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Iniciativa integrada no programa Bocage Poeta da Liberdade – A construção da memória nos 150 anos do monumento a Bocage.
O monumento a Bocage, situado na praça dedicada ao poeta existente no centro de Setúbal – e que nos serve de referência maior neste blog -, é uma obra marcante na identidade da cidade.
Completam-se agora 150 anos sobre a inauguração do monumento. Sob o lema “Bocage O Poeta da Liberdade, construção da memória nos 150 anos do monumento a Bocage”, um conjunto de entidades sadinas organiza um programa de atividades culturais de que aqui se dá nota.
“Uma revolução não é um leito de rosas. Uma revolução é uma luta até a morte entre o futuro e o passado”, Fidel de Castro, 2 Janeiro 1961
Mais que o desaparecimento físico de Fidel Castro, o que agora nos surge é o balanço e a perspetiva do futuro da revolução cubana. Uma revolução marcada pelo carisma e pelo registo indelével do seu Comandante.
Fidel Castro personalizou a revolução cubana, desde os seus primeiros momentos, em todas as suas dimensões e de forma plena: o entusiasmo e o vigor, a liderança carismática e o exemplo pessoal, a disponibilidade inquebrantável.
A história de Cuba até à revolução do 1.º de Janeiro de 1959 é a história de um país e de um povo condicionados e humilhados pelo poderio dos EUA. Cuba era, à data da revolução, considerada a “ilha dos prazeres” ao dispor dos turistas do poderoso vizinho norte-americano. A que se somava a concentração das propriedades e dos bens nas mãos de uma pequena elite e de empresas estrangeiras, sob beneplácito do ditador Fulgêncio Batista.
A afirmação e a interferência dos EUA em Cuba remontam aos tempos das lutas de libertação e da expulsão da potência colonial, Espanha, forçada a conceder a independência ao território em 1898. Mas uma independência seriamente condicionada pela Emenda (constitucional) Platt, que garantiu a possibilidade de intervenção dos Estados Unidos nos destinos da ilha.
A vontade de controlo e submissão dos países latino-americanos vinha, já então, de longe, mais exatamente dos tempos da doutrina Monroe (do presidente do mesmo nome – 1817 e 1825), posteriormente complementada pelas orientações do Corolário (do presidente) Theodore Roosevelt, em 1904, que determina condições para interferência nas “nações do Mar do Caribe”
Cuba foi, como a generalidade da América Latina, mais uma das vítimas das interferências a que os Estados Unidos submeteram os seus vizinhos do sul do continente, no que significativamente designavam como “o seu quintal “.
A revolução cubana e a guerra fria
A revolução cubana foi um ato libertador e de recuperação da dignidade. Mas que ocorreu em plena guerra fria. E este é certamente o factor que mais contribui para a compreensão das múltiplas dimensões dessa revolução. Um pequeno país onde se realiza uma revolução social a poucas milhas do gigante americano e que desafia abertamente os seus ditames!
A revolução cubana abalou profundamente a sociedade com grandes alterações no regime de propriedade. Apostou fortemente na extensão da educação, saúde e outros direitos sociais a toda a população. Em poucos anos o país atingiu índices de elevada cobertura nestes domínios, conseguindo mesmo promover a sua exportação para outros pontos do globo, no âmbito de acordos com outros Governos.
Até 1991, ano que assinala o fim da União Soviética, o mundo viveu o que então se chamava de “equilíbrio do terror”. Uma paz assente na ameaça da destruição maciça termonuclear entre os blocos. E Cuba teve então um papel temerário e intrépido nesse sistema.
A revolução cubana, dirigida a partir da Sierra Maestra por Fidel de Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos, não era um regime exactamentente igual aos então instalados nos países do leste da Europa na sequência da vitória militar soviética na Segunda Guerra Mundial. A sua génese fora de origem guerrilheira, mas com uma entusiástica mobilização e apoio populares. Inicialmente, Fidel e os seus companheiros não se afirmavam comunistas; apesar da existência anterior de organizações comunistas o Partido Comunista de Cuba foi formalmente criado em 1965.
Foi a hostilidade norte-americana e o continuado apoio aos agentes do derrubado regime de Fulgêncio Batista que conduziu à procura de apoios por parte dos dirigentes revolucionários no bloco do Pacto de Varsóvia.
O entusiasmo internacionalista que impregnou o processo político cubano revelou facetas de grande solidariedade com os movimentos revolucionários de outros países – dos movimentos guerrilheiros em países da América Latina, de que resultou a morte de Che Guevara na Bolívia, às intervenções militares mais estruturadas em Angola, Etiópia, Nicarágua ou Argélia em apoio a governos amigos.
Desde os seus primeiros dias a revolução cubana foi alvo de constantes tentativas de desestabilização e em que avulta o bloqueio económico ao país. Também Fidel Castro foi pessoalmente objeto de numerosas tentativas de assassinato.
Novos desafios
Com o desmantelamento da União Soviética e do bloco socialista, em que se integrava economicamente, Cuba foi colocada perante desafios muito complexos. Desde então o fim da revolução cubana foi repetidamente previsto e repetidamente contrariado pela realidade. O país revelou uma capacidade de adaptação que não seria possível sem um forte apoio popular.
Com o fim da guerra fria as matérias relativas às liberdades individuais e à expressão política das oposições tomaram novas dimensões, colocando também novos desafios à direção assumida por Raúl Castro a partir de 2008.
Fidel chega ao fim dos seus dias com um lugar garantido no panteão da história dos libertadores da América. Ao lado de heróis como Simon Bolivar, Emiliano Zapata, José Marti ou Hugo Chaves. E heróis são aqueles que fazem o que parecia impossível no sentido do progresso dos seus povos. O traço que une estes heróis latino-americanos é a luta pela dignificação dos seus povos face a poderios imperiais.
Pode a vitória de Donald Trump significar o mesmo sentimento, digamos de incomodidade, que a eleição de Barack Obama em 2008? Sim, mas por razões diferentes. À esperança sucede a ameaça de retrocesso civilizacional.
Trump teve agora menos quase dez milhões de votos que o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. Hillary Clinton alcançou mais 280 mil votos que o vencedor Trump – o que não chegou!
Tal como Barack Obama (Yes We Can), Donald Trump (Make America Great Again) chega à presidência dos Estados Unidos por se afirmar como o protagonista da “mudança”.
Obama sucedeu ao republicano G. W. Bush, o Bush filho que mergulhou o país e o mundo na 2.ª guerra do Iraque e nas suas sequelas, que duram até hoje, a par de uma das maiores depressões económicas do século XX.
Trump, um magnata pouco escrupuloso, vai suceder a um democrata com uma agenda liberal (na terminologia política americana algo aparentado ao que conhecemos na Europa como esquerda) e onde se incluíram o Obamacare, a saída do atoleiro iraquiano – a par do desastres líbio e sírio, o descongelamento das relações com Cuba ou o combate sem sucesso à proliferação de armas.
Apesar do entusiasmo que rodeou a primeira eleição de Obama, grande parte das suas promessas ficaram pelo caminho. Wall Street manteve o seu papel determinante e as desigualdades sociais agravaram-se, o acesso às armas continuou sem controlo e o racismo e a xenofobia mantiveram-se em níveis alarmantes. E as indústrias tradicionais não regressaram aos dias de glória do passado…
Mas também é certo que os EUA assistiram durante a administração Obama a um período de recuperação macro-económica, bem ilustrado pela atual (baixa) taxa de desemprego. Pudesse Obama ser re-candidato e provavelmente seria o vencedor.
O eleitorado norte-americano rejeitou, em 2008 como agora, os sucessores escolhidos nas primárias do partido do presidente em exercício, então John McCain e agora Hillary Clinton.
Os resultados da eleição de 8 de Novembro comprovaram que H. Clinton não congregou os eleitorados que haviam elegido B. Obama. E como seria isso possível? Mau grado a expetativa de poder ser a primeira mulher a ocupar o cargo, H. Clinton não foi em 2016 a candidatura outsider e mobilizadora, que B. Obama havia sido em 2008, catalizando as forças da mudança perante os sentimentos difusos de mau estar que atingem grandes parcelas de tradicionais eleitores democratas.
Clinton era desde há muito, para o bem e para o mal, alguém com uma história de vida intimamente ligada ao exercício do poder: como “primeira-dama” interventiva e gestora de dossiers durante os mandatos do marido e como Secretária de Estado (Negócios Estrangeiros) no primeiro mandato de Obama. Pior foi o facto de ser vista como um dos principais representantes do status quo político-financeiro que manda no país. Não foi ela quem beneficiou de grandes (as maiores!?) contribuições dos conglomerados financeiros na campanha? A candidata de Wall Street, como se ouviu dizer.
Pelo caminho os democratas preteriram a mobilizadora e entusiástica candidatura de Bernie Sanders (A Future to Believe In), esta sim derrotada com truques e golpes baixos pelo establisment democrata hegemonizado pelo clã Cinton e com o apoio previamente negociado de Obama.
Potenciar o medo
Foi este o mesmo país que, paradoxalmente, viu agora no multimilionário D. Trump o outsider capaz de desafiar o sistema de que tanto se aproveitou. Como não evocar a forma como cilindrou nas eleições primárias qualificados representantes do establishment republicano como Jeb Bush, Ted Cruz ou Marco Rubio, fazendo orelhas moucas aos bonzos do partido republicano.
Trump dotou-se de uma retórica direta, desbragada e odienta assente em medos profundos, como o dos emigrantes que invadem o país, ou o da China e dos outros países que destroem a economia americana. Foi violentamente hábil a potenciar as intolerâncias com público garantido, como as relativas à homofobia, ao aborto ou ao nativismo. Viu assim garantidos apoios nos mais diversos setores da opinião: dos racistas do ku klux klan e xenófobos anti-emigração, às classes médias em perca de rendimentos e afetadas pelo encerramento das indústrias.
Registe-se ainda que 5.892.512 eleitores americanos votaram noutros candidatos nunca nomeados nos noticiários: Gary E. Johnson (Libertário), Jill Stein (Verde), Evan McMullin (Independente) e Darrel Castle (Constituição).
As uniões voluntárias de países, tal como as de pessoas, têm na sua génese o propósito de aumentar o bem-estar dos seus povos! Sem esse resultado as uniões fracassam. A maioria dos eleitores britânicos mostrou não estar satisfeita com a UE e por isso os votantes do brexit somaram mais um milhão duzentos e setenta mil votos que os do remain.
Chantagem foi o que não faltou sobre o eleitorado britânico. Ameaças dos maiores cataclismos procuraram condicionar o voto do público. Responsáveis políticos dos vários países e da União e dirigentes de empresas multinacionais desfilaram pelas televisões de todo o mundo. Nem sequer Obama faltou à chamada!
É certo que, de entre as principais motivações, poderão avultar os motivos “egoístas”. A mesma imigração que tem levado centenas de milhares de trabalhadores e óptimos profissionais de todo o mundo ao RU e contribuído para o sucesso da economia britânica, terá suscitado um efeito de rejeição. Como entenderão os ilhéus os grandes acampamentos de candidatos a imigrantes que se acumulam no lado francês do canal ou os milhares que atravessam a Europa em direção ao RU?
É também certo que a gestão europeia da crise dos refugiados, que procuram os países ricos do norte como local de destino – nomeadamente o Reino Unido, tem sido morosa e ineficaz. Países esses que pagam agora, com elevados juros, as suas responsabilidades nos erros de falta de visão que conduziram ao desmoronamento de vários Estados no norte de África e Médio Oriente.
Fica ainda claro que a UE tem estado muito mais preocupada em gerir os calhamaços das finanças do que em preocupar-se com o bem-estar económico dos seus povos e as soluções políticas que o possam determinar. Por isso, desde há anos, é um risco para as lideranças perguntarem aos eleitores o que quer que seja sobre consolidação e federalização do projeto europeu, com todos os referendos realizados a terem resultados inversos aos pretendidos.
É justo recordar que o projecto das comunidades europeias nasceu como uma construção de paz entre nações (França, Alemanha ocidental, Itália, Benelux e, mais tarde Reino Unido) que se guerrearam ao longo de séculos e a um ponto de exaustão por duas vezes nos últimos cem anos.
Mas também convém recordar que as Comunidades Europeias que antecederam a UE foram uma construção política para impedir a expansão do ideal comunista no ocidente europeu e a afirmação da URSS – um panorama que desapareceu há um quarto de século mas que alguns, nas mais altas instâncias europeias, teimam em continuar a ver na Rússia post-soviética.
As memórias dos tempos difíceis vão-se atenuando, sobretudo entre as lideranças nacionais e europeias que trataram desvalorizar a importância da coesão e da solidariedade entre os povos. Submetidos a elevadas provações e percas de soberania (onde vai a subsidiariedade de há anos atrás?) em nome de valores incompreensíveis e por isso recusados.
O resultado do referendo britânico é também um sintoma do mau estar que alastra pela Europa da UE. Fracturas que agora serão agora mais facilmente expostas: a deficiente resposta ao problema das dividas públicas, a imposição dolorosa das regras do pacto orçamental com o recurso a ameaças de sanção, as indefinições perante os problemas dos refugiados e da emigração, o terrorismo… Um poder formalmente sediado em Bruxelas, mas com a real capacidade de decisão entregue a um directório cuja última palavra é alemã.
Last but not least. A liderança (conservadora) britânica demonstrou mais uma vez a grandeza da sua secular democracia. Tal como no referendo sobre a independência da Escócia, de Setembro de 2014, foi o povo quem escolheu. Quantas vezes se perguntou por cá aos eleitores, como aliás em muitos outros países da UE, sobre matérias de tão grande magnitude como a integração europeia? E quando essas promessas feitas, logo foram esquecidas!
O acordo político apelidado de geringonça revela, seis meses após a constituição do Governo, que funciona melhor do que aquilo que lhe auguraram. Cada dia é um dia de negociação e o Parlamento adquiriu uma função central no sistema político. Uma lufada de ar fresco! Entre a reposição de rendimentos e o cumprimento dos ditames do pacto orçamental corre uma estreita faixa que ditará o sucesso do Governo de A. Costa.
Estabilidade
A solução encontrada trouxe ao país estabilidade política e uma solução maioritária no parlamento – o que não é coisa pouca perante os resultados eleitorais de Outubro de 2015.
O ineditismo da solução credibilizou a Política ao revelar caminhos nunca antes experimentados em quarenta anos de regime democrático. Uma solução que, não sendo inédita na Europa, pode ainda encontrar eco em Espanha com as eleições de 26 de Junho.
Baixas expectativas
A constituição de um Governo PS apoiado pelos partidos da esquerda foi recebida com uma odienta campanha em que não faltou a apodrecida artilharia anti-comunista, suportada pela maioria dos comentadores residentes das televisões e imprensa mainstream – parte deles já começou aliás a “virar o bico ao prego”. Eram pois baixas as expectativas com que foi recebido.
Ao Governo de A. Costa não foi concedido o tradicional benefício da dúvida. Desde o primeiro dia que se confronta com mar alteroso. Mas o mais preocupante é a oposição que chega dos círculos de decisão europeia, nomeadamente da Comissão, com ameaças permanentes de castigos em torno da sacrossanta questão do défice. É manifeste que esses círculos querem impor orientações políticas estritas, deixando o Governo com margem de manobra muito reduzida.
As baixas expectativas e a permanente ameaça dos “comentadores” da eminência de uma quebra do apoio político ao Governo têm também sido um dos maiores estímulos para o êxito de geringonça até ao momento.
O parlamento e a negociação permanente
Sem maiorias claras saídas das eleições, o parlamento preenche nesta legislatura aquela que é uma das suas mais importantes vocações, a de centro do debate e da decisão política. Bem ao contrário do que o sistema nos havia habituado desde há muito – uma mera câmara de eco de maiorias absolutas
Negociação intensa e permanente, com divergências expostas e do conhecimento público – uma (nova) forma de fazer política. Uma saudável forma de fazer politica!
Apesar dos acordos das esquerdas, não deixa de ser possível assistir a uma certa geometria variável, nomeadamente nas matérias que não constam nos acordos bilaterais celebrados entre PS, PCP, BE e PEV.
Uma nova atitude na frente europeia
A atitude subserviente de “ir além da troika” que P. Coelho propalou aos quatro ventos deu poucos resultados. Ou, para a usar a expressão cínica de um líder parlamentar do PSD “O país melhorou mas a vida das pessoas não”.
É certo que a Comissão Europeia ameaça agora Portugal com sanções pelos resultados conseguidos… com as políticas e as medidas a que obrigou o país ou pela trajectória orçamental deste ano. Sanções essas que, quando forem discutidas, não deixarão de trazer ao debate as violações do tratado por parte de Estados ricos – uma caixa de pandora, como se adivinha.
Uma posição negocial mais interventiva e exigente na frente europeia não deixa de revelar uma nova postura. Mesmo os socialistas europeus dão agora alguns sinais de perceber que a agenda em que se deixaram envolver com o pacto orçamental é má e só contribui para aumentar as desigualdades entre os países da UE, mantendo a situação de estagnação.
São visíveis sinais de diálogo, anda tímidos, entre os Governos dos países vítimas da paranóia austeritária, como Portugal, Grécia, Itália, com a Espanha em stand by. A solução que sair das eleições espanholas – nomeadamente se com uma maioria de esquerda, não deixará de se reflectir nos grandes equilíbrios europeus.
Europa: mudar de rumo?
É lógico que tinha que haver “reversões” de decisões do governo anterior, tão más e danosas elas foram. A começar por alguma reposição de rendimentos, que teve na origem cortes que afectaram a generalidade da população mas que se abateram em especial sobre pensionistas e trabalhadores dos sectores da administração e empresas públicas.
A anulação da privatização de empresas com actividade de importante impacto social, caso dos transportes e TAP, foi uma medida de sanidade pública. Sempre foi claro que a fúria privatizadora – que alienou empresas fundamentais para a soberania, como a EDP ou a ANA, não tinha a simpatia da maioria da população.
Parte importante do sucesso da geringonça joga-se agora no crescimento da economia, em que o relançamento do consumo interno tem merecido especial atenção. Mas joga-se também na inversão das suicidárias políticas de austeridade e na reformulação dos critérios do pacto orçamental, transformado numa “camisa-de-onze-varas” para os países mais pobres da União. Para isso é necessário um novo equilíbrio politico na Europa.
Os 100 dias do Governo PS apoiado pela esquerda confirmam a mudança de paradigma operada na política portuguesa – nunca desde 1974 os vários sectores da esquerda se tinham entendido para dar corpo a uma solução de governo. E, apesar de continuar a linha da austeridade, o orçamento de 2016 agora aprovado demonstra que é possível reparti-la de uma forma menos penalizadora para os rendimentos da maioria.
O entendimento das esquerdas foi tornado possível pela hecatombe social que a direita impôs a vastos sectores da população. Impondo-se a si próprio ir além do que havia sido acordado com a troika, o governo PSD-CDS aproveitou a boleia do “ajustamento” para impor uma agenda ideológica que há muito perseguia. Cortou sem critério nas funções sociais do Estado, vendeu ao desbarato importantes empresas estratégicas e atacou tudo quando fosse público, reduzindo os rendimentos dos portugueses, com especial incidência no funcionalismo público. O resultado foi o empobrecimento generalizado e o aumento da dívida.
Também o PS percebeu que o caminho de constante subscrição e aplicação de políticas anti-sociais e de empobrecimento generalizado da população cavava fundo as bases da sua credibilidade e do seu próprio futuro enquanto grande partido protagonista do sistema.
Os cem dias demonstram também que o governo goza de estabilidade parlamentar. E mostram que a governação passou a ser objecto de negociação permanente, como não podia deixar de ser, já que o parlamento é agora uma verdadeira câmara de debate e de decisão política. Foi o que resultou do novo quadro parlamentar. Qual seria a alternativa? Um governo minoritário da direita, sem maioria na assembleia e que se arrastaria penosamente até ser derrubado? Ou um governo da direita com apoio socialista e que iria reproduzir, no essencial, as políticas anteriores?
Em cem dias foi possível assistir a uma clara mudança de rumo: na negociação do salário mínimo, na reversão das subconcessões e privatizações nos transportes, no reescalonamento da sobretaxa de IRS ou na reposição faseada de salários na administração pública e de diversas prestações sociais.
A solução governo PS apoiado pela esquerda não é isenta de riscos e dificuldades. Basta conhecer as diferenças e as divergências programáticas das partes envolvidas. Mas há compromissos assumidos e formalizados nos documentos fundadores que assinalam esta nova fase. O falhanço desta solução a curto prazo ditaria inevitáveis consequências de confiabilidade perante o eleitorado para os partidos envolvidos.
São conhecidos os constrangimentos que condicionam e irão continuar a condicionar os próximos anos: eles derivam, no essencial, do cumprimento mais ou menos apertado das normas do tratado orçamental. Critérios que são uma verdadeira espada de Dâmocles sobre o país, mas que representam o custo da opção de permanecer no espaço do euro – aparentemente subscrita pela maioria do eleitorado. E diz-se “aparentemente” porque a legitimidade da adesão à moeda única e a subscrição do tratado orçamental nunca foram referendadas pelos portugueses, tal como outras decisões que implicaram perca de soberania.
Fará vencimento a interpretação daqueles que, como A. Costa, pregam “a interpretação inteligente” do tratado, como sinónimo do abrandamento das regras? Ou assistiremos a que a um país pobre, endividado e com escassa expressão no PIB da União, seja aplicada com todo o rigor a autoridade dos poderes europeus – como se denota com a exigência de um plano B de medidas orçamentais?
A frente europeia será, porventura, a que maior empenho exigirá uma coordenação empenhada dos partidos que suportam a actual solução governativa.
Foram os resultados das eleições presidenciais surpreendentes? Não. Mas tiveram algumas meias surpresas. A possibilidade de uma segunda volta, não sendo impossível era muito difícil. Ficam os erros que as esquerdas teimam em repetir.
Sampaio da Nóvoa (22,89% dos votos expressos) atingiu valores apenas razoáveis. Maria de Belém (4,24%) e Edgar Silva (3,95%) ficaram muito aquém do que seria expectável. Marisa Matias (10,13%) foi além do que se esperava. Dos candidatos mais “pequenos” apenas a meia surpresa Tino de Rans. Ou seja, a soma de todos eles (48%) foi incapaz de evitar que a campanha de Marcelo Rebelo de Sousa (52%) quase que fosse um “passeio pelo parque”.
Ficará a pairar a dúvida sobre se uma candidatura que dinamizasse as várias sensibilidades da esquerda não seria a melhor estratégia. Constatou-se, mais uma vez, que as esquerdas não só não conversaram entre si, como se combateram. Perante um PS estrelhaçado e na ausência de um “peso pesado” multiplicaram-se os candidatos das esquerdas. E a história registou uma repetição do que já víramos acontecer na primeira eleição presidencial de Cavaco Silva em 2006: um país politicamente à esquerda elege um presidente oriunda da direita.
A candidatura de Maria de Belém foi “abalroada” pelo escândalo das subvenções vitalícias – com a deliberação do Tribunal Constitucional a ser divulgada num timing muito (in)oportuno. Também é verdade que Belém conseguiu confirmar e exponenciar pela negativa a “falsa frágil” (vide debates televisivos) que Manuel Alegre já prenunciara em Agosto do ano passado.
É verdade que Edgar Silva e o PCP/CDU fizeram uma campanha activa e recheada de iniciativas, como sempre é timbre do Partido Comunista Português. Mas o que falhou? Para onde foi o mais de um quarto de milhão eleitores que em Outubro de 2015 votou na CDU e que agora não escolheu o candidato apoiado pelo PCP? Parte importante deste eleitorado ter-se-á distribuído por outras candidaturas, porventura não tão afirmadas partidariamente, numa eleição que não é, em última instância, entre partidos.
A votação de Marisa Matias indicia o que poderá ser uma certa recomposição no voto das esquerdas, já que quase confirma a votação do Bloco de Esquerda em Outubro passado. Não há que duvidar que as “novas” caras femininas do Bloco lhe tem conseguido emprestar um notável poder comunicacional. Não só pela sua competência, mas também pelo facto de o serem. Atenção a Assunção Cristas, quase a chegar ao CDS!
Esta eleição presidencial volta a demonstrar que numa eleição uni-pessoal há outros factores em jogo para além dos políticos. O reconhecimento mediático e a notoriedade pessoal, a projecção do afecto (“a marmita” de Marcelo!), o percurso pessoal…
É certo que Marcelo Rebelo de Sousa partiu com grande vantagem. Mas teve a vida facilitada.
(Também sobre este assunto, ver aqui)
Américo Ribeiro e a sua coleção de máquinas fotográficas.
Poucas são as terras que se podem orgulhar de contar com alguém que, ao longo de décadas, se dedicou a uma recolha sistemática de imagens dos mais variados aspetos da vida local. Setúbal é uma dessas terras e o fotógrafo Américo Ribeiro (1 Janeiro 1906 – 10 Julho 1992) o homem a quem a Cidade deve um fabuloso espólio de imagens que cobre grande parte do século XX e que agora se deixa entrever na exposição “Dizem que é Américo – Um Fotógrafo | Outras Imagens | Novos Olhares”, patente na Casa da Cultura (Setúbal) até 05 de Fevereiro.
Alguns Homens distinguem-se pelo carácter metódico, quase obsessivo, do amor que dedicam às suas actividades profissionais. São aqueles para quem todos os dias e todas horas são ou podem ser dias e horas de trabalho.
Américo Augusto Ribeiro, repórter fotográfico de imprensa e fotógrafo de casa montada no Largo da Conceição, em Setúbal, foi um desses Homens. Um “caçador e coleccionador de imagens”. A essa sua paixão pela reportagem fotográfica deve-se um espólio documental de primeira importância para o conhecimento e compreensão da história de Setúbal do século XX.
Deve também ser creditado a Américo Ribeiro a extraordinária valia de ter, ao longo dessas décadas, conservado e ampliado aquele espólio (negativos de vários suportes e formatos, impressões em papel, máquinas, ampliadores e acessórios).
Com uma atividade que trespassou o século passado, Américo Ribeiro foi também testemunha da evolução tecnológica da sua arte; conheceu “flashes” de magnésio accionados a pistola, ampliadores a luz solar e negativos em chapa de vidro. Uma tecnologia que evoluiu à velocidade da luz e de que também nos deixou memória.
Uma das mais famosos imagens de Américo Ribeiro. Refeição, recepção em fábrica de conservas de Setúbal em 1938.
Soube o Município sadino, em tempo oportuno e ainda em vida de Américo Ribeiro – estávamos em 1982, trazer para a sua responsabilidade esse importante espólio fotográfico e de filmes sobre “acontecimentos de interesse municipal” (deliberação da Câmara Municipal em 07 de Julho daquele ano). Um património composto por milhares de imagens e negativos dos diversos formatos que se foram sucedendo ao longo do seculo XX.
Ao valioso espólio documental adquirido nos anos oitenta, acrescentou a Câmara Municipal sadina em 1994 “uma valiosa coleção de equipamentos fotográficos que inclui máquinas fotográficas, ampliadores, lentes, flashes e outros acessórios” (deliberação da Câmara Municipal em 8 de Março daquele ano).
A conservação, valorização e divulgação deste fascinante espólio fotográfico tem sido assegurada pelo Arquivo Fotográfico Américo Ribeiro da Câmara Municipal de Setúbal, instalado na Casa Bocage. Um trabalho que tem contado com a preciosa colaboração dos voluntários do Centro de Memórias que, paulatinamente, tem vindo identificar imagens.
Em 2016 comemora-se o 110.º aniversário de Américo Ribeiro! Vamos aguardar as próximas atividades.
Presidente Teófilo Braga dirigindo-se de eléctrico ao Palácio de Belém.(imagem do Museu da Presidência da República)
O candidato Marcelo Rebelo de Sousa sai na frente e com vantagem. Mas é agora que a corrida vai começar a sério. Pode ainda o pelotão da esquerda apanhá-lo e ultrapassá-lo? Para isso um dos seus candidatos terá que chegar à segunda volta – coisa que só aconteceu uma vez, em 1986, quando Mário Soares ultrapassou Freitas do Amaral no sprint final da segunda volta.
Apesar de eleitoralmente maioritária, uma esquerda desacertada tem facilitado a vida ao candidato da direita. Sendo Marcelo o melhor candidato que a direita poderia ter, a batalha marcada para 24 de Janeiro de 2016 é “um osso muito duro de roer” para as esquerdas. Mas nem sempre quem sai primeiro, chega em primeiro lugar.
Marcelo, corredor de fundo ou lebre?
Apesar de não ter sido o “desejado” por Passos Coelho e Paulo Portas, Marcelo Rebelo de Sousa apresenta-se como o único candidato da direita, no que constitui mais um exemplo do pragmatismo desta área política.
Marcelo dispensa apresentações porque toda a gente o conhece. É certamente dos portugueses com maior projeção mediática, não tivesse ele entrado nas casas dos portugueses, através dos ecrãs televisivos e em prime time, ao longo de muitos anos na qualidade de comentador político. Ou de “catavento” na opinião do chefe do PSD, aquele que é hoje um dos seus mais ilustres apoiantes. Marcelo construiu paulatinamente a sua candidatura fazendo todos os circuitos necessários, não se esquecendo sequer da Festa do Avante! Por isso parte na frente.
Displicência socialista
Mas é também evidente a displicência com que o partido socialista tratou a eleição presidencial. Ao PS competiria dirigir uma estratégia de abrangência do povo de esquerda. Como em 1996 com a candidatura vitoriosa de Jorge Sampaio, apoiada pelas desistências dos candidatos Jerónimo de Sousa (PCP) e Alberto Matos (UDP) antes da primeira volta. Mas os socialistas apresentaram-se agora sem estratégia.
No tempo que resta há pois que “tocar a rebate”, mobilizar e tirar Marcelo do altar.
A esquerda, fragmentada como é habitual, encontra o PS dividido por três candidaturas: duas quase oficiais, sendo que uma delas, a de Sampaio da Nóvoa, é “secretamente” apoiada pelo primeiro-ministro, e ainda uma outra de um franco-atirador, Henrique Neto. A imagem não pode deixar de nos recordar o desastroso panorama, com funestos resultados, que opôs Manuel Alegre e Mário Soares na eleição presidencial de 2006 e que ditou o primeiro dos dois mandatos de Cavaco Silva… com 50,54% dos votos.
Agora que uma nova e esperançosa maioria parlamentar dá os primeiros passos, importa perceber qual o papel que o futuro presidente da república desempenhará. Cavaco Silva, o primeiro presidente oriundo da direita, demonstrou à exaustação e de forma caricata a sua filiação, desprestigiando a função presidencial a um ponto dificilmente prescrutável.
Que poderemos esperar de Marcelo? Que se esqueça da sua origem, do seu percurso e dos interesses da sua família e amigos políticos? Que se esqueça que foi fundador do PPD e seu líder? Que fez todas as campanhas ao lado do Passos Coelho e Cavaco Silva?
Ao comentador que ao longo de anos se equilibrou politicamente (o catavento de Passos Coelho!) nos ecrãs das televisões, sucede agora o candidato que quer fazer esquecer de onde vem e esconder para onde vai. Com respostas redondas e uma simpatia táctica com a actual solução governativa. Há pois que o fazer descer à terra e aos problemas.
O pelotão da esquerda
Sampaio da Nóvoa. Praticamente desconhecido do grande público, é o factor novidade nas presidenciais. Sem credenciais nem passado na vida político-partidária, avançou contando com a bênção do PS de António Costa, adivinhando-se outras simpatias nas esquerdas. Tem-se assim perspetivado como um candidato federador dessas esquerdas, tendo congregado o apoio de todos os antigos presidentes da república. Mas a estratégica, que parecia promissora, foi torpedeada a partir do mesmo PS que lhe indiciou apoio.
Maria de Belém. Está ainda por explicar o que levou esta ex-ministra de governos socialistas a avançar com uma candidatura que sabia ir fraturar, quer o seu partido, quer o eleitorado socialista. Retaliação e pauzinhos na engrenagem do então novo líder A. Costa que acabara de apear António J. Seguro. Não foi ela a presidente do partido durante o consulado de Seguro? Como também é sabido que a sua candidatura foi acarinhada pela direita.
Edgar Silva é a voz do PCP nas presidenciais. Uma presença autónoma perante os grandes blocos que se formam em eleições unipessoais. Diz a história que os comunistas portugueses nunca prescindem de uma presença ativa; a mesma história que diz que a ida a votos na primeira volta depende do que pode ser a melhor opção para uma vitória da grande área da esquerda.
Marisa Matias corresponde à afirmação de uma outra área da esquerda, sendo a tentativa de o BE potenciar nas presidenciais o sucesso registado nas eleições legislativas.
Aos quatro candidatos das esquerdas e às forças políticas que os suportam exige-se a maior dinamização dos seus eleitorados. Só a partir dessa maximização será possível forçar uma segunda volta. É certo que só agora começa a campanha, mas a lebre Marcelo tem que ser confrontado com as opções que o presidente vai ser chamado a fazer.
1º acto – Cavaco Silva chama, sem delongas, Passos Coelho a formar Governo. Também sem demora anuncia que vai dar posse a esse mesmo Governo. Mesmo quando já (todos) sabia(mos) que seria “chumbado” pela maioria dos deputados no parlamento. Não fez exigências nem colocou condições ao nomeado!
2º acto – No discurso de posse do “Governo com demissão anunciada” dirige-se… não ao Governo, mas sim à oposição e de forma ameaçadora. Passos Coelho e os seus colegas assistem “de bancada” – só estão ali por mero acaso! Pelo meio Cavaco apela à rebelião dos deputados do PS na votação parlamentar e fala… da NATO !!
3º acto – Com o governo demitido pelo parlamento e em funções de gestão; com as dúvidas sobre Portugal a avolumarem-se junto das organizações internacionais, dos agentes económicos e dos mercados, que entende por bem fazer o presidente Cavaco? Viajar para a Madeira e mostrar-se ao leme de uma embarcação.
4º acto – Regressado ao Continente anuncia mais e mais audiências. A banqueiros e a economistas. E aos partidos, claro. Isto depois de ter ouvido entidades tão ilustres e selectas como o fórum para a competitividade e a associação das empresas familiares.
As eleições foram há um mês e meio. Para Cavaco, o país que espere!
Primeira – Estabilidade
A solução de um governo PS com apoio parlamentar do PCP, BE e PEV é a única que garante suporte político maioritário no atual quadro de forças existente na Assembleia da República. A coligação PSD-CDS revelou-se incapaz de assegurar uma solução estável. Apesar das eventuais fragilidades que lhe possam ser apontadas (que só poderão ser avaliadas mais adiante!), a solução liderada por A. Costa corresponde à vontade de mudança de ciclo, maioritariamente expressa pelo eleitorado. E, com uma certa ironia, à continuada exigência de um governo com apoio maioritário, desde há muito formulada pelo Presidente Cavaco Silva.
Segunda – Legitimidade
Não restam dúvidas sobre a legitimidade da solução conseguida pelos partidos da esquerda, que tem abrigo constitucional indiscutível: “O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.” (art.º 187º da Constituição). Tendo havido um histórico de governos liderados pelo partido mais votado, esse não é, em rigor, o critério determinante; a existência de uma maioria parlamentar sim!
Terceira – Urgência
O governo de P. Coelho está demitido e em gestão. O prolongamento do estado de indefinição governativa é a pior das situações. Para que o país possa funcionar com normalidade necessita de ter um governo em plenitude de funções e um orçamento aprovado com a maior das brevidades. Qualquer outra solução – governo de gestão, ou de iniciativa presidencial, aguardando eleições antecipadas, teria elevados custos. Pesados custos em todas as latitudes, das pessoas aos mercados passando pelas empresas e pelo próprio Estado. Qualquer uma destas soluções significaria ainda um governo sem capacidade de acção, adiamento de decisões e de investimentos e um país em campanha eleitoral e instabilidade durante muitos meses.
Realizou-se no dia 7 de Novembro, em Lisboa, o Congresso Nacional das Colectividades, Associações e Clubes. Dinamizado pela Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto e outras organizações (*) representativas da grande família associativa, contou com a participação de centenas de associações e colectividades de todo o país.
Esta foi a terceira reunião plenária do movimento associativo popular após o 25 de Abril de 1974. Os anteriores congressos tiveram lugar nos já distantes anos de 1993, em Almada, e 2001, em Loures.
O homem não mordeu o cão
Apesar do elevado interesse deste encontro, ele quase passou despercebido junto do grande público, em resultado de uma escassa projeção mediática. Porventura por vivermos momentos de elevada efervescência política.
Mas também, e certamente, por a realidade quotidiana deste movimento associativo ser bem a demonstração inversa da velha lógica que define o conceito de notícia: “não o cão que mordeu o homem, mas o homem que mordeu o cão”.
Traduzamos!
Cerca de 30 mil coletividades, clubes e associações que por todo o país – das aldeias mais recônditas aos bairros mais populosos das grandes cidades, passando por escolas e empresas – contribuem de forma discreta e “silenciosa” para o normal e regular funcionamento da sociedade portuguesa.
O associativismo é, desde há muito, um importante factor de integração dos cidadãos, detendo um papel decisivo na coesão das comunidades locais. A quem, aliás, presta numerosos serviços: de natureza cultural, artística, desportiva, recreativa, nos campos da educação e do ensino ou da proteção civil – não é por acaso que os bombeiros voluntários e as suas associações são os principais protagonistas da proteção civil?
Milhares de coletividades prestam esses serviços de uma forma regular e quotidiana, em regra benévola e sem fins lucrativos. Como que fazendo parte da paisagem que conhecemos. Logo não são notícia!
Foi dessas entidades, das suas atividades e problemas, que se falou neste congresso. Como das gentes que lhes dão corpo, com um trabalho de formiguinha que dura há gerações, .
Um congresso de sete meses
Este Congresso começou há sete meses. Desde então materializou-se em centenas de encontros e debates um pouco por todo o país e em que participaram milhares de dirigentes e activistas associativos. Aí foram identificadas as preocupações e os temas que interessam a este grande movimento. E estudados os contributos e as propostas que a sessão final do Congresso viria a debater.
E que discutiu o Congresso?
O encontro decorreu sob o lema Associativismo Popular – uma Força Social com Visão e com Futuro.
O papel do associativismo na sociedade portuguesa está ainda longe do reconhecimento que merece – há que lhe dar visibilidade publica e institucional e valorizar o papel dos seus dirigentes, voluntários e benévolos na sua grande maioria. Incrementando a sua participação nas instâncias de consulta nos poderes públicos
A vitalidade e das potencialidades do associativismo nos planos económicos, cultural e social estão à vista, apesar de frequentemente ser menos considerado, sobretudo pelas administrações centrais. Em qualquer uma destas dimensões o movimento associativo popular ocupa importantes e insubstituiveis posições.
O congresso foi pois o momento certo para uma profunda reflexão sobre o modelo do associativismo e do seu papel na sociedade portuguesa. Refletindo a riqueza e multiplicidade de experiencias das suas mais diversas e diferentes áreas de ação.
Quatro grandes eixos orientaram o Congresso:
Quatro capítulos que comportaram 78 sub-temas que analisaram ao detalhe os mais diversos aspetos da vida e da problemática associativa, debatidos ao longo das reuniões de preparação do Congresso.
Recomendações estratégicas
Os congressistas aprovaram o documento Manifesto Associativo 2015 Recomendações Estratégicas – que merece a leitura dos interessado e que pode ler aqui, O documento comporta um conjunto de 49 recomendações às próprias coletividades, associações e clubes, ao poder legislativo (Assembleia da República), legislativo e executivo (Governo), autarquias, empresas e entidades promotoras do conhecimento.
(*) O Congresso Nacional das Coletividades, Associações e Clubes foi uma iniciativa dinamizada pela CPCCRD Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto em conjunto com a CPV Confederação Portuguesa do Voluntariado, CDP Confederação do Desporto de Portugal, CPCP Confederação Portuguesa das Casas do Povo, CMP Confederação Musical Portuguesa, FFP Federação do Folclore Português, FCMP Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, FPTA Federação Portuguesa de Teatro e Federação Portuguesa de Cineclubes.
Grande luneta pintada por Veloso Salgado existente na Sala das Sessões da Assembleia da República e que representa as Cortes Constituintes de 1821 – que elaboraram a Constituição de 1822, a primeira da história constitucional portuguesa – reunidas na biblioteca do Palácio das Necessidades em Lisboa.
Sendo certo que a coligação PSD-CDS foi a lista mais votada nas eleições de 4 de Outubro, também é certo que ela não reúne a maioria dos deputados no parlamento. Numa democracia representativa o governo deve ser entregue à vontade da maioria. A haver no parlamento um conjunto de forças políticas que assegure essa maioria e confirmando-se que subscrevem um programa, então os aparentes vencedores passam a vencidos. Qual é o drama? Não é assim nas mais avançadas democracias europeias?
A governação dos últimos quatro anos ficou marcada pelo flagelo social que se abateu sobre um grande número de portugueses. Sujeitos às condições draconianas do “resgate” financeiro, o governo de P. Coelho, para além de ter adoptado o “memorando de entendimento” como programa, fez questão de ser mais troikista que a troika. Mais preocupado em ultrapassar as exigências dos credores do com o sofrimento do povo que lhe confiou a governação. Retirou rendimentos e direitos sociais, vendeu património ao desbarato e empurrou para a pobreza e a emigração largas camadas da população.
O diálogo entre os partidos da esquerda parlamentar, visando a sustentação parlamentar de um governo, constitui uma importante alteração no modelo de funcionamento da política portuguesa. Haja ou não governo da esquerda, está aberto um novo ciclo. O sistema político passa a dispor de novas opções e as consequências serão certamente profundas.
Uma mudança estratégica na política portuguesa e na esquerda em particular.
Apesar da elevada resistencia dos seus principais protagonistas ao longo das quatro décadas de regime democrático, o sistema partidário português tem mantido uma fragilidade evidente – as forças genericamente classificadas como da esquerda, que facilmente dialogavam e acordavam matérias do chamado foro de consciência, revelavam-se incapazes do mesmo diálogo quando se tratava de abordar soluções de governação. Bem ao invés dos partidos da direita.
A concretizar-se um acordo parlamentar ou uma coligação PS-BE-PCP-PEV, tal significará um facto radicalmente novo na política portuguesa. Uma primeira vez que pode contribuir para ultrapassar traumas nascidos com o período revolucionário post 25 de Abril e que separou os partidos de esquerda por muitos e longos anos. Esse sistema cristalizou tornando o PS um partido central do sistema, posição que agora se acentua, mas que só admitia alianças à sua direita – com o CDS em 1978 e com o PSD entre 1983 e 1985.
A vaga conservadora iniciada na Europa por M. Tatcher nos anos oitenta (com R. Reagan nos EUA) associada ao colapso da URSS e do pacto de Varsóvia, abriram caminho à globalização néo-liberal. Disso foram demonstração a massiva desregulamentação dos mercados financeiros e das relações de trabalho ou a privatização generalizada de serviços públicos.
Grande parte dos socialistas europeus, capitaneados pelo New Labour de T. Blair, alinhou na tese do “fim da história” (F. Fukuyama), a vitória do capitalismo como consequência da queda do bloco do leste europeu. Esse movimento conduziu à rápida descaracterização da origem trabalhista dos socialistas, capturando-os para estratégias e opções da direita dos interesses económicos e financeiros, que na União Europeia viriam a ser plasmados, anos mais tarde, em documentos como o tratado orçamental.
Um novo pragmatismo na esquerda – que se aproxima do que sempre existiu à direita. Continuar a ler
Até que ponto a perca de maioria absoluta pela coligação de direita foi uma mudança qualitativa na situação política portuguesa? E a maioria de esquerdas que vai existir no parlamento pode ser uma maioria de esquerda?
A velha estrutura político-partidária do país, nascida em 1974, revelou mais uma vez uma notável resistência. Desta vez face à hecatombe que se abateu sobre os portugueses nos últimos anos.
Ao arrepio do que tem vindo a acontecer nos países submetidos às brutais intervenções da troika, sobretudo na Grécia e Espanha, os partidos do rotativismo nacional (PS, PSD e CDS) continuaram a somar uma elevada expressão eleitoral, a rondar os 70% dos votos. Valor que não deixa de representar um significativo recuo de cerca de 8% face às eleições 2011. Se a coligação PSD/CDS perdeu uns volumosos 725 mil votos, o PS, o outro membro do auto designado arco da governação, recuperou apenas 183 mil.
O Partido Socialista, apesar de derrotado na luta pelo primeiro lugar, mantém uma posição de grande partido do sistema, agora com uma capacidade real de determinar o futuro (do) Governo. Apoiando o Governo da direita ou procurando alternativas com Bloco e CDU.
Mas, como o resultado da eleição indicia, podem também estar a passar os tempos de hegemonia que permitiam ao PS um rápido acesso ao poder. Perdeu quando beneficiava de uma expectativa de vitória fácil, face a um Governo desgastado por anos de austeridade e empobrecimento da população. E agora confronta-se com o crescimento de uma esquerda crítica da austeridade imposta pelo tratado orçamental e que “encosta” os socialistas ao bloco conservador (como adiante se verá).
A esquerda “à esquerda” do PS, representada essencialmente pela CDU (mais quatro mil votos) e o BE (um dos grandes vencedores, com mais 261 mil votos), regista um aumento ainda assim moderado de 5,4% face a 2011, mas atingindo quase 20% do total dos votos, se contabilizadas também as votações nas pequenas formações da área.
A abstenção prosseguiu a sua paulatina ascensão, atingindo agora 43% face aos 41% de 2011, e desta vez ampliada basicamente por anteriores eleitores do PSD e CDS (400 mil), mas também do PS (204 mil), segundo estudo da Aximage (CM, 06.10.2015).
Com excepção do PAN – que mostra ser um movimento consistente e não dependente do mediatismo de figuras públicas – foram “cilindrados” todos os epifenómenos que tinham surgido no calor dos anos de brasa e ficado bem salientes nas últimas eleições europeias.
A fronteira do tratado orçamental
Mais que outras questões, uma fronteira criada pela adopção do tratado orçamental divide hoje o espectro político-partidário. E passa, muito provavelmente, pelo interior do PS, sendo certo que a maior parte dos dirigentes socialistas subscreve os ditos critérios, temerários por uma permanência no euro que se revela cada vez mais penosa.
O tratado orçamental, que o PS de Sócrates prometeu referendar, plasma a visão da direita europeia. Que os socialistas alegre e despreocupadamente assinaram de cruz. Facto de que, aliás, já se arrependeram, constatada que está a rápida ruína e empobrecimento dos países da Europa do sul. Apanhados na armadilha, os socialistas europeus não revelam capacidade para alterar o rumo das coisas.
Tal como no passado o sistema político partidário continua bloqueado, com completa vantagem para o bloco PSD/CDS: pragmático na abordagem ao Poder, como já o havia mostrado no passado, sem concorrência à sua direita. E face a um PS paralisado nas grandes opções orçamentais porque engajado nos compromissos do tratado orçamental – que o tornam num aliado objectivo dessa Direita.
Não parece pois possível ver nos resultados das eleições uma maioria de Esquerda. Restam agora os jogos tácticos entre as formações políticas que se sentam no lado esquerdo do hemiciclo do parlamento. É preciso olhar noutra direção.
* À data da redacção deste texto não são ainda conhecidos os resultados dos círculos da emigração.
Quem fala verdade?
“Pecámos contra a dignidade dos povos, especialmente na Grécia e em Portugal, e muitas vezes na Irlanda” – Jean-Claude Juncker.
“A dignidade de Portugal nunca esteve em causa durante o processo de ajustamento e a dignidade dos portugueses também não.” – Pedro Passos Coelho.
Depois da hecatombe que se abateu sobre os portugueses com o memorando da troika, P. Coelho tem a desfaçatez de desmentir um dos principais responsáveis pelo atentado, J-C Juncker, o anterior presidente do Eurogrupo.
De desfaçatez foi também o papel que uma ministra do governo português se prestou a desempenhar contra a Grécia, um Estado aliado. Acolitando o ministro alemão Schauble, foi bem o exemplo da indignidade e da falta de espinha de quem representa um país.
A vitória do Syriza na Grécia impõe uma importante mudança nos termos do debate político europeu e constitui, para já, a esperança de que é possível mudar de rumo. Um caminho das pedras de resultados imperscrutáveis.
Porquê?
Porque, em primeiro lugar, rompe com o rotativismo partidário instalado na Grécia e em grande parte da União Europeia, que tem sido conivente com o radicalismo suicida do pacto de estabilidade (deficit e rácio da dívida), que empurrou os países do sul para a beira do caos social. Apesar de todas as pressões e chantagens a que foram sujeitos, os eleitores gregos optaram por um outro caminho.
Segundo. A vitória eleitoral do Syriza gera fortíssimas expetativas. Quão longe poderá ir o impacto das propostas de reestruturação da dívida dos novos governantes de Atenas? Tudo está em aberto neste momento, entre o que poderá continuar ser a inflexibilidade (alemã) das condições a que os gregos estão actualmente sujeitos e a ameaça de não pagamento que os helénicos podem activar.
Terceiro. A Grécia não pode estar sozinha. A já anunciada intenção de realizar uma conferência internacional sobre a dívida pública, deve propiciar uma concertação entre os países objecto de intervenções externas – Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha. Mas também de França e Itália, que se confrontam com pesados custos sociais resultantes das imposições do pacto de estabilidade. Países onde estão instalados governos socialistas, já sujeitos a fortes contestações e erosões eleitorais e que poderão seguir o destino dos seus colegas do PASOK.
O consenso centrista que permitiu a progressiva dominação da política e dos interesses dos povos pelos interesses financeiros e pela “mão invisível” dos mercados pode estar em causa. As eleições que se aproximam noutros países poderão vir a demonstrá-lo, com significativas alterações de equilíbrio interno. Casos de Espanha, com a afirmação do Podemos (à esquerda), e do Reino Unido e da França, com o UKIP e a Frente Nacional (à direita).
Porque ganhou o Syriza?
Os poderes dominantes da UE, sob determinante influencia alemã, decidiram castigar e humilhar os gregos, forçando o país a uma quebra do seu PIB na ordem dos 25% e a uma taxa oficial de desemprego a aproximar-se dos 30%, criando uma catástrofe social de proporções desconhecidas na Europa em tempo de paz.
Humilhadados e sem perspectivas, forçados à pobreza e à emigração, como também vemos e Portugal, os gregos responderam “dentro do sistema”, com o voto.
Foi a derrocada dos socialistas que mais propiciou a vitória do Syriza. Foi o governo PASOK quem chamou a troika e foram os socialistas quem, como segunda força da coligação com a ND agora derrotada, continuaram a suportar as politicas que tanto dano tem infligido aos gregos.
A coligação Syriza conseguiu constituir-se, sobretudo desde as eleições de 2012, como uma alternativa real e credível para protagonizar a governação. A que não terá sido alheia a sua afirmação clara de quererem ser os protagonistas. E o eleitorado grego, confrontado com a incompetência dos partidos centristas, parece tê-lo percebido.
É relevante o Syriza ter-se coligado com o Anel, um partido da Direita nacionalista? No actual contexto de emergência que se vive na Grécia, em que avulta o previsível embate com os poderes europeus sobre a questão da dívida, posição partilhada por ambos, não parece incompatível e demonstra um primado de pragmatismo que às vezes falta na Esquerda.
As diferenças políticas entre parceiros não deixarão de poder produzir algumas fricções, casos da imigração, relações entre o Estado e a Igreja ou política fiscal. Mas também se sabe o quanto o cheiro do poder cimenta as coisas. E claro que a desproporção de forças entre os parceiros e a fragmentação do espectro parlamentar funcionará a favor do Syriza.
Com a compra da PT Portugal pelos franceses da Altice estará preenchido mais um ponto e quase completa a agenda néo-liberal que tem prevalecido nos Governos do centrão. A irreflectida fúria ideológica que preside a privatizações ao desbarato arrisca-se a deixar-nos sem palavra em questões da maior importância para todos nós.
Junte-se à PT, as já vendidas a preços de saldo EDP, REN, CTT, EGF (recolha e tratamento de lixo), Fidelidade e acrescente-se-lhes as ainda previstas vendas da Águas de Portugal, TAP, empresas de transportes… e aí teremos praticamente entregue a privados, quase todos estrangeiros, tudo o que é de interesse estratégico para o dia-a-dia dos portugueses.
A situação torna-se ainda mais grave com a progressiva saída para o estrangeiro dos até há poucos anos famosos “centros de decisão”, que acompanha a aquisição das empresas por capitais internacionais.
Seria também interessante perceber o que se está a passar com a prestação de cuidados de saúde pelo Serviço Nacional de Saúde a ser contratualizada com entidades privadas – o que nada teria de errado se não o fosse à custa do sub-financiamento e desarticulação das unidades públicas.
As decisões sobre importantes aspectos da vida dos portugueses, como a água, a energia, os cuidados de saúde, os correios, as ligações aéreas às comunidades lusófonas passam assim a ser tomadas em capitais longínquas, obedecendo a critérios que, conflituando com o interesse público nacional, certamente se lhe sobreporão.
Partilho a concepção de que o Estado não tem que estar presente em todos os sectores. Mas tem que estar presente, ou ter uma palavra forte (golden share, por exemplo) em nome do interesse publico, naqueles sectores que são fundamentais para a soberania do país e para o interesse comum dos seus cidadãos. E estão nesse caso a água, os cuidados de saúde, a eletricidade, as telecomunicações, as ligações aéreas entre os espaços nacionais e com a diáspora.
Querem agora fazer-nos crer que condições inscritas em “cadernos de encargo” condicionarão as prestações dessas empresas no futuro. Determinada a propriedade dessas empresas que prestam serviços públicos, entregues aos seus órgãos de administração e direção a novos proprietários sedeados no estrangeiro, que meios restarão aos Governos? Tanto mais quando estamos perante políticos e Governos que anseiam por desresponsabilizar o Estado de todas as suas obrigações perante os seus cidadãos?
É certo que a agenda nacional conduzida pelos Governos do centrão tem sido néo-liberal e privatizadora. Mas também é certo que essa é a agenda imposta pela ideologia dos poderes dominantes na União Europeia – sejam socialistas ou conservadores. E corresponde à visão imposta pelas grandes potências que determinam a política comunitária, nomeadamente a imperial Alemanha, a quem a generalidade dos Governos nacionais dedica um temor reverencial.
Por isso é imperiosa uma mudança política na Europa – mesmo que ela tenha que ser provocada pelo cisma grego e as ondas de choque que daí poderão resultar. E que retire o carácter sacrossanto que foi atribuído aos mercados financeiros e que tem vindo a transformar os Governos nacionais em pouco mais que espectadores que ratificam as decisões do centro.
Será que dentro de alguns anos teremos voltar a nacionalizar empresas que prestam serviços públicos estratégicos?