Geral

O Congresso Nacional das Colectividades, Associações e Clubes de 2015

Cartaz Congresso Nacional das Colectividades

Realizou-se no dia 7 de Novembro, em Lisboa, o Congresso Nacional das Colectividades, Associações e Clubes. Dinamizado pela Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto e outras organizações (*) representativas da grande família associativa, contou com a participação de centenas de associações e colectividades de todo o país.

Esta foi a terceira reunião plenária do movimento associativo popular após o 25 de Abril de 1974. Os anteriores congressos tiveram lugar nos já distantes anos de 1993, em Almada, e 2001, em Loures.

O homem não mordeu o cão

Apesar do elevado interesse deste encontro, ele quase passou despercebido junto do grande público, em resultado de uma escassa projeção mediática. Porventura por vivermos momentos de elevada efervescência política.

Mas também, e certamente, por a realidade quotidiana deste movimento associativo ser bem a demonstração inversa da velha lógica que define o conceito de notícia: “não o cão que mordeu o homem, mas o homem que mordeu o cão”.

Traduzamos!

Cerca de 30 mil coletividades, clubes e associações que por todo o país – das aldeias mais recônditas aos bairros mais populosos das grandes cidades, passando por escolas e empresas – contribuem de forma discreta e “silenciosa” para o normal e regular funcionamento da sociedade portuguesa.

O associativismo é, desde há muito, um importante factor de integração dos cidadãos, detendo um papel decisivo na coesão das comunidades locais. A quem, aliás, presta numerosos serviços: de natureza cultural, artística, desportiva, recreativa, nos campos da educação e do ensino ou da proteção civil – não é por acaso que os bombeiros voluntários e as suas associações são os principais protagonistas da proteção civil?

Milhares de coletividades prestam esses serviços de uma forma regular e quotidiana, em regra benévola e sem fins lucrativos. Como que fazendo parte da paisagem que conhecemos. Logo não são notícia!

Foi dessas entidades, das suas atividades e problemas, que se falou neste congresso. Como das gentes que lhes dão corpo, com um trabalho de formiguinha que dura há gerações, .

Um congresso de sete meses

Este Congresso começou há sete meses. Desde então materializou-se em centenas de encontros e debates um pouco por todo o país e em que participaram milhares de dirigentes e activistas associativos. Aí foram identificadas as preocupações e os temas que interessam a este grande movimento. E estudados os contributos e as propostas que a sessão final do Congresso viria a debater.

E que discutiu o Congresso?

O encontro decorreu sob o lema Associativismo Popular – uma Força Social com Visão e com Futuro.

O papel do associativismo na sociedade portuguesa está ainda longe do reconhecimento que merece – há que lhe dar visibilidade publica e institucional e valorizar o papel dos seus dirigentes, voluntários e benévolos na sua grande maioria. Incrementando a sua participação nas instâncias de consulta nos poderes públicos

A vitalidade e das potencialidades do associativismo nos planos económicos, cultural e social estão à vista, apesar de frequentemente ser menos considerado, sobretudo pelas administrações centrais. Em qualquer uma destas dimensões o movimento associativo popular ocupa importantes e insubstituiveis posições.

O congresso foi pois o momento certo para uma profunda reflexão sobre o modelo do associativismo e do seu papel na sociedade portuguesa. Refletindo a riqueza e multiplicidade de experiencias das suas mais diversas e diferentes áreas de ação.

Quatro grandes eixos orientaram o Congresso:

  • Legislação, representação institucional, poder local associativo e sociedade civil;
  • Dirigentes associativos, voluntários e benévolos, motivação, compromisso e responsabilidade;
  • Cultura, recreio e desporto;
  • Associativismo na Europa e no mundo.

Quatro capítulos que comportaram 78 sub-temas que analisaram ao detalhe os mais diversos aspetos da vida e da problemática associativa, debatidos ao longo das reuniões de preparação do Congresso.

Recomendações estratégicas

Os congressistas aprovaram o documento Manifesto Associativo 2015 Recomendações Estratégicas  – que merece a leitura dos interessado e que pode ler aqui, O documento comporta um conjunto de 49 recomendações às próprias coletividades, associações e clubes, ao poder legislativo (Assembleia da República), legislativo e executivo (Governo), autarquias, empresas e entidades promotoras do conhecimento.

(*) O Congresso Nacional das Coletividades, Associações e Clubes foi uma iniciativa dinamizada pela CPCCRD Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto em conjunto com a CPV Confederação Portuguesa do Voluntariado, CDP Confederação do Desporto de Portugal, CPCP Confederação Portuguesa das Casas do Povo, CMP Confederação Musical Portuguesa, FFP Federação do Folclore Português, FCMP Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, FPTA Federação Portuguesa de Teatro e Federação Portuguesa de Cineclubes.

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Cultura, Geral

Ser humano, ser associativo

Projetos alvaro cunhal 3

A 31 de Maio (*) assinala-se o Dia Nacional das Colectividades. No passado, como no presente, o associativismo é uma dimensão insubstituível do Homem e da vida em comunidade.

Quantos e quantos aprenderam (e aprendem) os primeiros acordes em sociedades musicais e bandas filarmónicas? Quantos puderam (e podem) praticar um desporto no seu clube de bairro? Quantos ali aprenderam (e aprendem) as mais diversas artes? Como seria possível organizar manifestações públicas como festas e marchas populares, desfiles de carnaval, cortejos etnográficos e tantas outras sem o entusiasmo das colectividades?

As colectividades têm  prestado às suas comunidades, ao longo de décadas, um trabalho de valor inestimável. São, frequentemente, porta-vozes e defensores das populações de onde emanam: dos bairros aos grupos de cidadãos com interesses específicos. Um verdadeiro poder do local.

Assentes nessa extraordinária expressão de humanismo que é o voluntariado, as colectividades ajudam hoje a minimizar o impacto de uma sociedade crescentemente monetarizada e vorazamente dedicada ao lucro. Em tempos eram mesmo a única forma de muitos acederem a bens culturais ou desportivos, perante a ausência do Estado e da iniciativa privada ou a mera impossibilidade económica de largos extractos da população. Hoje continuam a proporcionar esse acesso, com novas valências e opções. O lucro, quando o há, é devolvido à colectividade e aos seus associados sob a forma de acesso a serviços.

Estudo recente estima que cerca de 425 mil cidadãos desempenham funções como dirigentes benévolos desse movimento associativo em cerca de trinta mil associações. É muita gente. São uma verdadeira rede social, uma espantosa malha espalhada por todo o país, presente nas aldeias, nas vilas, nas cidades o em locais de trabalho .

As pessoas que militam no associativismo são, em regra, melhores pessoas. Olham para fora de si próprios e dedicam (em muitos casos a maior) parte do seu tempo livre às suas associações e, por essa via, às suas comunidades. Merecem o nosso reconhecimento.

A vida quotidiana das colectividades sofre por estes dias com “a falta de tempo dos dirigentes, o aumento dos custos de funcionamento, a baixa de receitas por dificuldades das famílias e a pressão das entidades inspectivas como a ATA (finanças), ASAE, IGAC, IPDJ, a falta de apoios públicos” como bem assinala a saudação divulgada pela Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto.

De associativismo presencial e directo evolui-se hoje para novas formas de associação e contacto virtual on-line. E de que se dão apenas os primeiros passos…

Comemorações nacionais – ver aqui. Comemorações no distrito de Setúbal – ver aqui.

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(*) A data evoca o 89.º aniversário da fundação da primeira estrutura representativa do movimento associativo das sociedades de recreio. “Em 1924, nos dias 31 de Maio, 1, 2 e 3 de Junho, realizou-se em Lisboa, na extinta Academia Recreativa de Lisboa, popularmente designada por “Academia do Socorro”, o 1.º Congresso Regional das Sociedades de Recreio, com a presença de 65 sociedades, tendo-se constituído a Federação Distrital das Sociedades Populares de Educação e Recreio que foi fundada por 47 sociedades. Aí foram aprovadas as bases estatutárias” (in Historial da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto)

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Cultura, Geral

“Liderança Comunitária” – estudar o associativismo

Liderança ComunitáriaDirigentes associativos voluntários. São muitos milhares os cidadãos que exercem funções, em regra não-remuneradas, em associações culturais, desportivas e recreativas, tendo por referência a melhoria da condição, não só dessas colectividades, como das comunidades em que se inserem.

O associativismo, uma prática que em Portugal mergulha as suas raízes no século XIX, continua a ser uma importante mais-valia social, apesar de ainda mal conhecido do ponto vista científico.

Liderança Comunitária – Estudo Colaborativo com Dirigentes Associativos”, obra que viu recentemente a luz do dia, visa abordar e desenvolver o tema do dirigismo associativo. Tendo por base o conceito de “liderança comunitária”, i.e. aqueles que “promovem a mudança social, procurando respostas inovadoras para os problemas da comunidade”. São eles que “definem uma visão partilhada com os outros membros do seu grupo e com outras organizações da comunidade”.

O pano de fundo desta obra agora saída do prelo é o das colectividades e associações de cultura, recreio e desporto. As mulheres e os homens do associativismo são, eles próprios, o objecto do seu estudo. E recorreram à Universidade para o fazer.

Em boa hora a Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto apostou na edição de um trabalho de investigação produzido por um grupo de dirigentes associativos que juntaram à sua condição o estudo e a reflexão propiciados pela Academia. O projecto nasceu com a participação de cinco dirigentes associativos na licenciatura de Desenvolvimento Comunitário do ISPA-IU, integrados num projecto que contou com o apoio das Fundações Calouste Gulbenkian e Montepio.

A obra centra-se nesse vasto universo das associações de cultura, recreio e desporto – tantas vezes verdadeiros porta-vozes das populações e interfaces junto da administração – apostando os autores num arriscado trabalho de quantificação desse universo. Arriscado por o movimento associativo ser uma realidade dinâmica e de fronteiras algo imprecisas. Aplicada a metodologia descrita, concluem os autores pela existência de 30.122 associações no espaço nacional, identificando um máximo de 3.624 associações no distrito do Porto e um mínimo de 412 na R.A. da Madeira.

Ao longo da obra são abordados os resultados da informação recolhida, discorrendo-se por numerosas categorias de análise, das dimensões individuais às comunitárias, passando-se pelas familiares.

No último capítulo (IV) os autores discutem os resultados. O que motiva os individuos a aderirem à actividade de dirigente associativo voluntário e a identificação das suas competências e experiencias de liderança.

Quanto às motivações: dos motivos básicos, “o interesse pela prática e desenvolvimento das modalidades desportivas e actividades de cultura e recreio realizadas nas colectividades”, ao “estabelecimento de novos contactos e amizades”, “às oportunidades de desenvolvimento e valorização pessoal”, “ao sentimento de responsabilidade cívica e a vontade de contribuir para a melhoria do movimento associativo e da comunidade em geral”.

Porventura no fulcro das suas preocupações, os autores identificam como traços fundamentais na caracterização dos dirigentes associativos voluntários um conjunto de competências e experiências: o “compromisso comunitário”, uma “visão sobre o futuro da comunidade”, o “envolvimento cívico e eficácia colectiva”, a “coesão social”, “o conhecimento da comunidade”, “o desenvolvimento da eficácia pessoal”, a “comunicação com outras organizações” e o “envolvimento de novos dirigentes”.

Há também espaço para a abordagem de algumas das problemáticas mais actuais que perpassam o movimento associativo: a participação de jovens e mulheres e a compatibilização com as situações familiar e profissional.

A metodologia utilizada revela a origem deste trabalho – os dirigentes associativos voluntários e os seus foruns. O trabalho de recolha de informação, uma “investigação colaborativa”, é assim auto-centrado nos dirigentes associativos, assentando num multi-método de três vias: os cinco grupos focais com a participação de 57 dirigentes associativos; as 50 entrevistas, das quais 44 validadas; e os 377 questionários recebidos, correspondentes a 17% dos enviados.

A obra não dispensa uma abundante bibliografia, bem como a menção a todas as entidades associativas que responderam ao inquérito.

“Liderança Comunitária – Estudo Colaborativo com Dirigentes Associativos” é uma obra aconselhada a todos os militantes do associativismo.

Ficha técnica

Autores – José Ornelas (coordenador), Teresa Duarte, Tiago Seixas, José Jerónimo, Artur Martins, Cátia Matos, Deolinda Nunes, Faustino Varela e Luís Costa / Título – “Liderança Comunitária – Estudo Colaborativo com Dirigentes Associativos” / Edição – CPCCRD / 1ª edição – Abril de 2013 / Concepção gráfica – Carlos Galvão / Impressão – Tipografia Lobão, Lda. / Tiragem – 1500 ex. / ISBN – 978-989-98353-0-6 / Depósito legal – 357421/13

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Cultura, Geral

Aprender o associativismo

O associativismo popular das colectividades tem sido uma das mais ricas dimensões da vida social portuguesa ao longo de muitas décadas.

Substituindo-se ao Estado (ou na qualidade de seu parceiro) no fornecimento às populações dos mais diversos serviços sociais, culturais, desportivos ou recreativos, de entre outros, o associativismo popular é um campo que reúne centenas de milhares de voluntários. Distribuídos por todo o país, nas aldeias, como nas cidades.

A atividade associativa tem regras e exige um saber e um saber-fazer próprios. As exigências e os requisitos do trabalho colectivo e as crescentes dificuldades impostas por normativos regulamentares e legais cada vez mais complexos, criam sérios problemas a todos aqueles que se dispõem a dar algum do seu tempo e da sua energia aos projectos associativos.

Maria João Santos e Sérgio Pratas são os autores do recém-lançado “Manual do Dirigente Associativo – 100 Perguntas/100 Respostas”, que se apresenta como “um instrumento de trabalho essencial para os mais de 400 mil dirigentes do movimento associativo de raiz popular”.

A obra organiza-se ao longo de 190 páginas por capítulos dedicados ao movimento associativo popular, à constituição da associação, à família associativa, ao funcionamento dos órgãos, à fiscalização externa (ou oficial) da actividade associativa, às contas da associação, ao estatuto de utilidade pública e ao estatuto de dirigente associativo voluntário bem como ainda a situações de extinção da associação.

Os autores fazem questão de caracterizar as colectividades como associações de “fim ideal”, as quais se integram no grupo mais amplo das associações sem fins lucrativos. Seguindo ainda a tipologia dos autores incluem-se nestas as “associações de fim desinteressado ou altruístico” (as associações de beneficência, as corporações de bombeiros voluntários, etc) e as “associações de fim económico, mas não lucrativo” (socorros mútuos, instituições particulares de previdência, etc)

Antecipando a explicação de numerosas questões relativas à organização e funcionamento da vida das associações, com abundantes respostas a questões práticas apoiadas em referências legais, M.J. Santos e S. Pratas propõem-nos algumas reflexões sobre o passado, o presente e o futuro do movimento associativo.

Historiando (de forma sintética) a evolução do movimento associativo popular em Portugal a partir da monarquia constitucional e as mutações operadas com o advento do Estado Social e da “governança” os autores propõem um “um novo modelo de regulação para o movimento associativo popular” que passa por um novo paradigma de articulação e parceria entre o Estado e esse movimento. O reforço da autonomia, um novo estatuto e mais transparência são as vias propostas que expendem detalhando condições.

Um Guia que certamente dará uma boa ajuda a todos aqueles que se aventuram pelas coisas do associativismo.

Ficha técnica:

Título – “Manual do Dirigente Associativo – 100 Perguntas/100 Respostas”, autores – Maria João Santos e Sérgio Pratas, Edições Rui Costa Pinto, Lda (www.rcpedicoes.com), 1ª edição Junho de 2012, Depósito Legal 344083/12, ISBN 978-989-8325-27-3. Obra patrocinada pela Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, Montepio e Fundação Calouste Gulbenkian

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Cultura, Setúbal

Santos populares, festas antigas, festas novas

Entrada na rua Francisco José Mota reproduz a centenária fonte de Palhais (Setúbal)

Entrada na rua Francisco José Mota (Setúbal) reproduz a centenária fonte de Palhais

A quadra dos santos populares, que atravessa o mês de Junho, é um dos períodos mais alegres e auspiciosos do ano. Tem início com os festejos dedicados a António de Lisboa (13 de Junho), o santo casamenteiro, e prossegue com João Baptista (dia 24), Pedro (dia 29) havendo ainda quem lhe acrescente Marçal (dia 30), o patrono dos bombeiros.

Como que num renascer assinalado pelo solstício de Verão, encerra-se um ciclo anual de vida e outro se apresta a começar. As pessoas vêm para a rua festejar, saltar a fogueira (o que é cada vez mais dificil, dadas as limitações), conviver e saborear sardinha assada. E um espírito genuinamente associativo revela-se como uma dimensão de primeira grandeza na organização das festas.

Sessenta e nove concelhos em Portugal escolheram os dias dos populares santos para celebrar os seus feriados municipais. São João é o mais popular, já que é oficialmente comemorado como feriado municipal por 39 concelhos de diversas regiões do país.

É verdade que as festas dos santos populares não têm hoje a dimensão de outras épocas. Das numerosas ruas engalanadas de outros tempos, poucas restam. Apesar de ser desigual as situações que vamos encontrando ao longo país. Eram os tempos em que se levava muitos meses a preparar a festa do ano seguinte. A cortar folhinhos de papel (que agora são de plástico) para fazer festão e decorar as ruas. A fazer pórticos para encimar as entradas das ruas. A escrever quadras. A preparar quermesses.

O tempo de festa deixou nos nossos dias de ser um tempo de excepção para passar a ser um estado permanente. A festa institucionalizou-se e profissionalizou-se. Não há mês nem semana sem festa. Se não for na nossa terra, será certamente na terra ao lado. As terras competem inclusivamente entre si para promoverem o maior número de festas, com objectivos certamente de natureza económica, mas também de afirmação e prestígio. Continuar a ler

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Cultura

É Carnaval!

Com crise ou sem ela, com mais ou menos dinheiro para a produção de adereços, o Carnaval também saiu à rua em Setúbal – pela mão de várias associações culturais do concelho. Não foi uma super-produção, não teve luxos nem grandes orçamentos, mas foram, para quem se deslocou à avenida Luisa Todi, umas horas de animação e boa disposição.

As centenas de participantes, oriundos de colectividades populares, provaram mais uma vez que é a força de querer fazer que faz a obra. À força criativa do movimento associativo do concelho se deve pois mais este momento alto do calendário de festas de Setúbal; que, de outra forma, seria muito difícil levar à prática. Sem colectividades dificilmente haveria vida sócio-cultural na comunidade. São parceiros imprescindíveis para as autarquias.

O entusiasmo e a alegria que foi possível ver nos rostos de tantas pessoas de todas as idades que desfilaram na avenida, é bem o símbolo deste momento de excepção que o Carnaval é para muitos de nós. Mais que o dinheiro, que falta… Foi, aliás, o factor financeiro que esteve na origem do adiamento das apresentações com carros alegóricos para um Carnaval de Verão, a realizar em 16 e 17 de Julho. O mau tempo registado no ano passado inviabilizou financeiramente a edição de 2010, já que, não tendo sido possível cobrar as entradas, não terá também sido ainda possível liquidar diversos compromissos assumidos. Por isso a organização não quis – e bem – arriscar este ano, propondo-se apresentar um inédito Carnaval setubalense de Verão que, creio, poderá ser um evento de sucesso. Quem se terá lembrao de fazer desfiles de Carnaval em pleno inverno?

Ao desfile carnavalesco juntou-se, na terça-feira gorda – num exemplo de boa e pragmática associação – a comemoração do Dia Internacional da Mulher, com uma manifestação chamando a atenção para o grave problema da violência doméstica. Quem diria que o Carnaval havia de servir para tal fim?

Aqui fica o registo e a homenagem  às associações sadinas que, com o apoio do Município e coordenadas pela ACOES, tornaram possível esta iniciativa: Associação de Moradores do Bairro da Anunciada, Grupo Musical e Desportivo União e Progresso, ACTAS – Academia Cultural de Teatro e Artes de Setúbal, Grupo Desportivo “O Independente” , Associação de Comerciantes do Mercado do Livramento, Clube Desportivo e Recreativo Águias de S. Gabriel, União Desportiva e Recreativa das Pontes e o Clube Recreativo Palhavã.

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Cultura, Política, Setúbal

O Círculo Cultural, as armas e a História

José Afonso, uma das referências do Círculo Cultural de Setúbal

À tristeza de um inverno cheio de más notícias veio juntar-se, em Setúbal, a surpreendente (ou talvez não) descoberta de um conjunto de armas, dez granadas e 300 munições de G-3, nas obras que o Município tem vindo a promover nas instalações do antigo Círculo Cultural de Setúbal, com vista à construção da Casa da Cultura.

O episódio vem reavivar a memória, pelo menos dos mais velhos, da época em que Setúbal foi conhecida como “a cidade vermelha” , os anos que se sucederam a Abril de 1974 e de que se pode ter um bom testemunho no documentário “Setúbal, Ville Rouge filmado por Daniel Edinger em 1975. Cidade que então se transformou num autêntico laboratório político e social. No espírito, aliás, das velhas tradições contestatárias sadinas, em épocas anteriores protagonizadas por republicanos e anarco-sindicalistas, numa primeira fase, e por reviralhalistas em geral e comunistas em particular, durante o Estado Novo.

Na Setúbal dos anos setenta, oitenta e noventa, o Círculo Cultural foi uma referência cultural… mas também política.. Um tempo de artistas e gente de cultura empenhada politicamente. Antes de Abril de 1974 cultura era muito frequentemente sinónimo de contestação ao regime. Debates, palestras, formação, música, teatro e artes eram actividades muito condicionadas ou, no mínimo, objecto de censura prévia. Actividades que transformaram a colectividade numa referência de primeira ordem na vida cultural da cidade. O Círculo teve nessas épocas um importante papel em ambas as frentes – na cultural, como na política e cívica.

Setúbal era nesses finais da década de setenta sede de importantes lutas sociais e palco de conflitos políticos. Entre esquerda e direita. Mas também entre esquerdas. Grupos políticos de extrema-esquerda (ou esquerda revolucionária, como gostavam de se designar) com siglas hoje tão divertidas, mas algo assustadoras à época, como OCMLP, CCRML, CARPML, PCP-ML – os chamados ML’s (de marxistas leninistas) – tinham, em Setúbal, activa expressão e procuravam disputar espaço político aos comunistas do PCP. Deixaram algumas marcas – caso do bairro “Grito do Povo”, na freguesia de Nª Senhora da Anunciada, em cujos primórdios estiveram militantes ligados ao grupo político do mesmo nome.

As lutas políticas que se estenderam à generalidade das organizações sociais, como os sindicatos, as comissões de trabalhadores e de moradores ou as cooperativas, estenderam-se também ao Círculo Cultural de Setúbal. E aí coexistiu gente das mais diversas sensibilidades de esquerda, embora com algum predomínio de sectores da extrema-esquerda sadina, que sempre teve forte expressão nas sucessivas direcções da colectividade. Apesar de, nas iniciativas, conviverem pessoas dos mais diversos sectores políticos e de o Círculo ser um espaço aberto.

Nos anos oitenta o país assiste à radicalização violenta de alguns sectores da extrema-esquerda. O falhanço do projecto revolucionário, ditado pelo confronto político-militar de 25 de Novembro de 1975, conduziu, poucos anos depois, ao fenómeno FP-25, Forças Populares 25 de Abril, de cuja actividade (1980-1989) resultaram diversos assassinatos, ataques com explosivos e assaltos a bancos. Uma táctica de violência partilhada (iniciada, até) por sectores radicais de direita no chamado Verão quente de 1975, para o que contaram com estratégicas cumplicidades – ainda hoje por esclarecer – nos sectores chamados moderados.

O espaço do Círculo Cultural de Setúbal terá sido, no âmbito mais geral das confrontações da época, testemunha de muitas movimentações políticas. Algumas com contornos negros, conforme nos recorda este acontecimento, testemunho de um passado de que já quase nos havíamos esquecido. O achamento destas armas não é, aliás, caso virgem. Ao longo dos anos, aqui e acolá, têm-se registado outras descobertas de lotes de armas desviadas dos depósitos militares para diversas facções políticas, factos ocorridos numa época em que esteve iminente a guerra civil. Uma matéria em que poucos (ou nenhuns) sectores do espectro político português da época estarão inocentes.

A evolução de Setúbal tem algo em comum com o destino do Círculo Cultural de Setúbal: em finais dos anos noventa a colectividade era já uma sombra do seu passado activo, acabando por fechar as portas na sequência de um conflito com o proprietário do imóvel que lhe servia de sede; durante anos o seu espólio andou em arrecadações municipais; em 2010 a Câmara Municipal adquire o imóvel com vista à criação de uma Casa da Cultura, recuperando a utilização e a memória da colectividade.

O caso do “achamento das armas” não pode obscurecer o relevante papel que o Círculo Cultural de Setúbal desempenhou na divulgação cultural e no debate cívico na cidade em determinado período da sua história. Será este achamento o “ponto final simbólico e definitivo de um período histórico que foi vivido em Setúbal com particular intensidade”, como escreve Paulo Anjos, ou estão-nos ainda reservadas outras surpresas?

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Setúbal

Prestar contas

Prestar contas. A expressão utiliza-se quando utilizamos dinheiros que não são nossos – mas que nos estão confiados – para efectuar uma qualquer tarefa de que estamos incumbidos. Vem o caso a propósito do Encontro de Dirigentes Associativos de Setúbal, promovido pelo Município sadino no passado dia 6 de Novembro.

O facto terá passado desapercebido aos media, que pecaram pela ausência, tal como parte significativa das associações, atendendo a que o universo associativo do concelho de Setúbal está estimado em 209 entidades, segundo números municipais (Guia do Associativismo, 2009). O Encontro foi dedicado ao tema “O Estado, o Movimento Associativo e Crise” e teve lugar na Escola Profissional de Setúbal. Representantes da Câmara Municipal apresentaram nesse fórum os números dos apoios concedidos durante o espaço de um ano (Agosto 2009 a Setembro de 2010). Ficaram os presentes a saber que a Câmara sadina concedeu os seguintes apoios às associações culturais, desportivas, recreativas e de inclusão social do concelho:

  • 1) Isenção de Taxas de Utilização de Equipamentos culturais e desportivos: 120.109,95 €;
  • 2) Isenções de Taxas de Licenças: 40.747,78 €;
  • 3) Apoios Financeiros: 827.831,68 €;
  • 4) Apoios Logísticos: 142.004,99 €;
  • 5) Recursos Humanos: 77.800,95 €;
  • 6) Divulgação e Promoção: 53.705,47 €;
  • 7) Despesas Correntes: 19.065,74 €.

Segundo a informação apresentada estes apoios totalizam 1.281.266,56 €.

Mais que os valores em causa, porventura escassos para um concelho com cerca de 120 mil habitantes e um importante conjunto de desafios sociais e culturais, há que valorizar a questão de fundo, a da prestação de contas. O Estado utiliza recursos que provém dos cidadãos. A prática da prestação de contas está – infelizmente e devido à nossa ainda escassa formação democrática e cívica – limitada aos debates nos órgãos dos poderes políticos. Mas esta é uma matéria que deveria interessar a todos: como é que o governo ou a câmara municipal utilizou os recursos que lhes alojámos?

Não há em Portugal uma prática estabelecida de fóruns de cidadania onde tal possa suceder. Essas prestações de contas são, em geral, pontuais e esporádicas. Saúda-se assim sempre que surgem fóruns desta natureza; é nossa obrigação fazer incidir sobre eles a atenção da comunidade. E exigir que os poderes públicos alarguem essa prática: a outros níveis da governação e a todas as áreas onde se investem os recursos dos cidadãos-contribuintes. Temos o direito de saber, já que o nosso sistema de representantes políticos se tem revelado manifestamente insuficiente.

A associativismo é uma grande área a que o Estado (central, regional e autarquias) recorre para colmatar a incapacidades orgânicas de uma sociedade que lhe está excessivamente dependente. O movimento associativo desempenha funções de extraordinária importância – na cultura e nas actividades artísticas, quantos jovens se iniciaram musicalmente em bandas de sociedades filarmónicas – ou no desporto, onde para muitos a prática desportiva começa no clube de bairro. Ou nas mais diversas áreas – apoio e solidariedade social, infância, deficiência, etc, etc, etc. Sendo uma área de grande visibilidade social – não é certamente pelo associativismo que passam os grandes investimentos, as grandes contas. E são essas que também gostaríamos de saber.

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Cultura, Geral

A SECIL e o movimento associativo – cidadania e marketing

A cimenteira SECIL consegue em Setúbal uma proeza digna de registo. Se, por um lado, é o maior contribuinte financeiro privado do movimento associativo do concelho; é, por outro, das empresas cuja actividade no Parque Natural da Arrábida maiores preocupações ambientais provoca.

A SECIL acaba de realizar uma “cerimónia de formalização de protocolos de colaboração e financiamento”, como é descrita pelo tri-semanário “O Setubalense”, no montante total de 200 mil euros e envolvendo 86 associações culturais, desportivas e de inclusão social sediadas em Setúbal. A empresa é, assim, o maior mecenas privado do associativismo sadino. Releva-se o seu empenho social e a sua preocupação de abranger um universo alargado de associações. Até porque a generalidade do tecido empresarial setubalense – ou, mais grave, das grandes empresas nacionais que actuam em Setúbal – peca pela ausência. Certamente que as colectividades estarão muito gratas à SECIL.

O processo teve início em 2003, era Carlos Sousa (CDU) Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, sendo já o histórico Pedro Queiroz Pereira dirigente máximo da empresa. Câmara e SECIL andaram durante alguns anos de braço dado no apoio ao movimento associativo. O Município, conhecedor do universo associativo, analisava as candidaturas e a SECIL tratava de passar os cheques. A cerimónia era a meias. A partir de 2007 as relações azedaram com o decisão de instalar a queima de resíduos industriais perigosos (co-incineração) nos fornos da fábrica do Outão e o consequente movimento de contestação apoiado pela Câmara de Setúbal. Movimento que segue ainda os seus trâmites nos tribunais. Os caminhos separaram-se e a cimenteira (à semelhança da Cimpor em Souselas) tornou-se o parceiro local para a co-incineração, actividade que se tornou numa lucrativa fonte de receita para a empresa.

A SECIL, aprendido o procedimento e conhecidos os players associativos de Setúbal, tratou de chamar a si a exclusividade de condução de todo o processo. Sem a participação da Câmara Municipal.

A exploração que a SECIL faz na serra da Arrábida é uma actividade ambientalmente agressiva, que está sob escrutínio e que merece a desconfiança de largos sectores da opinião pública local e nacional. Uma actividade iniciada há mais de uma século, apesar de a constituição da SECIL datar de 1930. A empresa sabe que os danos que tem causado no coberto da serra, em pleno Parque Natural – que tem procurado minimizar através de programas de reflorestação – merecem a maior censura.

A estratégia de apoiar o associativismo local, se, admitamos, obedece a uma genuína preocupação de cidadania, procura também minimizar os danos na imagem pública da empresa através de uma acção de marketing político: seduzir (e, porventura, “silenciar”) os dirigentes associativos enquanto líderes comunitários. São sabidas as dificuldades financeiras com que o movimento associativo se confronta – e, assim sendo, a ajuda da SECIL é mais que bem-vinda. Mas, atenção. Não permite esquecer a realidade que lhe está subjacente.

Associando-se à autarquia, num primeiro momento, e posteriormente substituindo-se às incapacidades dos poderes públicos no apoio financeiro ao movimento associativo, a SECIL colocou-se como um parceiro de primeiro plano. Inteligente!

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