Setúbal

Somos pobres e pequenos ou não?

Nem pequenos, nem pobres; nem ricos, nem grandes. Será esta a melhor resposta para a pergunta do título.

Vem isto a propósito de, nestes tempos de pré-campanha eleitoral, a principal estratégia de quem disputa o poder camarário parecer ser a do menosprezo por Setúbal, ou, dito de outra forma, o apoucamento do que é a cidade e o concelho.

A estratégia narrativa é clara e básica: Setúbal precisa de ser mesmo a grande cidade que é, porque não é uma pequena cidade, dizem uns; outros, recuperando uma velha ideia, querem que Setúbal volte a ser o terceiro concelho do país, seja lá o que for que isso significa. Dizia-se, era eu miúdo, que éramos a terceira cidade do país, depois de Porto e Lisboa, ainda que a afirmação não estivesse minimamente ancorada em quaisquer dados estatísticos ou sociais. Hoje fala-se em terceiro concelho do país porque, naturalmente, ficaria mal falar só em “cidade”, pois as populações de Azeitão e das Praias do Sado não haveriam de gostar de ser excluídas.

Outros dizem ainda que precisamos de mais investimento industrial, que há muito desemprego, que temos os mais baixos salários do país.

Tudo se diz nestes tempos de campanha eleitoral e de comunicação instantânea nas redes sociais e em que as opiniões valem todas o mesmo (já sei que esta última vai ser mal interpretada…)

São tempos de campanha eleitoral e tudo parece valer. O problema é que o rigor dessas afirmações não resiste minimamente quando confrontadas com dados estatísticos oficiais.

De acordo com o Pordata (dados de 2018), por exemplo, o ganho médio mensal no concelho de Setúbal é superior em 14 euros à média nacional (Setúbal – 1181; Nacional – 1167). No Montijo, o ganho médio mensal é claramente inferior à média nacional, situando-se nos 1009 euros; o poder de compra per capita em Setúbal é também superior à média nacional (dados 2017), sendo de 107,5. O mesmo indicador é bastante inferior no Montijo, onde, no mesmo ano, se situou nos 99,2, ou seja, abaixo da média nacional (100).

Se faço comparações com o Montijo é porque já houve por aí um candidato a presidente da Câmara que as fez antes. Nem sequer é por ser um município governado pelo PS. Podia ser, mas não é…

No desemprego, sempre apregoado como uma das maleitas setubalenses (já o foi, de facto), vale a pena olhar para as estatísticas mensais concelhias do IEFP. O que se verifica é que, depois da subida dos números em 2020, se assiste já a uma clara retoma do emprego no concelho. Se tomarmos como referência o mês de maio, o último em 2021 em que já existem números disponíveis, constataremos que o número de desempregados no concelho era de 4910. No ano anterior, em 2020, em plena pandemia, esse número era de 5600 e em 2019 era de apenas 3209.

Setúbal é, aliás, um dos concelhos da península onde a redução do desemprego de 2020 para 2021 é mais rápida e acentuada.

Poderá haver muitas leituras para estes números, mas o que parece claro é que o concelho está a recuperar com alguma rapidez em matéria de emprego. E por que será? As políticas municipais na qualificação urbana do concelho, na atração de turismo e de investimento não terão também responsabilidade nesta retoma? Importante também é constatar que os investidores mantém as suas intenções de aqui manterem os seus projetos.

Importa ainda destacar que Setúbal é o concelho da península onde se assistiu a menor desinvestimento nos setores industriais, onde, aliás, se nota até um dinamismo assinalável, por exemplo, na Sapec Bay, na instalação de novas empresas no Blue Biz, ou até com a vinda da fábrica da Laser, um dos maiores produtores mundiais de embarcações de vela ligeira.

Este é, no entanto, o concelho em que, a acreditar no que diz por aí, há mais desemprego, onde se ganha pior, onde só há emprego no turismo, embora, ainda de acordo com os dados do Pordata, o setor com mais pessoal ao serviço fosse o das indústrias transformadoras, com 17,2 por cento. Por tudo isto, quando alguém por aí alegue que somos uma cidade pequena, que devemos é ser o terceiro concelho, desconfie e mande-os ver os dados oficiais que eles não desconhecem, mas que não lhes dá jeito falar deles.

E não, não somos pequenos nem grandes. Somos apenas Setúbal e isso já é muito.

https://www.pordata.pt/Municipios

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Geral

O PCP e a travessia do Sado

A propósito do Comunicado do Executivo da Comissão Concelhia de Setúbal do PCP em defesa da aplicação do tarifário metropolitano à travessia fluvial entre Setúbal e Tróia, surgiram nas redes sociais os mais diversos comentários.

A esmagadora maioria de pessoas apoiam a ideia e consideram uma exigência da mais elementar justiça, outros questionam o tempo em que a proposta é feita, ora por estarmos em ano eleitoral, ora por um vereador do PSD ter feito semelhante proposta.

Sem querer entrar na lógica de quem disse o quê primeiro, julgo, no entanto, que é necessária alguma seriedade na discussão deste assunto.

E, no que ao PCP diz respeito, importa reconhecer que esta questão pouco tem de eleitoralista ou que só agora tenham os comunistas acordado para este assunto.

O PCP, ao contrário de outros Partidos em Setúbal, teve sempre a mesma posição sobre a questão do preço da travessia do Sado.

Desde o momento da celebração do contrato de concessão entre a APSS e a Atlantic Ferries que o PCP diz que o interesse público não está defendido e que o empreendimento turístico da Sonae utiliza o preço das deslocações como um factor impeditivo do acesso às praias pelos Setubalenses.

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Geral

Os pescadores e as dragagens no rio Sado

Miguel Sena, da Associação Setúbal Pesca, um dos protagonistas do processo de discussão sobre as dragagens no Sado para alargamento do Porto de Setúbal, fala do que têm os pescadores feito para conseguir alterar o local de deposição dos dragados.
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Geral

Mercado do Rio Azul já abriu

Rui Canas, presidente da União de Freguesias de Setúbal, falou à Praça do Bocage sobre o novo Mercado do Rio Azul, um investimento de 350 mil euros na qualificação de um equipamento essencial para as populações do concelho de Setúbal.

Com este pequeno video iniciamos, no blogue Praça do Bocage, a publicação de uma série de depoimentos sobre o concelho de Setúbal.

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Geral, Setúbal

Unidade de Saúde Móvel ou o problema dos médicos de família e dos enfermeiros que não existem?

Centro de Saúde de São Sebastião

A partir de hoje a Praça do Bocage passa a ter contributos de convidados sobre temas da atualidade setubalense. Tais contributos serão publicados sob o nome de Bocage, que escolhemos para podermos albergar na nossa página as opiniões de vários autores que não fazem parte do painel regular de comentadores do blogue. Não é, neste caso, um pseudónimo, mas sim um nome que permite que vários protagonistas da nossa vida local aqui deixem o seu testemunho sobre os mais variados temas*.

O contributo inaugural é de Ricardo Oliveira, vereador da Câmara Municipal de Setúbal que tem o pelouro da saúde e que, neste texto, demonstra a reduzida seriedade política da mais recente proposta do PSD setubalense.


Ricardo Oliveira
Vereador do pelouro da Saúde da Câmara Municipal de Setúbal

Recentemente surgiu um título de primeira página no Setubalense/Diário da Região atribuindo aos eleitos do PSD e do PS na Assembleia de Freguesia de Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra a consideração de que a Freguesia sofre problemas de saúde pública, pois não tem um Centro de Saúde no território. Curiosa afirmação!

Os dois partidos que têm sido Governo ao longo dos anos e que são responsáveis pela ausência de respostas à população, tanto desta freguesia como do concelho de Setúbal, e de desinvestimento no SNS, em especial no seu parente pobre – os cuidados de saúde primários, como que assobiando para o ar, na proximidade de eleições para o Parlamento Europeu e Legislativas e numa altura em que o Governo PS com o apoio do PSD tentam impor às autarquias locais uma transferência de competências desadequada e sem meios, lembraram-se que, apesar do forte crescimento da Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra e das reivindicações da população da Junta de Freguesia, este território continua sem qualquer Centro de Saúde.

Navegando na crista da onda, um dos partidos da oposição na Freguesia e nos órgãos municipais – Câmara Municipal e Assembleia Municipal de Setúbal – apresentou uma proposta em sessão de câmara para a aquisição de uma unidade de saúde móvel para esta freguesia, através de protocolo a ser assinado entre a CMS e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT). Curiosa proposta!

Tudo isto foi proposto e é defendido pelos partidos que há décadas asseguram o negócio dos seguros privados de saúde e a proliferação de clínicas e hospitais privados alimentados pelo dinheiro dos funcionários públicos e pelo desinvestimento no SNS.

Ignorando o grave problema de Setúbal, incluindo da Freguesia da Gâmbia Pontes e Alto da Guerra, de insuficiência de médicos de família (cerca de 62% das pessoas inscritas no Centro de Saúde de S. Sebastião/Vale do Cobro e 64% das inscritas no Centro de Saúde da Praça de República/Beira Mar não têm médico de família), este partido inventou a fórmula mágica para assegurar cuidados médicos à população da Freguesia mais oriental do Concelho: a Câmara de Setúbal apresentaria uma candidatura a fundos comunitários (no máximo cofinanciariam 50% e não os 80% referidos na proposta); a Câmara disponibilizava um local na freguesia para apoio à população para acederem à dita unidade móvel (uma carrinha); a Câmara disponibilizava um assistente técnico para organizar o atendimento da população na dita carrinha; a Câmara forneceria o combustível e o motorista para a carrinha; e ainda, a Câmara asseguraria tudo o que fosse necessário para o funcionamento do projeto de  unidade móvel de saúde.

Dito isto, algumas perguntas ficam no ar… Quem asseguraria os médicos que não existem e os enfermeiros que não existem nos centros de saúde, nem na Unidade de Cuidados à Comunidade do concelho de Setúbal e dos concelhos de Sesimbra e Palmela que compõem o território do Agrupamento de Centros de Saúde Arrábida (ACES Arrábida)? Quem asseguraria as consultas nos centros de saúde de Setúbal para os utentes que, após consulta de enfermagem na dita unidade de saúde móvel, fossem referenciados para serem vistos por médico de família?

Tudo isto foi proposto e é defendido pelos partidos que sempre estiveram no governo e sempre tiveram a responsabilidade da saúde e do SNS. Tudo isto foi proposto e é defendido pelos partidos que há décadas asseguram o negócio dos seguros privados de saúde e a proliferação de clínicas e hospitais privados alimentados pelo dinheiro dos funcionários públicos e pelo desinvestimento no SNS.

* Sempre que a administração do blogue entender poderá utilizar o nome Bocage como pseudónimo

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Geral

Vira o disco e toca o mesmo

Álvaro Cunhal, quando é preso aos 23 anos. Tirado daqui http://visao.sapo.pt/actualidade/portugal/alvaro-cunhal-o-homem-que-recusou-ser-comum=f756581

O jornal “O Setubalense” ofereceu-nos, no princípio desta semana, um texto de opinião sobre Álvaro Cunhal com o qual se pretendia contestar a opção municipal de homenagear, numa avenida da cidade, o histórico dirigente comunista.

Na verdade, teria sido importante que o texto de opinião fosse mesmo sobre Álvaro Cunhal. Mas não foi. Nos 3270 carateres em que o articulista, que foi mandatário da candidatura do CDS à Câmara Municipal, em 2017, tenta, sem sucesso, contestar a opção da autarquia, apenas 945 (um terço) são dedicados ao dirigente do PCP. O resto do texto limita-se a tocar a velha cassete fascista dos que foram derrotados em Abril, aqueles contra quem o antigo secretário geral do PCP lutou e, por isso, foi encarcerado por longos anos nos cárceres salazaristas e forçado ao exílio.

Se tivesse querido escrever sobre Álvaro Cunhal, o articulista, aparentemente despreocupado com as perseguições fascistas de que o líder comunista e seus camaradas foram alvo enquanto defendiam um país melhor, mais justo e democrático, teria — mesmo afirmando a sua discordância com as opções ideológicas do Partido Comunista Português –recordado o papel que o dirigente do PCP desempenhou na luta contra um regime que oprimiu e perseguiu os que se atreviam a pensar de forma diferente e pela construção da moderna democracia portuguesa em que hoje vivemos. Um regime que fez de Portugal um país atrasado, isolado, incapaz de compreender os tempos e conivente com as piores ditaduras fascistas europeias.

Se quisesse falar de Álvaro Cunhal e do partido que dirigiu, teria, pelo menos, mencionado que o PCP sempre se submeteu a eleições e respeitou escrupulosamente os seus resultados. Teria mencionado, mesmo ao de leve, que o PCP é um dos fundadores do sistema constitucional português e do nosso moderno estado de direito democrático (a este propósito, recomenda-se ao articulista a leitura desta parte do programa do PCP, para ver se compreende, de uma vez por todas, o que defendem os comunistas portugueses).

Se quisesse falar de Álvaro Cunhal teria destacado, mesmo discordando das orientações seguidas, o trabalho que os comunistas, ao longo dos mais de quarenta anos de democracia, desenvolveram nas autarquias portuguesas.

Se quisesse falar de Álvaro Cunhal, o autor do texto teria, certamente, recordado o contributo que o dirigente dos comunistas deu à literatura portuguesa, quando escreveu sob o pseudónimo ManuelTiago, e às artes plásticas, com os notáveis desenhos que fez na prisão e que hoje são reproduzidos em Setúbal na avenida com o seu nome.

Se quisesse falar de Álvaro Cunhal, não expondo o mais básico ódio anticomunista reproduzido a partir da velha cassete, não precisaria de falar nem da Coreia do Norte, nem de Cuba, nem da URSS nem de qualquer outro país, cuja história e processos revolucionários desconhece profundamente, limitando-se a reproduzir não apenas a cassete de outros, mas também o mesmo velho disco riscado de sempre.

Isto seria o que o que teria escrito, se quisesse falar de Álvaro Cunhal. Mas não era do velho e histórico líder que o articulista queria falar. Não. Apenas queria fazer prova de fé do seu anticomunismo, quem sabe para expiar o pecado de, há bem pouco tempo, nas páginas do mesmo jornal, ter produzido elogios, pelo menos por duas vezes 1,2 , a uma presidente de câmara que é comunista, admiradora de Álvaro Cunhal e corresponsável pela decisão de homenagear o secretário-geral do PCP. Se era isso que desejava, então terá, com certeza, atingido o seu objetivo. Porém, aqueles que estão atentos, que são comunistas e democratas, recordarão sempre a ofensa que zelosamente reversou nas páginas de um jornal que se tornou livre e democrático com a revolução que aquele que é hoje alvo do seu ódio ajudou a construir, a concretizar e a desenvolver.

1  “(…) não tenho qualquer dificuldade em salientar que V. Exa. (Maria das Dores Meira) foi, até à presente data, a melhor presidente que a Câmara Municipal de Setúbal teve”, Giovanni Licciardello, in “O Setubalense”, 9 de outubro de 2017”.

2  “É da mais elementar justiça democrática salientar que, com Maria das Dores Meira, a cidade e o Concelho de Setúbal, tem vindo a ter um dinamismo que não tiveram no passado, quer com o PS, quer com a própria CDU.” Giovanni Licciardello, in “OSetubalense”, 12 de julho de 2017”.

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Artes, autarquias, Álvaro Cunhal

Álvaro Cunhal em Setúbal

Em Setúbal, na avenida Álvaro Cunhal a autarquia fez uma obra de requalificação para melhorar substancialmente as condições de circulação pedonal e de velocípedes e homenagear essa figura rara da história de Portugal pela sua dimensão de político e intelectual.

fotografia Pedro Soares

Concretizou-se a homenagem recorrendo aos desenhos executados na prisão por Álvaro Cunhal colocados em painéis verticais na placa divisória central. O primeiro impacto ao olhar para cada uma das reproduções é verificar a resistência à alteração de escala.Nas grandes ampliações a que naturalmente foram sujeitos os originais, folhas de papel de dimensões aproximadas de 25 por 40 centímetros para reproduções com mais de dois metros, não se perde nenhum dos valores plásticos dos desenhos seleccionados o que evidencia a sua qualidade, o rigor do traço e das subtilezas das modelagens dos cinzentos todos feitos com lápis de grafite ou carvão com a mesma dureza. As alterações de escala, sobretudo as com um índice desse teor, podem ter efeitos desastrosos por perca dos pormenores ou por tornarem os pormenores grosseiros. Aqui o resultado é como se os desenhos tivessem sido feitos para se fixarem naquela dimensão final o que demonstra a desenvoltura e a segurança do traço do autor.

A selecção dos desenhos foi feita a partir das duas séries conhecidas, uma feita na Penitenciária e outra no Forte de Peniche. É necessário sublinhar que esses desenhos são feitos em condições inenarráveis que condicionam a sua feitura, transformam a folha de papel branco numa janela da liberdade de que Álvaro Cunhal estava violentamente subtraído para aí, no tempo suspenso que estava a viver, inscrever a imaginação de memórias vividas e inventadas a partir da realidade. Há grandes diferenças entre as duas séries de desenhos condicionadas pela luz que iluminava o papel. Na primeira série, feita sob luz artificial invariável, não existem grandes contrastes na vasta gama de cinzentos o que surge na segunda, feita no ciclo normal da luz do dia, em que se verifica uma gradação do negro ao branco. Em todos nunca se sente a presença de traço rápido. Constroem-se com lentidão serena e intensa.

Os desenhos de Álvaro Cunhal são narrativas em que o protagonista é colectivo, é o povo. O povo a trabalhar, a lutar, a sofrer, o povo a enfrentar as suas misérias mas também a viver alegrias, festas, danças. Sempre o povo mesmo quando as personagens são individualizadas em raras figuras isoladas que são colocadas em diálogo connosco pelo autor que lhes insufla a ternura firme que é a sua. As movimentações dos protagonistas em espaços abertos, só em dois desenhos há referências ao território, num deles uma torre uma provável referência ao Forte de Peniche, remetem-nos para o Trecentto italiano e para Giotto. A fortíssima dinâmica que imprime aos movimentos dos personagens a Pietr Brueghel, o Velho, recuperados para um contexto neo-realista onde são evidentes as influências de Portinari, dos muralistas mexicanos, sobretudo Orozco e Siqueiros, em que frequentemente o ponto de vista do pintor por vezes é elevado e colocado no meio da acção. As anatomias dos protagonistas e dos instrumentos de trabalho são alteradas, exageradas para sublinhar emocionalmente a história que está a ser registada e contada e que é tão forte que todos os desenhos dispensam títulos antecipando o que Álvaro Cunhal escreverá em A Arte, o Artista e a Sociedade: “o significado social não precisa de ser explicitado para ser suficientemente expressivo”. No caso é tão expressivo que dispensa rótulos.

Estes desenhos remetem-nos para outra questão: que artista teria sido Álvaro Cunhal se “o absorvente empenhamento noutra direcção de actividade” como refere no prefácio ao ensaio referido não tivesse adiado até tornar inviável o “aprofundamento ulterior do estudo que acompanhasse a evolução das ideias e das obras de arte no quadro das realidades sociais no mundo em mudança (…) Por razões óbvias o que não foi possível já não o será. Entretanto se o projecto ficou adormecido, nunca o ficou a reflexão.” Também nunca terá deixado de desenhar e pintar mas também aqui sem ter tempo nem espaço para aprofundar e evoluir esteticamente o que se anunciava nos desenhos editados. Em paralelo com as suas reflexões sobre a arte e a sociedade devemos interrogar qual poderia teria sido a sua contribuição para a evolução das artes em Portugal mesmo sem o impacto do seu pensamento político e ideológico que corre mundo e o coloca na primeira linha dos pensadores e revolucionários marxistas-leninistas de sempre. “O que não foi possível já não o será” mas deixa-nos o imenso prazer de ver e rever os seus desenhos, agora revelados em grandes formatos, a evidenciarem a qualidade de um artista que nunca se afirmou enquanto artista por nunca, por opção política militante, desenhar e pintar numa sequência normal de trabalho com uma perspectiva de evolução. O que fica e é inapagável é a sua impar dimensão de político e intelectual que continua e continuará a ser uma fonte inesgotável de ensinamentos e de estudo.

fotografia Pedro Soares
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Setúbal

Os matraquilhos da Taberna do Luciano

 

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Antiga Taberna do Luciano, na Rua Ladislau Parreira. Foto de Maurício Abreu.

Descobri há dias esta foto a circular nas redes sociais setubalenses. A única coisa que tem de interessante é retratar um tempo que foi o da minha infância, com os personagens que subitamente recordamos daqueles tempos das nossas vidas em que tudo parecia possível. Era o tempo em que, vindos da escola, parávamos para, ainda antes do almoço que as mães tinham já na mesa, jogar ruidosamente aos matraquilhos que estão no meio do estabelecimento de venda de tinto e branco a copo. Dez tostões, dez bolas, dois para dois e muita risota com a azelhice dos parceiros e adversários de ocasião. Os jogos prolongavam-se até se esgotarem os dez tostões que sobravam nos bolsos, ou porque não tínhamos comido a sandes na escola ou porque tínhamos poupado no bilhete da camioneta da carreira. Sempre era uma forma de adiar a pescada cozida com brócolos que as nossas mães, estranhamente, naqueles tempos tanto gostavam de cozinhar…

Era assim num tempo em que os miúdos entravam em tabernas, mas não as frequentavam. Este era um dos pretextos que nos permitia lá entrar. O outro era ir ao vinho para o almoço, tarefa reservada aos rapazes. Aquele era o reino masculino onde alguns dos membros mais agressivos da espécie ditavam todas as regras ou mesmo a ausência de lei. Já bastava que lá em casa elas mandassem e todos quisessem pensar que nelas mandavam eles. A taberna não era, por isso, o sítio mais adequado para raparigas. Isso era coisa apenas para as mulheres já adultas que nem sempre estavam dispostas a deixar o marido a fermentar na mesa onde, isolado, se destacava o mesmo copo repetidamente esvaziado.

Na rua da Taberna do Luciano – o taberneiro que, de cotovelos no balcão sorri para foto, acompanhado pelo filho, o jovem que se encontra entre o naipe de velhos tabernistas que posam sérios e compenetrados – conviviam a frutaria, a leitaria, a mercearia do César, a regataria da Elvira, mais à frente a mercearia do Botão (acho…), o relojoeiro, o carvoeiro, a loja de roupa, o estofador, o electricista e vendedor de eletrodomésticos e ainda uma panificação com alguma importância. Era a Rua Ladislau Parreira, que, com a Vasco da Gama e o Largo da Fonte Nova, eram o centro comercial do bairro de Tróino. Havia também a papelaria, a Drogaria, o fotógrafo, o Hugo Alfaiate na Vasco da Gama, a retrosaria, a farmácia e o funileiro. E havia as tabernas. Com a do Luciano eram para cima de cinco, e sempre com clientela.

Era o meu bairro. Continuar a ler

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Setúbal

As novas elites

Quem segue com mediana atenção o que acontece nas redes sociais, esse ecossistema permanentemente em fogo, sabe que é lá que vivem os seres mais perfeitos, capazes e competentes do planeta.

A nova elite política, artística, técnica, científica, intelectual e desportiva tem intensa vida nas redes. São os membros desta classe que conhecem, como ninguém, o que é melhor para a cidade e para o país e que identificam de imediato, sem margem para dúvidas, tudo o que está mal. A nova elite não dá opinião sobre os temas. Não. Isso é para quem nada sabe das questões. Estes especialistas sabem, de ciência certa, o que está mal, embora não saibam como o fazer bem. Sabem por onde o país e a cidade não devem ir, mas não sabem que outros caminhos devem seguir. Mas isso pouco importa aos novos elitistas. O que interessa é, a cada momento, postar sentenças sobre tudo e sobre todos. É a democracia, dizem; é a liberdade de expressão, estúpido, acusam. É isso tudo e muito mais. É, acima de tudo, a exposição da ignorância embrulhada em arrogância e, muitas vezes, em anonimato confortável.

A democracia das redes sociais é, hoje, a mais perfeita contradição com o que deve ser a democracia, um sistema em que, de preferência, todos têm informação para poderem dar opinião e decidir em consciência. Porque, na verdade, todos temos a liberdade de falar, mas também de ficar calados. É ali, nas caixas de comentários do Facebook e dos jornais, que se percebe a dimensão da desinformação em que vivemos, a fragmentação do conhecimento, a incapacidade de relacionar e procurar informações, a exuberância e atrevimento da ignorância. Os media, neste tempo de notícias falsas, de factos alternativos, de pós-verdade, também ajudam pouco. A este propósito é, aliás, interessante citar uma frase proferida há dias por um famoso ator norte-americano, a quem pediam para comentar um rumor, manifestamente falso, sobre a sua atividade política. Respondia Denzel Washington aos jornalistas que, quando não se lê jornais, está-se desinformado; mas quando se lê jornais, então aí está-se mal informado. Questionado sobre qual seria a alternativa, Denzel responde que essa é a grande questão e pergunta qual será, a longo prazo, o efeito do excesso de informação em que vivemos hoje. Um dos efeitos, para o ator, é que os jornalistas apenas querem ser os primeiros a dar a notícia, esquecendo a necessidade de ser rigoroso, ou, como ele diz, de “dizer a verdade”. A grande responsabilidade é ser rigoroso, e não apenas ser o primeiro a dar a notícia. E esta deve também ser a responsabilidade de quem comenta nas redes sociais, independentemente do nível de responsabilidade e visibilidade que tem nesses comentários.

Nunca como hoje tivemos tanto acesso à informação, às notícias. Temos canais noticiosos 24 horas por dias, sites na Internet que apenas dão notícias, jornalismo cidadão, imagens de tudo e de nada. Porém, a realidade é enganadora. Dominique Wolton, sociólogo francês considerado um dos mais destacados estudiosos das questões da comunicação, afirma que “hoje, o que é preocupante, é que há muito mais tecnologias, mas a diversidade do que é produzido e difundido é escassa. É uma espécie de falhanço: muitas tecnologias, muita informação, mas menos comunicação. Isto é um problema politico”.

Wolton classifica a Internet como “um espaço de liberdade de expressão”, mas isso, garante, “não é comunicação. Comunicação é o recetor estar interessado no que diz o emissor. Posso não estar de acordo com o que diz, mas respondo, e há uma discussão. Na internet, na maior do tempo não há discussão. Cada um conta a sua vida, mas não é porque toda a gente se exprime que toda a gente comunica. Cada um está só e podemos chegar a uma situação em que há seis mil e 500 milhões de internautas autistas. Há aqui um desafio político e cultural. Ou, então, o capitalismo vai prosperar com a internet e com as novas possibilidades dos big data, a partir dos quais as grandes corporações vão ficar a saber dos gostos de cada um e dar-nos todos os programas de que gostamos no nosso smartphone”. O sociólogo acrescenta uma ideia pouco consensual, mas que merece debate aprofundado: “não existe regulamentação da internet e são precisas leis nesse sentido”.

Este é um retrato fiel do que se passa hoje nas sociedades da informação, ou melhor, da desinformação.

Convencionou-se que todos podemos e devemos comentar tudo, mesmo que pouco saibamos dos assuntos em debate. E todos nos transformamos assim em especialistas; todos ascendemos a uma nova elite capaz de opinar sobre o que quer que seja, a elite que sabe que aprofundar o canal de navegação do Porto de Setúbal é uma asneira porque sim, que sabe que fazer ciclovias é um erro porque ninguém anda de bicicleta, que sabe que David Chow, o homem que quer fazer uma marina em Setúbal, está falido porque se confunde perdas líquidas com falência, apenas para citar três exemplos retirados dos comentários que se fazem sobre a vida setubalense.

Muitos cidadãos, ansiosos por participar e ter um papel ativo na vida das suas comunidades, confundiram, irremediavelmente, o ato de cidadania que é ter opinião e manifestá-la nos locais adequados com os posts que fazem no Facebook. A democracia é bem mais exigente do que isso. Participar requer informação, exige que se emitam opiniões nos locais certos, perante aqueles que elegemos para nos governar, e não apenas nas urnas de quatro em quatro anos e, agora, no Facebook. A cidadania não se confina às redes sociais, ainda que seja forçoso reconhecer que estas redes são importantes espaços de manifestação de opinião, embora também sujeitos a sérias manipulações e distorções.

Os meios disponíveis para participar na vida das comunidades existem e nem estão distantes. Para falar apenas na vida da nossa cidade, a cidadania pode ser exercida nas coletividades, em comissões de bairro para resolver problemas concretos, nas assembleias de freguesia, nas assembleias municipais e reuniões públicas da câmara municipal. Além destes canais, há todo um mundo de possibilidades que se abrem, mesmo recorrendo aos novos media e às redes sociais, para que possamos exercer, responsavelmente, a cidadania.

Hoje, muitas autarquias disponibilizam canais de comunicação eficientes para que os cidadãos possam transmitir opiniões, ideias, reclamações. Infelizmente, assistimos a uma tremenda falta de participação nestes fóruns, enquanto assistimos à ascensão das arrogantes e ignorantes novas elites das redes sociais que se confrontam, sistematicamente, com aqueles que exercem os mandatos para os quais foram eleitos e são vistos como os incapazes desta equação.

Claro que as redes sociais são instrumentos importantes para exercer a liberdade de expressão e uma forma expedita de divulgar informação e exercer a cidadania. Mas não são a única nem a mais importante. O grande desafio dos nossos dias é sermos capazes de sair de casa, abandonar o teclado do computador ou do telemóvel e começar a participar mais ativamente, cara a cara, sem anonimato e sem medo de dar opinião, na vida das nossas cidades e sociedades.

Podemos fazê-lo na rua, na reunião de câmara, na coletividade, nos sindicatos, nos escuteiros, nos clubes de futebol, olhos nos olhos. Descobriremos, certamente, que é muito mais interessante, animado e recompensador do que apenas escrever umas coisas no Facebook…

 

PS – Já depois de publicado este texto na Gazeta Setubalense, jornal online para o qual foi expressamente escrito, lembrei-me, a propósito da última frase, desta cena do filme Ocean’s Eleven que descreve muito bem o que se passa hoje nas sociedades ocidentais, em que a realidade, mesmo que esteja ao lado ou à frente dos nossos olhos, é substituída pelas redes sociais pelas imagens, pela intermediação. Tal como no filme, preferimos cada vez mais estar sentados em frente ao ecran do computador do que participar ao vivo nos acontecimentos.

 

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Geral

Mentira ou verdade?

psdO PSD, através de Fernando Monteiro, eleito na Assembleia Municipal de Setúbal, pergunta nas páginas do jornal «O Setubalense» porque razão continua o PCP a mentir aos Setubalenses.

Uma pergunta estranha, sobretudo vinda do PSD que, como se sabe, em matéria de mentira tem um currículo invejável.

O que está em causa é um artigo originalmente publicado no espaço do PCP no referido jornal e aqui reproduzido. 

Nesse artigo, aponto um conjunto de contradições ao discurso da oposição em Setúbal, contradições que estão bem patentes neste confuso texto assinado por Fernando Monteiro, que parece querer, ainda que sem sucesso, utilizar a técnica do «baralhar para dar de novo», repetindo à exaustão um argumentário falso, mas esforçado.

Em relação ao texto que escrevi, se o PSD ou alguém conseguir apontar alguma mentira naquilo que é dito, serei obrigado a reconhecer e a pedir desculpas por tamanha falta, vamos a factos:

  • É mentira que o IMI vai descer em Setúbal, como se diz logo no título do texto?
  •  É mentira que foi sob proposta do PCP que na Assembleia da República a taxa máxima de IMI desceu e 0,50% para 0,45%?
  • É mentira que na Câmara e na Assembleia Municipal a fixação da taxa de IMI em 0,45% foi aprovada com os votos da CDU?
  • É mentira que os mesmos partidos que o ano passado, na Assembleia Municipal, apresentaram e votaram favoravelmente uma proposta de redução da taxa para 0,45% este ano votaram contra essa mesma proposta?
  • É mentira que, na Assembleia da República, o PS recusou a ideia inicial do PCP para fixar a taxa máxima de IMI em 0,40% e que o PSD até a proposta de reduzir para 0,45% votou contra?
  • É mentira que o PSD diz ter a certeza absoluta de que o município pode baixar a taxa de IMI, mas, na Assembleia da República, o seu Grupo Parlamentar coloca a questão ao Governo, exigindo esclarecimentos?

Mas, se não conseguirem demonstrar a existência de alguma mentira, então quem está a mentir? Quem é que em matéria de IMI utiliza a mais barata demagogia para iludir as populações do concelho? Quem é que, há falta de melhores argumentos, utiliza o IMI como uma bóia de salvação para fazer oposição à CDU? Quem é que há um ano entendia que 0,45% era uma boa redução da taxa de IMI e este ano, por motivos unicamente eleitorais, decidiu estar contra a proposta? Quem é que na Assembleia da República defende uma coisa e em Setúbal outra?

Proponho o seguinte desafio: vamos ver quem descobre as semelhanças:

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Afinal, quem mente e quem diz a verdade?

Afinal, para além das debilidades do PSD em Setúbal fazer uma oposição construtiva, que outras razões levam o PSD a mentir?

Afinal, porque é que apontam o dedo aos outros quando são eles que fazem da mentira uma forma de estar na política?

Os munícipes do concelho de Setúbal merecem mais, merecem uma oposição melhor, mais séria e mais preparada, com proposta e com um olhar construtivo sobre os desafios que se colocam ao concelho, tínhamos todos a ganhar com isso, incluindo a maioria CDU nos órgãos municipais.

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Geral

O IMI vai baixar em Setúbal

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Bem podem os partidos da oposição em Setúbal falar de taxas máximas, que a realidade indesmentível é que a taxa de IMI a aplicar vai baixar de 0,50% para 0,45%.

Por proposta do PCP, na Assembleia da República, foi aprovada a redução da taxa máxima de IMI e na Câmara e na Assembleia Municipal de Setúbal, com os votos da CDU, foi aprovada a taxa de 0,45%.

Só a lógica eleitoralista e populista com que os partidos da oposição encaram esta discussão pode permitir entender o voto contra e a proposta de aplicação de outras taxas.

Os mesmos partidos que no ano passado apresentaram ou votaram favoravelmente propostas de aplicação em Setúbal de uma taxa de 0,45%, afirmando que se tratava de uma redução responsável e gradual, são os mesmos que confrontados com uma proposta da CDU nesse sentido votam contra, dizendo agora que é insuficiente.

Esta alteração de posição pode não ser um sinal de incoerência, mas apenas a confirmação de que o IMI é a única arma de arremesso contra a gestão da CDU no Município de Setúbal e não poderiam aceitar ficar sem ela.

Fingindo-se preocupados com a carga fiscal que recai sobre os munícipes de Setúbal, na Assembleia da República o PS não aceitou a proposta inicial do PCP de fixar a taxa máxima de IMI em 0,40%, o que conduziria a uma redução ainda mais significativa em Setúbal, e o PSD até a proposta aprovada de 0,45% votou contra.

Bem podem dizer que a conversa sobre o passado está gasta, que já não se pode ouvir falar do Contrato de Reequilíbrio Financeiro, mas a verdade é que os munícipes continuam a pagar essa pesada herança e continua sem existir um cabal esclarecimento sobre a possibilidade de serem praticadas taxas distintas da taxa máxima legalmente definida.

E até os partidos que mais certezas dizem ter sobre esta matéria mentem, veja-se o exemplo do PSD que em Setúbal diz que é possível baixar a taxa de IMI, mas, na Assembleia da República, os seus deputados dirigem perguntas ao Ministro das Finanças a pedir esclarecimentos e a exigir a clarificação desta situação.

Pela parte do PCP e da CDU, cumpriremos a lei, não deixaremos de procurar junto do Governo a clarificação quanto à possibilidade de baixar ainda mais o IMI e continuaremos a defender na Assembleia da República que se caminhe para uma taxa máxima de IMI de 0,40%.

Porque não somos todos iguais, é com verdade que dizemos aos munícipes aquilo que nos impede de ir mais longe no nosso desejo de reduzir este imposto, não propomos uma coisa hoje e outra amanhã, não dizemos uma coisa em Setúbal e outra na Assembleia da República, não dizemos ter a certeza de que é possível baixar e no dia seguinte questionamos o Governo para confirmar se é mesmo assim.

Com essa mesma forma, séria e honesta, de estar na política dizemos aos munícipes de Setúbal, que apesar de todas as campanhas feitas pela oposição, vão mesmo pagar menos IMI, o IMI baixou de 0,50%, para 0,45%.

*Texto originalmente publicado na edição de 30 Novembro do Jornal «O Setubalense»
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Política, Setúbal

Como protestar contra a tua autarquia

volvo_logo_detailQueres protestar contra a tua câmara municipal e não sabes como?

Fácil. Segue os seguintes passos e terás grande sucesso na tua carreira profissional.

1 – Verifica que carro tem o teu autarca. É um Volvo? Estás safo. Repete no Facebook até à exaustão que o autarca tem um Volvo, ignorando que custa o mesmo que alguns Renaults e passa ao passo seguinte. Se o autarca tiver um Renault, desiste já.

2 – Verifica se há algum ganso aprisionado no jardim da cidade e assegura-te de que os patos do lago desapareceram. Se a resposta for afirmativa estás safo. Faz um post no facebook a mostrar a tua indignação, ignorando que o ganso está resguardado para ser protegido das obras que decorrem no jardim. Passas assim por grande entendido nas matérias da cidade e, simultaneamente, por grande defensor dos animais. É o dois em um. Acrescenta que o autarca anda de Volvo e que o carro deve ter sido comprado com o dinheiro da venda dos patos.

3 – Se tiver sido substituído algum bebedouro de brecha da Arrábida no jardim da cidade, faz outro post no Facebook e insinua logo que alguém abarbatou o bebedouro. Passa a chamar-lhe fonte para dar grandiosidade à coisa. O sucesso é garantido. Passas a estrela do Facebook instantaneamente, mesmo que o bebedouro tenha sido substituído porque já não oferecia as mínimas garantias de salubridade. Insinua que alguém meteu o bebedouro dentro de um Volvo e o levou para casa.

4 – Se a câmara quiser fazer mais uma rotunda, junta-te ao grupo dos que protestam contra as rotundas e acusa algum autarca de estar a meter dinheiro ao bolso com a empreitada da obra para comprar mais um Volvo.

5 – Se a câmara quiser aumentar o estacionamento, recorda sempre que o Volvo do autarca pode estacionar em todo o lado sem pagar. Ignora que o carro é da câmara e não do autarca e não faz sentido a câmara pagar estacionamento a si própria, assim como o facto de quem se desloca em trabalho ter normalmente as despesas de estacionamento pagas pelas suas empresas.

6 – Se houver um descarregamento no porto de lixo importado para tratamento numa empresa especializada, criada por iniciativa de um qualquer governo com o qual até simpatizaste, ignora este último facto e acusa a câmara de estar distraída a comprar Volvos e não ter visto passar o barco com o lixo, mesmo que a autarquia não tenha qualquer responsabilidade no licenciamento de tais empresas, não controle o tráfego marítimo e nem sequer tenha autoridade para proibir o que quer que seja nesta matéria.

7 – Se a câmara não faz obra, protesta com veemência recordando só há dinheiro para Volvos.

8 – Se a Câmara faz muitas obras, protesta com veemência, garantindo que são obras desnecessárias, assim como o Volvo do autarca.

9 – Se for asfaltada uma qualquer rua da cidade, insinua de imediato que só é feita aquela obra porque o Volvo do autarca passa muito por ali.

10 – Se arranjarem uma qualquer avenida, apressa-te a garantir que o que deviam fazer era arranjar a rua do lado, mas não o fazem porque o Volvo do autarca não passa por lá.

12 – Repete até caíres para o lado que a tua cidade tem o mais alto IMI do país, mesmo que tal realidade ocorra em mais 32 câmaras municipais, na maior parte dos casos por imposição legal. Acrescenta que deve ser para os autarcas andarem de Volvo e comprarem mais Volvos.

13 – Argumenta que o IMI só não baixa porque os autarcas não querem. Não precisas referir que até agora nunca nenhum governo se quis comprometer, preto no branco, que a Câmara da tua cidade pode baixar o IMI porque sabem que há um quadro legal que a impede de baixar o imposto e, na verdade, preferem deixar os autarcas andarem de Volvo, mas arder em lume brando.

Cumpriste todos estes passos?

Serás um profissional de sucesso no protesto contra a tua autarquia e podes começar a pensar em prestar serviços noutras cidades.

Talvez até consigas comprar um Volvo…

Nota 1– A Volvo não patrocina este texto.

Nota 2 – Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

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Geral

Não vale tudo, não pode valer tudo!

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É absolutamente inacreditável o nível de dissimulação do PSD Setúbal.

Em Setúbal, o PSD finge que não tem nada que ver com o PSD, aliás, nem se conhecem.

Num estilo oportunista e populista, os seus dirigentes, em diversas ocasiões e na discussão das mais diversas questões da vida local, afirmam que se deve deixar de fora os partidos e a política, tentando aligeirar responsabilidades e enganar os mais distraídos.

Mas não vale tudo, não pode valer tudo!

O PSD Setúbal fala do IMI como se não fossem eles os principais responsáveis pelo IMI pago pelos munícipes de Setúbal.

À semelhança do que aconteceu no resto do País, também em Setúbal, os proprietários de imóveis só deram pela existência do IMI quando o governo PSD-CDS decidiu proceder à reavaliação dos imóveis, definindo critérios para este imposto que conduziram a aumentos brutais da carga fiscal e a graves injustiças na sua aplicação.

Em Setúbal, por via do entendimento de que o Contrato de Reequilíbrio Financeiro assim obriga, sempre foi praticada a taxa máxima, e os proprietários de imóveis no concelho só sentiram o peso desse imposto quando o governo PSD-CDS decidiu fazer uma reavaliação dos imóveis e acabar com a cláusula de salvaguarda que impedia o aumento brusco do IMI.

Agora, numa página patrocinada no facebook, vem Nuno Carvalho, presidente da concelhia do PSD, dizer que a expectativa de concretização de um investimento turístico na zona ribeirinha é uma boa razão para o município baixar o IMI.

Podemos encontrar muitas e boas razões para baixar o IMI, mas esta é no mínimo estranha, não se compreendendo se a confusão entre impostos é involuntária ou propositada para aumentar a confusão, pois o argumento relativo à valorização especulativa dos imóveis na área em causa só terá impacto em sede de IMT (Imposto Municipal sobre Transações de Imóveis) e não de IMI.

É claro que o PSD Setúbal sabe disto, mas pouco importa, o que interessa é fingir que estão realmente preocupados com as pessoas e com a carga fiscal, como se os Setubalenses não soubessem que o PSD foi responsável pela subida do IVA da restauração, do gás e da electricidade para 23%, ou pelo agravamento do IRS através da sobretaxa e por aí adiante.

O PSD Setúbal também sabe que a taxa máxima de IMI vai baixar para 0,45% por iniciativa do PCP na Assembleia da República, mas isso pouco importa, até porque o PSD votou contra.

O PSD Setúbal também sabe que os Fundos Imobiliários deixaram de estar isentos de IMI, mas isso pouco importa, até porque o PSD votou contra.

O PSD Setúbal também sabe que os proprietários com baixos rendimentos estão isentos de IMI, mas isso pouco importa, até porque o PSD se absteve.

O PSD Setúbal também sabe que foi reposta a cláusula salvaguarda do IMI, mas isso pouco imposta, até porque o PSD votou contra.

Compreendo que o PSD em Setúbal tenha de começar a aparecer e a construir uma narrativa com vista às próximas eleições autárquicas, mas não vale tudo, não pode valer tudo!

À falta de melhores argumentos contra a gestão CDU do Município de Setúbal, o PSD volta a agarrar-se ao IMI, mas aquilo que o PSD podia e devia dizer aos Setubalenses é que por via de uma proposta do PCP o IMI vai baixar em Setúbal, uma proposta que contou com o voto contra do PSD.

Isso sim, era falar verdade às populações do concelho, mas não dá jeito, pois não?

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Setúbal

Aldrabices

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Na troca de argumentos partidários utiliza-se muitas vezes a acusação de falta de seriedade política, embora nem sempre se entenda o que se quer dizer com tal denúncia. Há, porém, casos em que a falta de seriedade, e não apenas a política, é tão evidente que quase não é necessária qualquer explicação adicional.

Um desses casos ocorreu este fim de semana, em pleno facebook, com o PSD setubalense, abusando da distração de muitos e da nossa boa fé, a garantir que teria sido uma petição na internet por ele lançada que tinha assegurado a retirada da ordem de trabalhos da última reunião da assembleia municipal setubalense de uma proposta de lançamento de um concurso público para o estacionamento tarifado na cidade.

Rufaram tambores e ecoaram trombetas porque que o PSD teria conseguido, com uma petição online sem qualquer credibilidade quanto à validade das suas assinaturas, que o concurso fosse anulado e que nem sequer se pensasse mais na proposta de concurso público.

É lamentável que se lance para a praça pública tão grande “aldrabice”.

Claro que não foi a petição a responsável pela retirada da proposta do concurso público do estacionamento tarifado; claro que não foi o PSD que o conseguiu. Quem apresentou a sugestão, por todos aprovada, de retirada do concurso público da ordem de trabalhos da última assembleia municipal realizada no dia 29 de abril foi o PCP e o PS quase em simultâneo. Por essa razão, e apenas por essa, não se deliberou nesta reunião lançar o referido concurso público enquanto estivesse a decorrer o período de discussão pública do regulamento municipal de estacionamento de Setúbal, período em que todos os cidadãos podem propor alterações ao documento.
Quem disser o contrário está a aldrabar, embora a isso, à meia verdade que se converte rapidamente em mentira inteira, tenhamos sido de há muito habituados por gente para quem a seriedade política não passa apenas de uma inconveniência que é preciso contornar.

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Indústria Conserveira, Setúbal

8Março #OperáriasConserveiras #Setúbal #Ficção

Mariana

A propósito das comemorações do Dia Internacional da Mulher e da inauguração de um merecido Monumento a Mariana Torres e às Operárias Conserveiras de Setúbal, dediquei a hora do almoço a rabiscar um pequeno texto de ficção, em jeito de singela homenagem a essas mulheres, que estendo a todas as outras neste dia em que é imperativo lembrar as tremendas desigualdades ainda existentes. E com a minha avó, operária conserveira toda a vida, no pensamento.

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Acordou sobressaltada com o ecoar da longa sirene no silêncio da noite. Reconheceu o chamamento da Firmin Julien. Aconchegou os miúdos e deixou sorrateiramente a casa, feita de madeira e zinco. Desceu a encosta em passo apressado, mergulhando os pés descalços na terra argilosa e húmida. Quem se demora não tem trabalho. Uma vizinha, já velha e antiga conserveira, olha pelas crianças quando há trabalho. Se o cerco é bom a jornada pode durar vinte horas e estamos na época da sardinha. Tem de aproveitar se há trabalho.

No Tróino abrem-se portas donde saem outras mulheres para a escuridão da noite. Lembra-se, pesarosa, que Irene já não as acompanha. Era escorchadora, mas foi despedida, há tempos, por trazer embrulhadas num trapo escondido no regaço duas sardinhas, para matar a fome aos filhos. Aos 19 anos é viúva e tem a cargo três filhos. O homem da Irene, o Manel, faz sete meses que desapareceu no mar da terra nova, na pesca do bacalhau. A vida ficou ainda mais difícil. Uma mulher só aguenta a fome até que esta seja maior que os filhos. Vive agora da solidariedade de outras camaradas da fábrica e da caridade que, por vezes, desesperada implora às senhoras que passeiam na Avenida da Praia. Uma amiga, Odete, que tem marido soldador na fábrica dos Senhores Bentinhos, era quem mais ajudava, mas muitos soldadores estão a ser despedidos, desde que chegaram as máquinas. É vê-los deambular pela Fonte Nova, famintos, com as mãos feridas pelo rabo do chicharro.

Pela Irene e por todas as mulheres das fábricas, especialmente as cento e quinze que foram despedidas por não furar a greve, saíram para a rua, há semanas, a exigir aumento. Com elas vieram também os moços. Só os soldadores ficaram com os encarregados. Não viam as mulheres como suas camaradas, embora estas sempre tivessem sido solidárias com eles, em todas as lutas. Queriam apenas melhor pagamento pelo duro trabalho, que os patrões logo negaram. Fizeram demorada greve, e dolorosa, pois sem trabalho não há sustento. Mas com o insultuoso soldo que lhes pagavam também não havia futuro.

Sem as operárias para fazer a conserva, quiseram vender o peixe para fora, carregado em carroças. As mulheres saíram à rua para impedir a passagem, mas os industriais tinham a nova guarda da República a defender-lhes o lucro. Mariana, embora jovem, era a mais decidida e corajosa. Atravessou-se à frente da caravana e gritou “Não passarão!”, e todas atrás de si, em humana muralha. Mas a guarda carregou e da cabeça da luta fez o exemplo para furar o bloqueio. Mariana foi violentamente espancada à coronhada, mas não arredou. As demais vieram em seu auxílio e também os moços. Brandiam as espingardas no ar, distribuindo furiosas agressões. Ouviram-se tiros também, até que cada uma e cada um correram como puderam, a proteger-se. As carroças de sardinha seguiram, ladeadas pela guarda.

No chão ficaram mulheres e moços feridos, gritando de raiva e de dor. Mariana jazia imóvel e em silêncio. Quando as mulheres se abeiraram já só restava um corpo e rosto desfigurados pelo cunho do ódio. Alguém gritou “Mataram o António!” O moço fora fuzilado a tiro.

Mulheres e moços carregaram os seus camaradas defuntos. A terra da avenida ficará para sempre manchada com as marcas da vergonha dos assassinos e da memória daqueles que entregaram a vida pelos seus e pela luta de todos à sobrevivência. Os heróis dum povo que vive ajoelhado são os anónimos marianas e antónios que morrem de pé, porque a dignidade não tem preço.

Recorda com profunda mágoa estes acontecimentos. No Tróino agora as gentes caminham soturnas. Uns por tristeza, outros por desonrado pudor. No ar respira-se a tristeza e a fome.

Chega à fábrica e dão-lhe trabalho. Vai engrelhar, como é hábito. Dizem que a enviada veio carregada, pelo que a jornada vai ser longa. Quando a época da sardinha terminar escasseia o trabalho e aperta mais a miséria no estômago. Por enquanto, empilham-se à porta da fábrica caixas de latas de conserva, que seguem para França, carregadas de sangue e de vidas.

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Geral

Curiosidade

No âmbito da discussão do Orçamento de Estado para 2016, o PCP anunciou um conjunto de propostas alteração e, entre elas, a redução da taxa máxima de IMI de 0,5% para 0,4%.

Vamos ver como é que os partidos que em Setúbal gritam pela redução da taxa máxima de IMI votam na Assembleia da República esta proposta que, a ser aprovada, independentemente das leituras que se façam do contrato de reequilíbrio financeiro e das obrigações que dele decorrem, teria como efeito imediato a redução da taxa de IMI praticada em Setúbal.

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Setúbal

Casimiro

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O Casimiro, numa foto da Farmácia Leão Soromenho, outra velha instituição do Largo da Fonte Nova

A nossa vida faz-se muito de pessoas e lugares. Algumas dessas pessoas confundem-se tanto com os lugares que ficam, para sempre, a fazer parte das nossas paisagens pessoais, dos cenários recordados das nossas memórias de infância, quando a felicidade era mais do que mera possibilidade. O Casimiro era uma dessas pessoas. A sua felicidade fazia (fará) sempre parte daquele lugar de aprendizagem e brincadeiras que era o Largo da Fonte Nova, centro do bairro de Tróino, em Setúbal, onde todos se cruzavam para ir ao vinho à Taberna do Nau, comprar bolos ao Caquinhas ou procurar um parafuso na drogaria. O Largo de outros tempos, shopping de bairro em que se ia à mercearia do senhor César inscrever no rol uma quarta de banha ou ao café Miami matraquear nos flippers a cinco escudos. Lá andava o Casimiro, entre o restaurante da Cilinha, a Farmácia Leão Soromenho ou o restaurante do Horácio, com paragem sempre certa no quiosque dos gelados do Calhotas. Diferente, sempre, mas ainda assim igual a nós.

Para onde foi, levou consigo o sorriso que quase sempre nos oferecia. Deixa-nos a sua memória. O que é muito para um homem deixar.

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Capricho, Setúbal

Capricho: a Banda e a Cidade

BANDA2Na ocasião de mais um aniversário desta emblemática colectividade, um breve texto sobre a Sociedade Musical Capricho Setubalense não é tarefa fácil, atendendo ao historial de 148 anos de actividade ininterrupta no fomento da participação associativa e na promoção e desenvolvimento cultural e artístico e ao peso de uma produção cultural assinalável. Esta história escreveu-se com o trabalho voluntário de muitas gerações de associados, dirigentes, músicos, actores, atletas, e imensos amigos, que dedicaram o melhor de si a um projecto e a uma instituição sociocultural que é de toda a comunidade setubalense.

Sublinho, por isso, uma só componente da sua acção, a que lhe determina a razão de existir. Em 22 de Novembro de 1867, dia de Santa Cecília, padroeira dos músicos, é fundada oficialmente a colectividade e a sua Banda de Música. Esta formação musical, hoje única na cidade, tocou neste dia como, desde então, foi presença incontornável nos momentos marcantes da vida de Setúbal, como são exemplo a actuação na inauguração do Monumento a Bocage, em 1871, ou ter saído a tocar pelas ruas em 4 de Outubro de 1910, proclamando a República que se implantaria no dia seguinte.

A Banda foi fundada no reinado de D. Luís I, entre a Questão Coimbrã e as Conferências Democráticas do Casino, participou na Revolução Republicana, atravessou meio século de ditadura fascista, assistiu à Revolução de 25 de Abril e viveu o incremento do associativismo cultural desde então.

As bandas filarmónicas, em Portugal, são um produto do século XIX. Para o compreender, há que recuar um pouco no tempo. No final do Antigo Regime o absolutismo marcava a Europa e a produção cultural era, assim, centralizada. A partir de 1750 surge a emergência de uma cultura urbana e nas principais cidades da Europa a classe média desenvolve uma prática de separação do espaço religioso do profano. Criam-se os espaços públicos de sociabilidade e abre-se o espaço doméstico, à imagem do que a aristocracia praticava desde a Idade Média. Em Portugal, todavia, há uma grande limitação ao encontro público fora do contexto religioso, pelo que a sociabilidade se desenvolve no espaço doméstico.

A Igreja perde rendimentos que lhe permitam assegurar uma produção cultural de ponta, passando a garantir apenas a liturgia tradicional. Simultaneamente desaparecem as ordens religiosas, subsistindo unicamente as mendicantes e as assistencialistas. Dá-se o desaparecimento sucessivo dos ducados. Com as revoluções liberais, desenvolve-se, cada vez mais, a cultura urbana, difundindo-se as bibliotecas, a literatura de cordel, a música urbana. O Estado e a Igreja reduzem significativamente o mecenato cultural.

No século XIX, embora o território nacional continue a caracterizar-se por uma prática cultural rural, associada às colheitas e às estações, nas cidades do país afirma-se uma elite burguesa local – os donos das fábricas, das terras, das casas – que enriquece muito rapidamente. Copiam o que vêm em Lisboa e surgem deste modo alguns equipamentos, como os teatros de modelo italiano, algumas bibliotecas, associações. Na impossibilidade de formar músicos e orquestras fora de Lisboa, por iniciativa da média burguesia urbana começam a formar-se bandas filarmónicas, que beneficiarão de ampla disseminação no séc. XIX e durante a primeira República.

As bandas filarmónicas e as colectividades a elas associadas foram e são estruturas de cultura que imprimiram a descentralização de equipamentos e a democratização do acesso ao ensino da música, num país onde a concentração dos recursos culturais mantém hoje características próprias de um regime absolutista.

No primórdio de um novo século, a Capricho Setubalense mantém o seu paradigma – a Banda, a Escola de Música, o Grupo de Teatro, com um activo grupo juvenil, a Dança, com expressões plásticas variadas – e, sem alterar a sua identidade, imprimiu a abertura do seu espaço às novas tendências da criação artística, com natural destaque para a música – da música moderna, ao jazz e ao fado – colocando o seu equipamento cultural ao encontro das necessidades dos criadores. Esta realidade traduz-se na oferta duma intensa agenda cultural, que assenta numa consolidada rede de parcerias com as autarquias, outras associações, escolas e muitos grupos informais.

Se analisada a oferta actual da Capricho, quer na programação de eventos, quer nas actividades educativas, identificamos facilmente a mesma matriz de há cerca de século e meio, ou seja, uma produção cultural marcadamente urbana, que concilia as formas intemporais à criação de vanguarda, onde se cruzam públicos tradicionais com os públicos das subculturas alternativas.

Podemos assim deduzir que esta sociedade musical, criada há 148 anos por capricho, perdura hoje por vontade expressa da Cidade – dos alunos, dos músicos, dos criadores e agentes culturais e dos distintos públicos que tem contribuído para formar. Está, por isso, garantido o seu futuro.

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Setúbal, Vitória

Vitória: um século a caminho do futuro

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Uma centena mais cinco anos passaram desde o longínquo 20 de Novembro de 1910. O Vitória Futebol Clube cresceu, enraizou-se na sociedade setubalense, tornando-se uma instituição fundamental da sua cultura desportiva, implantou-se no panorama desportivo nacional, alargou a sua oferta desportiva, reforçando a sua natureza ecléctica.

O Clube moldou fornadas de campeões, conquistou títulos nas mais diversas modalidades, sobe respeitar os seus adversários e merece o respeito que lhe é dedicado quando se desloca a qualquer parte do país ou do estrangeiro. Esse enorme peso que o emblema sadino acarreta, conhecem-no e sentem-no os seus atletas.

O Vitória Futebol Clube tornou-se numa gigantesca realidade na cidade e na região de Setúbal. Por esta escola de formação de atletas e de seres humanos passaram gerações de jovens, mulheres e homens, que se revêm nesta instituição e que são o garante do seu futuro. Bandeira de uma região, e quantas vezes do País, o seu papel vai muito além do plano desportivo. A instituição Vitória é factor de unidade e de identidade dos setubalenses, de elevação da sua auto-estima, é parte inalienável da sua memória colectiva. O Clube assume um destacado papel desportivo, mas também social e cultural.

Ao longo dos seus prestigiantes 105 anos de vida o Vitória fez história. Em Portugal, conquistando 3 Taças de Portugal e inúmeras vezes classificando-se nos lugares cimeiros da divisão primeira do futebol nacional. Alcançando, nas diversas modalidades, títulos nacionais e internacionais, feito que ainda hoje se vai repetindo. No palco do futebol internacional trofeus como a Mini Copa do Mundo – frente aos poderosos Santos, Werder Bremmen, Chelsea -, o Trofeu Teresa Herrera, o Trofeu Ibérico, entre muitos outros que aqui não cabe enumerar, mas que vale a pena honrar. As idas noites europeias em que o Vitória foi enorme face aos senhores do futebol mundial como Liverpool, Inter de Milão, Spartak de Moscovo, espalhando o perfume do seu mágico futebol pelos relvados da Europa, afirmando-se como um verdadeiro tomba gigantes e creditando o respeito e o receio dos adversários.

Na última década, não obstante muitas agitações, o Vitória voltou a escrever a ouro nas páginas do desporto português ao vencer a Taça de Portugal, a Taça da Liga e a Taça Ibérica. O clube voltou também a inscrever campeões nas modalidades amadoras, merecedoras de todo o nosso carinho e atenção.

Setúbal viveu todos esses momentos a par e passo. A história do Clube chega a confundir-se com a própria história da Cidade durante o último século. O Clube, a sua mística, reflectem os traços essenciais da cultura e da identidade da sociedade setubalense. A atitude laboriosa, a humildade, a dedicação, a persistência e a confiança face às adversidades. Em 1910, na aurora da República, numa Cidade profundamente marcada pelas desigualdades sociais e económicas e pela luta de classes – completamente estanques, pois os pescadores e operários viviam nos arrabaldes de Troino e das Fontaínhas, enquanto a burguesia se passeava pelo boulevard da Avenida da Praia (hoje Av. Luísa Todi) – o Vitória constitui-se como o primeiro denominador comum da Cidade, factor de unidade que hoje se mantém.

A actualidade tem marcado as dificuldades em que o Clube e a SAD se encontram. Não me refiro ao recente e público desentendimento entre a Câmara Municipal e a Direcção do Vitória, que estou certo, rápida e tranquilamente se ultrapassará, não merecendo sequer futuro registo na história da Cidade. Reporto-me sim aos enormes constrangimentos e encargos financeiros por cumprir que assolam a nossa colectividade.

Entendo que é fundamental que os associados do Vitória adquiram consciência da gravidade da situação. Urge encontrar as soluções que permitam, não só a resolução dos problemas imediatos, mas também – e sobretudo – a resolução do desequilíbrio financeiro estrutural existente, essencial para garantir o futuro do Clube e do futebol profissional ao mais alto nível.

Em momento de aniversário, quando se impõe a vitoriana exaltação e a valorização dos 105 anos de história e dos seus protagonistas, perguntar-se-ão porventura o porquê de lançar estas questões. É que este é o maior desafio que se coloca ao nosso clube. Parece-me apropriado que este momento de reunião da família vitoriana seja também ele um momento particular de reflexão colectiva sobre o futuro, de congregar vontades e canalizar sinergias para aquilo que nos une e que é o objecto desta nossa associação.

E porque acredito que o futuro do clube, em todos os momentos da sua vida, pertence sempre aos seus associados. É na certeza desta premissa que confio que todos não seremos demasiados e que cada um aporta um importante contributo para viabilizar e engrandecer o Vitória.

Parabéns Setúbal! Parabéns Vitória!

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