Irão certamente ler-me depois das saídas e já com as entradas em 2014 feitas sem grandes risos ou risos forçados, um tanto ou quanto à faire lesemblant, este ano ainda de forma mais enevoada e pesada. Até a natureza nos acompanha neste despedir e saudar com as voltas trocadas.
Contudo, aqui deixo algumas palavras na crença imodesta de que serão lidas (amanhã ou depois, que importa?).
Não vou repetir os números com que procuram enganar-nos para nos remeter a uma passividade que desejam. Eles são conhecidos como o são os reais, os verdadeiros números sobre os aspectos fundamentais da crise que nos obrigam a pagar e sofrer os que continuam a ter lucros e estão cada vez mais ricos e a quem a crise beneficia, sabendo eles de inicio que assim seria.
Naomi Klein descreveu bem o que se passou e passa para que eles possam aproveitar a oportunidade de implementar os objectivos previstos e estudados pela nova forma que assume o capitalismo mundial. Nesses objectivos não estão só incluídos os económicos, mas também os políticos e os ideológicos que a Dama de Ferro sintetizou nas expressões «mudar a alma e não há alternativa».
Por trás dos números estão seres humanos, seres humanos iguais a todos os outros que estão a ser despojados de tudo aquilo que hoje implica a Humanidade.
A pobreza, a fome, o desemprego, a falta de habitação, de condições mínimas de conforto, de atendimento próximo, equitativo e célere na doença, a perda progressiva de saúde devida às más ou deficientes condições de alimentação, de habitação, de falta de transportes, a não fruição do lazer e da cultura, a insegurança, o medo de um futuro cada vez mais sombrio atingem pessoas, seres humanos e não números.
Percebemos que os economistas acríticos, formatados todos por universidades ao serviço do capital, usem os números e os atirem para cima de nós lá do alto dos média que lhes dão cobertura total e repetida, mas não podemos deixar-nos levar por essas teorias pretensamente cientificas com que nos querem convencer da inevitabilidade das medidas, ditas de austeridade, e da ausência de alternativas que estão a legitimar a destruição das responsabilidades sociais do estado, o empobrecimento individual e do país, os baixos salários, a precariedade, as tentativas, cada vez mais visíveis, do uso do trabalho voluntário, vendo neste uma forma altruísta de se estar na crise. Altruísmo a favor de quem? Os bolsos dos multimilionários vão-se enchendo e até mesmo a caridadezinha lhes está a trazer lucros.
Hoje, somos todos precários, todos números precários de uma economia cujo fim único é dar dinheiro a um punhado de gente e nada mais é importante. Nem pessoas, nem ambiente, nem ética! E muitas das universidades legitimaram este modelo de forma acrítica que é urgente denunciar e criticar.
O ano de 2013 foi um ano muito mau para a imensa maioria do povo português, mas teve aspectos que são motivo de alegria e de esperança: as lutas que foram tantas e tão grandes. Lutas organizadas de amplos sectores que, cada vez mais unidos, irão continuar a lutar no ano que agora começa. Lutas ainda maiores, com mais pessoas determinadas, conscientes das suas capacidades para mudar e impôr a queda deste governo (governo com tantas remodelações que mais parece um carrocel desnorteado onde há uns quantos, todos independentes, se enjoam e pedem para sair não suportando o cheiro nauseabundo?) e da realização de eleições antecipadas.
É vulgar falar-se de Esperança na entrada de um novo ano. A Esperança é uma atitude cognitivo-emocional e um comportamento. Se assim decidirmos, ela surge e leva-nos a agir.E geramos um sentimento. Há um ditado árabe, creio, que diz mais ou menos isto: «A esperança não é colocar um novelo de lã dentro duma gaiola e esperar que nasçam pássaros.»
Abril e a Democracia esperam por todos nós. A nossa esperança reside também na nossa luta.