margarida Fonseca Santos, autora, Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira, ex-directores do Teatro Nacional D. Maria II, vão a julgamento acusados pelos sobrinhos de Silva Pais, pelo crime de difamação e ofensa da memória de pessoa falecida por, no entender da acusação terem denegrido a imagem do último director da PIDE/DGS, com a adaptação teatral que foi feita do livro “A Filha Rebelde”.
Mais uma inominável vergonha nacional!
Depois do 25 de Abril a maioria dos torcionários da PIDE/DGS saíram em liberdade sem uma arranhadela. Os envolvidos em casos mais mediáticos, casos dos assassinatos de José Dias Coelho e Humberto Delgado, apanharam penas levíssimas ou deixaram-nos fugir para o estrangeiro. Pelo caminho ficaram centenas de mortos, milhares de torturados e de presos anos e anos sem saberem quando iriam viver a liberdade possível. Milhares de deportados e exilados.
Depois do 25 de Abril, nos (poucos) julgamentos da pandilha de verdugos, muitas vezes quem era verbalmente maltratado eram as vítimas, para gáudio da escumalha.
A ignomínia foi tal que Cavaco Silva, primeiro-ministro, recusou a reforma por serviços relevantes a Salgueiro Maia, capitão de Abril que cercou e deteve Marcelo Caetano no quartel do Carmo, concedendo-a a dois ex-inspectores da PIDE/DGS. Só por esse acto a sua carreira política num país que tivesse uma gota de dignidade tinha ficado definitivamente acabada! Assim, foi para casa tecer a renda de bilros que acabou por o levar ao cadeiral de Belém, enquanto se entretinha a comprar acções da SLN e do BPN ao seu amigo Oliveira Costa!
Com este passado que humilha a Revolução dos Cravos, não admira que os sobrinhos de Silva Pais, o último director da PIDE/DGS que durante doze anos exerceu zelosamente o seu cargo de torcionário-mor, supervisionando torturas, assassinatos, prisões, venham defender o bom nome do canalha, como isso fosse sequer possível.
País de servos com alma de escravos! País de gente sem coluna vertebral!
Ainda se admiram que votem, maioritariamente, em quem votam!!!
Cavaco Silva quer mesmo provar que o segundo mandato vai ser diferente. O presidente deixou-se, finalmente, de rodriguinhos e diz-nos ao que vem, sem rodeios de qualquer espécie, piscando aceleradamente o olho à direita mais básica.
Cavaco vem agora, sem ponta de vergonha, dizer o que nunca nenhum responsável político ou titular de órgão de soberania disse nestes quase 37 anos de democracia e atiça cinzas do passado ainda capazes de provocar enormes incêndios. O mais alto magistrado da nação disse, nas cerimónias que assinalaram o 50.º aniversário do início da guerra colonial em África, que “importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do país com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar.” Não existe “causa maior”, acrescentou o PR, do que dedicar o esforço e a iniciativa “ao serviço da nação e dos combates que é necessário continuar a vencer para promover um futuro mais justo, mais seguro e mais próspero”.
A “mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação”? Nem Salazar teria dito melhor…
Mas, se os jovens eram obrigados, das formas mais veementes, até, a irem combater na guerra colonial, uma guerra que muitos não compreendiam e outros tantos abominavam (quantos deles terão emigrado para fugir ao disparate colonial?); uma guerra injusta contra a autodeterminação dos povos de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e Timor; uma guerra com elevados custos humanos que ainda hoje perduram e que foi a causa mais próxima da revolução de Abril, como pode o PR vir agora comparar a intervenção militar africana com “causas e missões essenciais”?
Foi a guerra colonial uma “causa” e uma “missão essencial”?
Terá sido um “combate” que era “necessário vencer para promover um futuro mais justo”?
Não precisamos disto.
Vou agora ficar à espera que Cavaco Silva explique no seu Facebook que foi mal interpretado…