Alterações Climáticas, Ciência, Energia, Clima, Geral

A comunicação social e as variações do tempo ao longo dos tempos

I. Introducao

Por variações do tempo entendem-se, aqui, as alterações das condições meteorológicas  nas diversas regiões ao longo do tempo. Costuma falar-se em mudanças de estado do tempo.

Os diversos tipos de precipitação (chuva, neve, granizo, etc.,), a temperatura do ar e a pressão atmosférica a várias altitudes, a velocidade do vento, o grau de humidade e a nebulosidade, podem ser avaliados qualitativa e quantitativamente constituindo-se como parâmetros meteorológicos fundamentais. Estes são, por sua vez, função complexa da rotação da Terra, da inclinação do seu eixo em relação à órbita, do ponto ocupado na sua translação em torno do Sol e da intensidade e tipo das radiações solares que chegam ao planeta que habitamos. A temperatura a diversas profundidades, bem como o tipo de velocidade das correntes experimentadas nas grandes massas de água existentes nos mares e oceanos, estão correlacionadas com as condições atmosféricas porque, entre outros aspetos, contribuem para a evapotranspiração e, assim, para o grau de humidade do ar atmosférico.

Sabe-se que a evolução das condições meteorológicas constitui um bom exemplo de sistema caótico existente na natureza, o que determina que as previsões, têm, apesar da evolução técnico-científica que se traduz em métodos empíricos e numéricos sofisticados, um horizonte temporal limitado[1].

A propósito das mudanças de estado do tempo sentidas em várias regiões do planeta, não apenas daquelas associadas às estações do ano, vem-se falando cada vez mais em clima nos últimos anos, e, particularmente, em alterações climáticas. Ou seja, aponta-se para a existência de uma mudança persistente  nos padrões característicos dos vários tipos de clima mais comuns [2].

Tempo (meteorológico) e clima são conceitos diferentes muitas vezes confundidos pelo senso comum. Talvez porque os meios de comunicação social utilizam o termo “clima” quando se referem ao “tempo” e usam “climático” em lugar de “meteorológico”. Mas, curiosamente, nunca se enganam ao contrário[3]

O tempo varia muito e de forma contínua, aliás, de forma caprichosa, não obstante reger-se por leis da natureza. Já o clima está, ou é suposto estar, sujeito a variações que ocorrem muito mais lentamente[4]. A ciência que dele se ocupa, a climatologia, fundamenta-se no estudo estatístico dos elementos caracterizadores do clima, ou sistema climático, procedendo a descrições sistemáticas e a explicações acerca da repartição dos vários tipos de clima[5]

O sistema climático consiste numa estreita camada exterior da Terra com pouco mais de 60 km, que engloba a crosta terrestre e o designado geofluido formado pelos oceanos e atmosfera. A modelação físico-matemática de tal sistema exige interdisciplinaridade e é extremamente complexa[6].      

Embora se saiba que sempre houve  alterações climáticas ao longo da vida da Terra, as mudanças de que se fala e escreve de forma abundante nos últimos anos, dever-se-iam em grande parte, segundo a hipótese teórica dominante, às interações das atividades humanas com o meio ambiente. No caso concreto das repercussões na biosfera traduzidas em fenómenos meteorológicos severos que dificultam a habitabilidade do planeta, aponta-se como causa principal a crescente emissão do dióxido de carbono (CO2) a partir de diversos processos de combustão, tanto na indústria e na produção de eletricidade, como nos edifícios habitacionais ou de serviços, e, ainda, pelos transportes que utilizam derivados de combustíveis fósseis. Não obstante existirem outros gases, como o metano, p.ex., e, também, o vapor de água, que contribuem para o efeito de estufa de uma forma muito intensa, isso é pouco valorizado na divulgação daquilo que se vem designando como uma catástrofe que merece uma declaração de emergência generalizada.

Não é objetivo do presente artigo discutir  esta hipótese, e, muito menos, confirmá-la ou infirmá-la. Dizer, apenas, que se trata de uma teoria, que ganhou grande força institucional, social e política, mas que, no entanto, não está comprovada de forma definitiva  por metodologia científica homologável em referenciais canónicos.       

Contudo, os órgãos de comunicação social tomaram o tema como item nuclear das suas agendas, e vêm-lhe dedicando muito espaço e tempo, designadamente através do relato dos acontecimentos meteorológicos com maior impacto, procurando estabelecer, de forma crescente e acrítica, um nexo de causalidade entre cada episódio  e as alterações climáticas de raiz antropogénica.

Nos últimos meses o caudal de notícias, artigos, reportagens e debates difundidos em todo o tipo de vetores de comunicação social, tem aumentado exponencialmente, raiando por vezes uma estridência que, ela própria, se configura como inadequada ao tratamento sério de assunto tão complexo. Em certos casos parece haver um histerismo eivado de traços populistas.

E é neste contexto que se insere a pesquisa realizada de que se dá conta no presente artigo. 

Pretendeu-se com ela responder às questões seguintes: a) Que eco fazia a comunicação social, neste caso a imprensa, dos eventos meteorológicos mais relevantes, isto é, aqueles que maiores inconvenientes traziam às sociedades humanas, em meados do século XX?  b) Havia menos  inclemências meteorológicas noticiadas do que hoje em dia? c) A natureza e a intensidade dos fenómenos registados pelos jornais eram menos significativas do que no presente? 

O método usado implicou fazer uma análise às edições dos jornais Diário de Notícias e Século referentes ao ano de 1950.

Por se considerar suficiente para os objetivos definidos, descrevem-se sucintamente os principais eventos noticiados nos meses de janeiro e fevereiro pelo Diário de Notícias e nos meses de maio, junho e julho pelo Século.

2. Notícias relacionadas com eventos meteorológicos significativos publicadas pelo Diário de Notícias e Século

Diário de Notícias (1950, janeiro e fevereiro)

Em termos noticiosos, embora não se trate de evento meteorológico, será interessante registar que, no dia 1 de janeiro, se dava conta de um abalo sísmico com significativa intensidade, sentido em Lisboa, Mafra, etc., tendo o  Observatório Infante D. Luís situado o epicentro a 100 km ao norte de Lisboa.

A 8 de janeiro, o matutino publicava na sua primeira página, com destaque, um interessante título: A Terra está a aquecer? 

O trabalho jornalístico, de autoria de Manuel Rodrigues, era depois desenvolvido a páginas quatro, isto numa época  em que tanto se falava já na “guerra fria” entre o mundo ocidental e a Rússia (URSS). Aquilo a que no jornal se dizia ser uma  “audaciosa hipótese científica”, não surgiu, portanto, por falta de outros assuntos. 

O texto explicava que “desde o princípio deste século a temperatura está a aumentar no ártico e os glaciares recuam”, isto segundo  uma teoria do Prof. George Gamow. Mais exatamente, há que esclarecê-lo, tratava-se de Georgy Antonovich Gamov, nascido em Odessa (1904) e naturalizado americano em 1940, físico que recebeu da UNESCO um Prémio Kalinga em 1956. Esteve, entre outras investigações, ligado à teoria do Big-Bang.

No seu livro  “Biography of the Earth”, o autor previa que o aquecimento ocorresse até ao ano 20 000 e, depois, haveria um arrefeceria até ao ano 50 000. A notícia referia, também, que o Prof. Hans Ahlman vinha coligindo dados sobre o Ártico, concluindo que a temperatura teria aumentado desde 1900 até 1950, cerca de 5ºc. Este investigador afirmava ter verificado uma subida do nível do mar em torno das ilhas Spitzberg, relacionada com o recuo dos glaciares. Na Suécia o glaciar de Kebnekolse reduziu-se em 30 milhões de m3 desde 1902, afirmava Ahlman.

E quais eram as hipóteses colocadas para explicar o aquecimento? Inclinação do eixo da Terra? Dizer que uma expedição à Antártida dirigida pelo almirante Byrd, tinha detetado a existência de “oásis” com lagos livres numa latitude onde tudo deveria ser gelo.

Para tirar tudo a limpo, dizia-se na peça jornalística, tinha partido uma expedição internacional (ingleses, noruegueses e dinamarqueses) para o Antártico, a bordo do iate Norsel que levava a bordo dois aparelhos da RAF.

Notar que esta hipótese, colocada por cientistas, surgia num contexto socioeconómico pós-guerra, em que a Revolução Industrial havia começado várias décadas antes, e quando se registava um significativo incremento das atividades produtivas com a concomitante produção de gases com efeito de estufa. No entanto, estava-se então no início de um período, que durou até cerca de 1975, durante o qual, sabe-se hoje pelos registos homologados, não houve aumentos nas temperaturas médias no planeta.   

A notícia atrás referida era contemporânea de uma visita do presidente do conselho aos trabalhos da barragem de Castelo de Bode, e, também, de uma outra sobre o reconhecimento do governo britânico da China Popular, embora, dizia Grã-Bretanha, “não implicava a aprovação do comunismo na China (Times)”. 

A 15 de janeiro noticiava-se que um intenso “temporal” no Atlântico e no Pacífico continuava a causar graves perturbações no EUA, tendo-se afundado doze barcos de pesca.

Em Portugal o tempo apresentava-se gélido (Lisboa) e nevava abundantemente em Portalegre (22, 23 e 24 de janeiro)

No Lago Winnebago (Oshkosh), Estado de Wisconsin, localizado a norte de Milwaukee (USA) uma placa de gelo soltou-se, a 26 de janeiro, tendo isolado cerca de 6000 automóveis quando os seus condutores estavam a pescar, o que causou grande aflição durante várias horas enquanto a grande placa andou à deriva. 

Entre 2 e 13 de fevereiro, anunciaram-se: um “violento temporal” em Inhambane, o vento ciclónico que paralisou o movimento de navios no Tejo, graves destruições na costa de Espinho, uma tempestade de neve em Israel, a morte de 18 pessoas devido a intensos nevões em França e um ciclone na Zambézia, tempestades no mar com chuvas torrenciais que impedem a navegação, bem como intensa queda de neve que isolou vários aglomerados em toda a Inglaterra. O naufrágio do navio finlandês “Karhula” provocou 10 mortos a oeste de Helder.

Estes eventos meteorológicos aconteciam quando se anunciava que a “bomba de hidrogénio” iria ser fabricada por decisão de Truman, e que um espião alemão, em fuga de uma mina de urânio soviética perto da Checoslováquia, dizia que  “a água será transformada em combustível para automóveis”. Este cientista alemão, Wilh Mellentin de seu nome, referia-se a uma transformação da água em “oxi-hidrogénio líquido”.

No dia 16 anunciava-se a assinatura de um Tratado de aliança entre a URSS e a China, anunciava-se que continuavam a verificar-se grandes nevões em vários pontos do país, e alguns dias depois (a 26) dava-se nota de que vento a 117 km/h foi registado no Porto (Serra do Pilar) e que grande trovoada teria imposto o encerramento de várias barras.

Século (1950, maio, junho e julho)

Antes da referência aos episódios mais marcantes relacionados com o tempo, deixar registo de que, a 2 de maio, se noticiava que “é possível que as tarifas elétricas no Porto aumentem para que se possa fornecer aos consumidores corrente em boas condições” e que tinha começado “no Tribunal Plenário da Boa-Hora, sob a presidência do desembargador Dr. Abreu Mesquita, o julgamento de Álvaro Barreirinhas Cunhal, de 36 anos, licenciado em direito, acusado de atividades subversivas”. 

A 5 de maio os pescadores de Sesimbra pediram a “proteção ao Senhor Jesus das Chagas para que a abundância regresse”, até porque também se noticiava que “a sardinha que fugiu da costa continental está a afluir aos Açores”, isto num tempo em que a maior parte da população portuguesa vivia da agricultura e da pesca

Também por essa altura se referia que “está quase submersa a cidade de Morris no sul de Winipeg devido a inundações/cheias do Rio Vermelho”, o que determinou que 300 000 habitantes tivessem sido afetados e que  8 500 tinham ficado sem abrigo.

Vários mortos e desaparecidos, para além de avultados prejuízos materiais devido a uma tempestade que assolou o Estado de New York, ocorrência grave registada a 9 de maio, quando “granizo do tamanho de ovos de perdiz caiu em Mértola e Moura causando avultados prejuízos” e ventos fortes causaram naufrágio embarcação pesca no Porto.

Para evitar uma nova guerra franco-alemã o governo de Paris ministro Schuman propôs, noticiava-se a 10 de maio, “a fusão da produção da hulha e aço da Alemanha e da França como um primeiro passo para a Federação Europeia”. Isto quando, discretamente, partiu uma “missão de estudo dos EUA para o Vietnam”.

A 12 de maio registrava-se que “chuvas torrenciais na Turquia, provocaram dois mortos e cinco feridos no distrito de Chakmak”, bem como “dezoito mortos causados por inundações no Estado de Nebrasca”.

Uma chuva intensa e trovoadas perturbaram as cerimónias do 13 de maio em Fátima e a 6ª esquadra dos EUA chegou a Lisboa, enquanto no porto de Leixões se descarregavam 6200 de trigo chegados no âmbito do Plano Marshall.

Concluía-se, ainda, que as “culturas tiveram em Abril condições desfavoráveis em relação ao mês anterior devido às condições meteorológicas”, e sobre as causas do desaparecimento da sardinha das costas portuguesas, anunciava-se, a 18 de maio, que “serão estudadas por uma missão que vai aos EUA ocupar-se de questões de biologia marítima”.

A 21, “um violento furacão que durou alguns minutos assolou Vilar Formoso, tendo o granizo destruído culturas em Almeida e Junça, e um violento temporal desabou sobre a região do Porto.

As trutas do rio Coura estão a desaparecer, notava-se a 24, acrescentando que “em Padronelo (Paredes) a pesca à rede e a introdução de outras espécies” estava a dizimar as saborosas salmonidæ. Também o ano estava a revelar-se “terrível para a agricultura”: em Belmonte chove há 15 dias tendo caído granizo com grande dimensão que feriu pessoas. Em Almeida houve milhares de contos de prejuízo.

Uma grande tempestade ocorreu na Turíngia (Berlim), provocando oito mortos e duas crianças desaparecidas, bem como 88 casas destruídas, tendo perecido 95% das cabeças de gado (dia 25). Além de que violentas tempestades assolaram várias regiões de França causando mortos e grandes prejuízos em Besançon, Lille, etc.,

Em junho, dia 7, dava-se relevo a três incêndios que  “devastam florestas da Terra Nova, um dos quais ameaça a cidade de Lewisport” e, a 12, chamava-se a atenção dos leitores para as inundações em Lisboa, assim como as violentas tempestades assolavam Calcutá e Bengala Ocidental.

Alguns dias depois, a 18 de junho, destacava-se a notícia de que “três continentes estão a ser assolados por violentas tempestades; milhões de francos de prejuízo e várias vítimas em França; foram arrasados os arredores de uma cidade no norte da Itália; a trágica ameaça de inundações que ocorreram em 1948 está a repetir-se na Colúmbia britânica” e a 20 de junho, dava-se á estampa a impressionante notícia de que se tinham verificado  130 mortes de habitantes na região de Darjeeling, Bengala ocidental, em função de desprendimentos de terras devidos às chuvas torrenciais.

Não obstante publicação, a 26 de junho, de que “Tropas da Coreia do Norte invadiram a Coreia do sul”, facto que, tendo sido o início visível da Guerra da Coreia, alimentou os noticiários dos dois matutinos analisados com vasto caudal noticioso até ao início de 1951, continuou a aparecerem muitas referências a episódios meteorológico mais ou menos intensos.  

3. Síntese Conclusiva           

O Homem teve sempre uma íntima ligação aos diversos fenómenos meteorológicos, não apenas porque a sua segurança, atividade e conforto são função direta deles, mas, também, porque o troante fogo celeste ou os grandes caudais de água e vento remetem os humanos, temerosos do que desconhecem, para patamares pontuados por diversos teísmos.

Não é de admirar que as sociedades humanas tenham vindo a prestar crescente atenção aos noticiários relacionados com a meteorologia, nomeadamente no referencial das previsões, até porque algumas atividades económicas carecem desse prévio e vital conhecimento. 

Contudo, o presente artigo tem outro objetivo: analisar, embora sinteticamente, a qualidade e a quantidade informativa difundida nos meios de comunicação social de massas, que, na atualidade, está quase sempre focada no estabelecimento de correlações com as alterações climáticas antropogénicas.

Admite-se, como muito provável, que perante notícias relacionadas com mais um ciclone (furacão, tempestade tropical, ou congéneres) ou com uma inundação violenta, os espectadores dos canais televisivos estabeleçam imediata e subconscientemente uma ligação às mudanças de clima de raiz antropogénica, até porque isso é quase sempre sublinhado. É, também, verosímil considerar que as pessoas em geral concluam que “há cada vez mais e piores eventos meteorológicos”, esquecendo, até porque deles não têm memória, os que ocorriam há setenta anos.

Contudo, poder-se-á constatar, pelo registo feito, que, em 1950, o número e a intensidade de fenómenos meteorológicos em Portugal e no mundo, foram muito significativos: várias dezenas de acontecimentos problemáticos e extremos. Não se poderá, é certo, dizer se foram em maior ou menor número do que os que ocorreram em 2018, p.ex., nem se pode fazer uma comparação direta e segura das respetivas intensidades. Mas, quanto a muitos deles, apesar de não terem merecido mais do que algumas linhas no interior dos jornais, percebe-se terem significado graves impactes para as populações e territórios. 

Não haverá dúvida de que determinadas cheias ou ciclones ocorridos em 1950 afetariam, no presente, um muito maior número de pessoas e infraestruturas, quanto mais não fosse devido ao aumento das densidades populacionais em determinadas zonas costeiras (e não só). E, também, salienta-se, porque os aumentos exponenciais das áreas impermeabilizadas devido à explosiva urbanização facilitam muito os caudais que acorrem às zonas baixas. O problema está no solo e não no ar.

Sublinhar que o ano de 1950 se situou em pleno num período de cerca de trinta e cinco anos (1940 a 1975) durante o qual se registou uma descida da temperatura media global, depois de ter havido um crescimento desde o início do século XX. Os modelos climáticos não têm resposta credível para este facto, até porque não seria crível que tivesse havido uma descida nas emissões de CO2 antropogénico nesse período. 

Um fator decisivo para a perceção da realidade por parte dos atuais consumidores de notícias, quando comparada com a situação de há umas décadas atrás, está no facto de que, agora, qualquer episódio atmosférico mais intenso é imediatamente designado como extremo e, por isso, demonstrativo da existência de alterações climáticas,  merecendo um palavroso e prolongado (horas e, por vezes, dias) tratamento mediático, com espetaculares imagens em direto, colhidas com reduzidos custos de produção, e acompanhamento de comentadores encartados como cientistas. 

Parece poder-se concluir que, sem por em causa a existência de alterações no sistema climático, seria necessária uma maior prudência na disseminação de “verdades científicas” tidas como paradigmas indiscutíveis, apresentadas, bastas vezes, de uma forma simplista, pouco racional e, até, fundamentalista.

E, sobretudo, as políticas públicas, aquelas financiadas por recursos reunidos a partir dos contribuintes e dos cidadãos que pagam taxas e tarifas  por serviços de interesse comum, deveriam merecer grande ponderação, evitando voluntarismos que podem vir a revelar-se graves no futuro.    


[1] Matemática do Planeta Terra, Entre ordem e desordem: da célula ao sol, Maria Paula Serra de Oliveira, pág. 74, 2ª edição, outubro 2014, IST Press.

[2] Tipos de Clima mais característicos: equatoriais húmidos, tropicais, áridos ou desérticos, temperados, frios, polares e de montanha.

[3] História de los câmbios climáticos, José Luis Comellas, pág. 15, 2011, RIAL, Madrid

[4] Idem, pág. 17.

[5] Dictionaire des sciences de la Terre -Continents, océans, atmosphére, François Durand-Dastès, pág.104, Encyclopædia Universalis, 1998, Paris.

[6] Matemática do Planeta Terra, Compreender o clima, uma aventura pelos paradigmas da modelação, Carlos Pires, pág. 99, 2ª edição, outubro 2014, IST Press.

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Política

A simpatia interessada pelo BE

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São coisas destas que me tiram do sério. Sim, posso até aceitar que fico com azia. Mas quem não ficaria, perante o fervor com que os media pegam ao colo no BE e lhe garantem a progressão que, de outra forma, muito dificilmente conseguiria. São absolutamente corretas as teses que defendem que o sucesso do BE mais não é do que uma construção erigida no espaço público pelos media, provavelmente manipulados por gente receosa do crescimento de outras forças de esquerda, mas seguramente orientados por uma fação jornalística que simpatiza, de há muito, com a política de causas patrocinadas pelo Bloco, com as quais ocultaram raízes ideológicas, de tal forma que hoje não sabemos, com rigor, onde se inspira este partido, embora recordemos as origens estalinistas e trotskistas que estiveram na sua base,acompanhadas pela admiração pelos socialismos albanês e chinês.

Pelo exemplo retirado do “Expresso” e mostrado acima se comprova que os “gatekeepers” continuam a aplicar a mesma seletividade de sempre. A mesma visão enviesada que os impede de cobrir uma ação do PCP, porque, dizem, “é sempre a mesma coisa”, “a mesma cassete”, o “mesmo discurso de sempre”.

Talvez seja, porque os problemas continuam a ser os mesmos: a precariedade, a exploração, o desemprego, o abuso patronal, os baixos salários, os ataques à contratação coletiva. A pobreza e a miséria.

É uma seletividade que cansa, porque sempre apontada na mesma direção.

Em particular porque sabemos quem é que está à frente das lutas nas empresas, quem é que organiza as ações reivindicativas nas ruas, quem é que cria condições, mais do que ninguém, para o desgaste da direita, que, nos sindicatos, trabalha afincadamente.

Claro que é necessário olhar para o reverso da medalha. E o que lá está, do ponto de vista da justiça das causas, do valor das ações, tem valor real muito elevado. Porém, o valor facial desse reverso, do ponto de vista da agilidade pública e mediática, continua a ser reduzido.

Nesse reverso está uma linguagem que, apesar de transmitir valores justos e corretos, é velha, embora aqui e acolá pontuada pela luminosidade de que só alguns protagonistas partidários são capazes. Uma linguagem associada a métodos de comunicação ultrapassados, ao esquecimento imperdoável das redes sociais, ignorando que, provavelmente, a esmagadora maioria dos jovens consome informação não na imprensa tradicional, mas sim em meios como o Twitter, o Reddit ou o Facebook. Veja-se o exemplo de Jeremy Corbin, o recém-eleito líder do Partido Trabalhista Britânico, que posta no Facebook boa parte das suas interpelações no parlamento ao primeiro-ministro conservador, as quais são baseadas, essencialmente, em questões que lhe são remetidas por cidadãos.

A popularidade mediática do BE é uma construção de “Gatekeepers” motivados por diferentes interesses, mas também não deixa de ser o resultado de algum talento e de uma inevitabilidade do funcionamento do espaço mediático: quem não ocupa lugar, perde-o. Ou seja, se não nos fizermos ouvir, outros serão capazes de o fazer por nós.

Não basta falar. É fundamental que nos façamos ouvir. E aí, mas só aí, o BE vai à frente…

 

Depois disto, é fundamental uma nota final em jeito de declaração de interesse. Não sou dos que diabolizam o BE. Acho até, como se veio a demonstrar, que são parte fundamental de uma solução de esquerda para o país que defendi com alguma intensidade nos últimos anos. Porém, é impossível não reparar nas abissais diferenças de cobertura mediática entre o BE e o PCP…

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Media, Política

A “CAIXA”

O jornalismo tornou-se uma profissão deletéria. Correm atrás do supérfluo. A investigação é um território longínquo delimitado por interesses espúrios. Os jornalistas comissionados para o trabalho de mediar programas em que as realidades são sujeitas a uma suposta análise, entregam-se à missão de protegerem o pensamento dominante, armados de perguntas e ideias pequenas e formatadas, reduzindo-se a realçar o que é dito e redito pelas vesgas luminárias que andam a animar e enganar a malta, com invisíveis marcadores fluorescentes, não vá o diabo tecê-las e o dono não gostar da voz. Não o fazem por calaceira. Fazem-no por incapacidade que o espírito de sobrevivência acentuou. É um clima insalubre.

Há excepções? Claro que há excepções. O que inquieta é as excepções serem cada vez mais raras. Tão raras que estamos sempre à espera de as ver tragadas na próxima lauda, como vai paulatinamente acontecendo aos opinadores que não estão aprisionados nas celas mentais do neo-liberalismo.

O “zapping” pelas televisões no dia da assinatura do acordo político PSD-CSD é exemplar do estado da arte. Dezenas de jornalistas, empurrados pelas portas da sala, que tanto entreabriam como fechavam, iam fazendo notas de reportagem. O adjectivo histórico abanava a cada quinze segundos os ecrãs dos canais televisivos. O éter radiofónico. Advinhava-se nos textos dos jornais, quiçá mesmo nos títulos.O ridículo não mata! Como não há jornalismo substantivo nada como recorrer à adjectivação hiperbólica e oca. O nervosismo transmitia-se pelas ondas hertzianas ameaçando tornar-se um incontornável tsunami. Decepção total quando perceberam que não iam ver Passos e Portas a rabiscar a assinatura no acordo. Sobretudo não iriam ver, registar e noticiar urbi et orbi que Passos usava caneta de marca e Portas, sempre dado a encenações que fazem corar de inveja os las férias, sacava de esferográfica Bic (passe a publicidade), empunhando-a como o Rei Artur empunhava a Excalibur, para iluminar o acordo piscando o olho aos circunstantes para que não perdessem o número de o ver entrar a correr austeridade dentro. Negado o acesso a esse facto jornalístico relevante, de alma dilacerada, afinavam os neurónios para inferir, nas linhas e entrelinhas, se o desiderato de dez ministros nem mais um se cumpria, condecorando a lapela do Coelho. Coisa magna que os ocupava desde o dia das eleições.

Nos entremezes, não havendo nada ou havendo pouco para dizer, antes ou depois das trocas de galhardetes entre os capitães das equipas, um(a) jornalista saca nota de reportagem notável da evidência irrelevante de a sala estar decorada com 6 bandeiras portuguesas. Para mal dele ou dela, este jornalismo castrado é uni sexo, deixava escapar o que poderia ser a “caixa” do ano.

6 bandeiras portuguesas, por detrás de Passos e Portas de sorrisos estanhados trocando papéis, acolitados cada um por três puxa-sacos da sua maioria das mudanças, 3+3 = 6. Tinham-se esquecido de contar o número de vezes que as portas tinham ameaçado abrir para logo se fechar: 6 vezes! Continuar a ler

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Política

Ahhh… No tempo do Salazar é que era bom!

O “Público” mantém online uma notícia que, só por si, já é um disparate. O título que lá lhe puseram ainda agrava mais o absurdo da coisa.

Titula a brilhante jornalista autora da notícia, ou o editor por ela, que “Metade dos Portugueses diz que o País está pior do que antes do 25 de Abril” e, logo a seguir, ilumina-nos com as brilhantes conclusões de um qualquer estudo sobre a matéria, vertidas em lead noticioso simplificado, que é para não chatear muito. É certo que existe vasta biliografia sobre a elaboração técnica do lead de uma notícia e sobre o tratamento que deve e pode ser dado a estudos de opinião, mas nada disso preocupa os editores do “Público”. À surpresa do título segue-se a estupefacção quando se lê que “quase metade (46 por cento) dos portugueses considera que as actuais condições económicas e sociais são piores do que há 40 anos. O desemprego é o maior desafio e a desconfiança face ao Governo e aos políticos é generalizada”.

O resultado, em si, não é de admirar, mas o que se segue, a revelação de que, para chegar a esta conclusão foram inquiridas pouco mais de mil pessoas, isso sim, é de deixar qualquer um de boca aberta. Nas escolas de jornalismo aprende-se que, no tratamento noticioso de estudos de opinião, deve-se sempre escrever que a opinião dos inquiridos é esta ou aquela, e não que a opinião da totalidade do universo a que respeita o estudo é uma ou outra. O “Público” comete este pecado sem qualquer vergonha e mantém-no online impunemente.

Pior é verificar-se que os inquiridos afirmam que o país está pior do que antes do 25 de Abril, sem que tenhamos a mínima ideia de qual é a a estrutura etária da amostra que serve de base ao estudo. Será de supor que têm todos mais de cinquenta ou sessenta anos para se pronunciarem com tanta sabedoria sobre o assunto, já que os tais 46 por cento se referem às condições de vida de há quarenta anos…

Nem sempre vale tudo para provar ou demonstrar um ponto de vista, que, neste caso, parece ser o de que o governo Sócrates e o PS são as piores coisas que aconteceram ao país nos últimos anos. São, de facto, maus, mas, daí até apresentar os resultados de um estudo absurdo, pouco representativo, como a evidência de que o melhor é ir a Santa Comba desenterrar o homem, vai uma grande distância.

Não é necessário fazer grandes exercícios para concluir que, apesar de Cavaco e Sócrates e outros parecidos, o país é melhor; que se vive melhor. Para isso se fez a revolução de Abril, por isso muitos lutaram e continuam a lutar, apesar de Cavaco e Sócrates.

O destaque dado a estes estudos pode, de facto, ter interesse jornalístico, mas não deixa de ser uma mau serviço prestado à democracia. E ao jornalismo…

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Política

Pluralismo Informativo

O Comité Central do PCP reuniu pra analisar a situação particularmente grave que se vive em Portugal, num período extremamente sensível em que se debate publicamente o Orçamento de Estado para 2010, antecipando o confronto na Assembleia da República.

Nos jornais Público e Diário de Notícias, edições on-line, nem uma linha. Na RTP 1, no jornal diário, Jerónimo de Sousa teve direito a pouco mais de um minuto.
O restante espaço noticioso, sobre Portugal, nesses órgãos de informação foi ocupado pelos outros partidos, com destaque para o PS e PSD e lote de comentadores habituai, para o Orçamento de Estado e revisão da Constituição. O restante espaço preenchido com acontecimentos variegados e as cenas de faca e alguidar na Federação PS/Coimbra. É a (a)normalidade do pluralismo informativo vigente.
Um dos pilares que sustentam esse processo em curso há muitos anos, são os famosos critérios jornalísticos empenhados em divulgar notícias com conteúdos que forneçam novas perspectivas.

A realidade é que não se entrevem grandes novidades em todos esses lençóis noticiosos, empapados em fait-divers. Mas se o critério decisivo é descobrir, encontrar perspectivas inovadoras que enriquecem a informação que disponibilizam ao público, não se percebe de todo porque é que Teresa Ter-Minassian foi entrevistada pelo correspondente da RTP em Nova-Iorque. Durante três minutos, o dobro do tempo concedido a Jerónimo de Sousa, debitou argumentos favoráveis e elogiosos ao OE 2010, argumentos que repetem os que tinha usado quando esteve em 1983 em Portugal a chefiar a delegação do FMI, preparando e depois controlando a intervenção dessa instituição no nosso país. Argumentos que são os argumentos da cartilha do FMI, imutáveis perante qualquer realidade.
Há cassetes de luxo. Há um argumentário minimal repetitivo que soa a música celestial à nossa comunicação social. Depois dizem que são critérios jornalísticos! Alguém ainda acredita?

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Geral

Anti-Câncios- Pim!Pam!Pum!

O mundo dos blogues tem destas coisas. Durante anos andei de costas viradas, a resistir à tentação até que me deixei seduzir. Agora, por vezes, até me telefonam ou enviam mails, com sugestões de assuntos. Na maior parte das vezes não tenho tempo nem talento para os abordar. Outras vezes sugerem-me matérias que apontam o caminho do martírio. Não sou “jihadista”, nem católico e nunca seria dado a suplícios. Uma das últimas instigações que recebi foi “vai ler o que a Fernanda Câncio escreveu no DN”. Ler a Fernanda Câncio? A Fernanda Câncio escreve alguma coisa que valha a pena ler? A Fernanda Câncio pensa para lá da transpiração normal? Sabia da sua existência por tropeçar numas fotografias suas em capas daquelas revistas que nem para papel higiénico servem e que poluem as bancas dos jornais. É o apelo do marketing, seja ao lado do 1º ministro ou de um cantor no top ou de um artista porno, o que interessa é o que tilinta. Essas casas de segredos são-me completamente estranhas!

Que interessa a Fernanda Câncio? É mais um vaso sanitário desse jornalismo rançoso, onde o pensamento dominante despeja os seus detritos para interpostos ventríloquos o fazerem zunir. Não vou ler, nunca lerei a Câncio e ou um dos seus clones, e não são poucos, cada cor seu paladar. Seria perder um tempo equivalente aquele que se perde quando na rua se tropeça em coisa que obriga a limpar a sola dos sapatos. Isso é um azar, agora procurar deliberadamente o azar? Que os meus amigos me desculpem, recuso-me! Tempo já estou a consumir só para lhes dar nota que os ouvi e até atendi. Não sou masoquista, só um extremo masoquismo me levaria a ler algum dia a Fernanda Câncio.

Já vi que houve quem a lesse e respondesse aqui e aqui, mas vale a pena perder tempo com gente que aparentemente tem cabeça com volume igual aos humanos porque têm uma espessura óssea notável? Que a cada movimento aspergem o ar com um insuportável fedor a bafio? Não! Nunca!

Parafraseando Almada Negreiros, se fosse ler a Câncio, os Câncios, é porque duvidaria que a Câncio, os Câncios não valem nada, e que não sabem nada, e que não são inteligentes, nem decentes, nem zero.

Nenhuma dúvida me assiste!

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Política

A Verdade da Mentira/A Mentira da Verdade

Teresa Lewis, nos Estados Unidos da América, e Sakinah Mohammadin Ashtiani, no Irão, têm vários pontos em comum. Foram ambas acusadas de, em colaboração com os seus amantes, terem assassinado os respectivos maridos. Foram ambas condenadas à morte e viram os seus recursos recusados. Hoje, se não houver um perdão de última hora, Teresa Lewis será executada. Sakinah continua em prisão.
Aparentemente são, no essencial, processos muito semelhantes. O tratamento dos dois casos pela comunicação social e a sua repercussão até ao nível da política internacional é que é completamente diferente. Merece reflexão.

Em primeiro lugar em nenhum lado se lê, ouve, ou vê qualquer ansiedade com a pena de morte continuar a ser prática comum em muitos países, o que deveria estar no topo das preocupações de todos, particularmente, de quem opinou e opina sobre esses dois casos.

Em segundo lugar as notícias sobre Teresa Lewis, muito mais escassas e com muito menor relevo, detém-se, sobretudo, em minudências. Em quase cem anos é segunda mulher condenada à morte no estado da Virgínia, segue-se o descritivo do crime e do processo. Nada que provoque alarme.

Sakinah rapidamente se tornou em arma de arremesso contra o Irão, metendo ao barulho primeiros-ministros, em particular Sarkozy,  um filósofo e ensaísta, Bernard-Henry Levy, célebre não só pelas causas públicas que defende como por ter sido vítima e promotor de fraudes filosóficas. Abaixo-assinados, manifestações, oferta de asilo feito por Lula, tudo ao som dos tambores da comunicação social. Objectivo salvar Sakinah de ser morta por lapidação pelo crime de adultério, como está disposto na Sharia.

Começa por ser extraordinário que nenhum jornalista cuide de saber que a República Islâmica do Irão aboliu a morte por lapidação, comum no tempo do Xá, em 2002. Em 2001 a morte por lapidação tinha sido suspensa por moratória mas, num distrito iraniano de maioria sunita, os juízes de um caso de pedofilia condenaram à morte por lapidação um homem, o que provocou um intenso debate nacional. Isso depois de no Irão a lei religiosa ser separada da lei civil, e a Sharia deixar de ser utilizada para julgar qualquer crime. Registe-se que, mesmo na Arábia Saudita, provavelmente o país mais rigoroso na aplicação da Sharia, apesar de beneficiar do silêncio garantido pela amizade visível com os EUA e enviesada com Israel, a morte por lapidação, mais vulgar nos países e distritos sunitas e mais rara nos xiitas, já tem sido, nos últimos anos, pouco utilizada. O que deve continuar a ser veementemente condenado. Se a pena de morte é uma barbárie, a morte por lapidação é uma crueldade inominável.

Pior é alterarem o crime, de assassinato para adultério, para o mundo inteiro lapidar virtualmente o regime iraniano. Não são poucos os pontos em que o Irão merece e merecerá crítica, mas alterar a verdade tão grosseiramente deve ser denunciado. Tem um objectivo político preciso e acaba por provocar uma sistemática e generalizada atitude de dúvida que empurra para a beira do abismo de se considerar que toda a comunicação social é lixo. Em assinalável percentagem, é lixo e lixo tóxico, mas mesmo no lixo é possível encontrar raridades.

Ao ler estes casos devem-se colocar sérias questões. De quantas verdades se faz uma mentira. Quantas mentiras destroem a verdade. Em quantas coisas acreditamos e são mentira. De quantas coisas duvidamos e são verdade. Até que ponto estamos intoxicados, sem ter capacidade para o perceber. Somos vítimas sistemáticas da propaganda, tal e qual como o seu inventor, um think-tank democrata, um elitista liberal norte-americano (*), teorizou quando explanou a tese da “validade e interesse de manipular a opinião pública em democracia” afirmando que se devia “construir o consenso público” engendrando “falsas realidades” que, posteriormente, se devem transformar em “eventos noticiosos”. Teoria imediatamente adoptada e amplamente disseminada e estudada nas agências governamentais norte-americanas.

Diariamente disparam sobre nós essas balas. Sakinah é uma delas. Muitas vezes nem sequer nos apercebemos que fomos atingidos. Verdadeiramente trágico é quando já não se sangra!

(*) Propaganda, crystallizing public opinion/ Edward Bernays, Liverright, New York 1928

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Política

A desonestidade do “Expresso”

Foto do Diário de Notícias Online

Não consigo compreender o que leva um jornal como o “Expresso” a noticiar, online, uma das maiores manifestações de sempre promovidas pela CGTP — na qual estiveram presentes representações, bem vistosas e originais, de dezenas de sindicatos — com uma foto dos deputados do Bloco de Esquerda presentes no desfile.

Não me parece, aliás, que exista critério, senão o da simpatia do editor do online do “Expresso” pelos bloquistas, que possa justificar a escolha daquela foto. Ou então, é ignorância pura e dura…

Numa manifestação com trezentas mil pessoas, que resulta do esforço de mobilização dos sindicatos da CGTP (onde, já agora, a presença de militantes do PCP é muito maior, pequeno detalhe que não interessa para nada ao “Expresso”) é, no mínimo escandaloso que este jornal de “referência” opte pela imagem dos deputados do BE, desprezando a presença dos sindicatos. Critérios são critérios, é certo, mas, num evento onde se afirma que estão trezentas mil pessoas e em que o número de participantes é o factor político fundamental, pelo que evidencia da força, ou fraqueza, do protesto, ilustrar tal iniciativa política com uma foto do pessoal do BE só pode ser mesmo um  caso de má fé e de oportunismo partidário de quem a escolheu. O mais óbvio seria a ilustração com uma imagem da enorme multidão que encheu a Avenida da Liberdade, porque essa, era, de facto, a notícia. Mais até do que o que foi dito por Carvalho da Silva. Mas, será que se quis esconder a notícia, manipulá-la, fazer um jeito aos amigos? Se não foi isto que se quis, parece…

Bem sei que os mais maldosos, neste ponto do texto, já estão a pensar que o que eu queria era que aparecesse o Jerónimo de Sousa. Mas estão enganados, embora, do ponto de vista jornalístico, até fosse mais adequado. Afinal de contas, a Comissão Executiva da central sindical até é maioritariamente composta por gente do PCP…

O PCP, é certo, tem uma mania da perseguição no que respeita aos media que é excessiva. É verdade que muitos dos males que os comunistas têm na relação com a imprensa são criados pela sua eterna incapacidade de compreenderem como funcionam os meios de comunicação social, os seus ritmos, os seus processos produtivos. Resultam da eterna visão conspirativa dos media, na qual toda e qualquer notícia menos simpática, ou a omissão de um evento do PCP, obedece a um plano elaborado por uma central de desinformação comandada pelo capital. Resultam, ainda, de uma inflexibilidade histórica no relacionamento com os jornalistas, alimentada pela visão orgânica do funcionamento das relações do partido com a comunicação social.

Não partilho desta visão. No entanto, opções editoriais como esta, do “Expresso”, evidenciam que, afinal, ainda que não exista a tal central de desinformação, existem fortes preconceitos na forma como os media lidam com os sindicalistas, com o PCP, com os comunistas em geral.

A fome que os jornalistas têm do que é diferente, engraçado, da história do homem que mordeu o cão, é doentia, excessiva e injusta.

Ainda há dias perguntei a um jornalista que cobriu a vinda de Jerónimo de Sousa a Setúbal para falar dos 35 anos das nacionalizações por que razão, na notícia que escreveu, não fez qualquer referência à questão das nacionalizações abordada numa sessão com centenas de pessoas pelo secretário geral do PCP. A resposta veio rápida: “epá, o gajo não disse nada de novo”. E será que não disse? Mas será que tinha de dizer, em especial quando se fala de nacionalizações ocorridas há 35 anos? E assim se omite a posição política de um partido em relação a uma questão que ganha nova centralidade na sociedade portuguesa, no momento em que se volta a falar da mais privatizações, em que a PT é alvo de fortes ataques externos.

O problema é que o preconceito já é tão forte que se parte imediatamente do princípio de que nada de novo é dito pelos comunistas. Mas o que haveria de se esperar de um partido que mantém uma base ideológica forte, solidificada e assumida há muitos anos. Que viesse agora dizer que o preto é branco e vice-versa? Aí sim, haveria notícia?

Não pode ser (sempre) esta a lógica dos media. É demasiado desonesto, assim como o foi a opção do editor do “Expresso” online, puxando para heróis da manifestação aqueles que menos se empenharam no seu sucesso.

Aqui, pode-se ver as imagens da verdadeira manif.

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Geral

Jornalismo de Reverência!

Entre milhares de fotografias dos 300 mil manifestantes que desfilaram ontem pela Avenida da Liberdade, protestando contra o PEC negociado entre o PS e o PSD e apoiado pelo CDS, o Expresso, esse exemplo do jornalismo de referência, seleccionou esta fotografia de deputados do BE, publicada na sua edição on-line, para ilustrar a notícia

É obra e requer uma delirante imaginação dos famosos critérios editoriais regidos pela não menos famosa independência jornalística!

Ou então existem conúbios mais ou menos secretos cuja razão de ser um dia se descobrirão, embora as motivações já sejam por demais visíveis.

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