Geral

A Russian Journal

No bar do Hotel Bedford de New York, Jonh Steinbeck reflectia sobre o que fazer após ter ultimado mais um texto para o Herald Tribune, quando o amigo Robert Capa entrou e, arqueando as nigérrimas sobrancelhas, se veio sentar com um ar desconsolado.

Naquele mês de Maio de 1947 também ele estava entediado depois de jogar uma partida de póquer longamente adiada, e, sem batalha próxima para fotografar, aceitou de bom grado o cocktail esverdeado que o barman fez deslizar na sua frente.

O escritor e repórter, dando mais luz aos seus olhos claros, fitou o fotojornalista após ter levado cuidadosamente aos lábios a taça de forma a não molhar o fino bigode, disse: – O que ainda há no mundo com interesse para homens honestos e de espírito aberto fazerem? 

A Agência Magnum tinha sido fundada havia pouco tempo e Capa ponderou, por momentos, se deveria encontrar-se em Paris com Henri Cartier-Bresson para afinarem os passos seguintes que passariam por convidarem Ernest Hass, Werner Bischop, René Burri, Inge Morath e um irmão de Capa, para se associarem ao projecto. Steinbeck atento à eventual desmobilização do amigo, contra-atacou: – E, se fossemos ver como vivem os russos?

Capa, mordeu o isco: húngaro de Budapeste, com origens familiares judaicas, e de lá fugido em 1930 devido à marcação feita pela polícia às suas simpatias marxistas, tinha chegado aos EUA anos depois de escapar de Berlim e do nazismo, não podia deixar de seguir com atenção os desenvolvimentos no leste europeu. Além de que já tinha fotografado Leon Trotsky, em 1931, durante um congresso em Copenhague

Como se conta no livro “A Russian Journal” que Steinbeck fizeram publicar em 1948, ele e Capa atravessavam uma fase cinzenta: 

“Andávamos deprimidos não tanto com as notícias como com a forma como eram dadas. Porque as notícias já não são notícias, pelo menos aquelas que atraem mais atenção. Um homem sentado a uma secretária em New Yorque ou Washington lê os telegramas das agências e reformula-os de acordo com o seu próprio quadro mental e dá-lhes um título.  Aquilo que muitas vezes lemos como noticia não é mais do que a opinião de um entre meia dúzia de especialistas sobre o que essa notícia significa. 

Todos os dias os jornais publicavam milhares de palavras sobre a Rússia. O que Estaline estava a fazer dela, os planos do estado-maior russo, a disposição das tropas no terreno, as experiências com armas atómicas e mísseis teleguiados, tudo isto escrito por pessoas que nunca lá tinham estado e cujas fontes não eram isentas de crítica”.

Terá sido também por isso que lhes ocorreu que havia coisas na Rússia sobre as quais ainda ninguém tinha escrito e fotografado, e que eram aquelas que, segundo as suas sensibilidades, mais interessavam:

“O que é que as pessoas vestem? O que é que comem ao jantar? Convivem? Que alimentos existem? Como fazem amor, como morrem? Conversam sobre quê? Dançam, cantam e divertem-se? Os filhos vão à escola? Pareceu-nos que era capaz de ser uma boa ideia descobrir estas coisas, fotografá-las e escrever sobre elas. A política russa é tão importante como a nossa, mas certamente lá, tal como cá, existe o outro grande lado. Os russos têm certamente vida privada e sobre isso não sabíamos nada, porque ninguém escreveu nada sobre ela, e ninguém a fotografou. 

A predisposição heterodoxa de Steinbeck, numa américa muito obcecada com a União Soviética, não augurava boa receptividade por parte de quem teria de viabilizar tão longa foto-reportagem. Para mais, tinha fama de maltratar o capitalismo e de mostrar uma “excessiva” simpatia pelos camponeses e trabalhadores, vítimas de más condições de vida, o que tinha provocado largo conjunto de críticas, especialmente na sua Califórnia. Bom, talvez esse rasto literário e jornalístico fosse vantajoso aquando da obtenção de visto no consulado soviético.

O escritor, tido como criador de obras imaginativas, com requintada percepção das condições sociais das classes trabalhadoras e marcadas por um fino humor, tinha já um relevante estatuto nas letras americanas, mais tarde confirmado com o Nobel, embora tudo isso não o tenha isentado de ser alvo de acurada atenção e perseguição policial e política, como se poderá confirmar nas centenas de notas e relatórios disponíveis nos arquivos do FBI.

O escritor-repórter e o fotojornalista resolveram tentar fazer juntos um trabalho de reportagem simples, apoiado por fotografias, mantendo-se “longe da política e do Kremlin, dos militares, dos planos militares. Queríamos chegar ao povo russo se pudéssemos. E preciso reconhecer que não sabíamos se poderíamos ou não, e quando falávamos no assunto aos nossos amigos era certo e sabido que eles nos diziam que não podíamos”.

Steinbeck era, politicamente, um liberal, e sabia bem em que américa vivia, além de que estaria consciente das dificuldades expectáveis que encontrariam na União Soviética, e, por isso, prepararam-se com uma abordagem pragmática: “se pudéssemos fazer a reportagem seria bom, seria uma boa história. E se não pudéssemos teríamos na mesma uma história, a história de não termos podido fazê-la”. 

Contactaram George Cornish, do Herald Tribune, falando-lhe do projecto, e, primeiro importante passo, ele concordou que era uma boa ideia, oferecendo-se para os ajudar em tudo o que pudesse. 

Foi, então, que tomaram importantes decisões prévias: “não iriamos de pé atrás e tentaríamos não ser críticos nem favoráveis. Tentaríamos fazer uma reportagem honesta, registar aquilo que víamos e ouvíamos sem fazermos comentários, sem tirarmos conclusões sobre coisas de que tínhamos um conhecimento insuficiente e sem nos irritarmos com as demoras da burocracia. Sabíamos que ia haver coisas de que não gostaríamos, muitas coisas que iam deixar-nos desconfortáveis. É o que acontece sempre num país estrangeiro. Mas decidimos que, se criticássemos alguma coisa, seria depois de a termos testemunhado, não antes.

 Os nossos de visto seguiram para Moscovo, tendo o de Steinbeck sido despachado num prazo razoável. Contudo, quanto a Capa, a autorização não foi imediata.

“Fui ao consulado da Rússia em Nova lorque e o cônsul-geral disse-me: «Concordamos que se trata de uma boa ideia, mas porque é que há-de levar um fotógrafo? Temos muitos fotógrafos na União Soviética», ao que Steinbeck respondeu: “Mas não têm nenhum Capa. Para se fazer isto tem de ser como um todo, um trabalho em colaboração”.

As dúvidas de Moscovo acabaram por se resolver, até porque os promitentes viajantes desvalorizaram as cautelas administrativas soviéticas que sabiam ser expectáveis num país que não era fotografado havia muito tempo, e sujeito à grande pressão característica da guerra fria nascente. Era compreensível haver medidas cautelares. Aliás, coisas parecidas viam-se também nas américas, dizem-nos Steinbeck e Capa. 

Pior foi a grande quantidade de desincentivos que a dupla recebeu nos EUA, como se constata nas seguintes passagens do relato: 

Quando se soube que íamos à União Soviética fomos bombardeados com conselhos, advertências e avisos, quase todos, diga-se de passagem, vindos de pessoas que nunca lá tinham estado. Uma idosa disse-nos em tons apavorados: «Para quê? Vocês vão desaparecer, mal atravessem a fronteira desaparecem». E nós respondemos, em nome da informação fidedigna: «Conhece alguém que tenha desaparecido?» «Não», disse ela, «pessoalmente não conheço ninguém, mas já desapareceu muita gente.» E nós dissemos: «Até pode ser verdade, não sabemos, mas pode dar-nos o nome de alguém que tenha desaparecido? Conhece alguém que conheça alguém que tenha desaparecido?» E ela replicou: «Desapareceram milhares de pessoas!»

E, um homem com sobrancelhas de pessoa informada e olhar penetrante, o mesmo homem, aliás, que dois anos antes tinha divulgado no Stork Club todos os planos para a invasão da Normandia, disse-nos: «Bem, isso é sinal de que têm excelentes relações com o Kremlin, caso contrário, não os deixavam entrar. Eles devem tê-los comprado.»

 Nós dissemos: «Não, tanto quanto sabemos não nos compraram. O nosso único propósito é fazer um bom trabalho de reportagem»

 Ele levantou os olhos franzidos e fitou-nos. E acredita naquilo em que acredita, e o homem que há dois anos conhecia as intenções de Eisenhower conhece agora as de Estaline. 

Um idoso acenou-nos com a cabeça e disse: «Vão torturá-los, é isso que lhes vão fazer; levam-nos para uma prisão escura e torturam-nos. Torcem-lhes os braços e fazem-nos passar fome até que estejam dispostos a dizer tudo o que eles querem ouvir.» Nós perguntámos: «Porquê? Para quê? O que é que iam ganhar com isso?»

«Fazem isso a toda a gente», disse ele. «Ainda há dias li um livro …»

Um homem de negócios de considerável importância disse-nos: «Com que então vão a Moscovo? Levem umas bombas e lancem-nas em cima dos filhos da puta dos vermelhos.”

Exemplos de ignorância e desinformação eram, já então, vulgares em largas camadas de uma população fustigada com o discurso anti-soviético difundido das mais variadas formas, semeando a mensagem anticomunista na terra fértil da iliteracia política e cultural. O mais grave, contudo, é que a equipa se viu a braços com uma marcação cerrada do FBI, em particular no caso de Steinbeck, situação que, vinda dos fins da década de trinta se manteve durante vários anos. Consultando arquivos do FBI agora abertos encontram-se centenas de cartas, relatórios, denuncias, com um traço comum: as actividades literárias do “inspired ferment commie” autor de As Vinhas da Ira.

Em 1938, John Steinbeck escreveu uma declaração de apoio à Espanha republicana como parte do volume Writers Take Sides publicado pela Liga dos Escritores Americanos. Juntando-se a uma série de autores proeminentes que assumiram uma posição antifascista através de uma colecção de 418 “cartas sobre a guerra na Espanha” (apenas um colaborador apoiou Franco), a breve declaração de Steinbeck foi, segundo Charles Williams[1], notável pela ênfase dada ao paralelismo com o fascismo existente nos Estados Unidos: “Acabei de voltar de uma pequena viagem nos campos agrícolas da Califórnia“, assim começa sua carta. “Temos os nossos próprios grupos fascistas por cá. Ainda não bombardearam cidades, mas, em Salinas, no ano passado, foi lançado gás lacrimogéneo pelas janelas de uma casa onde trabalhadores estavam reunidos com dirigentes sindicais. Isto está bem perto do fascismo, não está?

Foi pena na sequência da sua ida ao Vietname, viagem realizada entre Dezembro de 1966 e Maio de 1967, já com sessenta e quatro anos, ter escrito as empolgadas Cartas a Alicia, onde se mostrou apoiante da intervenção americana. Aliás, tê-lo-á feito a destempo, porque, por esse tempo, muita gente militava já contra aquela mortífera guerra.   

Voltando ao tema deste artigo sublinhar que, pouco tempo depois da designação Cortina de Ferro ter sido lançada num discurso de Winston Churchill (5 de Março de 1946)[2] realizado nos EUA, John Steinbeck e Robert Capa aventuraram-se na União Soviética para fazer a notável reportagem para o New York Herald Tribune. 

Os insignes viajantes foram não só a Moscovo e Estalinegrado (agora Volgogrado), mas também à Ucrânia e à Geórgia, fazendo um percurso exigente, intenso, arrebatador, através da URSS, retratando as paisagens, modos de vida e as idiossincrasias de uma cultura política seminal que emergia dos escombros de uma Segunda Guerra Mundial onde o exército vermelho foi determinante para derrotar o nazismo.

O leitor poderá encontrar na obra publicada pela Livros do Brasil, Colecção Dois Mundos, com o título Um Diário Russo, ao longo de duzentas e quarenta páginas, um retrato do “grande outro lado” registado com esforçado rigor, critica contida e humor. Os detractores chamaram-lhe “Vodca Journal”, embora nas diversas ocasiões que os autores tiveram de brindar, fizeram-no com marcante prazer e estoicismo, porque, em geral na madrugada seguinte tinham de partir para nova jornada.

Deixam-se, mesmo assim, algumas passagens do livro: 

“Eu tinha (Steinbeck) passado uns dias em Moscovo em 1936, e as mudanças desde então eram extraordinárias. Para começar, a cidade estava muito mais limpa do que antes. As ruas, que então eram lamacentas e sujas, eram agora limpas e alcatroadas. E a construção nos onze anos decorridos era enorme. 

(…)

Outra coisa que nos chamou a atenção foi o trabalho que estava a ser feito para melhorar a fisionomia da cidade. Havia andaimes em todos os edifícios. Estavam a pintar as fachadas e a reparar as partes danificadas, porque daí a poucas semanas comemoravam-se oitocentos anos sobre a fundação da cidade …e meses depois celebrava-se o trigésimo aniversário da Revolução de Outubro.”

(…)

«Este organismo, a Voks», continuou, não tem muito poder nem muita influência. Mas faremos tudo o que estiver ao nosso alcance que possam fazer o trabalho que se propõem.» Depois fez-nos perguntas sobre a América. E disse: «Muitos dos vossos jornais falam de uma guerra com a União Soviética. Os americanos querem uma guerra com a União Soviética?» Os autores referiam-se a palavras de Karaganov.

«Pensamos que não», respondemos. «Pensamos que nenhum povo quer a guerra, mas não sabemos». Ele disse: «Parece que a única voz que se levanta na América contra a guerra é a de Henry Wallace. Podem dizer-me se ele tem muitos ou poucos seguidores? Tem um verdadeiro apoio popular? Nós dissemos: «Não sabemos. Mas sabemos que, numa digressão de conferências, Wallace angariou em entradas pagas numa quantia sem precedentes e sabemos que foi a primeira vez que ouvimos falar de pessoas que não puderam entrar num comício político porque não tinham lugar, nem sentados nem de pé». E, depois, perguntámos: «Os russos, ou alguma parte deles, ou alguma parte do governo russo, querem a guerra?» Perante isto ele endireitou-se na cadeira, pousou o lápis e disse: «Posso responder a isso de forma categórica. Nem o povo russo, nem nenhuma parte dele, nem nenhuma parte do governo russo querem a guerra. Posso mesmo ir mais longe – o povo russo faria quase tudo para evitar a guerra. Disso tenho a certeza» 

E voltou a pegar no lápis para fazer rabiscos redondos no papel”.

Simpatizamos muito com Karaganov. Era um homem que falava de maneira directa e clara. Mais tarde iríamos ouvir muitos discursos floreados e muitas generalidades. Mas, de Karaganov nunca ouvimos nem uns nem outras

(…)

“Kiev deve ter sido em tempos uma bela cidade. É mais antiga do que Moscovo. É a mãe das cidades russas. Sentada na sua encosta do Dniepre, espraia-se pela planície. Os seus mosteiros, fortalezas e igrejas remontam ao século XI. Foi em tempos idos um dos locais de vilegiatura preferido dos czares, que aqui tinham os seus palácios de verão. Os seus edifícios públicos eram conhecidos em toda a Rússia. Era um centro religioso. E agora é pouco mais do que uma ruína. Aqui os alemães mostraram aquilo de que eram capazes

Para terminar uma nota quanto a numerosas ocasiões registadas em que os visitantes testemunharam a alegria espontânea dos povos, a divertirem-se e a trabalharem, particularmente na Geórgia e na Ucrânia, além de os terem visto em várias práticas culturais e religiosas mais antigas.

Nota: Publicado originalmente no AbrilAbril


[1] 0026-3079/2014/5304-049$2.50/0 American Studies, 53:4 (2014): 49-71

[2] Este nome já tinha sido usado antes por Joseph Goebbels.

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Alterações Climáticas, Ciência, Energia, Clima, Geral

A comunicação social e as variações do tempo ao longo dos tempos

I. Introducao

Por variações do tempo entendem-se, aqui, as alterações das condições meteorológicas  nas diversas regiões ao longo do tempo. Costuma falar-se em mudanças de estado do tempo.

Os diversos tipos de precipitação (chuva, neve, granizo, etc.,), a temperatura do ar e a pressão atmosférica a várias altitudes, a velocidade do vento, o grau de humidade e a nebulosidade, podem ser avaliados qualitativa e quantitativamente constituindo-se como parâmetros meteorológicos fundamentais. Estes são, por sua vez, função complexa da rotação da Terra, da inclinação do seu eixo em relação à órbita, do ponto ocupado na sua translação em torno do Sol e da intensidade e tipo das radiações solares que chegam ao planeta que habitamos. A temperatura a diversas profundidades, bem como o tipo de velocidade das correntes experimentadas nas grandes massas de água existentes nos mares e oceanos, estão correlacionadas com as condições atmosféricas porque, entre outros aspetos, contribuem para a evapotranspiração e, assim, para o grau de humidade do ar atmosférico.

Sabe-se que a evolução das condições meteorológicas constitui um bom exemplo de sistema caótico existente na natureza, o que determina que as previsões, têm, apesar da evolução técnico-científica que se traduz em métodos empíricos e numéricos sofisticados, um horizonte temporal limitado[1].

A propósito das mudanças de estado do tempo sentidas em várias regiões do planeta, não apenas daquelas associadas às estações do ano, vem-se falando cada vez mais em clima nos últimos anos, e, particularmente, em alterações climáticas. Ou seja, aponta-se para a existência de uma mudança persistente  nos padrões característicos dos vários tipos de clima mais comuns [2].

Tempo (meteorológico) e clima são conceitos diferentes muitas vezes confundidos pelo senso comum. Talvez porque os meios de comunicação social utilizam o termo “clima” quando se referem ao “tempo” e usam “climático” em lugar de “meteorológico”. Mas, curiosamente, nunca se enganam ao contrário[3]

O tempo varia muito e de forma contínua, aliás, de forma caprichosa, não obstante reger-se por leis da natureza. Já o clima está, ou é suposto estar, sujeito a variações que ocorrem muito mais lentamente[4]. A ciência que dele se ocupa, a climatologia, fundamenta-se no estudo estatístico dos elementos caracterizadores do clima, ou sistema climático, procedendo a descrições sistemáticas e a explicações acerca da repartição dos vários tipos de clima[5]

O sistema climático consiste numa estreita camada exterior da Terra com pouco mais de 60 km, que engloba a crosta terrestre e o designado geofluido formado pelos oceanos e atmosfera. A modelação físico-matemática de tal sistema exige interdisciplinaridade e é extremamente complexa[6].      

Embora se saiba que sempre houve  alterações climáticas ao longo da vida da Terra, as mudanças de que se fala e escreve de forma abundante nos últimos anos, dever-se-iam em grande parte, segundo a hipótese teórica dominante, às interações das atividades humanas com o meio ambiente. No caso concreto das repercussões na biosfera traduzidas em fenómenos meteorológicos severos que dificultam a habitabilidade do planeta, aponta-se como causa principal a crescente emissão do dióxido de carbono (CO2) a partir de diversos processos de combustão, tanto na indústria e na produção de eletricidade, como nos edifícios habitacionais ou de serviços, e, ainda, pelos transportes que utilizam derivados de combustíveis fósseis. Não obstante existirem outros gases, como o metano, p.ex., e, também, o vapor de água, que contribuem para o efeito de estufa de uma forma muito intensa, isso é pouco valorizado na divulgação daquilo que se vem designando como uma catástrofe que merece uma declaração de emergência generalizada.

Não é objetivo do presente artigo discutir  esta hipótese, e, muito menos, confirmá-la ou infirmá-la. Dizer, apenas, que se trata de uma teoria, que ganhou grande força institucional, social e política, mas que, no entanto, não está comprovada de forma definitiva  por metodologia científica homologável em referenciais canónicos.       

Contudo, os órgãos de comunicação social tomaram o tema como item nuclear das suas agendas, e vêm-lhe dedicando muito espaço e tempo, designadamente através do relato dos acontecimentos meteorológicos com maior impacto, procurando estabelecer, de forma crescente e acrítica, um nexo de causalidade entre cada episódio  e as alterações climáticas de raiz antropogénica.

Nos últimos meses o caudal de notícias, artigos, reportagens e debates difundidos em todo o tipo de vetores de comunicação social, tem aumentado exponencialmente, raiando por vezes uma estridência que, ela própria, se configura como inadequada ao tratamento sério de assunto tão complexo. Em certos casos parece haver um histerismo eivado de traços populistas.

E é neste contexto que se insere a pesquisa realizada de que se dá conta no presente artigo. 

Pretendeu-se com ela responder às questões seguintes: a) Que eco fazia a comunicação social, neste caso a imprensa, dos eventos meteorológicos mais relevantes, isto é, aqueles que maiores inconvenientes traziam às sociedades humanas, em meados do século XX?  b) Havia menos  inclemências meteorológicas noticiadas do que hoje em dia? c) A natureza e a intensidade dos fenómenos registados pelos jornais eram menos significativas do que no presente? 

O método usado implicou fazer uma análise às edições dos jornais Diário de Notícias e Século referentes ao ano de 1950.

Por se considerar suficiente para os objetivos definidos, descrevem-se sucintamente os principais eventos noticiados nos meses de janeiro e fevereiro pelo Diário de Notícias e nos meses de maio, junho e julho pelo Século.

2. Notícias relacionadas com eventos meteorológicos significativos publicadas pelo Diário de Notícias e Século

Diário de Notícias (1950, janeiro e fevereiro)

Em termos noticiosos, embora não se trate de evento meteorológico, será interessante registar que, no dia 1 de janeiro, se dava conta de um abalo sísmico com significativa intensidade, sentido em Lisboa, Mafra, etc., tendo o  Observatório Infante D. Luís situado o epicentro a 100 km ao norte de Lisboa.

A 8 de janeiro, o matutino publicava na sua primeira página, com destaque, um interessante título: A Terra está a aquecer? 

O trabalho jornalístico, de autoria de Manuel Rodrigues, era depois desenvolvido a páginas quatro, isto numa época  em que tanto se falava já na “guerra fria” entre o mundo ocidental e a Rússia (URSS). Aquilo a que no jornal se dizia ser uma  “audaciosa hipótese científica”, não surgiu, portanto, por falta de outros assuntos. 

O texto explicava que “desde o princípio deste século a temperatura está a aumentar no ártico e os glaciares recuam”, isto segundo  uma teoria do Prof. George Gamow. Mais exatamente, há que esclarecê-lo, tratava-se de Georgy Antonovich Gamov, nascido em Odessa (1904) e naturalizado americano em 1940, físico que recebeu da UNESCO um Prémio Kalinga em 1956. Esteve, entre outras investigações, ligado à teoria do Big-Bang.

No seu livro  “Biography of the Earth”, o autor previa que o aquecimento ocorresse até ao ano 20 000 e, depois, haveria um arrefeceria até ao ano 50 000. A notícia referia, também, que o Prof. Hans Ahlman vinha coligindo dados sobre o Ártico, concluindo que a temperatura teria aumentado desde 1900 até 1950, cerca de 5ºc. Este investigador afirmava ter verificado uma subida do nível do mar em torno das ilhas Spitzberg, relacionada com o recuo dos glaciares. Na Suécia o glaciar de Kebnekolse reduziu-se em 30 milhões de m3 desde 1902, afirmava Ahlman.

E quais eram as hipóteses colocadas para explicar o aquecimento? Inclinação do eixo da Terra? Dizer que uma expedição à Antártida dirigida pelo almirante Byrd, tinha detetado a existência de “oásis” com lagos livres numa latitude onde tudo deveria ser gelo.

Para tirar tudo a limpo, dizia-se na peça jornalística, tinha partido uma expedição internacional (ingleses, noruegueses e dinamarqueses) para o Antártico, a bordo do iate Norsel que levava a bordo dois aparelhos da RAF.

Notar que esta hipótese, colocada por cientistas, surgia num contexto socioeconómico pós-guerra, em que a Revolução Industrial havia começado várias décadas antes, e quando se registava um significativo incremento das atividades produtivas com a concomitante produção de gases com efeito de estufa. No entanto, estava-se então no início de um período, que durou até cerca de 1975, durante o qual, sabe-se hoje pelos registos homologados, não houve aumentos nas temperaturas médias no planeta.   

A notícia atrás referida era contemporânea de uma visita do presidente do conselho aos trabalhos da barragem de Castelo de Bode, e, também, de uma outra sobre o reconhecimento do governo britânico da China Popular, embora, dizia Grã-Bretanha, “não implicava a aprovação do comunismo na China (Times)”. 

A 15 de janeiro noticiava-se que um intenso “temporal” no Atlântico e no Pacífico continuava a causar graves perturbações no EUA, tendo-se afundado doze barcos de pesca.

Em Portugal o tempo apresentava-se gélido (Lisboa) e nevava abundantemente em Portalegre (22, 23 e 24 de janeiro)

No Lago Winnebago (Oshkosh), Estado de Wisconsin, localizado a norte de Milwaukee (USA) uma placa de gelo soltou-se, a 26 de janeiro, tendo isolado cerca de 6000 automóveis quando os seus condutores estavam a pescar, o que causou grande aflição durante várias horas enquanto a grande placa andou à deriva. 

Entre 2 e 13 de fevereiro, anunciaram-se: um “violento temporal” em Inhambane, o vento ciclónico que paralisou o movimento de navios no Tejo, graves destruições na costa de Espinho, uma tempestade de neve em Israel, a morte de 18 pessoas devido a intensos nevões em França e um ciclone na Zambézia, tempestades no mar com chuvas torrenciais que impedem a navegação, bem como intensa queda de neve que isolou vários aglomerados em toda a Inglaterra. O naufrágio do navio finlandês “Karhula” provocou 10 mortos a oeste de Helder.

Estes eventos meteorológicos aconteciam quando se anunciava que a “bomba de hidrogénio” iria ser fabricada por decisão de Truman, e que um espião alemão, em fuga de uma mina de urânio soviética perto da Checoslováquia, dizia que  “a água será transformada em combustível para automóveis”. Este cientista alemão, Wilh Mellentin de seu nome, referia-se a uma transformação da água em “oxi-hidrogénio líquido”.

No dia 16 anunciava-se a assinatura de um Tratado de aliança entre a URSS e a China, anunciava-se que continuavam a verificar-se grandes nevões em vários pontos do país, e alguns dias depois (a 26) dava-se nota de que vento a 117 km/h foi registado no Porto (Serra do Pilar) e que grande trovoada teria imposto o encerramento de várias barras.

Século (1950, maio, junho e julho)

Antes da referência aos episódios mais marcantes relacionados com o tempo, deixar registo de que, a 2 de maio, se noticiava que “é possível que as tarifas elétricas no Porto aumentem para que se possa fornecer aos consumidores corrente em boas condições” e que tinha começado “no Tribunal Plenário da Boa-Hora, sob a presidência do desembargador Dr. Abreu Mesquita, o julgamento de Álvaro Barreirinhas Cunhal, de 36 anos, licenciado em direito, acusado de atividades subversivas”. 

A 5 de maio os pescadores de Sesimbra pediram a “proteção ao Senhor Jesus das Chagas para que a abundância regresse”, até porque também se noticiava que “a sardinha que fugiu da costa continental está a afluir aos Açores”, isto num tempo em que a maior parte da população portuguesa vivia da agricultura e da pesca

Também por essa altura se referia que “está quase submersa a cidade de Morris no sul de Winipeg devido a inundações/cheias do Rio Vermelho”, o que determinou que 300 000 habitantes tivessem sido afetados e que  8 500 tinham ficado sem abrigo.

Vários mortos e desaparecidos, para além de avultados prejuízos materiais devido a uma tempestade que assolou o Estado de New York, ocorrência grave registada a 9 de maio, quando “granizo do tamanho de ovos de perdiz caiu em Mértola e Moura causando avultados prejuízos” e ventos fortes causaram naufrágio embarcação pesca no Porto.

Para evitar uma nova guerra franco-alemã o governo de Paris ministro Schuman propôs, noticiava-se a 10 de maio, “a fusão da produção da hulha e aço da Alemanha e da França como um primeiro passo para a Federação Europeia”. Isto quando, discretamente, partiu uma “missão de estudo dos EUA para o Vietnam”.

A 12 de maio registrava-se que “chuvas torrenciais na Turquia, provocaram dois mortos e cinco feridos no distrito de Chakmak”, bem como “dezoito mortos causados por inundações no Estado de Nebrasca”.

Uma chuva intensa e trovoadas perturbaram as cerimónias do 13 de maio em Fátima e a 6ª esquadra dos EUA chegou a Lisboa, enquanto no porto de Leixões se descarregavam 6200 de trigo chegados no âmbito do Plano Marshall.

Concluía-se, ainda, que as “culturas tiveram em Abril condições desfavoráveis em relação ao mês anterior devido às condições meteorológicas”, e sobre as causas do desaparecimento da sardinha das costas portuguesas, anunciava-se, a 18 de maio, que “serão estudadas por uma missão que vai aos EUA ocupar-se de questões de biologia marítima”.

A 21, “um violento furacão que durou alguns minutos assolou Vilar Formoso, tendo o granizo destruído culturas em Almeida e Junça, e um violento temporal desabou sobre a região do Porto.

As trutas do rio Coura estão a desaparecer, notava-se a 24, acrescentando que “em Padronelo (Paredes) a pesca à rede e a introdução de outras espécies” estava a dizimar as saborosas salmonidæ. Também o ano estava a revelar-se “terrível para a agricultura”: em Belmonte chove há 15 dias tendo caído granizo com grande dimensão que feriu pessoas. Em Almeida houve milhares de contos de prejuízo.

Uma grande tempestade ocorreu na Turíngia (Berlim), provocando oito mortos e duas crianças desaparecidas, bem como 88 casas destruídas, tendo perecido 95% das cabeças de gado (dia 25). Além de que violentas tempestades assolaram várias regiões de França causando mortos e grandes prejuízos em Besançon, Lille, etc.,

Em junho, dia 7, dava-se relevo a três incêndios que  “devastam florestas da Terra Nova, um dos quais ameaça a cidade de Lewisport” e, a 12, chamava-se a atenção dos leitores para as inundações em Lisboa, assim como as violentas tempestades assolavam Calcutá e Bengala Ocidental.

Alguns dias depois, a 18 de junho, destacava-se a notícia de que “três continentes estão a ser assolados por violentas tempestades; milhões de francos de prejuízo e várias vítimas em França; foram arrasados os arredores de uma cidade no norte da Itália; a trágica ameaça de inundações que ocorreram em 1948 está a repetir-se na Colúmbia britânica” e a 20 de junho, dava-se á estampa a impressionante notícia de que se tinham verificado  130 mortes de habitantes na região de Darjeeling, Bengala ocidental, em função de desprendimentos de terras devidos às chuvas torrenciais.

Não obstante publicação, a 26 de junho, de que “Tropas da Coreia do Norte invadiram a Coreia do sul”, facto que, tendo sido o início visível da Guerra da Coreia, alimentou os noticiários dos dois matutinos analisados com vasto caudal noticioso até ao início de 1951, continuou a aparecerem muitas referências a episódios meteorológico mais ou menos intensos.  

3. Síntese Conclusiva           

O Homem teve sempre uma íntima ligação aos diversos fenómenos meteorológicos, não apenas porque a sua segurança, atividade e conforto são função direta deles, mas, também, porque o troante fogo celeste ou os grandes caudais de água e vento remetem os humanos, temerosos do que desconhecem, para patamares pontuados por diversos teísmos.

Não é de admirar que as sociedades humanas tenham vindo a prestar crescente atenção aos noticiários relacionados com a meteorologia, nomeadamente no referencial das previsões, até porque algumas atividades económicas carecem desse prévio e vital conhecimento. 

Contudo, o presente artigo tem outro objetivo: analisar, embora sinteticamente, a qualidade e a quantidade informativa difundida nos meios de comunicação social de massas, que, na atualidade, está quase sempre focada no estabelecimento de correlações com as alterações climáticas antropogénicas.

Admite-se, como muito provável, que perante notícias relacionadas com mais um ciclone (furacão, tempestade tropical, ou congéneres) ou com uma inundação violenta, os espectadores dos canais televisivos estabeleçam imediata e subconscientemente uma ligação às mudanças de clima de raiz antropogénica, até porque isso é quase sempre sublinhado. É, também, verosímil considerar que as pessoas em geral concluam que “há cada vez mais e piores eventos meteorológicos”, esquecendo, até porque deles não têm memória, os que ocorriam há setenta anos.

Contudo, poder-se-á constatar, pelo registo feito, que, em 1950, o número e a intensidade de fenómenos meteorológicos em Portugal e no mundo, foram muito significativos: várias dezenas de acontecimentos problemáticos e extremos. Não se poderá, é certo, dizer se foram em maior ou menor número do que os que ocorreram em 2018, p.ex., nem se pode fazer uma comparação direta e segura das respetivas intensidades. Mas, quanto a muitos deles, apesar de não terem merecido mais do que algumas linhas no interior dos jornais, percebe-se terem significado graves impactes para as populações e territórios. 

Não haverá dúvida de que determinadas cheias ou ciclones ocorridos em 1950 afetariam, no presente, um muito maior número de pessoas e infraestruturas, quanto mais não fosse devido ao aumento das densidades populacionais em determinadas zonas costeiras (e não só). E, também, salienta-se, porque os aumentos exponenciais das áreas impermeabilizadas devido à explosiva urbanização facilitam muito os caudais que acorrem às zonas baixas. O problema está no solo e não no ar.

Sublinhar que o ano de 1950 se situou em pleno num período de cerca de trinta e cinco anos (1940 a 1975) durante o qual se registou uma descida da temperatura media global, depois de ter havido um crescimento desde o início do século XX. Os modelos climáticos não têm resposta credível para este facto, até porque não seria crível que tivesse havido uma descida nas emissões de CO2 antropogénico nesse período. 

Um fator decisivo para a perceção da realidade por parte dos atuais consumidores de notícias, quando comparada com a situação de há umas décadas atrás, está no facto de que, agora, qualquer episódio atmosférico mais intenso é imediatamente designado como extremo e, por isso, demonstrativo da existência de alterações climáticas,  merecendo um palavroso e prolongado (horas e, por vezes, dias) tratamento mediático, com espetaculares imagens em direto, colhidas com reduzidos custos de produção, e acompanhamento de comentadores encartados como cientistas. 

Parece poder-se concluir que, sem por em causa a existência de alterações no sistema climático, seria necessária uma maior prudência na disseminação de “verdades científicas” tidas como paradigmas indiscutíveis, apresentadas, bastas vezes, de uma forma simplista, pouco racional e, até, fundamentalista.

E, sobretudo, as políticas públicas, aquelas financiadas por recursos reunidos a partir dos contribuintes e dos cidadãos que pagam taxas e tarifas  por serviços de interesse comum, deveriam merecer grande ponderação, evitando voluntarismos que podem vir a revelar-se graves no futuro.    


[1] Matemática do Planeta Terra, Entre ordem e desordem: da célula ao sol, Maria Paula Serra de Oliveira, pág. 74, 2ª edição, outubro 2014, IST Press.

[2] Tipos de Clima mais característicos: equatoriais húmidos, tropicais, áridos ou desérticos, temperados, frios, polares e de montanha.

[3] História de los câmbios climáticos, José Luis Comellas, pág. 15, 2011, RIAL, Madrid

[4] Idem, pág. 17.

[5] Dictionaire des sciences de la Terre -Continents, océans, atmosphére, François Durand-Dastès, pág.104, Encyclopædia Universalis, 1998, Paris.

[6] Matemática do Planeta Terra, Compreender o clima, uma aventura pelos paradigmas da modelação, Carlos Pires, pág. 99, 2ª edição, outubro 2014, IST Press.

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Venda das hidroelétricas portuguesas

Lê-se nos jornais que, no processo em curso com vista à venda de “barragens da EDP”, há três finalistas: a Iberdrola, os noruegueses da Statkraft e os austríacos da Verbund.

A informação foi difundida pela Reuters garantindo haver outras empresas, como a Enel (através da Endesa), a Engie, a Macquarie e a Brookfield, que também estiveram interessadas, mas não passam à próxima etapa.

A Endesa já tinha admitido, em maio, que iria analisar a compra destes ativos hidroelétricos.

A EDP disse, em março deste ano, quando apresentou o seu plano estratégico, que o “reforço na energia renovável” e a “venda de ativos” seriam objetivos até 2022. Ou seja, em Portugal, a empresa privilegiará os “extraordinários” leilões do novos centros fotovoltaicos em que a EDP se viu repescada e, ainda, dos processos de reforço da potência eólica nos seus parques. Mas, vê-se agora, a principal aposta está na “venda de ativos”.

Segundo notícias, a EDP “prevê uma geração de 12 mil milhões de euros nos próximos quatro anos”, dos quais sete mil milhões serão canalizados para novos investimentos. Dos restantes, uma parte importante serão para dividendos aos acionistas (3 mil milhões €) e para baixar a dívida até 2022 (2 mil milhões €)

Cerca de 75% do investimento previsto para os próximos quatro anos será em energias renováveis, sendo os Estados Unidos o principal destino (40%), seguidos pela Europa (35%) e o Brasil (25%). Em Portugal ficará, portanto, menos de 20% do investimento

A par da venda das barragens, a empresa elétrica poderá estar a preparar-se para vender o setor da Distribuição (isso dependerá do resultado do concurso internacional). É uma hipótese que conviria ser esclarecida.

O novo plano estratégico foi anunciado após a apresentação dos resultados referentes a 2018: uma queda dos lucros de 53% para 519 milhões de euros. Os “prejuízos” acontecem pela primeira vez desde o início da privatização, em 1997. A EDP disse que este resultado se deveu a um “forte impacto da elevada fiscalidade” e das “decisões regulatórias”. Ou seja, a empresa esconde que, de facto, houve nos últimos dois anos uma intervenção política corretiva que, embora ainda timorata, permitiu cortar nas escandalosas rendas excessivas que vinha usufruindo.

Os aproveitamentos hidroelétricos envolvidos nesta operação de alienação, correspondendo a um elevado potencial de energia renovável de há muito estabelecido entre nós, fazem parte de concessões que foram parar às mãos da EDP em condições “muito favoráveis”. Isto, para não utilizar outro termo. Aliás, os argumentos então aduzidos para não haver concursos públicos, apontavam para o facto de a EDP “ser pública e portuguesa” e, também, para não se deixar o país ficar refém de uma bacia hidrográfica.

Num momento em que existem dirigentes políticos preocupados com a “evaporação da água nas barragens” e com o “excesso de barragens”, como ouvimos à líder do BE e ao representante do PAN, devem colocar-se as seguintes questões reais:

Em que condições esta venda foi ou vai ser autorizada pelo Estado (concedente)? O que diz o governo acerca desta operação? Foi ela previamente concertada?

As mais-valias resultantes vão ser partilhadas “com os consumidores” baixando as tarifas? Ou com o Estado (contribuintes)? Ou, como parece, vão em larga medida para os dividendos dos acionistas e de outras otimizações financeiras que interessam à empresa?

Se a Iberdrola ganhar, a Autoridade da Concorrência permitirá a consumação da operação?

O que diz o PS sobre este momentoso tema? Já que se está em campanha eleitoral irá continuar a falar-se genericamente sobre as energias renováveis? E, o governo já conversou com os espanhóis e com a UE sobre estas alterações?

Este caso vem demonstrar que, quando as energias renováveis são exploradas por empresas privadas do tipo EDP, quase sempre acontecem grandes negociatas e geração de avultados lucros e mais-valias. E, é também por isso, que os centros de decisão político-económica estão muito interessados, nas medidas de política pública destinadas a um suposto combate aos efeitos das alterações climáticas.

O capitalismo não é Verde.

Aliás, alguns movimentos inorgânicos ditos ecologistas, que pescam por arrastão com redes sociais, atuam, por distração ou por deliberada intenção, no sentido de potenciar os interesses do grande capital.

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À boleia dos passes intermodais

Houve quem falasse em revolução referindo-se à criação dos passes intermodais sociais (PIS).

Os PIS (p.ex. Navegante, Andante, etc.,) são títulos válidos para diferentes modos e meios de transporte, com aplicabilidade em amplos territórios interligados e usufruíveis a preços socioeconómicos acessíveis porque cofinanciados pelo Estado e autarquias numa proporção significativa.

Uma adequada mobilidade é fator indispensável aos direitos de cidadania.
Nos artigos 65º e 66º da CRP registam-se, o direito à existência de “uma rede adequada de transportes” e, como incumbência do Estado, a “prevenção e controlo da poluição” e o “ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico”.

Não parece possível respeitar os citados princípios sem redes de infraestruturas e equipamentos de transportes que respondam, em qualidade e quantidade, às necessidades coletivas. E, fundamental, o respetivo sistema de bilhética deve ser racional, amigável, legível e integrado por títulos de transporte com preços baixos.

Há países/regiões em que os títulos são mesmo gratuitos (ou quase) porque, no balanço de custos-benefícios, os interesses comuns saem a ganhar na perspetiva socioeconómica e ambiental quando as pessoas se deslocam em transportes públicos coletivos em detrimento do transporte individual.
Entre nós foi possível avançar com PIS nas áreas metropolitanas e nas comunidades intermunicipais aderentes, mobilizando através do OE 2019 cerca de 120 milhões € para o PART – Programa de Apoio à Redução Tarifária. Continuar a ler

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autarquias, Energia, Clima, Geral, Política

Idade da Pedra

Que a Idade da Pedra não terminou por falta da dita, já se sabia.

E que isso se confirma também no caso português, é notório: apesar de não vivermos no paleolítico, constata-se que as estruturas da administração pública são minadas com pendular regularidade por subtis areias colocadas nas engrenagens ou através de grosseiros pedregulhos jurídico-políticos.

Vem isto à colação, claro, do perturbador caso Borba.

Talvez ainda não tenha sido tudo dito, mas já houve um intenso caudal de calhaus rolados.

Depois de encontrar as vítimas (com eficácia), enterrar os falecidos (com dignidade) e confortar as suas famílias (reparando-as), haveria que apurar os factos (com rigor), corrigir as falhas (com eficiência) e punir quem agiu de forma irregular e ilegal (com justiça).

Será que isso vai ser assim?

Alguns aspetos da problemática:

  1. A estrada EN 255 foi desclassificada em 2005, após ter sido construída uma variante, tendo o município de Borba aceitado a responsabilidade.
  2. Relembrar que, este processo de deslastre de responsabilidades da administração central do Estado em matéria rodoviária, um dos primeiros dentro do gênero “sacudir problemas para cima das autarquias”, foi muito polémico e arrastado no tempo. Diversos municípios recusaram-se a aceitar as EN que iam sendo paulatinamente desclassificadas, porque, esclareciam, “não eram descentralizados meios suficientes” para assegurar a adequada manutenção/conservação e, portanto, a futura segurança rodoviária. Estes municípios, que recusavam receber estradas nacionais desclassificadas, aliás, em sintonia com posições que a ANMP tomou na década de 90 do século transacto, eram apodados de curtos de vista e antiquados por aqueles que, voluntariosamente, se punham a jeito da administração central e dos governos.
  3. Agora que se prepara uma nova, colossal e atabalhoada descarga de atribuições e competências sobre as autarquias sem que, à moda antiga, haja transferência perene e proporcional de meios, seria bom que os municípios que, acriticamente, fazem o frete ao governo, parassem e pensassem. Para, um dia mais tarde, se houver uma desgraça, por exemplo numa escola ou centro de saúde, não virem dizer que desconheciam a raiz do problema.
  4. Observando a torrente de notícias e declarações, ouvindo, vendo e lendo o que emerge, ficamos atónitos! Por exemplo: como foi permitido que, ao longo de décadas, as pedreiras se fossem “encostando” a uma estrada que já lá estava havia muitas décadas (séculos)? Terão sido aprovados planos de lavra permitindo a extração de mármores até poucos metros da rodovia? Ou houve avanços irregulares por parte dos donos e responsáveis pelas pedreiras? E os organismos de fiscalização, todos da administração central do Estado, o que fizeram ou não fizeram? Houve quem tivesse fechado os olhos ou engavetado relatórios? Como pode aceitar-se e compreender-se as declarações do tipo “não sabia, não vi, nunca ouvi dizer”?
  5. Que o município também tem responsabilidades formais, não há dúvida. Contudo, não fica bem ao primeiro-ministro vir, seráfico, sacudir pedra da aba do chapéu, garantindo que o Estado está isento. Dizendo-o ainda antes de terminados os inquéritos e quando já se percebeu que existem indícios de procedimentos no âmbito da administração central que, no mínimo, são estranhos?!
  6. É um facto: o município poderia ter encerrado a EM 255, no todo ou em parte, há alguns anos atrás. Parece existirem aspetos suficientes apontando que essa medida poderia e deveria ter sido adotada. Há, entre outros , um memorando da Direção Regional da Economia do Alentejo (DRE Alentejo), de 2014, que, segundo noticia pública, alertou para o risco de arrastamento da estrada, pelo menos numa reunião em que o município participou. Contudo, se a autarquia tivesse avançado para o encerramento, muitos dos que agora zurzem o presidente teriam gritado a plenos pulmões contra tal decisão. Porque, já se percebeu, para boa parte das empresas da zona do mármore isso era inconveniente. Só para os negócios de uma minoria não haveria problema e até poderia haver vantagens. Na realidade a rodovia não serve apenas viaturas dos cidadãos que nela passam entre Borba e Vila Viçosa: é também a via de serviço e drenagem de cargas para várias explorações, empresas e habitações. Ou seja, a variante não responde a todas as necessidades.
  7. Há cerca de cinco anos as DRE foram transferidas para o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Passaram à Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) que já esteve no Ministério da Economia. Outros organismos e institutos sofreram reorganizações, fusões e diversas mudanças. Sempre em nome de pressupostos ganhos de eficácia organizacional e redução das despesas foram-lhes sendo diminuídos os meios técnicos e humanos. É a conhecida receita das reformas impostas pela Troika, muito acarinhadas e diligentemente aplicadas pelo PSD/CDS e, também, pelo PS. Mas, pergunta-se, quantos desastres e ineficiências se devem a essas reformas neoliberais?
  8. Depois da recente remodelação governamental, o novo secretário de Estado da Energia começou a “arrumar a casa” na forma costumeira: procedeu a “reestruturações”, mudou pessoas e fez declarações públicas sinalizando novas direções de atuação de política pública. Continuando o governo a ser o mesmo, só pode concluir-se que o anterior titular da energia não estava a andar no sentido que o primeiro ministro queria. Porém, as alterações já realizadas e as declarações do ministro e do secretário de estado agora empossados, além de significativa dose de incompetência, auguram uma cedência aos interesses dos grandes monopólios energéticos privados. Poderá não ser, mas, parece estarem relacionadas com a chegada, dentro de dias, do presidente chinês! E, quanto ao tema do presente artigo, referir, a terminar, que o Diretor Geral, afastado através de um golpe com requintes venezianos, terá mandado proceder a uma inspeção relacionada com esta matéria de pedreiras e pedregulhos. A ação inspetiva está já finalizada e registada num relatório final em cima das secretárias dos dirigentes.

Faz-se votos para que os trabalhadores da empresa de limpeza, supondo tratar-se de lixo, não lhe deem sumiço.

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Alterações Climáticas, Ambientalismo, Copmunicação Social, economia, EDP, Energia, Clima, Geral

Clima, energia e políticas públicas

Este artigo não tem como objetivo central analisar a verosimilhança científica da correlação entre os múltiplos fenómenos planetários tidos como expoentes das alterações climáticas, e as emissões antropogénicas de dióxido de carbono consideradas como sua determinante fundamental.

Contudo, o binómio, que tem servido como cânone para as atuações políticas e económicas de um vasto conjunto de governos, organismos internacionais e corporações empresariais, deveria merecer, pela sua importância imediata e mediata para a humanidade, um amplo debate técnico-científico.

No atual estadio político-social, caracterizado por um dogmatismo radical de cunho populista centrado no tema, repetindo ad nauseum  nos media globais o perigo de uma catástrofe que seria devida ao CO2, seria quase estéril propor tal desiderato.

Sugestões, como a de  Antero de Quental, produzida em finais do século XIX, indicando que a relação entre a “verdade científica” e a “verdade humana e social[1] não deve ser tomada de forma direta e acrítica, seriam hoje estigmatizados como negacionistas e o filósofo, quiçá, ver-se-ia alcunhado de Trumpista.

Atente-se, aliás, no que aconteceu há poucas semanas aquando da realização, na Universidade do Porto,  de uma conferência organizada pelo Independent Committee on Geoethics (ICG)[2], um comité que visa analisar as alterações climáticas numa perspetiva heterodoxa  que desconstrói ou critica algumas das ideias “oficiais” veiculadas pelo petit comité executivo do IPCC. Imediatamente,  

três dezenas de técnicos e cientistas portugueses vieram à praça, com grande nojo e estardalhaço,  acusar a universidade de “promover a desinformação”! Ou seja, os promotores do protesto, quase todos ligados a organismos/organizações que ganham muitas centenas de milhares de euros com estudos e relatórios centrados no paradigma oficial, teriam, se pudessem decidir, impedido uma conferência destinada a testar ideias! Impõe-se perguntar: De que terão receio? A que distância estão, de facto, dos antigos mentores inquisitoriais? Estamos a tratar de ciência, religião[3] ou de negócios?

Num tempo em que o desenvolvimento técnico-científico virou espetáculo de feira e instrumento oportunista de marketing, como, por exemplo, o grotesco lançamento de um automóvel elétrico pendurado num foguetão , com um boneco-condutor dentro levando-o no caminho dos amanhãs siderais, podemos esperar todo o tipo de patranhas.

Aliás, ainda há poucos dias se via e ouvia uma antiga ministra das finanças, agora comentadora permanente em jornais, rádios e TV, arengando, qual cientista encartada, acerca do despropósito que seria lutar-se contra as úberes plataformas porque, disse: “muito em breve teremos veículos autónomos (sem condutor humano)” que poderão parar em qualquer rua ou beco para transportar os embasbacados cidadãos! E, neste estilo, poderia muito bem ter acrescentado – não o fez por falta de tempo de antena – que a Geely já tem pronto para comercialização o seu carro voador, o Transition, ou que o primeiro veículo voador português estará pronto em 2022 para subir aos céus qual Passarola pós-milénio.

Estamos já muito distantes do tempo dos futurólogos clássicos, alguns deles esforçados e imaginosos autores de estimulantes e rentáveis ficções. Até Júlio Verne, que não desdenhou por os pés no chão da realidade bolsista, coraria de vergonha se ouvisse o que por aí anda na “rede global”. E, Nostradamus, o herege, teria rapidamente que fazer um mestrado que lhe atualizasse técnicas e saberes.

Hoje, na área que aqui se aborda, não se faz ficção para estimular a curiosidade, o desejo de conhecer, mas, sim, para alienar e formatar a mentalidade do consumidor-contribuinte aos interesses dos vendedores focados no lucro. É, por essa razão, muito difícil ao cidadão comum destrinçar o trigo do joio no caudal informativo on-line. Os discursos produzidos por profetas/videntes/cartomantes travestidos de “especialistas” têm sempre uma qualquer ponta de “verdade”. E o puro charlatanismo pseudocientífico é acartado por lobistas ao serviço dos interesses financeiros especulativos, que se insinuam sempre fardados com roupagens curriculares pós-modernas e pomposos diplomas de centros sonantes do saber e da consultoria mundiais. Como, por exemplo, aqueles que minaram o setor elétrico português através de engenharias financeiras que tinham tanto de sofisticação quanto de vigarice, pondo-o ao serviço de monopólios privados através de rendas oportunistas que oneram drasticamente os consumidores e a economia. E que, de passagem, se empanturraram com as chorudas remunerações que, posteriormente, como pagamento dos seus prévios serviços, lhes foram propiciadas na sua qualidade de administradores e altos diretores.

Nas próprias universidades acontece, infelizmente, uma explosiva proliferação de apressados formatadores de consciências: um professor de Introdução à Ciência Política dizia, há poucos dias, numa aula do segundo ano da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que a confrontação de interesses interclassistas era uma coisa caduca e  do passado, face à crescente robotização da indústria.

O que está a dar é, portanto, “mesclarem-se crenças com ensinamentos científicos[4].

Os cidadãos são levados a pensar-se profundos conhecedores de quase tudo o que lhes é impingido em embalagens mediáticas que escondem o essencial, em particular quanto a alguns dos reais problemas planetários. Por isso, tanta gente sem resquícios de formação científica debita vulgaridades sobre as causas das alterações climáticas.

É importante notarmos que só uma pequena parte dos problemas que assolam a humanidade são objeto deste mercado das ideias generosas, voluntaristas e politicamente corretas. Mercado que está, atualmente, concentrado no binómio clima-energia porque é o mais eficaz para alavancar novos negócios e maiores lucros para os grandes empórios financeiros e industriais. Muitos dos outros gigantescos problemas concretos que afetam todos os dias centenas de milhões de seres humanos são apenas objeto de piedosos discursos onde se transmudam velhos conceitos através de novas palavras.

Nesta medida, os cidadãos reduzidos à condição de consumidores acríticos,  tornam-se fervorosos defensores de causas que interessam, de facto, aqueles que já têm fórmulas resolventes preparadas, que, em geral, não respondem de forma perene aos problemas centrais, mas trazem enormes e imediatos lucros e mais-valias aos empreendedores imaginosos.

Cumulativamente impregnam-se os consumidores-contribuintes com um profundo sentimento de culpa: os gases com efeito de estufa seriam da sua responsabilidade direta ou indireta e, portanto, têm o dever de lutar para os exterminar rapidamente, ou, pelo menos, pagarem para que isso aconteça. Ou seja, ficam preparadíssimos para suportar mais impostos e preços mais altos por serviços vitais.

Um dos fulcros centrais do neoliberalismo vanguardista, sob o qual se acoita o velho capitalismo, muito carente de reinvenção e sedento de novos horizontes exploratórios que lhe permitam fôlego que o retire do ciclo de crise, está ancorado no binómio clima-energia e nas plataformas informacionais desmaterializadas. Nessa senda é utilizada uma metodologia mista, que atua através de uma vertente escura e aterrorizante – espalhando o medo do cataclismo climático que exterminará a humanidade dentro em breve, e, do outro lado, através de uma face brilhante da “nova ciência” que resgata os humanos às trevas do passado conservador e atrasado. Curioso será notar que, no núcleo pensante deste pós ou hipermoderno movimento, que, supostamente, libertaria a humanidade, estejam indivíduos e organizações profundamente arreigados ao conservadorismo socioeconómico, à exploração do trabalho e às praticas predatórias dos recursos e do ambiente. É certo que também lá estão pessoas, movimentos e partidos com uma matriz referencial que justificava serem mais criteriosos na escolha das companhias.

O atual presidente dos EUA, ao dizer que as alterações climáticas são uma maquinação dos chineses para tramarem a América, ou, mais exatamente, que são o produto de um “embuste chinês”[5], serve, de facto, os interesses dos modernaços empresários, políticos e militantes que se servem do dióxido do diabo para estimularem novos negócios e aumentarem lucros.

As tentativas para manipular a opinião pública já vêm de muito longe no tempo.  Só que, desde há cerca de duas a três décadas o refinamento aumentou exponencialmente. E, já agora, a falta de vergonha.

Em junho de 1971, em Paris, reuniu o Congresso das Ciências e Técnicas, tendo-se concluído, entre outros aspetos, que, no ano 2000, cerca de 75% de toda a energia útil produzida se destinaria à purificação e/ou produção de água! Pois, mas em 2018 ainda estamos muito longe dessa quota. Não quer isto significar, obviamente, que o aprovisionamento de água não seja um importante dossier na atualidade e no futuro.

Por esse tempo foram também divulgados alguns resultados a que chegara o Clube de Roma e a equipa do M.I.T.[6] que tinha elaborado um estudo da evolução do planeta.

No Congresso de Paris os congressistas ficaram chocados com o fatalismo das conclusões, tendo outros participantes comentado com ironia[7] que, pouco tempo antes, o Hudson Institute e o seu diretor e fundador Herman Kahn, destacado futurólogo, conservador e de direita, haviam prometido que o “paraíso na terra” chegaria por volta do ano 2000[8] !

São conhecidos os  impactos provocados por Alvin Toffler com o seu “Choque do Futuro” dado á estampa em 1970 na versão original ( Future Shock, New York, Random House), pelo “Renascer da América”, de Charles Reich, (The greening of America, New York, Random House, 1970) e, ainda,  pela obra de Daniel Bell et al ,Toward the year 2000: work in progresso, Boston, Beacon, 1967. Textos com relevantes impactos editoriais, é certo, mas que se esvaíram no tempo perante a realidade diversa e incontornável da evolução concreta das forças produtivas num mundo contraditório e cada vez mais desigual.

O que interessa neste texto é, não tanto mergulhar na polémica da confirmação ou infirmação das teses veiculadas pelo IPCC e adoptadas pelos governos de uma larga maioria de países, bem como por organizações de cariz mundial, mas, de facto, fazer uma análise, necessariamente sintética, quanto às consequências cristalizadas nas políticas públicas nacionais e comunitárias, adoptadas como regras referenciais para o estabelecimento das políticas energéticas, de mobilidade e  transportes e, ainda, de certas componentes da fiscalidade.

A título de exemplo, referir três linhas de atuação muito visíveis nas políticas governamentais europeias e nas decisões estratégicas das grandes corporações empresariais:

  1. Com o argumento da urgente necessidade de se diminuírem radicalmente as emissões de CO2 dos centros de produção/transformação energética que utilizam carvão, gás natural ou derivados do petróleo, e num referencial ideológico contrário à ampliação do parque electronuclear, enveredou-se por uma intensa e voluntarista política de apoio ao investimento nas produções de eletricidade em pequenas e médias unidades baseadas na energia eólica, hídrica e, ainda, no fotovoltaico. Esta política, num enquadramento de forte market enablement,  foi centrada na subsidiação aos produtores privados através de várias metodologias, entre elas as designadas FIT – Feed-in-Tarifs. Ou seja, a eletricidade em regime especial (eólica, fotovoltaica, etc.,) passou a ser paga aos investidores/produtores, a partir do final dos anos 90 do século transato, muito acima do custo médio da que era produzida através do portfólio clássico (centrais a carvão + centrais de ciclo combinado a gás + grandes e médias centrais hidroelétricas + centrais electronucleares). O diferencial, muito significativo, foi e é completamente suportado pelos consumidores[9], com destaque para os domésticos, revertendo a totalidade dos proveitos para as grandes empresas privadas que, sem qualquer risco, apostam grandes massas financeiras neste rendoso negócio. Por vezes ganham em duas frentes: como produtores convencionais e como investidores nas energias renováveis.

Esta política teve seis consequências maiores em Portugal:

  1. Enorme subida do preço/tarifa de eletricidade[10];
  2. grande dispersão territorial da rede e ocupação extensiva de solos por vezes em sítios com criticidade ambiental;
  3. dada a volatilidade/incerteza das produções baseadas em fontes renováveis (não se pode garantir o sol e vento em permanência), houve que fazer investimentos redundantes em centrais a gás natural e hidroelétricas com bombagem, exatamente para garantir a segurança no fornecimento;
  4. ineficácia na redução da intensidade carbónica porque, no essencial, o CO2 provém dos transportes, indústrias e, em certos casos, edifícios; mas estas emissões só desceram durante a crise dos anos da Troïka, tendo, entretanto, voltado a subir;
  5. manutenção, no essencial, do caráter monopolista do setor elétrico (transporte, distribuição) e, portanto, das grosseiras falhas de mercado;
  6. a confirmação de que a regulação foi frouxa no plano da intervenção objetiva institucional, designadamente quanto à defesa dos consumidores, embora muito elaborada no plano técnico; ficou, de forma crescente, claro que a privatização e liberalização no setor elétrico pouco ou nada resolveram na perspectiva dos interesses públicos comuns.

2. Com o objetivo repetidamente anunciado de reduzir as emissões de CO2, ou seja, de “descarbonizar a economia e a sociedade”, e tendo em conta que o setor dos transportes tem um papel fundamental neste contexto, iniciaram-se, principalmente na União Europeia, mas, também na China, grandes campanhas para antecipar e intensificar a substituição do parque de viaturas de transporte de passageiros, até aqui alimentadas com derivados do petróleo, por veículos com propulsão elétrica. É a campanha do “tudo elétrico”.

Assim, temos assistido nos últimos anos a grandes campanhas publicitárias, comerciais e institucionais, que têm conseguido alguns crescimentos relativos nas vendas dos veículos híbridos – aqueles que só conseguem fazer curtíssimos percursos com emissões zero (mobilidade exclusivamente elétrica)[11]– e, também, nos últimos dois anos, de viaturas exclusivamente elétricas. Trata-se de veículos em geral significativamente mais caros[12] do que os seus equivalentes convencionais (em tamanho, gama e potência), não obstante a subsidiação estatal que, aliás, é suportada através esforço fiscal indireto incidente nos consumidores/contribuintes (a partir de receitas da taxação do CO2).

Já hoje e, mais ainda no futuro, os custos de produção equivalentes das viaturas elétricas são mais baixos do que os convencionais. A taxa de lucro das grandes corporações fabricantes aumenta, portanto.

A questão da autonomia está por resolver não obstante as audaciosas promessas de grandes subidas nas quilometragens conseguidas entre recargas. As viaturas elétricas individuais (TI) são funcionais e rentáveis nos circuitos urbanos. Se, pelo caminho, não tiverem problemas precoces com as baterias!

Há muita  especulação e contra-informação acerca da evolução das tecnologias de armazenamento elétrico: por um lado, a velha tese do conluio das petrolíferas, e de outros centros obscuros, que estariam a boicotar o desenvolvimento de novas soluções; noutro sentido, há entidades e empresas que evocam as novas e potentes  baterias que, dizem, aí virão como um Santo Graal propiciador de motu continuum que tudo resolveria.

A rede infra-estrutural para recargas (rápidas e/ou lentas) das baterias existentes nas viaturas elétricas e, por outro lado, o preço a que a eletricidade + serviços complementares que serão disponibilizadas são questões cruciais que estão por esclarecer e resolver (há muitas movimentações e impasses corporativos e comerciais em torno deste aspeto).

As grandes empresas, tanto as elétricas, como as relacionadas com a industria automóvel, ou, até, bancos e petrolíferas, têm este filão sob permanente vigilância. Bastará analisar a profusa publicidade paga que aparece em jornais de referência, embora disfarçada de “noticias” e “crónicas”. Para além das numerosíssimas conferências, painéis e cimeiras “científicas”, onde se aborda a questão, sempre sob o referencial da tão estafada sustentabilidade[13] e da mobilidade dita inteligente. Sim, porque isto não é coisa para estúpidos!

Mesmo que se confirmasse a possibilidade de recarregar em poucos minutos (fala-se em 15-20 minutos) 80% da capacidade de um pack de baterias, o que aconteceria no futuro, quando centenas de milhares de veículos elétricos tivessem que parar e abastecerem-se ao longo das rodovias e ruas portuguesas? Que logística e rede de infra-estruturas suportaria tal complexidade operativa? Quem a garantiria? Com que custos e preços?

Calha perguntar nesta fase da análise se o objetivo central das políticas públicas passa por alavancar a substituição maciça do parque convencional por novos automóveis (TI) elétricos? Pelo que se lê, vê e ouve, parece poder-se concluir que sim, que é nesse sentido a marcha forçada. Ou seja, os nossos esclarecidos dirigentes preparam-se para fazer substituir, não o paradigma de mobilidade, mas apenas o tipo das viaturas: assim, nos circuitos de acesso às metrópoles, cidades e vilas, não se veriam escapes nem sentiriam gases, é certo, mas…as filas e engarrafamentos perdurariam!

Finalmente, referir de passagem um aspeto que, apesar de pouco abordado, é significativo: o dos custos ocultos das viaturas elétricas, designadamente no plano do impacto ambiental e climático. As viaturas elétricas têm um “longo tubo de escape” que debita as emissões em locais distantes, ou seja, não são, de facto, “emissões zero”[14]. Notar que no futuro fabrico dos veículo elétricos poder-se-ão vir a utilizar cerca de 250 kg de Al/unidade, muito acima do que atualmente é prática nos carros convencionais, e que o alumínio exige muita eletricidade no ciclo de produção.

O mínimo que se poderá concluir aponta para uma conjuntura que aconselharia grande prudência, nomeadamente quando se trata de definir políticas públicas que envolvem dinheiro coletivo.

3. Os preços/tarifas da eletricidade têm, como já foi referido antes, subido brutalmente nos últimos dez anos.

Esta realidade muito penalizadora já foi analisada noutro texto[15], estando demonstrado que afeta todos, e, em particular, as pequenas empresas e as famílias que não têm poder para negociar e estabelecer contratos bilaterais mais favoráveis.

Mais grave, são as perspectivas apontadas pela evolução do mercado grossista de eletricidade que, nos últimos meses, aponta para valores atuais e futuros muitíssimo mais elevados[16], que acabarão por se refletir nas tarifas/preços passados pelos comercializadores aos consumidores.

Embora a situação tenha contornos complexos e, até, nebulosos, argumenta-se que uma das razões seria o grande incremento do “preço do CO2”! Estamos, portanto, no domínio da chamada “fiscalidade verde”.

A Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, veio aditar ao Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, o artigo 92.º-A, que estabelece que alguns produtos petrolíferos e energéticos estão sujeitos a um adicionamento sobre as emissões de CO2 (vulgarmente conhecido como «taxa de carbono»).

Através da Portaria n.º 384/2017, de 28 de dezembro, veio fixar-se a “taxa do adicionamento sobre as emissões de CO2” (Artigo 2.º) em 6,85 euros/tonelada de CO2. Com o Fator de Adicionamento (Artigo 3º) os valores imputados à tonelada de CO2 emitido vão para os € 21,21/Ton no fuelóleo, 15,52 €/Ton no caso do carvão e …0,38 €/Ton no caso de ser gás natural o combustível!

Ora, exatamente há dois anos, dizia Spencer Dale, principal economista da multinacional BP, entrevistado por um semanário português: “o custo das energias mais poluentes deve aumentar para benefício da humanidade daqui a 30 anos”, mas, acrescentou, “são os políticos que têm a responsabilidade de aplicar medidas nesse sentido”. Este “especialista” foi um dos principais consultores da Reserva Federal dos EUA e diretor executivo do Banco de Inglaterra, com o pelouro da “estabilidade financeira“. Solicito, disse ainda que “se for colocado um preço mínimo na tonelada de CO2, como fizemos no Reino Unido, de aproximadamente 18 libras, equivalente a 22 €, essa medida terá um impacto imediato nos produtores de energia elétrica, que deixarão de utilizar o carvão. Vamos assistir a um aumento significativo da queima de gás natural”. O homem está interessado no incremento do consumo de gás natural! E, por cá, parece que lhe satisfizeram os desejos.

Tudo quanto é produção elétrica baseada em tecnologias que emitam CO2, no caso presente as produções em centrais a carvão e, menos, a gás natural, é castigada com este “imposto” que as empresas produtoras privadas repassam integralmente para as tarifas. A coleta abastece um “fundo de carbono” que ser para fazer multiplicar a política oficial que aqui vem sendo caracterizada. Ou seja, são os consumidores que acabam por pagar o citado efeito climático do CO2 das centrais! Previamente, os cidadãos em geral têm vindo a ser psicológica e eticamente preparados para a “obrigação” de suportarem esta carga fiscal.

Convém referir que também os veículos automóveis são atualmente penalizados em função da sua contribuição potencial para a emissão de CO2. E, em torno disto, há muito gato que é comido como lebre.

Lembrar aqui que o dióxido de carbono é um produto natural da respiração de animais e plantas, participante importante num ciclo no qual, através da fotosíntese, as plantas, usando a energia solar, restituem oxigénio à atmosfera. O CO2 não é, portanto, um poluente no sentido vulgar do termo[17].

O dióxido de carbono surge, ainda, a partir de variados tipos de combustão, tanto naturais, como as de proveniência antropogénica e contribui, de facto, para o designado efeito de estufa, tal como o vapor de água (nuvens), o metano, etc., A partir da primeira revolução industrial e, particularmente, na segunda parte do século XX, as emissões subiram exponencialmente e, está provado, as concentrações de CO2 na atmosfera subiram significativamente.

A penalização fiscal do CO2 industrial, energético e dos transportes faz parte da estratégia política internacional no sentido de tentar atalhar abruptamente a subida de teores do dióxido de carbono porque, sustenta-se, este gás estaria a determinar intensas e perigosas alterações climáticas. Mas, nesta correlação simplista há, parece, muito por esclarecer e comprovar, como dizem e escrevem centenas de honrados cientistas que são imediatamente encostados à parede mal tentam abrir a boca. Mesmo quando apenas expressam dúvidas e aconselham maior prudência em decretar políticas públicas que têm grande impacto nas economias empresariais, no emprego e no bolso dos consumidores/contribuintes.

Deixam-se para reflexão os elementos e considerações acima alinhados, e, a terminar,  apenas o registo de uma questão:

– Se, de facto, as alterações climáticas são um problema tão terrível para o planeta e para a humanidade, e se elas são devidas, de acordo com a teoria oficial, ao CO2 produzido pelas atividades económicas do coletivo humano, por que razão, há uns que suportam os custos das medidas erradicadoras ou mitigadoras( a grande maioria dos consumidores/contribuintes), enquanto outros (uma minoria de investidores/empresários) extraem fabulosos lucros com a política voluntarista que norteia uma descarbonização da sociedade e da economia feita em marcha acelerada?

Notas:

[1] Obras Completas, VII/CII; p. 919, citado por Norberto Cunha em “Ciência, cientismo e metaciência em Antero de Quental”, Revista de Guimarães, n.º 102, 1992, pp. 209-245

[2] Designada por  “Basic Science of a Changing Climate: How Processes in the Sun, Atmosphere and Ocean Affect Weather and Climate”; estiveram presentes (previsão da organização), entre outros, Nils-Axel Mörner, investigador e professor sueco, Maria da Assunção Araújo – Professora da FLUP, Pamela Matlack-Klein, Michael Limburg, Francois Gervais, Christopher Monckton, Ray Garnett, Madhav Khandekar, Edwin Berry, Karl Zeller e Ned Nikolov, Thomas Wysmuller, Benoit Rittaud, Conor McMenemie, e, ainda, o conhecido meteorologista e dono da WeatherAction, Piers Corbyn,

[3] Ver “Aquecimento Global: Ciência ou religião?”, Gustavo M. Baptista, Hinterlândia, SP, 2009

[4] GUERRIERO, Silas. A fé na Ciência: o ensino da evolução e sua congruência aos sistemas de crenças. XXII Reunião Brasileira de Antropologia, ABA, Fórum de pesquisa: venturas e aventuras religiosas, Brasília, 15 a 19 de julho de 2000.

[5] Programa “60 minutos”, CBS News, outubro de 2016

[6] The Limits to Growth, Meadows et al, também conhecido como relatório do M.I.T. O prestigiado Massachussets Institute of Technology desenvolveu o trabalho por encomenda do Clube de Roma, utilizando a metodologia proposta e desenvolvida por Forrester, e por ele aplicada, entre outras, à dinâmica do crescimento urbano e às oscilações de preços de alguns produtos agrícolas (ver ENERGIA e AMBIENTE, Textos de Apoio, Domingos, José J. Delgado, 1995, IST)

[7] ENERGIA e AMBIENTE, Textos de Apoio, Domingos, José J. Delgado, 1995, IST

[8] Trata-se de um Think Tank americano, com adeptos lusos proeminentes, que também fez estudos para Portugal encomendados por um dos grandes grupos económicos nacionais. Tais estudos nunca foram divulgados.

[9] Em países como a China, por exemplo, embora existindo apoios na fase inicial em que as tecnologias ainda não estavam maduras, eles não são, no fundamental, projetados nos consumidores. Por outro lado, as empresas que usufruem destes apoios não têm as sedes situadas fora do alcance fiscal estatal. Depois, há que lembrar a dimensão física e económica deste país: quaisquer meio por cento equivale a números absolutos muito significativos, colossais mesmo se analisados à escalade de um país europeu, mas, no fundamental, o referencial de produção de eletricidade é convencional (carvão, grandes hídricas, nuclear, gás natural).

[10] Subida de 30% só na última década, segundo a ERSE. Estes Preços/tarifas são acrescidas por diversos outros favores aos interesses privados, feitos através de metodologias pouco transparentes, que estão, aliás, a ser alvo de investigações na Assembleia da República e no Sistema Judicial.

[11] Os híbridos tipo Plug-in conseguem fazer percursos um pouco mais extensos, mas, normalmente, têm preços mais elevados.

[12] No caso das gamas media /alta os preços chegam a ser 50 a 60 % mais elevados. No sentido de amortecer este efeito têm-se vindo a adotar um esquema no qual as baterias são disponibilizadas através de leasings.

[13] O conceito de Desenvolvimento Sustentável difundiu-se a partir publicação do Relatório “Our Common Future”, habitualmente conhecido como relatório Brundtland, em 1987,pela WCED ( World Commission on Environment and Development). Apesar de haver um grande consenso em torno da ideia de sustentabilidade, necessário é referir as utilizações capciosas e desviantes do conceito base (até bancos, como o BES por exemplo, se fartaram de o utilizar nos seus anúncios comerciais). Aliás, o seu sucesso deveu-se muito à forma hábil como o Relatório, logo na fase inicial, conseguiu iludir ou contornar algumas das contradições entre o crescimento económico e o referencial ambiental.

[14] Ver, entre outros, “The Hidden Cost Of Electric Cars”, Christopher Stakhovsky

[15] Já abordada, aliás, noutro texto publicado

[16] Desde o início do ano os custos da energia no Mibel dispararam 60%, e bateram máximos históricos na terceira semana de setembro, superando os 75 euros por megawatt hora.

[17] Como são, por exemplo, as partículas sólidas, os SOx, os NOX, etc.,

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Os Reguladores, regulam?

jongleur2O mês de Maio de 2018 foi, em termos de preço da eletricidade transacionada no mercado grossista (MIBEL/OMEl), o mais caro desde 2008, apontando para os 62 €/MWh.

Aliás, em 2017, o MIBEL foi a segunda “bolsa” de eletricidade mais cara da Europa, com um valor ponderado anual de 53 €/MWh, que compara, por exemplo, com os 45€/MWh, valor correspondente em França!

Estamos com preços altíssimos e fortes repercussões socioeconómicas nos cidadãos e empresas consumidoras. Sao necessárias explicações claras e urgentes.

Os fervorosos adeptos do mercado diziam, há alguns anos atrás, que a liberalização e privatização das empresas de eletricidade trariam o paraíso aos consumidores e aos contribuintes portugueses: os preços diminuiriam e a qualidade dos serviços bens desceriam!

Sabemos que isto não se concretizou, ou seja, não é verdadeiro. As tarifas/preços da eletricidade (e do gás natural) são, em Portugal, das mais elevadas no contexto europeu.

Na vida real as grandes empresas instaladas no setor energético têm tido, nos últimos anos, incluindo aquelas que atuam a coberto do lobby das energias renováveis, lucros que, pela sua escala, são escandalosos e atentatórios dos interesses comuns. Não considerando a hipótese de haver atuações que venham a ser merecedoras de condenação judicial. De facto,  o que se passa à sombra da legalidade que foi sendo construída é, em si mesmo, politicamente criminoso, porque o conteúdo  dos diplomas legais fundamentais violenta grosseiramente os interesses nacionais.

Em princípio, de acordo com a teoria dos mercados, a formação dos preços da eletricidade seria influenciada por vários fatores, designadamente:

  • A estrutura de produção em termos de tecnologias empregues (mix tecnológico);
  • Os preços e condições de energia primária;
  • O regime hidrológico;
  • O mercado de licenças de emissão de CO2;
  • A procura de eletricidade;
  • A capacidade/disponibilidade produtiva.

A constituição do parque electroprodutor é um factor crítico na formação dos preços de eletricidade na medida em que pode condicionar a sua vulnerabilidade a aspetos específicos das energias primárias ou das condições hidrológicas, solares e eólicas.

Não obstante a crescente produção a partir de centros produtores eólicos e Fotovoltaico, estimulados pela compra obrigatórias e protegidos por preços subsidiados numa proporção artificialmente empolada, a maior parte da eletricidade produzida em Portugal é, em termos do diagrama de base, proveniente de centrais térmicas, nomeadamente de centrais a carvão e gás natural, e, também, da produção hidroelétrica.

Em Portugal, como em outros países, estamos sujeitos à volatilidade dos mercados internacionais de energia primária, sendo a formação dos preços de eletricidade no mercado grossista influenciada por eles.

Como a eletricidade não nos pode chegar de camião, navio ou avião, a capacidade de interligação à rede espanhola e, indiretamente, francesa e europeia, é importante, pelo menos no plano teórico. Coisa que não é dominável unilateralmente, não obstante as declarações políticas muito esperançosas repetidas nos últimos tempos.

A acrescer aos preços internacionais de energia primária, o “mercado” das emissões de CO2 veio a criar um mecanismo que pressiona os preços finais da eletricidade, isto porque a questão climática (diferente da ambiental) passou a refletir-se na estrutura de custos das centrais térmicas, nomeadamente nas centrais a carvão, onde o nível de emissões de CO2 é mais elevado.

Este novo “custo”, internalizado no preço final da eletricidade, veio a constituir-se como um importante factor na definição de políticas energéticas tendo em consideração a preocupação, muito acarinhada na Europa, a respeito das alterações climáticas.

Na produção hidroelétrica, a valia da água tem um custo de oportunidade que varia com o nível de armazenamento e o regime hidrológico verificado (ano húmido ou seco).

No presente, o preço do petróleo está nos 68 USD/barril quando já esteve, há alguns anos atrás, acima dos 140 USD/barril. O preço do carvão importado (steam coal) tem variado bastante, com tendência a descer desde janeiro 2018 e inclinando-se mais recentemente para os 80 €/ton.

Ficou registado que o mês de Maio de 2018 foi, em termos de preço da eletricidade transacionada no mercado grossista (MIBEL/OMEl) o mais caro desde 2008. Ora, há dez anos havia menos 30% de capacidade de produção eólica instalada em Portugal, ou seja, chegava ao mercado grossista muito menos eletricidade de origem renovável.

Por outro lado, a hidraulicidade está, em maio de 2018, 20% acima do ano médio, havendo, portanto, muito potencial elétrico armazenado nas albufeiras.

No dia 10 de junho, domingo e feriado, a eletricidade chegou a cerca de 63 €/MWh às 23 horas, quando havia grande produção eólica.

Desconhecem-se restrições importantes nas interligações entre Portugal e Espanha, e, também não há registo de indisponibilidades significativas no parque electroprodutor ibérico, inclusive nas centrais nucleares.

Não obstante a significativa disponibilidade de hidroeletricidade e eólica, e tendo ainda em conta o custo marginal da eletricidade produzida na central de Sines (a carvão), que andará nos 42 €/MWh, os preços estão nos já referidos valores.

Como se explicam tais preços elevadíssimos? Que tipo de anomalias estão a ocorrer? As autoridades reguladoras, ERSE e Autoridade da Concorrência, já indagaram? E, se já analisaram a situação, quais são as conclusões?

Que o atual “mercado” grossista de eletricidade é uma coisa opaca, difícil de “ler” e dominada por meia dúzia de centros de decisão empresarial (há três fornecedores e cerca de trinta comercializadores, mas, de facto, centros empresariais independentes são muito menos). Mas, o aqui referido empolamento é exagerado.

Tudo parece indicar que há, no mínimo,  uma falha grosseira de mercado.

Acrescentar que os célebres CMEC –  que os consumidores portugueses pagam através da aditividade dos CIEG – estão “apenas” relacionados com as centrais hidroelétricas. Que pertencem, no fundamental, à EDP. É certo que, entretanto, esta figura teria dado lugar a uma indemnização fixa por dez anos (a questão está em contencioso entre a ERSE e a EDP).

Quanto maior fosse o preço da eletricidade comercializada na pool/MIBEL mais a EDP ganhava no âmbito dos CMEC, independentemente do preço das matérias primas energética (gás natural e carvão) nos mercados internacionais.

Sabendo-se que o preço no MIBEL esteve acima dos 50 €/MWh durante o ano de 2017 (continuando à volta dos 60 €/MWh em 2018) e, por outro lado, continuando ainda em vigor o referencial relacionado com os ex-CMEC, pergunta-se: por que razão, e à luz de que critério, se mantém a EDP a receber um subsídio indemnizatório fixo que, no fundo, prolonga o espírito dos CMEC sem qualquer relacionamento com o preço na pool? A ERSE? A secretaria de Estado?

A EDP deveria, de facto, retornar dinheiro ao sistema, sempre que a eletricidade estivesse acima dos 50 €/MWh. Isto de acordo com o que está legislado, que, a não ser respeitado, nos conduz a rendas não só excessivas, como, também, abusivas!

Os fundamentalistas do mercado neoliberal acham que os Reguladores têm nas suas mãos a resolução destes problemas.

Mas, será que os Reguladores, regulam bem?

Mais, há que perguntar se, na matriz das entidades Reguladoras, está, de facto, a defesa dos interesses comuns.

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Futuras Concessões de Distribuição de Eletricidade em BT

IMG_13751. Enquadramento

Terá início dentro de poucos dias um conjunto de reuniões acerca das futuras concessões de distribuição de eletricidade em BT.

A transposição das Diretivas da União Europeia quanto ao mercado interno da eletricidade, focadas na tentativa de forçar o crescimento da concorrência neste setor, foi concretizada através de um quadro legal[1] que veio estabelecer as novas bases gerais da organização e funcionamento do SEN – Sector Elétrico Nacional.

No quadro legal referido foi mantida, contudo, a distribuição de eletricidade em BT (baixa tensão) na esfera das atribuições e competências municipais.

Aliás,  a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro[2], que estabelece, entre outros aspetos, o regime jurídico das autarquias locais e aprova o estatuto das entidades intermunicipais,  prevê que os municípios dispõem de atribuições no domínio da energia, cometendo à câmara municipal a criação, construção e gestão de instalações de energia integradas no património do município ou colocadas, por lei, sob administração municipal.

Notar que, pelo Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 297/86, de 19 de setembro, 341/90, de 30 de outubro e 17/92, de 5 de fevereiro, tinha sido cometida aos municípios a distribuição de energia elétrica em baixa tensão (BT), no continente, podendo esta atividade de serviço público ser exercida em regime de exploração direta ou indireta.

Se optassem pela exploração indireta, o referido diploma legal restringia as escolhas dos municípios a entidades públicas empresariais (EDP Distribuição). Situação que se tornou  incompatível no crescente referencial de liberalização e privatização, e, aliás, com a própria evolução que a organização e funcionamento do SEN vem experimentando desde há anos, sempre à luz dos princípios do mercado plasmados nas Diretivas da União Europeia e transpostos para Portugal.

No quadro atual, podendo haver lugar a concessões, elas devem ser atribuídas pelos órgãos competentes de cada município ou associação de municípios, na sequência de concurso público, sendo que as atividades devem ser exercidas em regime de serviço público.

Os contratos de concessão em vigor, que foram celebrados ao abrigo da legislação de 1982, embora salvaguardados pelos normativos de 2006, foram estabelecidos num período entre 1996 e 2006. Dois deles, Lisboa e S. João da Madeira, terminaram em 2016 e 2017, e a maioria dos restantes terminam em 2021 e 2022.

Na expectativa de um elevado número de procedimentos quanto ao futuro das concessões municipais existentes no continente português (278), concluíram, e bem, as entidades competentes, que se deveriam estabelecer princípios e regras gerais destinadas a “assegurar, no melhor interesse nacional e dos municípios, uma organização coerente e articulada dos referidos procedimentos de concurso público”.

Entendeu-se, assim, que se ganharia procedendo a concursos em conjunto e de forma sincronizada numa data pré-estabelecida. Mais se viu como pertinente agrupar as entidades adjudicantes no âmbito dos concursos necessários, bem como a definir os modelos-tipo para os documentos procedimentais e contratuais.

Com a sincronização visa-se maximizar a coerência e articulação dos numerosos processos.

Optou-se por um modelo assente numa lógica de agregação dos municípios e de concentração temporal dos referidos procedimentos, baseada em concretos motivos de interesse público, na obtenção de ganhos de eficiência, equidade e coesão territorial.

  1. Nova legislação

Neste sentido, a Lei n.º 31/2017, de maio (31), veio estabelecer que, em 2019, dever-se-ão realizar concursos públicos com vista a atribuição, por contrato administrativo, das concessões das redes municipais de distribuição de eletricidade em baixa tensão (BT), no território continental português.

Estas futuras concessões municipais e os respetivos concursos prévios devem obedecer, entre outros, aos seguintes princípios e condições:

  • Salvaguarda da neutralidade financeira para os consumidores e para o OE, não podendo advir sobrecustos de nenhum gênero;
  • Promoção da eficiência técnica e económica, bem como da eficácia do sistema e da qualidade de serviço;
  • Promoção da coesão territorial quanto à sustentabilidade técnico-económica das concessões;
  • Salvaguarda da continuação da uniformidade tarifária baseada num referencial perequativo;
  • Defesa da estabilidade do emprego;
  • Lançamento sincronizado dos concursos;
  • Agregação em áreas constituídas por territórios municipais e intermunicipais contíguos para a incidência das concessões;
  • Estas áreas territoriais serão deliberadas pelos municípios e/ou entidades intermunicipais sob proposta da ERSE; a aceitabilidade de qualquer área territorial diferente dependerá da demonstração de vantagens relevantes para o interesse público desse cenário alternativo; isto significa, então que se um ou vários municípios quiserem assumir a gestão direta da rede de distribuição em baixa, poderão fazê-lo, mas se quisessem concede-la a outra entidade o respetivo território terá que ser validado à luz do que se registou antes;
  • Será elaborado um programa com as ações e estudos a desenvolver com vista ao Programa de Concurso e ao Caderno de Encargos, devendo, previamente, ficarem estabelecidas as áreas territoriais que serão objeto de concurso (ficou prevista uma atempada RCM para o efeito)

A Lei foi aprovada sem votos contra. Baseou-se numa Proposta de Lei apresentada pelo governo, alterada depois na AR.

O diploma contou com significativa aderência, embora com reservas em determinados aspetos.

Foi provado com os votos a Favor do PS, BE e PAN e a abstenção do PSD, CDS-PP, PCP e PEV.

A RCM prevista na Lei foi publicada, com atraso, no passado dia 7 de janeiro. Tem o número  5/2018.

Nela é definido um programa das ações e estudos a desenvolver pela ERSE num prazo de seis meses, fazendo-o em estreita articulação com a DGEG e a ANMP. Também regista diversos atos necessários com vista aos concursos públicos para atribuição das concessões no início de 2019. Já daqui a cerca de oito meses, portanto.

Além da tipificação do Programa de Concurso e do Caderno de Encargos prevê-se a definição de parâmetros base e diversos tópicos a submeter à entidade da concorrência, para assegurar a equidade dos interesses das populações, bem como os já referidos princípios gerais.

Há, portanto, um vasto e complexo trabalho a desenvolver.

Supõe-se que parte substancial dessa elaboração técnica estará muito adiantada, desconhecendo-se, porém, até onde se chegou, seja na administração central, seja no Regulador ou mesmo na ANMP.

Mais relevante do que as questões técnicas de especialidade, são as vertentes económica e institucional do dossier, que se encontram, é necessário sublinhar, longe de estar clarificadas e estabilizadas.

Por exemplo, é fundamental conhecer quais são os valores dos proveitos permitidos relacionados com a atividade da distribuição elétrica e por município. Sem conhecer este parâmetro um município não poderá avaliar o valor da concessão.

Outro aspeto fundamental é conhecer, com exatidão, os bens e meios afetos a cada uma das concessões em vigor e a respetiva valorização económica escrutinada pelo regulador

De facto, as atuais Bases das concessões da rede de distribuição de eletricidade em BT estabelecem:
a) os bens e meios afetos à concessão,
b) a obrigação do concessionário manter atualizado e à disposição do
concedente o inventário do património afeto à concessão e
c) a propriedade pelo concessionário dos bens afetos à concessão.

Por outro lado está estabelecida a reversão da propriedade dos bens para o município (concedente) e que este pagará à concessionária cessante uma indemnização correspondente ao valor contabilístico dos bens afetos à concessão por ele adquiridos.

Se houver algum concurso ou concursos que sejam ganhos por outra empresa que não a EDP Distribuição será necessário proceder como acima se descreve.

  1. Questões político-económicas relacionadas com as concessões

Do ponto de vista de política energética este é mais um delicado dossier em cima de uma mesa carregada já de complexos problemas.

Notar que em Portugal deixou de haver planeamento integrado dirigido e executado pela administração central do Estado. Aliás, a DGEG, que tem vindo a ser paulatinamente despojada de recursos, tem uma intervenção marginal no processo, sendo o Regulador que, ainda assim, tem um papel formal mais importante e visível. O planeamento é parcelar, bienal e executado pelas empresas privadas concessionárias (reguladas) nas áreas das redes de transporte e distribuição (REN e EDP). Na produção não há planeamento, porque a atividade está liberalizada.

É conhecido que a produção, transporte, distribuição e comercialização da eletricidade, têm profundíssimas repercussões na economia do país, na vida das famílias e na atividade de milhares de empresas e organizações.

Ligada com a distribuição de eletricidade em BT, a IP – Iluminação Pública, tem uma significativa relevância para a segurança pública e qualidade de vida das populações.

Circulam ideias no sentido de separar as concessões da distribuição e a exploração das redes de IP. Estas redes poderão vir a ter um papel muito além da iluminação pública, passando a ser redes de monitorização dos espaços públicos e dos territórios em geral. Não se afigura consentânea com a defesa dos interesses públicos e com o ponto de vista municipal, tal segregação. Fundamental, será preparar e negociar um Anexo 1 (Iluminação Publica) que, de facto sirva os interesses dos municípios e populações.

De referir que há, ainda, as importantes questões que se prendem com as redes dedicadas à mobilidade elétrica e com as chamadas smart grids que permitiriam, supõem e desejam alguns sectores empresariais, integrar de “forma inteligente” a produção dispersa de fontes de energia renovável numa lógica consumidor-produtor. Isto para além da integração do potencial das “novas formas de armazenamento de eletricidade”, bem como da gestão da procura através de automação, controlo e de telegestão, tecnologias que permitem atuar em permanência e de forma integrada.

É questão central saber como estas vertentes, correlacionáveis com as redes de distribuição, são integradas no modelo regulatório e encaixadas (ou não) em termos de proveitos permitidos às operadoras. Esclarecer à partida: aquilo que está em causa nas futuras concessões é a “distribuição de energia elétrica”. Nada mais.

Não sendo possível abordar nesta oportunidade a multiplicidade de questões que se colocam, deixar registo de alguns aspetos que se consideram centrais:

Em Portugal, no domínio da energia, existem 12 Concessões Nacionais incidindo no gás natural (transporte, distribuição, recepção e armazenagem subterrânea) e, ainda, no transporte e distribuição de eletricidade:

  • Dez na área do GN (atribuídas em 2006/2008 por 40 anos) com repercussão em diversas áreas regionais;
  • Uma outra relativa à RNT atribuída à REN em 2007 por 50 anos;
  • E, ainda, outra, a da RND, atribuída à EDP Distribuição em 2009 por 35 anos;

Por nenhuma destas concessões as empresas privadas concessionárias pagam rendas ou taxas de exploração ao Estado.

Concessões que envolveram cerca de 9 000 milhões de euros de investimentos realizados até dezembro de 2016, montante que tem vindo a ser pago pelos consumidores através da metodologia aditiva regulatória que repercute nas respetivas tarifas a remuneração dos ativos imobilizados e não amortizados a taxas que já estiveram nos dois dígitos e que atualmente andam no 6,5%!

Em relação às concessões do gás natural dizer que, inicialmente (primeiros cinco ou seis anos), talvez se justificasse a isenção de pagamento de rendas devido a menor rentabilidade da exploração, mas, na atualidade já não se vislumbra fundamentação para tal situação.

Parece muito discutível, mesmo apenas no plano da legalidade, a existência de concessões em que as concessionárias não pagam rendas à concedente.

Há, depois, as 278 concessões municipais de distribuição em BT; as datas de início e fim variam muito, sendo que duas já terminaram como já foi referido, 228 terminam em 2021, e a última, a do Porto, terminaria a 2017. Por estas concessões existem Rendas pagas aos municípios: cerca de 260 milhões €/ano. Contudo, perto de 210 milhões € retornam imediatamente à EDP Distribuição sob a forma de pagamento da IP. E, quanto aos 50 milhões remanescentes não são, de facto, desembolsados pela concessionária, porque a integralidade do 260 milhões € é lançada nas faturas a suportar pelos consumidores de eletricidade através do processo regulatório já referido.

A EDP Distribuição, não pagando nada em termos líquidos, acede a um filão que lhe permite Proveitos estimados em perto de 1200 milhões €/ano, e um EBIT (Resultados Antes de Juros e Impostos) cerca dos 450 milhões €/ano.

Sendo que as rendas estão fixadas na lei, e, por isso, um parâmetro de base superveniente, não têm eficácia nos processos concursais em vista: ou seja, a renda não poderá constituir-se como parâmetro de seleção/valorização das propostas em concurso. Até porque seria indiferente para as potenciais concessionárias, que, sabem-no à partida, são integralmente ressarcidas através do processo regulatório.

Terá, portanto, que haver um outro termo complementar de pagamento às concedentes (municípios), que seja descontado nos proveitos garantidos e, portanto, suportado, de facto, pelas respetivas concessionárias. Este termo, que poderá ser constituído por uma parte em dinheiro e outra em espécie, constituir-se-á no verdadeiro parâmetro de diferenciação das propostas.

Há, ainda, o importante facto de a atividade de CUR – Comercializador de Último Recurso estar atribuída em concessão do Estado à EDP até 2044. Ou seja, pelo menos neste domínio a EDP estará sempre presente comercializando a eletricidade com tarifas reguladas.

Trazer à colação um aspeto pouco mencionado: há cada vez mais famílias, empresas e organizações públicas que não pagam as facturas à EDP (maior comercializadora); os atrasos registados no final de 2017, alguns já se constituindo como imparidades, apontavam para:

  • 670 milhões € no segmento empresarial;
  • 409 milhões € no segmento doméstico/residencial;
  • 100 milhões € quanto a comercializadores;
  • E 186 milhões € no Setor público;
  • Num TOTAL de +/- 1500 milhões €

Voltou-se, portando, à era das dívidas pela eletricidade utilizada por consumidores públicos e particulares. Sem considerar já o conhecido e monstruoso deficit tarifário, que é de uma outra natureza e não será aqui abordado.

Isto refletirá o real estado socioeconómico do país, os efeitos concretos do processo de liberalização/privatização do setor e o elevadíssimo nível das tarifas/preços da eletricidade e do gás natural.

A finalizar, lembrar que no Guia emitido pela ERSE se indica o calendário definido:
• Até 30 de junho a ERSE publicará a “proposta de delimitação territorial de cada procedimento de concurso para atribuição das concessões e os estudos técnicos e económicos que lhe serviram de base” e, simultaneamente, apresentará ao Governo “um estudo com os aspetos e parâmetros a fixar no programa de concurso tipo e no caderno de encargos tipo”;
• Até 30 de agosto (ou 60 dias depois do Estudo), o governo aprova em Portaria o programa de concurso tipo e o caderno de encargos tipo, ouvida a ANMP, e, ainda, aprova a minuta do contrato tipo de concessão, ouvida a ERSE e a ANMP;
• Até 30 de setembro, os órgãos municipais e/ou das CIM decidem sobre a definição da área territorial do concurso e/ou sobre a intenção de proceder à exploração direta da distribuição em BT;
• Até 31 de dezembro as entidades que integram agrupamento de entidades adjudicantes deverão aprovar as pecas dos procedimentos concursais.

Estamos, portanto, num referencial de programação muitíssimo apertado para um dossier com elevada complexidade e delicadeza política, económica e social.
Parece fundamental recordar que os municípios não são meras entidades “técnicas”, nem sequer classificáveis como “outros intervenientes com interesse no setor elétrico”.

Os municípios são entidades político-administrativamente centrais deste processo: são eles, caso não entendam assumir diretamente a exploração da rede de distribuição em BT, que assumirão o papel de concedentes por longos anos.

Entende-se, então, vital conhecer, no curtíssimo prazo, entre outros elementos técnico-económicos, os cálculos realizados pela ERSE quanto aos proveitos permitidos (estimados) por município, relativos à atividade da distribuição da eletricidade em baixa tensão. Como já aflorámos antes, sem estes dados, que já estarão apurados, será muito difícil aos municípios analisarem a matéria que têm entre mãos.

Tal como o inventário de ativos afetos à concessão em cada um dos municípios, avaliado na presente data, e homologado pela entidade reguladora.

Explicitar, ainda, que o mercado e a concorrência existem, no setor elétrico, apenas de forma simulada, como já ficou demonstrado num outro texto (ver Preços e Tarifas de Eletricidade – elementos acerca da política energética, março 2018, publicado em academia.edu).

[1] Decreto-Lei n.º 29/2006, de 26 de fevereiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 215-A/2012, de 8 de outubro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 178/2015, de 27 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 215-B/2012, de 8 de outubro, e alterado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março,

[2] alterada pelas Leis n.ºs 25/2015, de 30 de março, e 69/2015, de 16 de julho,

[3] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 297/86, 18 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 341/90, de 30 de outubro e pelo Decreto-Lei n.º 17/92, de 5 de fevereiro)

[4] acrescentado pelo Decreto-Lei n.º 297/86, de 19 de setembro

[5] Centro de Estudos de Direito Público e Regulação

[6] Tal opção centralizadora, já aventada há anos atrás de forma circunscrita a alguns corredores empresariais, teria sempre que passar pelo difícil teste da sua conformidade constitucional com os princípios da autonomia do poder local, da descentralização e da subsidiariedade.

[7] Nesse quadro teríamos uma “solução à espanhola”, de liberalização total da distribuição de eletricidade e de recuo do sector público (autárquico). O serviço público municipal desapareceria: não haveria empresas concessionárias dos municípios, mas simplesmente empresas autorizadas pelo Estado a distribuir energia elétrica em baixa tensão nas áreas territoriais dos municípios (empresas que seriam oneradas com “obrigações de serviço público”).

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Preços e Tarifas da Eletricidade

cuidado

A análise aos preços/tarifas da eletricidade e as razões de política publica que os determinam, constitui exercício complexo mesmo quando apenas registada em tópicos.

No domínio da eletricidade, não obstante a enorme pressão política exercida durante muitos anos  no sentido da liberalização e privatização, não há, de facto, o que se possa chamar por mercado no sentido comum do termo. Como a própria ERSE diz num documento base,  estamos perante atividades desenvolvidas pelas reguladas “num quadro de monopólio natural” perante o qual Regulador define os proveitos permitidos às privadas reguladas “por forma a emular um mercado concorrencial”! Se é o Regulador a dizê-lo…

Em Portugal, e não só, criou-se na opinião pública a “sensação de haver mercado”. É certo que existem hoje disponíveis cerca de 120 tabelas de preços de energia elétrica, propostas por 17 empresas comercializadoras. As diferenças objetivas nos custos para os consumidores genéricos são marginais.

Destas empresas nem todas atuam a nível do território continental, e têm dimensões muitíssimo diferenciadas. As poucas que têm suficiência e arcaboiço técnico-económico fazem parte dos grandes agregados multinacionais que por cá atuam. São, de facto, empórios verticalizados, com especial relevo para a privada EDP, que domina.

Os proveitos permitidos pela entidade reguladora fundamentam-se na remuneração dos ativos imobilizados e ainda não amortizados, a taxas que já andaram nos dois dígitos e, presentemente, estarão à volta dos 6,5%. É daqui que nascem os significativos EBIT e os luminosos lucros e dividendos. Negócio rico e seguro, portanto.

Ainda hoje o “preço” no mercado liberalizado é constituído, numa larga parte, por componentes de natureza tarifária, isto é, reguladas técnico-administrativamente pela entidade reguladora ERSE. Apenas em pouco mais de três por cento poderá haver variação na comercialização. E não pode deixar de ser assim porque estamos no domínio de atividades que se desenvolvem através de redes e em monopólio.

A grande diferença para o anterior paradigma (gestão e posse publica dos ativos), é que, agora, as empresas que atuam ao longo da cadeia de valor, desde a produção até à comercialização, passando pelo transporte e distribuição, são todas privadas, sendo elas que recebem o que é pago pelos consumidores.

São, então, as empresas privadas monopolistas e reguladas que, de facto, recebem a maioria os “custos políticos” cobrados aos consumidores, genericamente designados por CIEG – Custos de Interesse Económico Geral, onde avultam os muito referidos CMEC, CAE e os fabulosos subsídios às produtoras de eletricidade a partir de fontes renováveis. Estes custos, não sendo impostos ou taxas, passam para a opinião pública como tal.

Apresenta-se uma síntese conclusiva obtida após pormenorizado estudo que poderá ser consultado em preços e tarifas in academia.edu:

  1. Os preços da energia elétrica para os consumidores domésticos agravaram-se de forma abrupta a partir de 2005/2006;
  2. A banda onde ocorreu maior agravamento foi a DA, a de consumos mais baixos, isto é, de consumidores mais expostos e com escassa capacidade negocial;
  3. Relativamente à generalidade dos países europeus o aumento dos preços da eletricidade para os consumidores domésticos foi mais intenso em Portugal; de 2010 para 2017, na banda DC, por exemplo, o preço que era o oitavo mais elevado passou ao terceiro lugar;
  4. E em termos de paridade de poder de compra (PPS/KWh) ocupa-se o terceiro lugar europeu na banda DB, e o primeiro lugar na DC;
  5. A componente dos preços que mais tem pressionado em alta os consumidores é o da categoria “com taxas, impostos e cargas político-administrativas”, já que ao nível da “energia e redes” os valores, embora com variações, têm-se mantido relativamente estacionários;
  6. Em Portugal, tal como na Alemanha, Espanha, Irlanda, República Checa e Suécia, a banda de consumos onde os preços são nitidamente mais altos é a DA, ou seja, a de consumidores mais expostos economicamente; em países como o Reino Unido, França, Áustria, Dinamarca e Polónia há harmonização dos preços entre bandas e, no caso da Grécia e Holanda os preços são mais elevados em bandas de maior consumo;
  7. Nos consumidores não domésticos, onde estão incluídos os industriais e outros com atividade económica, os preços também escalaram a partir de 2005, acontecendo, em particular, nas bandas IA e IB onde estão a grande parte dos consumidores;
  8. Em termos de paridade de poder de compra (PPS/kWh) o preço na banda IA em Portugal é a mais alta da Europa, muito acima do que se passa na Finlândia, Suécia, Reino unido, Luxemburgo, Noruega, Áustria, etc.;
  9. Os preços da eletricidade para os grandes consumidores não domésticos têm sido muito menos pressionantes, tendo mesmo descido em 2014;
  10. Desde 2005 a produção de energia elétrica com base na eólica tem vindo a crescer substancialmente em termos absolutos e relativos, a hidráulica tem-se mantido embora com volatilidade e a produção térmica tem descido; a expressão da energia com base na geotermia e no fotovoltaico tem sido quase irrelevante;
  11. A produção endógena renovável tem continuado, contudo, a significar pouco mais do que um terço da produção total doméstica de 1990 para cá;
  12. Também na energia final consumida o peso da eletricidade renovável e de outras utilizações de renováveis se tem mantido abaixo do 30%;
  13. A participação das energias renováveis, que tem crescido na produção de eletricidade, tem-se mantido a baixo dos 30 % no que respeita ao consumo final bruto de energia;
  14. As exportações de eletricidade e de energias renováveis (outras que não através de eletricidade) têm vindo a aumentar desde 2008 o que significa que os consumidores portugueses têm subsidiado exportações feitas, por vezes, a baixos valores por MWh;
  15. As transações no MIBEL têm vindo a flutuar desde 2008 e, muito particularmente nos últimos dois anos, evidencia-se uma tendência de subida de preços que é anacrónica e incoerente com o portfolio produtivo e com o excesso de oferta existente, o que aponta para a necessidade de um rigoroso escrutínio regulatório a este “mercado”;
  16. As emissões de CO2/habitante têm-se mantido um pouco abaixo das 7 ton/hab, isto é, não tem havido uma redução sensível desde 1995, tendo mesmo aumentado de 2014 para 2015 aquando da retoma da atividade económica), o que deixa em dúvida o discurso sobre o “sucesso na descarbonização” que, supostamente, estaria a crescer com a introdução das renováveis;
  17. As intensidades energéticas do produto, tanto a relativa à energia primária, como em relação à energia final e à eletricidade, têm-se mantido pouco alteradas, o que significa uma de duas ou as duas coisas em simultâneo: baixa produção para o consumo energético e/ou insuficiente modernização dos sistemas e equipamentos;
  18. A dependência energética apenas diminuiu cerca de 10 % de 2005 a 2017, tendo, aliás, crescido de novo em 2015 e 2016, sinal de que nenhuma alteração estrutural terá sido introduzida no setor energético português, e isto não obstante o discurso entusiasmado em torno das renováveis;
  19. A introdução das energias renováveis é muito baixa no setor dos transportes o que significa o atraso na penetração do modo ferro-carril eletrificado.

Estes tópicos traduzem a realidade objetiva.

Talvez o leitor fique chocado e em dúvida, porque, face à propaganda dos últimos anos acerca de uma suposta “revolução energética”, o que aqui se deixa registado não bate certo.

Por isso sugere-se aos interessados que analisem os factos que subjazem na espuma das aparências.

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O estado do Estado

Nas últimas semanas milhentos escreventuários têm debitado de forma compulsiva acerca das falhas do Estado.
Inspirados na desgraça do ardido e na suposta incúria militar, malham forte e feio naquele que consideram o mostrengo.
Muito bem!
Ou seja, muito mal, porque estamos perante o mais desbragado oportunismo populista.
De facto, estes comentadores e analistas avençados, jagunços políticos, jornalistas alienados, diletantes arco-íris e vendedores de arenga moralista, quando se trata de botarem discurso sobre o Orçamento, só têm um ponto de vista: cortar nas supostas gorduras e ao serviço do sacrossanto controlo do deficit.
Isto é, para eles, os professores, enfermeiros, polícias, sistemas de videovigilância, médicos, guardas florestais e mais um infindável rol de funções e serviços vitais para os cidadãos e território, são tecido adiposo que deve ser sempre e cada vez mais desbastado.
Agora, fariseus da Lapa e do Caldas, aí estão, apontando o dedo ao estafermo enfezado em que transformaram o Estado, sugando-o, depauperando-o e aproveitando-se dele!
O Estado não deve ser governado, mas, sim, gerido pela governança.
O Estado não deve ser forte, mas sim resiliente.
O Estado social é coisa feia, o empreendedorismo é que está a dar.
O Estado não deve atrapalhar a “economia circular”, nem prejudicar a “economia compartilhada”, seja lá isso o que for.
A visão de Estado da cambada modernaça, bem-falante e inovadora, é a velhíssima perspetiva predatória e exploradora que há seculos exaure o planeta.
À tarde, manifestam-se preocupados com o aquecimento global.
À noite, frescos e aliviados com mais um negócio renovável, brindam com gim tónico apimentado e vociferam: abaixo a contratação coletiva, viva os CMEC’s!
E, quando põem a pata na poça, inventando suicídios para alimentar a sua tese ideológica, logo algum diácono de turno os tranquiliza e absolve: todos erramos, irmãos, deixemos arder que há por aí muitos pais de família que são bombeiros!

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Que sistema de transportes?


A solução para as necessidades de mobilidade diária da generalidade das pessoas nas sua deslocações entre a residência e o local de trabalho, estudo, fruição ou compras, passa pelo recurso aos veículos individuais/familiares elétricos?

A mobilidade é um direito de cidadania que só pode ser assegurado, de facto, através de sistemas de transportes públicos e coletivos com qualidade, regularidade, segurança e a preços acessíveis. E, principalmente, se os veículos coletivos integrados nesses sistemas de transporte de passageiros forem elétricos ou alimentados a gás natural, e circulem em sítio próprio. Assim, defender-se-à, de facto, o ambiente, a saúde, a eficiência energética e a produtividade social e económica.

Nesse sentido é indispensável, como se pode comprovar em diversos países, haver um sistema tarifário amigável, designadamente nas áreas metropolitanas, ou seja, apoiado parcialmente no orçamento público.

Não tenho nada contra os veículos individuais elétricos em si próprios (os primeiros táxis nas cidades dos EUA, ainda no século XIX, foram elétricos), nem, tão-pouco, contra as bicicletas. Acho as deslocações pedonais muito saudáveis. Apenas não será com base nesse modos de deslocação que se poderá resolver os problemas colocados quanto às deslocações diárias das massas populacionais.

Sobretudo, o que se critica são os vendedores de ilusões que, apoiados em novas crenças, procuram o lucro empresarial oportunista. 

E, mais criticável ainda, são aqueles responsáveis públicos que, confundindo a nuvem com Juno, promovem políticas insustentáveis e alienantes.

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O evangelho segundo S. Carbono

Foi mesmo um grande sucesso a Cimeira de Paris?

Por que motivo desde 1992 (Rio de Janeiro), aquando da importante Conferencia das Nações Unidas “United Nations Conference on Environment and Development (UNCED)”, também conhecida como Cimeira do Rio, não se deram passos significativos quanto as principais propostas contidas nos documentos então aprovados e que, note-se, não se prendiam apenas com as designadas “alterações climáticas”?

De facto, o processo chamado Convenção sobre o Clima – UNCCC , foi um dos resultados saídos dessa cimeira, e na Declaração do Rio incluíram-se outros importantes aspetos relacionados não apenas com o “clima”, mas com o desenvolvimento e ambiente em geral: Agenda 21, Proteção das florestas, Convenção para a Diversidade Biológica, Convenção para o combate à desertificação.

Contudo, desde que alguns políticos como Al Gore e outros descobriram que a “razão das suas vidas” era a questão das alterações climáticas – no princípio designadas como “aquecimento global” – tudo e quase todos se passaram a focar apenas no “desgraçado CO2” que, note-se, até nem é um poluente!

Porquê?

De onde surgiu e por que subiu à tona este impulso “humanitário global” virado para a salvação mundial?

Gente que não dá combate à fome que grassa em muitas regiões, ao subdesenvolvimento, às guerras (aliás, continuam a propaga-las), ao narcotráfico, ao fabrico e comércio ilegal de armas, aos paraísos fiscais, às neoescravaturas, à corrupção, etc., passou a ser campeã do resgate do mundo das garras carbônicas.

Por que motivo estas causas não merecem tambem, da parte de tantos “paladinos do progresso climático”, igual atenção pública e combate político?

Que interesses empurram para o protagonismo em torno dos mecanismos antropogénicos no clima?

Devido ao maior impacte mediático e dramático que tem o tema? Porque estão em jogo os interesses económicos estabelecidos nos países centrais do capitalismo mundial? Porque à pala do combate climático se alimentam grandes negócios de ‘novo tipo’?

Os países ou regiões mundiais grandes emissores de CO2 – China, EUA, União Europeia, Índia, Rússia, Japão – bem como os países com capitações de emissão mais altas – EUA, Canadá, Austrália, Arábia Saudita, Emiratos Árabes – que conjuntamente são de longe os responsáveis pela maior parte das emissões antropogénicas, são, também, grandes potências político-económicas no quadro contemporâneo. Só que alguns, são-no há um século, e outro emergiram apenas há duas décadas, com destaque para a China, Índia, a Rússia e, até, o Brasil! Será que há interesses europeus e americanos em criar dificuldades ao crescimento destes novos “players” como agora se diz?

A cimeira de Paris não insistiu, aliás, desistiu mesmo de um verdadeiro plano de compromisso mundial quanto aos volumes de emissões antropogénicas toleráveis. Que, aqui entre nós, nunca seria verdadeiramente  viável!

Nesta Cimeira, e na cerimónia encenada há poucos dias, abandonou-se, de facto, o compromisso com metas e ritmos detalhados por país, aprovadas em Quioto em 1997, que não foram em geral cumpridas (recordar o flop dos mercados da designada bolsa do carbono), para agora fixar no horizonte longínquo de 2100 um limiar de elevação de temperatura não superior a mais ou menos 2ºC.

É isto um triunfo?

Ate 2100 vão cerca de oito décadas. Uma vida humana e várias gerações. De concreto irão ser despejados sobre os consumidores e sobre os países emergentes taxas e impostos “ambientais”.

E até lá, cada dirigente político das “democracias instaladas” poderá citar as alterações climáticas como álibi para conduzir suas políticas industriais, energéticas, fiscais, financeiras e ambientais. Mas, atenção, sempre tendo como meta o lucro, o neoliberalismo e o sacrossanto princípio da concorrência, sem esquecer a especulação imobiliária e financeira associada, porque, essas coisa não têm “nada a ver” com o clima! O problema aparecerá sempre como sendo o CO2 e o CH4!

É a cruzada climática baseada no “evangelho do carbono”. O demónio, aqui, é o dioxido que nos ameaça, não com as labaredas infernais, mas com o mar que, estando a subir, nos irá engolir.

Em 2100 os cientistas deverão estar finalmente habilitados (?) para descortinar as causas da eventual subida da temperatura observada (na superfície do mar ou da terra, na baixa ou alta atmosfera) atribuível a esta ou aquela crise vulcânica, ou a uma “crise” solar, ou ao CO2, CH4, e outros gases e partículas de origem antropogénica, da responsabilidade deste e aquele país, indústria ou corporação. 

Mas, os nossos netos, que irão pensar de tudo isto?

Uma coisa é certa: numa revista cor-de-rosa, depositado na mesa de um cabeleireiro onde fui, garante-se que “agora é que o combate climático vai de vento em popa”.

Portanto, estamos garantidos.

Nota: este texto deverá ser lido também como homenagem ao trabalho e pensamento do Rui Namorado Rosa

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A moral num sistema capitalista amoral

 

ilha dinheiro

Os órgãos de comunicação social estão hiperexcitados com o caso Papéis do Panamá.

Um grande manancial de documentos até agora confidenciais, levam algumas redações a paradoxais autoelogios acerca daquilo que dizem ser uma “extraordinária investigação jornalística”.

Recorde-se: tudo terá começado numa “fuga” de informação a partir de uma fonte anónima que levou a preciosa carga ao jornal alemão “Suddeutsche Zeitung”, que, numa tradução literal, significa Correio da Manhã.

E tudo isto acerca do uso legal ou ilegal das offshore por parte de pessoas já ricas e poderosas, que têm ou tiveram responsabilidades políticas, empresariais e bancárias, e que o vêm fazendo na senda de maior riqueza e poder. Nada de novo, portanto.

Mas agora é tudo aos milhões: os papéis, os personagens e os montantes financeiros que movimentam e, de passagem, os lucros acrescidos pelas empresas detentoras dos órgãos de comunicação que ganham com o aumento das audiências.

Começaram por malhar forte e feio no Putin, no Xi Jinping e, como não poderia deixar de ser à luz dos interesses geopolíticos dominantes, no Bashar, esse terrível chefe do “regime” sírio.

Para compor o ramalhete apareceu um Xeque dos EAU, o Sigmundur da Islândia, o fascista da Ucrânia, o senhor da Arábia, e, de passagem o Cameron , o Macri, o Messi e o maltês.

Desde logo é legítimo perguntar por que motivo não há nenhum gringo apanhado com a boca no offshore? Não seria necessário ser o Obama ou o Trump, bastaria um qualquer texano ligado aos petróleos. Mas, nem um para amostra, e logo na pátria do empreendedorismo financeiro?!

Também faz sentido colocar uma outra questão aparentemente lateral: lá porque um cunhado, um primo, um sobrinho, um amigo, próximo ou afastado, se envolve em negócios escuros, terá isso que significar que o político correlacionado está imediata e inquestionavelmente ligado à trafulhice?

Não haverá como pôr tranquilamente as mãos no lume pelos rapazes acima mencionados. Mas são muitas e manifestas as diferenças nos rastos que foram exibidos para os tentar incriminar. Alguns puseram o próprio dedo na geleia e levaram-na à boca, outros, como Putin ou o líder chinês, não há provas de que o tivessem feito.

Uma coisa é certa: desde há muitos anos sabe-se da utilidade fulcral das offshore no mundo da fuga aos impostos (por vezes designada otimização fiscal) e da lavagem de dinheiro proveniente da corrupção, da droga e do tráfico de armas.

Estas práticas criminosas, porque provocam danos gravíssimos aos povos de todas as latitudes, justificariam por si só a eliminação deste instrumento criado à luz da “liberdade” da circulação de capitais financeiros. Mas, como é conhecido, há indivíduos, jornais e partidos políticos “democráticos” que se indignam sempre que alguém propõe o fim destes esquemas. E utilizam, na defesa da tal “liberdade empreendedora”, as mais esfarrapadas desculpas: que não adianta acabar com a coisa na Madeira, porque continuaria a haver opções nas ilhas Caimão; porque as offshore’s podem trazer emprego nos sítios onde estão implantadas; que as ditas também servem propósitos legais e transparentes, etc.,

Embora sejam evidentes as distorções políticas oportunistas semeadas à passagem do caso– tenta-se fazer passar a ideia de que nesta coisa das vigarices financeiras não há esquerda nem direita – ele pode vir a alertar o público para a dimensão brutal da podridão que grassa no mundo dos negócios e da finança à escala global. Que não haja ,contudo, ilusões, a percepção possibilitada às massas consumidoras deste tipo de “informação/diversão” está distorcida à partida pela forma folhetinesca como é fornecida: no fundo não se pretende informar formando opinião esclarecida e interventora, mas, pelo contrário, alienar, distrair do essencial, propagandear os méritos de um sistema que permite estas “liberdades de informação”, e, de caminho, fazer dinheiro para proveito dos empórios da comunicação. No fim, como é hábito neste tipo de terapias hipnóticas, tudo continuará na mesma.

Mas, pergunta-se, este espetáculo degradante e perigoso é apenas fruto da atuação pontual de alguns empresários, advogados, banqueiros e políticos gananciosos e sem escrúpulos que não respeitam as “regras” do mercado e do capitalismo?

Dizem os colunistas especializados na propaganda neoliberal que a “globalização económica  verificada nas últimas décadas é um dos fenómenos mais estimulantes da história da humanidade que retirou milhões de seres humanos da miséria”. O problema, acrescentam, é a existência de “alguns gananciosos tresmalhados” que, independentemente do sistema económico e fruto das imperfeições humanas, desataram a praticar abundantemente os pecados da avareza e da luxúria. A culpa não seria do sistema, mas de imoralidade de alguns dos indivíduos nele mandantes. Aliás, acrescentam, basta ver o caso chinês: trata-se de um regime comunista onde têm emergido vários casos de corrupção e enriquecimento escandaloso.

Embora não seja possível tratar os casos de corrupção ocorridos em ambiente sistémico socialista da maneira simplista como o fazem, por oportunismo, os formadores de opinião arregimentados no sistema capitalista, não se pode esconder que o fenómeno, embora existente, tem merecido severidade e crescentes corretivos das autoridades chinesas. E, já agora, não é verdade que na China, por motivos de sobrevivência, primeiro, e crescimento, depois, coexistem “dois sistemas”? Então, porque não admitir, sem querer esgotar a questão, que estes problemas se devem à parte capitalista dos “dois sistemas”?

O problema central aportado pelo capitalismo não está na sua maior ou menor moralidade. O núcleo essencial dos desequilíbrios, da desumanidade e dos perigos que o capitalismo contem está amplamente estudado e teorizado, radicando na natureza da sua matriz económica e política: é um sistema que se baseia na exploração do trabalho e dos recursos, que aponta para um conjunto de valores que visa sacralizar o lucro e o individualismo.

Contudo, mesmo quanto à violentação dos valores éticos, é hoje possível perceber que a realidade retratada nas ultimas crises financeiras, nas derrocadas bancárias e nos circuitos da corrupção e fuga ao fisco, não corresponde à exceção, mas, sim, à regra: faz parte do âmago matricial capitalista o principio de que “ cada um é livre para explorar os outros e a terra comum”. Ora, nas últimas duas décadas e meia, esta “liberdade” tornou-se mais descarada e incontrolável, na medida em que aumentaram as liberalidades de circulação de capitais e de exploração laboral, montadas nas poderosas tecnologias comunicacionais, nas técnicas de rede organizacional corporativa, na governança, no empreendedorismo krill e, por fim, na fragilização do projeto socialista, no endeusamento do consumo e do individualismo.

Enfim, à medida que o capitalismo tomou o freio nos dentes, assume, com evidencia crescente, ser um sistema amoral.

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Os transportes públicos foram usados como instrumento da especulação financeira

 

Durante muitos anos diversos governos de direita (com vários partidos) empurraram as empresas públicas de transportes para formas de gestão erradas e danosas.Uma das vias passou por lhes cortarem financiamento publico sustentável empurrando-as, através de administrações dóceis ou oportunistas, para as mãos dos “mercados financeiros”.

Estes agentes financeiros, designadamente bancos de investimento e fundos sem rosto, inventaram, com grande e frenética imaginação, sucessivos “esquemas” para multiplicar exponencialmente mais-valias especulativas que puseram o mercado financeiro mundial no caos.

Os swaps que, quando surgiram, há muitos anos, até tinham alguma lógica financeira, converteram-se em mais uma das armas dessa especulação que faz alguns ganharem fortunas sem produzirem nada.

Através desta metodologia, ao mesmo tempo que reduziam artificialmente a despesa em sucessivos orçamentos de estado, os governos de direita foram criando as condições propícias para o seu objetivo principal – a privatização das empresas deste setor estratégico.

Disseram eles: As empresas públicas funcionam mal e dão prejuízo! Não se pode por os contribuintes a pagar a má gestão pública! Há que privatizar para que os cidadãos tenham melhores serviços e mais baratos!

Esconderam sempre, ardilosamente, a verdade objetiva: os contribuintes e os utentes acabam por pagar muito mais através deste esquema.

A mobilidade sustentável é um direito de cidadania incontornável que, além disso, está na base de uma economia saudável e de um melhor ambiente.

Em nenhuma parte, designadamente nas metrópoles europeias e americanas, os transportes públicos coletivos podem dar lucro, a não ser à custa de tarifas altíssimas que afastam ainda mais as pessoas. Em todo o lado há financiamento público na ordem de 40 a 60%.

As forças neoliberais que, em sintonia com os donos da Europa, se apossaram de Portugal, nos últimos anos, puseram a fórmula capitalista extrema em funcionamento de forma, além de tudo o mais, desavergonhada.

Vejamos:

empurraram as empresas públicas de transporte de passageiros para formas de gestão erráticas e danosas, forçando-as a recorrer aos imaginativos financiadores externos que, sempre atentos, se disponibilizaram a “dar ajuda”;

como era de esperar a rotura estrondosa ocorreu; os contribuintes, que também são utentes, são agora obrigados a cobrir os enormes buracos que vão surgindo como cogumelos; e, os de sempre, arrecadam mais-valias astronômicas e indecorosas.

No fim da estória, aqueles que permitiram e estimularam o processo, acabam, quando terminam as suas funções governativas, a ganhar chorudas remunerações em casa dos especuladores!

O que é isto se não grosseira corrupção?

Onde anda a ética que, apesar de tudo, havia numa certa direita que, defendendo a liberalização e a privatização, tinha vergonha na cara?

Temos estado, nos últimos anos, ao dispor de um bando neoliberal com muita lábia e sem escrúpulos!

Há que os manter afastados do poder, por via democrática, mas com grande firmeza.

E isso não se faz só com bicicletas e carrinhos elétricos.

Sem ofensa para as bicicletas, claro!

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Abraço do urso e os cantos de sereia

 

Por que razão, diversos anticomunistas universitários (na atualidade fica mal ser primário) , desde o Barreto ao Pulido Valente, passando pelos Baldaias da desinformação, estão tão preocupados com a manutenção da pureza e fidelidade do PCP aos seus ideários marxista e comunista, esconjurando-o na hipótese de cooperar, com maior ou menor participação direta, numa solução política que passe pela viabilização de um governo de iniciativa do PS?

Por que motivo vêm agitar o papão do “abraço do urso”, dizendo que um partido comunista “verdadeiro” nunca deverá aceder ao poder pela via democrática e parlamentar, porque isso significaria o seu fim?

De facto, Carrilho, Marchais, Berlinguer e muitos outros, em diversas latitudes e com diversos estilos, falharam, erraram, traíram e fizeram falir perspectivas de mudança para os respectivos povos.

Mas, pergunta-se, o tempo, as condições históricas e as circunstâncias sócio-políticas não mudam?

Será que, em 1974, o PCP não deveria ter assumido, como assumiu, responsabilidades governativas? Teria sido melhor ficar fora, “puro”, na rua, defendendo as massas, como então propunham os “revolucionários” do MRPP e da UDP (alguns deles, hoje, sólidos alicerces do edifício do capital)?

E houve algum problema político e ideológico com o “adiamento” do tema NATO, estando como estávamos em plena guerra fria, acabadinhos de ver mais uma das criminosas intervenções do imperialismo no Chile?

É certo que se vivíam, então, tempos revolucionários.

Mas, o atual dramatismo socio-económico, os brutais ataques à soberania  portuguesa e o regresso a um tempo de grande tensão internacional com o espectro guerra a espreitar em várias esquinas, não contêm os ingredientes que impõem a adoção de opções excepcionais?

Uma vez, em 1993, Mario Soares, disse-me, durante uma presidência aberta, que achava dever repetir-se no governo da nação, aquilo que então ocorria no município da capital. Depois, bem-disposto (estávamos depois do almoço, sem tempo para sesta) acrescentou: até porque seria a melhor maneira de condicionar e diminuir o PCP!

Naquele tempo, e nas condições então vividas, teria sido errado corresponder a tais cantos de sereias oportunistas. E, esse quadro, manteve-se até agora.

Mas, hoje, incompreensível seria considerar apenas a hipótese “ficar fora”, estagiando nas caves de uma espécie de socialismo vintage.

Os riscos são grandes e não se sabe como as coisas vão ficar, mas, dar o corpo ao manifesto, é já prova de grande coragem, lucidez e determinação em servir o país. Ao contrário de outros, não se vislumbra, na disponibilidade manifestada pelo PCP, nenhum resquício de vontade vã de protoganismo estéril.

O tratado orçamental, bem como este € bipolar e imposto, hão-de acabar, fique isso escrito num papel ou não fique. Eles se encarregarão da auto-destruição.

A razão profunda para o nervosismo e pavor da direita, patentes nas manifestações de ódio dos escrivães de turno, está em saberem que o esboçado entendimento pode perspetivar uma diminuição significativa da taxa de exploração, e representar a possibilidade de um pouco de desafogo para quem trabalha, um pouco de esperança para os desempregados, um pouco mais de sossego para os pensionistas e reformados! Mas um pouco para eles será sempre demais.

É por isso que os representantes das mais-valias, dos lucros especulativos e da privatização universal apelam às virtudes ideológicas do PCP, dizendo: sejam coerentes, fiquem fora da área do poder legislativo e, sobretudo, do executivo!

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Derrotas virtuosas e vitória de Pirro

 

A falta de alternativas que soassem credíveis aos eleitores levou a coligação de direita a ter sido a força política mais votada nas eleições legislativas. Mas, não haverá grande dúvida, trata-se de uma vitória de Pirro que, a prazo, provocará a implosão da casa.

Cerca de três milhões de eleitores portugueses declararam-se contra a política neoliberal e austeritária imposta pelo PSD/CDS. Apenas um milhão e novecentos mil portugueses acreditam que a PaF faz bem. Os dois partidos da coligação perderam setecentos mil votos. Só.

Qualquer partido ou instituição que não tenha isto em consideração não estará a respeitar a vontade democrática.

Quem procure desculpar-se com questões formais de natureza institucional ou se refugie em rigorismos ideológicos para obviar à formação de um governo que permita os pensionistas respirarem, aliviar os trabalhadores e as classes médias, relancar a economia produtiva, reganhar a esperança no país, o controlo efectivo do descalabro financeiro e acabar com o regabofe privatizador, pagará caro, mais cedo que tarde.

Um novo ciclo político é possível, havendo condições para impedir que uma parte significativa das políticas mais antissociais e neoliberais prossigam. O que não será condição suficiente para inverter a tendência para o desastre em que persistem os funcionários europeus do capitalismo. Do selvagem e o da mão invisível.

Outra  questão foi a manifesta incapacidade do PS para conseguir captar o descontentamento da população.

Esta realidade, bem ponderada, não será de admirar porque, mais do que demérito de António Costa, estão anos de ambiguidade e insistência em práticas políticas de direita. É natural que as pessoas prefiram um original pimba a uma cópia manhosa de hinos da liberdade.

A grande oportunidade seria volver virtuosa esta derrota através da procura de caminhos para um realinhamento do PS com a sua matriz socialista, olhando à sua esquerda.  Isso não será, contudo, muito expectável, se tivermos em conta as primeiras declarações feitas que parece apontarem para a viabilização do governo de direita, rejeitando qualquer solução de esquerda antes mesmo de serem discutidas as condições.

O que parece interessar à direção do PS caberia no período de um ano ou dois, rearrumando a casa, assando a PaF em lume brando e apontando para um acto eleitoral intercalar, no qual poderia ficar à frente.

O BE esteve bem no seu novo registo: a nova direção varreu a eira e malhou, certeira, no cereal. Veremos se o fabrico dá pão ou pãozinhos de leite.

A CDU, sempre trabalhadora, honesta e quase, quase competente, foi vítima do medo, da desinformação e de um voto útil de novo tipo, não obstante todos os esforços feitos. A sua dificuldade para transformar força social, razão e simpatia em pecúlio eleitoral, mais uma vez se notou. No entanto, a verdade é que atingiu todos os objetivos anunciados: subida de votos, deputados e percentagem.

Estes factos, que são positivos, não podem satisfazer completamente quando se sai do pódio. Claro, a peleja eleitoral não é apenas uma corrida, mas no final soube a óleo de fígado de bacalhau: faz bem mas calha mal.

Aqueles primeiros minutos de pasmo perante os écrans televisivos causaram mossa, até porque as espectativas tinham subido alto. Também por culpa de umas sondagens que, em geral, não estiveram mal e foram simpáticas durante meses.

Repare-se que, função do que se diz e mostra nas televisões durante o impacto inicial, hoje e durante muito tempo haverá portugueses a acreditar que a abstenção desceu ou que o Livre elegeu um deputado.

De facto, ainda não foi desta que as justas coisas ditas e as laboriosas propostas feitas chegaram e passaram, neste campo de ação focada na política legislativa e governativa, às camadas da população ideologicamente desconfiadas, manipuladas por milhares de horas de lixo tóxico televisivo (não só político e eleitoral). Mas, apesar disso, avançou-se.

E, sobretudo, reforçaram-se as condições para o progresso das forças que, como a CDU e o PCP, pugnam  por formas de legislar e governar que busquem desenvolvimento equitativo, coerente, sustentável  e justo, não cedendo às governanças, golpaças, oportunismos e a terceiras vias tortuosas.

Os que têm convicções e sabem que a vida é uma luta constante já estarão, de novo, de olhos postos no futuro.

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Cultura, Política, União Europeia

Governança: cada um usa a que gosta

IMG_0102A palavra governança, nos seus diferentes sentidos, tem vindo a ser progressivamente utilizada por dirigentes políticos, empresários e académicos.

Não sendo um vocábulo recente na língua portuguesa tem, contudo, vindo a adquirir sempre novos valores e significados desde o início da década de noventa do seculo XX.

Sabe-se que já Damião de Gois a tinha utilizado nas suas Crónicas do Príncipe D. João, quando referia que o rei D. Afonso tinha regressado ao Reino “depois de deixar a governança das cousas de África ao Príncipe”.

Dos inícios do sec. XX retenhamos, por exemplo, aquilo que Os Ridículos, na sua edição de 25 de janeiro de 1911, apelidavam, a propósito da instabilidade política e das sucessivas golpadas políticas de natureza pouco ética, de “o vira da governança”.

O termo governança adquiria nestes exemplos uma conotação clara com a ação de governar (ou desgovernar) e, além disso, era pouco abonatória no segundo dos casos citados.

Contudo, Camilo Castelo Branco, nos Mistérios de Fafe (Cap. IX, pág. 80) escreveu a dado passo “os outros abundavam no alvitre do Trinca-fígados, a quem entregaram a governança da empresa”. Ou seja, aqui, o étimo referia-se à administração ou gestão empresarial.

O caracter pejorativo que o termo governança adquiriu entre nós remonta, provavelmente, ao sec. XIX, ficando muito ligada ao oportunismo e à corrupção dos grandes senhores, seja da política, seja no mundo dos grandes e pequenos negócios.

E quanto mais não fosse por esta razão – utilização da palavra fora do contexto sociocultural que adquiriu – pode considerar-se infeliz o seu uso como tradução portuguesa da anglo-saxónica governance, podendo supor-se, erradamente, que, quem utiliza abundantemente o termo governança, estaria a referir-se a uma qualquer forma de governichar corrupto.

Aliás, aquela designação anglo-saxónica não apareceu apenas em finais da década de oitenta do sec. XX, quando a utilização foi recuperada e brotou nos textos do Banco Mundial e organizações conexas. De facto, o seu uso está registado pelo menos desde 1714 na obra de Charles Plummer, “The Governance of England: The Difference between an Absolute and a Limited Monarchy”.

Não pode deixar de se tomar como sintomático que diversos autores de língua inglesa, especialistas em ciência política, não tenham registado a palavra governance nos dicionários publicados entre 1990 e 1995, como, por exemplo: Politics, de Peter Joyce; Dictionary of politics, de David Robertson; A dictionary of political thought, de Roger Sruton; e Politics, de Iain Mclean. O que pode significar que a governance não era, então, uma designação assimilada e usada pela ciência politica. Continuar a ler

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Infraestruturas e equipamentos: já não são necessários mais investimentos?j

ze_povinho_1232042214Desde há alguns anos é frequente ouvir-se dizer que, em Portugal, estariam supridas as necessidades básicas em infraestruturas, e, por isso, não seria necessário investir mais nessas coisas do passado.

De acordo com esta “tese” difundida a partir de autoproclamados centros inteligentes, não faria muito sentido continuar a investir naquilo que classificam como área bruta do betão e alcatrão.

Segundo estas fontes, certificadas com a marca de uma excelência clarividente, deveria, quase exclusivamente, optar-se pelos domínios da inovação, da investigação e desenvolvimento tecnológico, a formação e especialização, tudo no sentido de melhorar os factores produtivos e a competitividade.

Perante isto, quem se atreveria a contestar tamanha modernidade, arriscando ser apodado de vesgo desinformado ou pato bravo oportunista, que não percebe os futuros carregados de imaterialidades!?

Porém (eppur si muove), é necessário acrescentar: que sim, os investimentos na formação, na investigação e inovação, são fundamentais e indispensáveis…mas, no cerne das necessidades reais da economia, das famílias e dos territórios ainda há muito a fazer, e a refazer, do ponto de vista material.

Aliás, desde logo se poderia perguntar, como se podem promover sectores inovadores sem infraestruturas e equipamentos que os suportem (institutos, edifícios escolares (e as pessoas lá dentro), infra-estruturas energéticas, redes de água, laboratórios, aparelhos, instalações produtivas, equipamentos, etc.,)? Não serão essas novas “infra-estruturas básicas” tão necessárias quanto as que se impunham há três ou quatro décadas atrás? E, mesmo no domínio das “velhas infra-estruturas”, estará comprovado que, de facto, está tudo, ou quase tudo, realizado?

No mínimo, para se ser rigoroso e sério, há que refletir sobre o tema, fundamentando a análise e as escolhas em dados colhidos na vida real, e em modelos de aferição que incluam os custos-benefícios socioeconómicos e não apenas as análises financeiras de tipo empresarial comum.

Alguns dos paladinos na oposição aos investimentos materiais em equipamentos e infraestruturas de interesse coletivo, pelo menos os mais esclarecidos, adoçam a pílula acrescentando que tais investimentos até podem justificar-se (podem ser uma “mais-valia”, dizem) se forem viáveis do ponto de vista económico (se forem sustentáveis, referem). Mas, quando se aprofunda o que isto quer significar, rapidamente se percebe, que se justificam aquelas infraestruturas que sejam bons negócios para os empreendedores privados. Ou seja, para o capital financeiro.

Segundo os criativos do “crescimento inteligente” as novas fábricas podem estar na “cloud”, mas, os capitalistas e banqueiros, esses , têm os pés bem assentes na terra dos negócios e da exploração. Bom, também isto já não está tão assegurado como era hábito, segundo testemunho de casos recentes!

No início da década de noventa do século XX, quando se concluiu que o designado Ciclo de Cobertura estava terminado, ensaiou-se um discurso aparentemente similar mas, na verdade, muito diferente: dizíamos então que, por exemplo, no domínio da atividade municipal, se tinha chegado a um novo patamar – a um novo paradigma – segundo o qual não bastava apenas continuar a fazer mais redes de água e esgotos, escolas, eletrificação, mercados, habitação, recuperação do urbanismo informal, cemitérios, estradas e arruamentos, já que se mostrava incontornável a necessidade de diversificar as frentes de ação, passando ao tratamento dos efluentes, ao processamentos dos resíduos sólidos (incluindo a triagem e reciclagem), aos novos espaços públicos com maior qualidade, áreas verdes equipadas, centros de dia, creches, infraestruturas para acolhimento e incubação empresarial, à dinamização das atividades económicas e empresariais, ao turismo, aos espaços de exposição e eventos, aos centros museológicos, aos equipamentos culturais e desportivos avançados, as novas redes infraestruturais de transportes coletivos, etc.,

Contudo, mesmo sabendo que aqueles novos desafios eram incontornáveis, havia consciência de que, em grande medida, as antigas prioridades continuariam a impor-se como necessidades prementes. Desde logo porque a manutenção e modernização das redes absorviam, e continuam a exigi-lo, grandes recursos financeiros.

Já então era clara a necessidade de intervir em coisas que, naquele período, eram as novíssimas frentes: a regeneração urbana e a ação social em bolsas deprimidas, passando pela intervenção em áreas criticas para o ambiente e natureza, na prevenção de catástrofes e cataclismos, a formação profissional especializada e a mudança para as sofisticadas tecnologias de informação que apareciam em cena com indisfarçável pujança.

Aquilo que não passaria pela cabeça de nenhum responsável político e económico, era esquecer o carácter de aditividade, continuidade e complementaridade que, no domínio do planeamento, programação e execução, têm as redes de infraestruturas e equipamentos coletivos de interesse público estratégico.

Pelos vistos, agora tudo isto é evitável: lendo e ouvindo os gurus da moda e os dirigentes de nos dirigem(?), basta investir no software para resolver as necessidades !

Em 2006, estavamos no período de preparação para aquilo que veio a ser o QREN 2007-2014, dizia aos jornais o então presidente da CCDRLVT que “o próximo período será a última oportunidade de Portugal receber ajudas financeiras significativas de fundos comunitários”, e, ainda, que “estando colmatadas as carências básicas em infraestruturas” é fundamental avançar para “projetos estruturantes e intermunicipais”, incidindo, sobretudo, “nos domínios da inovação, do desenvolvimento tecnológico e dos factores produtivos e da competitividade”.

Se hoje visitarmos os dados estatísticos (setembro 2014) poderemos constatar como foram enganosas as ditas palavras, porque, dos 306 milhões de euros de FEDER destinados à região Lisboa, cerca de 160 milhões de euros foram já empregues, com grande eficiência, pelos dezoito municípios da AML em jardins escola e escolas do primeiro ciclo, na regeneração de centros históricos, frentes ribeirinhas e bairros críticos, em sistemas de água, e outros investimentos materiais de diversos tipos. Poderá considerar-se, de forma séria, que foi errado fazê-lo? Ou foi mais acertado e útil cativar dezenas de milhões de euros, durante vários anos, para supostas operações de inovação e internacionalização empresarial que não chegaram a sair do papel, arriscando agora a sua perda?

Mais tarde, outros presidentes da mesma entidade, dotados de discursos aparentemente visionários, e afirmando-se combatentes tenazes a favor da desmaterialização do investimento e contra a betonização e obras públicas, continuaram na mesma senda.

Isso é particularmente notado quando se fala do próximo período de financiamento comunitário, o Portugal 2020, e se trata de prever o que podem e devem fazer os municípios!

Diz-se, em prol desta teoria, que os municípios e os autarcas em geral, além dos dirigentes da administração central que ainda não foram reciclados, estão irremediavelmente ultrapassados quando insistem em querer fazer obras físicas! Que não veem que o futuro europeu não passa por aí!

Tal como há trinta anos atrás, quando campeou o discurso acerca dos futuros brilhantes centrados no terciário, vêm, os mesmos que agora dizem querer ressuscitar a industrialização, insistir numa terciarização de novo tipo, a desmaterialização!

E, para rechear o discurso, tornando-o mais apetecível aos OCS, constroem-se narrativas popularuchas: desde o muito propalado excesso de rotundas rodoviárias, aos citados casos das piscinas que estão às moscas!

Neste tipo de campanhas nunca se apresentam provas fundamentadas em dados estatísticos. Dizem-se coisas que vão ao encontro dos apetites das massas desinformadas e dos diletantes pseudointelectuais.

Nem sequer se dão ao trabalho de refletir sobre aquilo que, por exemplo e de facto, é uma a rotunda rodoviária: a infraestrutura que melhor resolve os problemas de tráfego a custo mais baixo. Isto, sem desconsiderar a hipótese de haver, aqui ou ali, excessos ou gostos estéticos de duvidosa qualidade.

Contudo, o verdadeiro objetivo por trás da campanha contra o investimento material em infraestruturas e equipamentos de utilidade coletiva, não é o de considerar que existem outras prioridades estratégicas que melhor servirão os interesses gerais.

Aquilo que, de facto, se pretende é impedir o investimento das entidades públicas, desviando esses recursos financeiros provenientes dos contribuintes europeus, para duas frentes essenciais ao disfarce da atual crise europeia: por um lado, dinheiro para suprir as necessidades das pequenas e medias empresas, que se veem sem possibilidade de se financiarem na banca comercial, por outro, porem as entidades públicas a amortecerem os efeitos sociais da crise, injetando fundos para disfarçar o desemprego, as discriminações e a pobreza.

De facto, tanto a competitividade como a inovação são importantes para os territórios, designadamente quando nos reportamos às áreas metropolitanas. Contudo, só num referencial em que nos guiemos por valores mais altos como o da coesão socioeconómica e territorial é que eles serão sustentáveis e perenes.

Já Guell (o J.M.F., não o Eusebi de Barcelona), dizia serem de recusar os exageros da moda da competitividade económica em desfavor da sustentabilidade!

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