O mundo dos negócios anda em polvorosa. O Estado português usou a golden share para não permitir à Telefónica comprar a Vivo brasileira que detém em parceria com a PT. Todo o mundo se indigna. Dos accionistas portugueses, Ongoing e BES, este que há uns meses atrás quase jurava não vender o seu lote de acções, adquiridos a bom preço quando da privatização da PT (as histórias das relações Ricardo Salgado/BES/Estado são um romance de maus costumes), aos espanhóis evidentemente, à Comissão Europeia defensora do mais desbragado neo-liberalismo, aos jornalistas e comentadores, quase todos eles lobotomizados pelo capitalismo para-selvagem. Uivam que as golden share desvirtuam o livre jogo do mercado. Como se isso existisse e como se as leis do mercado não fossem a transposição para a legalidade da mais infame ilegalidade que faz da actividade económica não uma actividade para a satisfação das necessidades das pessoas, mas uma fonte de lucro a qualquer preço, mesmo que esse preço seja contra os mais elementares direitos humanos.
Esquecem que as golden share existem por acordo com os accionistas privados, no quadro das privatizações de empresas estratégicas para os Estados e que, praticamente todos os Estados europeus da UE têm golden share em diversas empresas. A Comissão Europeia é que, ao serviço do capital internacional e contra os estados que a integram, faz guerra aberta às golden share, usando o Tribunal de Justiça europeu e sabendo muito bem que a justiça não é cega. É um instrumento ao serviço do poder dominante. As leis do mercado, quando correm a favor de um lado, são dacronianamente usadas. Quando corre mal, são a peneira de malha mais aberta. Veja-se quando os Estados atiraram milhões de milhões de euros para a banca privada à beira da falência. Nessa altura, as leis do mercado foram atiradas para o lixo, para a seguir as recuperarem rapidamente.
Por ironia, o Estado espanhol tem várias golden share, entre elas, uma na Telefónica
Não deixa de ser sintomático que nenhuma dessa gente tivesse levantado a voz quando a Telefónica fez uma primeira oferta de cinco milhões de euros sem aceitar que a PT, por esse preço, comprasse a posição da Telefónica na Vivo. A PT recusou, foram subindo as paradas, engrossando voz, ameaçando com isto e mais aquilo, dando facadas a torto e a direito. Agora, com o furor das virgens ofendidas, a Telefónica brama contra a golden shares ocultando a sua nas pregas da virgindade perdida! Não há paciência! Extraordinário é o desenrolar das cenas dessa comédia típica dos nossos tempos. Quando o governo português avisa que considera a PT uma empresa estratégica para Portugal, ninguém lhe deu ouvidos porque não acreditavam que usasse a golden share. Tinham mais que razões para isso, há mais de trinta anos que fazem gato-sapato dos governos, porque é que agora seria diferente.
Ninguém se recorda, ou quer recordar que, se a PT comprou por um balúrdio a Telesp Celular foi porque o governo, com o nosso dinheiro não com o dinheiro dos salgados, vasconcelos & companhia, apoiou a PT, garantiu capacidade à PT para enterrar milhões até conseguir que a Vivo seja um negócio de todas as cobiças.
Não queriam que usasse a golden share? Era o mínimo dos mínimos que lhe era exigido. Se o BES e a Ongoing votassem contra a oferta da Telefónica o recurso à golden share teria sido desnecessário. Não se pode é confiar em quem vende a alma ao diabo por um punhado de euros, os mesmos que se enroscam no colo do Estado quando as coisas dão para o torto, mas já estão prontos para cuspir na gamela quando o primeiro som do esfregar das notas começa a riscar arco-íris de lucros fáceis. Deve-se sempre lembrar que o dinheiro é apátrida e um bom capitalista, quando vai ser enforcado, a sua última acção é tentar vender a corda que o vai tramar. Que outra coisa se poderia esperar daquela gente?
Última curiosidade. Se o governo português já tinha dito, por diversas vezes, que não concordava com o negócio, porque é que a PT gastou, não se sabe quanto, mas devem ter sido muitas centenas de milhares, em acções de sedução dos accionistas, é assim que o marketing nomeia aquela roda-viva de viagens encontros, reuniões, copos, canapés e papelada aveludada, para não cederem aos cantos de sereia da Telefónica. Um circo muito engraçado, mas muito caro e, pelos vistos, condenado a se desmontado por uma simples golden share!
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