Podia ser em qualquer lado do mundo…
O logotipo por cima da porta tanto pode ser encontrado numa Praça de Setúbal como em Times Square mas não faz justiça ao que foi, a partir de 1969, o Café que é hoje ocupado por um dos restaurantes da cadeia de pizzarias mais famosa do mundo. No espaço fronteiro à Igreja de São Julião — livre e arejado por muitos anos — nasceu o maior Café da Praça do Bocage, o Central, feito de ferro e de muito vidro que lhe garantia luminosidade ímpar. Passou por várias fases. Teve encerramentos temporários, diferentes concessionários e, porque se tratava de espaço municipal, foi até utilizado como galeria municipal de exposições, para, no fim, ser demolido e substituído por construção idêntica, embora com muito menos personalidade do que tinha o velho Central.
Construído, como me contou Jorge Santos, decano dos jornalistas setubalenses e, à época, repórter do “Setubalense” (já o desafiei a fazer a história desta ideia…), para servir de redação e tipografia desta publicação — que teve a sua primeira sede na travessa situada em frente e que ainda hoje ostenta o nome do trissemanário, embora a ideia inicial contemplasse dois andares transparentes e não apenas um — permitindo, pela transparência do edifício, que todos pudessem apreciar o processo de edição e impressão de um periódico, a verdade é que foi na plena posse da câmara municipal que foi concessionado, em 20 de dezembro de 1968, à SETIS – Sociedade de Empreendimentos Turísticos Ideal Setubalense, da qual era sócio Júlio Costa, como se pode confirmar na acta da reunião de câmara de 25 de fevereiro de 1981, documento que transcreve a proposta do vereador Rocha Neto que dá conta do fim da concessão a esta empresa em 6 de dezembro de 1979.
O assunto Café Central volta a estar na ordem do dia em 7 de julho de 1982, quando é adjudicada provisoriamente, pela Câmara Municipal, a exploração do café a uma sociedade denominada Giravex, à qual foi dado o prazo de 30 dias para apresentar projetos de obras de beneficiação do espaço. Os projetos apareceram, as obras não, o que motivou a apresentação de nova proposta em reunião de Câmara, pela vereadora socialista Paula Costa, em 3 de agosto de 1983, para que adjudicação provisória fosse anulada, proposta que mereceria aprovação unânime. A discussão em torno do edifício de ferro e vidro continuou a arrastar-se, em especial porque, na altura, se debatia também a futura configuração da Praça do Bocage, depois de anos em que estiveram a descoberto vários achados arqueológicos enterrados onde antes foi o relvado oval que rodeava a estátua do poeta. Em 12 de outubro, o assunto voltava à Câmara com uma proposta de Paula Costa, então na oposição, de demolição do edifício, já que, no momento, não havia qualquer concessão em vigor e a autarquia seria livre de fazer do espaço o que entendesse. Alegava a autarca que “arquitectonicamente o edifício em causa não devia ter nunca existido“, que a “sua permanência à vista encobre à vista o mais belo recanto da Praça do Bocage“, que os “edifícios que por ele ficam ocultos, pela sua beleza e estado em que se encontram honram a cidade“. Defendia ainda a autarca, falecida em agosto de 2014, que se devia recuperar aquele espaço para “ressuscitar a convivência social que foi tradição da nossa praça principal” e que a melhor forma de atingir tal objetivo seria a “existência de uma unidade de hotelaria” que seria então proposta, como sugestão, ao grupo de trabalho que estudava o futuro da praça.
A proposta foi rejeitada pela maioria APU presidida por Francisco Lobo. Na discussão que se seguiu, Canaveira Russo, vereador responsável pelo assunto, revelou que tinha já quantificado quanto custaria fazer algumas obras de melhoria para usar temporariamente o espaço como galeria de exposições, admitindo que, com a requalificação da Praça, podia ser necessário demolir o edifício, não sem antes destacar a contradição contida na proposta da vereadora do PS de demolir para permitir a vista sobre os edifícios daquele recanto, para de seguida fazer novo edifício no mesmo local.
O Café Central é, entretanto, concessionado a uma nova entidade e, em 1987, já com o PS a comandar a Câmara Municipal, Paula Costa apresenta, em reunião de câmara, proposta de aumento do prazo de concessão dos dez anos inicialmente determinados no contrato feito com Mário Ferro Júnior para vinte anos. Estranhamente, o que antes era um edifício que “arquitectonicamente não devia ter nunca existido” passa a ter qualidades que justificam, para a vereadora, manter-se no local não por mais dez anos, mas sim por mais vinte anos.
Porém, não esteve.
Em 4 de dezembro de 2001, depois de já estar encerrado há algum tempo, a Câmara Municipal autoriza a cedência da posição contratual detida Mário Ferro Júnior a um outro sócio gerente da “Ferro e Ferro, Lda”, sócio que era também um dos responsáveis da Ibersol, empresa detentora da marca Pizza Hut.
E assim nasce a Pizzaria, espaço que, por pressão da discussão pública gerada pelo fim de mais um emblemático espaço de convívio da Praça do Bocage, mantém uma pequena cafetaria que recorda o Central de outros tempos.
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