Os prémios têm a particularidade de fazer justiça, cometendo injustiças. Vargas Llosa, foi este ano distinguido com o prémio de maior notoriedade mundial, o Prémio Nobel da Literatura.
Justíssima decisão que tardava e que deixa de fora uma plêiade de escritores que mereceriam igualmente receber o Prémio. Quer dizer, o justiçado do ano de 2010 foi durante anos injustiçado e sendo-lhe atribuído o prémio foram vários os escritores injustiçados. Alguns deles, como muito outros antes deles, morrerão sem serem contemplados ficando sempre sentados no átrio dos pretendentes. É esse, será sempre esse, o pecado original dos prémios. Há que sublinhar que o laureado de 2010 é indiscutível, o que nem sempre acontece.
Vargas Llosa é um escritor que, quando publicou o seu primeiro livro, logo se distinguiu de uma corrente que era dominante nas Américas Latinas, o realismo mágico que, de Alejo Carpentier a Jorge Luís Borges deslumbrava meio mundo, apesar e contra as enormes distâncias e diferenças entre eles.
Os três primeiros livros que foram editados em Portugal, Conversa na Catedral, Pantaleão e as Visitadoras, A Cidade e os Cães, revelavam um realismo puro e duro moldado numa escrita poderosa. Apesar de ir contra corrente, por cá a hostilidade a toda e qualquer literatura que se aparentasse mal ou bem com o neo-realismo estava na ordem do dia, Vargas Llosa impôs-se rapidamente vendo os seus livros, depois de publicados na língua original, serem quase imediatamente editados por cá. Há que abrir um parêntese para sublinhar a importância da clarividência dos editores, no caso de Nelson de Matos, com longa trajectória na edição.
Nem todos os livros de Vargas Llosa figurarão na gigantesca mesa-de-cabeceira que habita as nossas cabeças, mas livros como a já referida Conversa na Catedral, A Guerra do Fim do Mundo, A Tia Júlia e o Escrevedor, A Festa do Chibo, devem aí ter lugar de destaque.
Politicamente Mário Vargas Llosa, que tão feroz e nuamente descreve as ditaduras de direita nas Américas, começou a flutuar por um esquerdismo que desembocou num liberalismo normalizado que o atira para a defesa de intervenções e posições políticas de direita que são repetidamente desmentidas e vituperadas nas tramas dos seus romances. Mistérios da mente humana que seriam menos misteriosos se a sua inegável e rara qualidade de escrita plasmasse a ideologia que resguarda, o que não colocaria em causa a sua notável obra literária.
Mário Vargas Llosa não é um desconhecido dos leitores portugueses. O Prémio Nobel é um incentivo para que o continuem a ler, deslumbrando-se com a sua escrita, com o enredo romanesco. Em nossa opinião, podem dispensar, com vantagem, ensaios, escritos políticos e coisas aparentadas, ganhando tempo para ler os seus romances.
ADENDA: em Maio de 2007, no Guia de Eventos de Setúbal, uma nota de leitura sobre o livro de Vargas Llosa, Travessuras da Menina Má
QUAL O VERDADEIRO ROSTO DO AMOR? (*)
Um livro de sucessivos encontros/desencontros entre um jovem peruano, Ricardo, que consegue rapidamente alcançar o que sempre quis, viver em Paris, não sem antes se ter apaixonado por uma jovem, supostamente chilena, que lhe entra pela vida como um cometa, deixando um lastro de luz que nem as suas súbitas e constantes desaparições apaga.
A vida de Ricardo fica como que suspensa dos encontros que tem por acaso ou que provoca com a Menina Má nos palcos em que ela está a representar as personagens, as aventuras que corporizam as suas ambições. Instala-se o amor como uma doença em Ricardo. Nada o cura. Nem o pragmatismo cruel da Menina Má fugindo para ir viver algures uma nova sorte. Nem mesmo as mentiras que logo despistam frágeis confianças a despontar. A Menina Má sabe que ele também sabe que estará sempre pronto para a receber com uma enternecedora “piroseira” amorosa.
Um amor de rostos múltiplos, da comédia à tragédia, que escapa a qualquer definição, é contado com maestria por Vargas Llosa que, como sempre, mergulha na realidade para ficcionar uma história na margem da perfeição.
(*) Antetítulo do livro
TRAVESSURAS DA MENINA MÁ / Mário Vargas Llosa

Editora: Dom Quixote / Tradução: J.Teixeira de Aguilar
Revisão do Texto: João Pedro George
Capa: Atelier Henrique Cayatte
376 páginas
1ª edição portuguesa: Setembro 2006
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