História, património

Praça Teófilo Braga, lugar com história

2013-03-20 12.48.16Já foi o largo da Anunciada e é agora a praça Teófilo Braga – coisa dos republicanos de há cem anos. Fica em pleno Troino, o inicialmente pequeno lugarejo de pescadores que, ao longo dos séculos, viria a crescer em direcção ao núcleo de muralhas medievais da vila de Setúbal.

Estamos a escassas centenas de metros do rio Sado. Em tempos não muito longínquos os areais da praia estariam bem por perto. Agora corre, de nascente a poente, uma das mais belas avenidas de passeio público de Portugal. Leva o nome de Luísa Todi, a cantora lírica natural de Setúbal.

O largo é dominado pela majestosa presença do edifício que sucedeu à antiga igreja paroquial de Nossa Senhora da Anunciada, construída em 1368 e matriz da freguesia a partir de 1553. Destruída pelo terramoto de 1755, terá sido recuperada em 1878 por padres da Companhia de Jesus após licitação das ruínas em hasta pública, sendo então rebaptizada com o nome de “Coração de Jesus”. Para a sua dramática história ficará o incêndio e saque de bens aquando da implantação da república – à semelhança do que então aconteceu, por exemplo, nos Paços do Concelho. Até 1983 albergou o quartel dos Bombeiros Voluntários, sendo actualmente ocupada pelo Centro Social São Francisco Xavier (1994).

Investigações arqueológicas recentes revelaram um grande ossário humano no que terá sido o adro da antiga igreja, certamente resultante da prática de enterramentos nesses espaços, mas podendo incluir vítimas do terramoto de 1755.

2013-03-20 12.49.55Não menos majestosa, qual jóia de mármore rosa e branco, é o fronteiro chafariz mandado construir pelo Senado da Câmara Municipal em 1697. A obra é atribuída a Francisco da Silva Tinoco, o arquitecto régio de D. Pedro II. Originalmente localizado na Praça do Sapal, actual Praça de Bocage, em frente dos Paços do Concelho, foi desmontado e integralmente remontado, já no século XX, no local onde agora se encontra.

Em torno da praça e com excepção no lado sul, a típica quadrícula de ruas antigas e estreitas, com orientação dominante nascente-poente, aqui e ali servidas de pequenos largos.

Por estes dias fica à vista o resultado de uma intervenção de reabilitação urbana do espaço público desta zona, promovida pelo Município setubalense. Renovação do pavimento, no reforço da iluminação pública e na beneficiação das redes de águas, de drenagem de águas pluviais e de esgotos domésticos.

Vamos visitar Troino e rever o velho (agora renovado) largo da Anunciada!

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Cultura, Setúbal

Setúbal, um bom momento

Contra os maus ventos que assolam o país e os portugueses, Setúbal prepara-se para viver um bom momento enquanto comunidade. E é no domínio da Cultura e do Património que a cidade do Sado se prepara para o fazer.

A reabertura do Fórum Municipal Luisa Todi (15 de Setembro), a maior sala de espectáculos sadina, após quatro anos de atribuladas obras de profunda remodelação, o 28º FESTROIA Festival Internacional de Cinema de Setúbal (21 a 30 de Setembro) e a inauguração da nova Casa da Cultura (5 de Outubro) constituem esse momento.

Também a recuperação do Convento de Jesus, a emblemática obra de traça manuelina datada de 1490, viu aberto um concurso público para a respetiva empreitada, prevendo-se a sua conclusão até ao Verão do próximo ano. Uma obra que Setúbal aguarda há décadas

Investimentos municipais com um futuro espinhoso e certamente recheado de dificuldades, mas necessários em tempos difíceis. Para que aprofundemos a nossa dimensão de comunidade. Mas também para contrariar a espiral destrutiva com que alguns tudo pretendem destruir, desmantelar, menorizar ou mortificar.

Um desafio a todos os setubalenses e amigos de Setúbal. Aos seus habitantes, às suas  associações culturais, desportivas e recreativas, às suas empresas. A todos.

 

 

 

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Cultura, Setúbal

Os baluartes de Setúbal – regresso ao passado (VIII)

Setúbal no século XVIII.

O conjunto de fortificações construído em Setúbal após a restauração da independência nacional em 1640 foi uma obra notável a que temos aqui dedicado a nossa atenção. (sobre este tema veja-se 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.)

A fortificação seiscentista, ou o que dela resta, regressa agora à actualidade. A actualidade que lhe é conferida pelos nossos presentes governantes que, como cães por vinha vindimada, se preparam para apagar do registo dos momentos altos da História o 1º de Dezembro. Que simbolicamente evoca a Restauração e que tem nos baluartes setubalenses um dos mais significativos testemunhos do labor e da vontade dos portugueses daquela época.

Mas o objectivo deste post  é apenas o de transcrever uma informação que se considera de fundamental importância para o conhecimento da configuração das fortificações seiscentistas de Setúbal.

Com a devida vénia, transcreve-se de “Setúbal após o terramoto de 1755”, obra que reproduz informações paroquiais de 1758, recentemente reeditada pelo Centro de Estudos Bocageanos  e cuja primeira edição Rogério Claro editara no já longínquo ano de 1957.  As informações foram então subscritas pelo “Prior da freguesia de Santa Maria da Graça, matrix da villa de Setúbal” e a grafia utilizada é a da época.

Fortificação nova

O recinto, ou fortificação nova, foi feito em circuito da antiga debaixo da direcção do Principe Dom Theodosio, e amplificado de modo, que compreende da parte do Occidente todo o bairro de Troino, e da parte do Oriente o bairro de Palhaes, que estavam fora do muro antigo. Tem des baluartes, e tres meios baluartes, a saber, da parte do Sul o meio baluarte de São Domingos, o meio baluarte das Fontaínhas, o baluarte de nossa Senhora da Conceição, ou Caes velho, o baluarte de nossa Senhora do Livramento, ou Caes novo, o baluarte de São Braz: inclinando para o Occidente o baluarte de São Francisco: em rectidão para o Occidente o baluarte de Santo Amaro: da parte do Norte o baluarte de nossa Senhora da Saude, o baluarte de nossa Senhora da Annunciada, e em frente delle hum hornaveque, no qual está o convento de JESUS; o baluarte de JESUS, tambem chamado do Buraco de agoa; o baluarte do Soccorro; o balurte de Santo Antonio; o baluarte de São João. Esta fortificação está na maior parte imperfeita, e por acabar, por isso não tem portas, de que hajamos de fazer memoria. Padeceo algumas fendas, rachas, ou leves aberturas pela parte do Norte com o terramoto de 1755. Mas a sua maio ruina foi pela parte do Sul, donde a inundação impetuosa do mar no dia do terramoto a arrazou quasi totalmente: e o que se não pode sem admiração he, que o veemente impulso das agoas lançasse muitos passos para a terra pedaços, ou porções de muro de 25 palmos de comprido, 13 de fundo, e 10 de largo.

Obras exteriores

Da parte do Oriente huma obra coroada, só delimiada: da parte do Norte em pouca distancia da villa o forte da Estrella, obra, segundo parece, antiga, e também só delimiada; e o hornaveque já mensionado, onde está o Convento de JESUS: da parte do Occidente não muito distante da villa o forte de São Luis Gonzaga, ou castello velho não acabado; e hum piqueno hornaveque só delimiado de fronte da face do baluarte de Santo  Amaro em huma altura, que he padrasto  do mesmo baluarte. Mais da parte do Occidente declinando para o Sul hum quarto de legoa distante da praça em huma eminencia está o castello de São Felippe, talhado em hum rochedo com a sua plataforma pela parte de baixo. He este castello obra verdadeiramente digna de memoria. Quasi mea legoa  distante da praça para a mesma parte está o forte da Albarquel ao nivel do mar com huma só plataforma, onde se dá o signal com hum tiro de artelharia, para que os navios, que entram dem fundo, ate que sejam visitados pela Saude. Huma legoa apartada da praça também para o Occidente com inclinação para Sul está a torre de Outão na entrada da barra: cifra-se em varias batarias acrescentadas á torre em diversos tempos. Padeceo bastantemente no terramoto de 1755, e ainda não está reparada, antes em perigo de se precipitar totalmente (…)”

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Cultura, Setúbal

Convento de Jesus, Marca do Património Europeu

A inclusão do Convento de Jesus, em Setúbal, na lista inicial das Marcas do Património Europeu, corresponde ao reconhecimento internacional do mais importante monumento nacional de Setúbal e de um dos mais relevantes exemplares da arquitectura manuelina a sul do Tejo.

O objectivo destas Marcas, promovidas no âmbito do Conselho da Europa e da União Europeia, é “dar visibilidade aos sítios que celebram e simbolizam a integração, os ideais e a história da Europa”. Recorde-se que Setúbal foi testemunha da ratificação do Tratado de Tordesilhas, por D. João II (em cujo reinado foi fundado o convento), em 5 de Setembro de 1494. Facto, aliás, evocado em 1994, aquando das comemorações do quinto centenário do tratado e que aqui trouxeram o monarca espanhol.

A bela obra manuelina acolhe também o (actualmente encerrado) Museu de Setúbal, depositário de importantes colecções de pintura, sobretudo a do século XVI, escultura sacra, ourivesaria, azulejaria e outras artes decorativas, bem como ainda arte contemporânea.

Convento e Museu que têm sido motivo de orgulho e preocupação para setubalenses e todos os amantes do património. É que tem sido infindável o anda-e-pára da sua recuperação. Apesar dos avanços registados nos últimos tempos, o processo arrasta-se há mais de vinte anos e, quer o monumento, quer o museu (este só o pode ser com aquele), tardam em reabrir as suas portas ao público. O facto de o Convento de Jesus ser agora uma Marca do Património Europeu vem colocar maior pressão na resolução do problema.

Desde há muito que Setúbal debate e procura soluções para valorizar o Convento de Jesus e os espaços envolventes. Até princípios do século XX, o conjunto conventual estava praticamente fora da cidade. O acelerado crescimento urbano da cidade rapidamente o envolveu, deixando-o no meio de um conjunto de problemas de enquadramento urbano. Foram-se também acentuando os problemas decorrentes das inclemências climatéricas sobre tão centenária edificação. Apesar das muitas dificuldades, alguns passos foram dados, sempre lentamente.

O conjunto monumental do Convento de Jesus requer a existência de um Museu para compreensão de todos quantos o visitam. É esse o moderno tratamento dedicado a obras de notável valor – e temos bons exemplos em Portugal, caso da recente (mas também prolongada) obra de recuperação do convento de Santa Clara-a-Velha (Coimbra). Continuar a ler

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Setúbal

Recordar os baluartes de Setúbal (VII) – São João

Baluarte de São João - visto da rua Formosa

Apesar de não ser uma da ruína, a situação actual do baluarte de São João não dá testemunho do que terá sido a sua imponência original.

Localizado no lado nascente de Setúbal, ao baluarte seiscentista de São João foram reservados ao longo dos anos todos os tipos de tratamento: demolido nuns troços, noutros incorporando construções, invadido pela vegetação aqui e acolá, esventrado… Apesar de tudo ele lá está!

Não é fácil apercebermo-nos da sua localização actual. Situado na linha imaginária que se prolonga do baluarte de Santo António para nascente – e que acompanha a respectiva elevação de cota – o baluarte de São João assegurava com São Domingos, a defesa da urbe setubalense na lado nascente. Mantêm-se panos de muralha convergindo em cunha virada a leste: a rua Formosa confronta a muralha nascente, a rua dos Comediantes a poente e a avenida Jaime Cortesão a sul; junto à muralha virada a norte funciona um parque de viaturas da PSP, noutros troços há outras construções.

Apesar de demasiado absorvido pela cidade, o baluarte de São João poderá vir a ser um testemunho do passado seiscentista de Setúbal.

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Cultura

A propósito das Jornadas Europeias de Património

Recuperação do Convento de Santa Clara a Velha (Coimbra). Um trabalho de fôlego.

Devemo-nos, enquanto cidadãos, preocupar com o nosso património cultural – refiro-me aos edifícios, muitas vezes já classificados como monumentos, erigidos noutras épocas pelos nossos antepassados? Devemos estar disponíveis para aceitar que o dinheiro dos nossos impostos seja também canalizado para recuperar aquilo que são, muitas vezes, pouco menos que “montes de pedras”? Ou haverá outras coisas mais importantes? Um país pobre (digamos remediado, como nós) não tem direito à ambição de poder olhar para seu passado e disso mostrar testemunho?

Quando olhamos para trás e nos faltam esses testemunhos é quase como se não tivéssemos existido. Somos, no mínimo, mais pobres. E, no nosso caso, Portugal tem uma longa história de quase mil anos de que se pode justamente orgulhar. Com muitos testemunhos. Mas com muitos testemunhos danificados ou mal tratados.

A consciência da valia e importância do património cultural edificado é relativamente recente. Basta constatar que a Convenção sobre a Protecção do Património Cultural e Natural, foi adoptada pela Conferência Geral da UNESCO apenas em em 1972, i.e., há escassos 38 anos. E o reconhecimento do público estará a dar, não os primeiros passos, mas talvez os segundos. Já apreciamos visitar edifícios históricos devidamente tratados e musealizados ou interpretados. E até já quase todos sabemos que esses edifícios (castelos, convento, igrejas, centros históricos locais arqueológicos) podem ser factores de atracção de público – o que é fundamental para a sobrevivência e êxito de qualquer cidade, mormente em tempos difíceis de crise.

Muitas cidades já perceberam a importância de ter “património mundial”, “património nacional” ou de, tão só, terem o seu património cuidado, valorizado e promovido – ganhamos culturalmente e ganhamos economicamente.  O património cultural edificado é o que de verdadeiramente distintivo cada cidade tem. E o mundo globalizado em que vivemos valoriza a distinção.

O investimento nesta área – a recuperação e valorização do património – deve ser considerado estratégico como o é para outras. E o poderes públicos devem agir e conformidade.

Vem estas reflexões a propósito das Jornadas Europeias do Património que decorreram nos dias 25 26 e 27 de Setembro e que visaram “sensibilizar a população para a importância da protecção e da valorização do Património”.

À tremenda e longa luta que tem sido, em Setúbal, a recuperação do Convento de Jesus, teremos que acrescentar os esquecidos baluartes seiscentistas, que persistem em resistir e de cuja situação já aqui se deu nota (1), (2), (3) e (4).

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Setúbal

Arrábida: entre o camartelo e o património mundial

A paródia mediática que rodeou a demolição de duas casas ilegais na área do Parque Natural da Arrábida (PNA) vem recordar-nos a ineficácia do Estado e da sociedade portuguesa em lidar com a chamada paisagem protegida. E vem fazer incidir as atenções sobre uma área que, sendo candidata a património mundial, é atravessada por tantas e tão complexas contradições.

Dizem-nos que as habitações têm cerca de 30 anos de construídas. Pergunta: Como se leva tantos anos para demolir o que é ilegal? Outra pergunta: São iguais os casos de primeira habitação e apoio a actividades agrícolas – que parece ser o caso de Florentino Duarte – com outros de 2ª ou terceira residência? E ainda mais outra pergunta, óbvia:  São só estes os casos ilegais? Serão 48, segundo avança a edição de hoje do JN.

Mas há uma pergunta mais incómoda. Como é que numa área de paisagem protegida – onde as limitações e os constrangimentos à construção são conhecidos – continuam a laborar unidades industriais (cimenteira SECIL e pedreiras) que têm demolido sistematicamente a serra ao longo de décadas de exploração intensiva, a ponto de provocar consideráveis alterações na própria morfologia dos terrenos e nos cobertos vegetais? E onde, para cúmulo, foi ainda instalado um muito contestado sistema de co-incineração de resíduos industriais perigosos?

A criação do Parque Natural da Arrábida (a sua legislação data de 1976), visando “proteger os valores geológicos, florísticos, faunísticos e paisagísticos locais bem como testemunhos materiais de ordem cultural e histórica” foi o reconhecimento da Arrábida como um valor inestimável que carecia de protecção e planeamento. Mas, passados mais de trinta anos, o balanço não parece ser o melhor. Parte dos problemas dever-se-á à apetência urbanística do seu território e à sua proximidade à Grande Lisboa.

Repare-se em alguns dos constrangimentos e contradições:

1. A desproporção entre as limitações extraordinárias à utilização do espaço por parte dos seus habitantes, e o impacto esmagador da actividade de industrias ambientalmente agressivas que há muito deviam ter sido banidas ou, no mínimo, drasticamente limitadas. Recordemos que, em 2007, a cimenteira SECIL foi autorizada a aumentar a sua cota de exploração de pedreiras em profundidade ”de 120 para 60 metros na pedreira de calcário e de 100 para 40 metros na pedreira de marga”, conforme então informou o Ministério do Ambiente, assim viabilizando a permanência da empresa na serra por umas quantas décadas. A atitude séria seria definir um prazo razoável para a desactivação da exploração.

2. A ineficácia da repressão sobre os factos consumados ao nível do edificado – justificada pelo arrastamento dos casos ao longo de anos na Justiça ou até, por razão mais comezinhas, como terá sido a inexistência de verbas no orçamento do ICNB para demolições (razão adiantada à TV por T.Rosa, Presidente daquele organismo).

3. Há muitos anos que paira um mau estar sobre as condições para construção na área do Parque. Seria útil e ajudaria à boa imagem do parque que se soubesse quantos casos de infracção existem e qual o respectivo ponto da situação. O conhecimento pelo público e a eficácia das demolições teria certamente uma dimensão pedagógica. Até para que não fique instalada a ideia de que apenas ricos poderosos conseguem construir “legalmente”.

4. E a adiada viabilidade turística do Parque? Apesar de todo seu valor intrínseco (praias, paisagem, ambiente natural), a Arrábida está longe de ter uma valência turística forte; faltam infra-estruturas de apoio.

5. Com um pano de fundo de tantas contradições, a Associação de Municípios da Região de Setúbal anunciou recentemente a candidatura da Arrábida a património mundial. Uma candidatura baseada no seu importante património natural e imaterial. Um bom desafio onde não vai ser possível esconder à UNESCO as “nódoas” que caíram no nosso “melhor pano”.

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Cultura, Setúbal

Oleiros na cidade?

A cidade cresce, cresce, e, na sua ânsia de crescer, tende a expulsar as suas actividades mais antigas. Foi isso que quase aconteceu com velha “Olaria Nova”, da família Mateus, ali para as bandas dos Quatro Caminhos – com acesso a partir do nº 34 da Rua António José Baptista, antiga entrada em Setúbal.

Durante décadas a “Olaria Nova” trabalhou num local quase sem vizinhança, exceptuando-se as construções térreas junto àquela rua. Até aos anos noventa ali trabalharam sem grandes constrangimentos, produzindo belíssimas peças de artesanato, objectos de utilidade doméstica e, em maior escala, alcatruzes (artefactos destinados à captura de polvos *) vendidos para vários pontos do país.

Com o casarão da olaria sempre aberto a todos os que o procuram, aí tem sido possível ver a trabalhar os artistas das várias gerações da família Mateus – dirigida pelo patriarca Francisco – oleiros setubalenses de toda a vida que continuam a mostrar esta tão nobre, quanto antiga arte.

Em tempos ali se coziam as peças de barro num forno alimentado a lenha. Tudo num espaço comum. A pouco e pouco – mas rapidamente, se considerarmos o tempo histórico – a “Olaria Nova” viu-se no meio de um casario de habitação com vários pisos. Assim que as casas começaram a ser habitadas, começaram os problemas. Em pouco tempo a olaria deixou de poder utilizar o seu forno devido ao fumo que produzia, aliás, desde sempre. Foram até ameaçados por alguns dos recém-chegados e tiveram que abandonar o seu velho método de cozedura.

Hoje, com a mesma paciência de quem molda o barro, os oleiros lá vão resistindo à invasão urbana. Um dos membros jovens da família, Joaquim Mateus, fez as malas e montou uma nova olaria (OLACER) em Lagameças (Poceirão, Palmela), perpetuando a tradição familiar e levando consigo o exímio oleiro Manuel Ferreira. Aqueles que gostam de feiras e mostras regionais encontram-nos com frequência. E nas instalações dos Quatro Caminhos continua a ser possível ver olaria feita à beira Sado, por artistas setubalenses, mas já sem o seu velho forno a lenha…

A velha “Olaria Nova” é pois um pequeno tesouro que persiste e que merece uma visita. Um pequeno monumento mantido pelo amor a este trabalho no meio de uma cidade que, insensível, quase o queria expulsar.

* O alcatruz é uma armadilha de abrigo, com o formato de um pequeno pote de barro … A arte dos alcatruzes não causa danos a outras espécies e no caso de se perder ou partir não mata as espécies piscícolas, nem causa impacte ambiental negativo, por ser fabricado em argila. Um alcatruz esquecido ou abandonado transforma-se em abrigo para a fauna marinha, sem mais consequências. Carlos Dias. Público 24.07.2009

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Cultura, Geral

Recordar os baluartes de Setúbal (IV) – Saúde

Troço no sítio da Boa Morte, avenida General Daniel de Sousa

O baluarte da Saúde foi uma das edificações da estrutura defensiva construída em Setúbal na sequência da Restauração de 1640 – e que já aqui abordámos em (1), (2), (3). Dada a sua localização junto a uma das entradas mais bonitas da cidade, o eixo EN10/avenida General Daniel de Sousa, junto a Troino, é difícil não nos apercebermos dela, tal o impacto visual que mantém.

Para conhecer o que resta do baluarte da Saúde, experimente começar no sítio da Boa Morte, à avenida General Daniel de Sousa, subindo pela rua Heliodoro Salgado, virando à esquerda para a rua António José Marques e descendo pela rua José Adelino dos Santos; no final apanhe a travessa da Bela Vista e terá feito o circuito completo do baluarte da Saúde.

Na ampla área definida pelo traçado das antigas muralhas, situam-se ainda outras construções dignas de nota: a Igreja de Nossa Senhora da Saúde, que acolhe as Missionárias da Caridade (Irmãs de Calcutá) e o palácio Botelho Moniz, o qual parece também estar em estado de abandono.

O muito que se mantém deste baluarte – panos de muralha com considerável dimensão – é o suficiente para que seja ainda um notável conjunto. A construção de casas e anexos junto à muralha e o excesso de vegetação retiram-lhe alguma da imponência transmitida pela mole de pedra de que é constituída. No próprio troço que dá para a avenida General Daniel de Sousa, no sítio da Boa Morte, existe uma construção abandonada há muitos anos e que funciona como um mau cartão-de-visita (vide imagem) para quem entra na zona central da cidade, situação a corrigir.

O baluarte de Saúde é mais uma pequena-grande jóia da arquitectura militar de Setúbal . Esquecida. Também aqui pode ser estabelecido um percurso de visita ao local e melhorado o espaço envolvente. Disponibilizar informação explicativa sobre a edificação e sinalização de orientação seria também útil, quer à população, quer a visitantes.

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Setúbal

Recordar os baluartes de Setúbal (III) Santo António

O baluarte de Santo António situa-se em zona próxima do centro histórico de Setúbal, numa área delimitada, a poente pela avenida da Manuel Maria Portela, a nascente pela avenida Bento Gonçalves e a sul pela zona de confluência (Quebedo) entre as avenidas 5 de Outubro e Jaime Cortesão.

Este baluarte, que se integrava na estrutura defensiva seiscentista que já aqui abordámos (1) (2), é um dos exemplos gritantes do esquecimento a que votámos o nosso património. Está degradado e quase por completo engolido pelas construções de grande porte existentes no lado nascente. Esventrado nas partes em que a muralha foi demolida, salva-se, embora de forma pouco perceptível, a parte virada à avenida da Manuel Maria Portela, junto à linha férrea. Mas, mesmo neste lado, parte das construções existentes (de menor altura) apoiaram-se na muralha, dada a sua escassa cota. Na travessa de Mirante pode ainda observar-se um troço com considerável extensão e altura que se mantém integro.

O baluarte de Santo António merece: 1) Que se consolide e recupere a muralha no que seja possível, 2) A definição de um percurso de visita ao local, 3) A melhoria do espaço público envolvente, 4) Sinalização do acesso a partir das principais artérias circundantes e 5) Dotar o conjunto de informação explicativa.

Temos aqui a possibilidade de oferecer à cidade e aos que a visitam mais um ponto de interesse histórico-arquitectónico.

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Geral

Recordar os baluartes de Setúbal (II) – São Luís Gonzaga

Vista aérea

Forte São Luís Gonzaga

Já foi uma imponente fortificação militar. Já foi local que testemunhou a existência de um dos mais míseros bairros de lata da Setúbal. E hoje, para aqueles que o “descobrem”, é um exemplo de património edificado mal cuidado e escondido num local admirável. Refiro-me ao forte de São Luis Gonzaga, mais conhecido por muitos setubalenses por Castelo ou Forte Velho.

Esta velha edificação militar data do século XVII, quando o país cuidava da sua defesa na sequência da Restauração de 1640, tendo sido concebida pelo arquitecto militar Luís Serrão Pimentel. Localiza-se num outeiro em plena freguesia de Nª Senhora da Anunciada, perto do bairro Grito Povo, entre as zonas do Viso e Reboreda. É ainda senhora de admiráveis vistas sobre o estuário do Sado e cidade de Setúbal.

É hoje possível visitar o forte de forma “selvagem” e sem qualquer orientação. Não há informação ou sinalização e os trilhos são rudimentares. Para aceder ao seu interior há que ter algum espírito de aventura. Há muita vegetação por todo o lado, mas partes significativas dos panos de muralha teimam em resistir a intempéries e esquecimento. Infelizmente vêm-se também partes desmoronadas.

É chegado o tempo de dignificar e valorizar o “castelo velho”, ultrapassados que estão os tempos que o associavam à zona degradada que por ali cresceu e cujo fim se deve à tenacidade dos movimentos de moradores do post-25 de Abril (“Casas Sim, Barracas Não”). O forte de São Luis Gonzaga é mais um exemplo de património que precisa da atenção da opinião pública setubalense, das autarquias e das associações de defesa do património. Pode e deve ocupar um lugar de eleição no património sadino, ser conhecido e visitado pela população. Mas que precisa de intervenção urgente antes que se degrade por completo.

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