O brutal empobrecimento para que os portugueses estão a ser atirados coloca sérias dúvidas sobre o modelo de desenvolvimento seguido em Portugal nos últimos 25 anos. E demonstra que tudo era ilusório. Um ciclo político que se mostra desacreditado, quiçá esgotado, e cujos protagonistas se mantém à tona por falta de comparência de alternativas credíveis. Pode o Partido Comunista Português – uma força de limitada dimensão eleitoral, mas com grande importância social, fazer parte dessa alternativa?
Desemprego, cortes salariais, divida pública e enfraquecimento acelerado do Estado Social são alguns dos aspectos mais visíveis da Grande Desilusão. Qualquer que venha a ser o caminho, prosseguirá a cedência de soberania iniciada com a adesão à CEE. É a velha questão do federalismo europeu. Já todos percebemos que esse federalismo será dominado pelos grandes países, nomeadamente a Alemanha. E não se vê força político-social que se possa opor com eficácia a esse caminho.
Se a grave crise financeira está a ter profundos reflexos na população, muito provavelmente também o terá no sistema político. Surgem os apelos às grandes coligações, o que quer dizer “bloco central” PS/PSD ou bloco central+AD, um remake daquilo que o país conheceu em 1983-85. Isto é, soluções já usadas no passado.
E não há consequências a tirar quanto ao funcionamento do sistema partidário?
Um sistema desequilibrado
O actual sistema de partidos nasceu nos tempos fundadores do regime, em 1974-1975 e divide-se, genericamente, em três constelações que não registaram grandes mudanças. Exceptua-se a circunscrita experiência do PRD eanista dos anos oitenta:
A primeira) a direita clássica, PSD e CDS que, com pragmatismo e relativa facilidade, chegam a acordo entre si. Há um lastro histórico de coligações e acordos entre estes dois partidos que vem dos anos setenta (AD de Sá Carneiro e F.Balsemão) e que tem tido actualizações ao longo dos tempos (governos Durão Barroso, Santana Lopes). Quando um dos partidos (PSD) não tem maioria, é fácil associar-se ao outro (CDS);
A segunda) o PS, o partido central do sistema. O seu historial de alianças e acordos situa-se à direita: já fez coligações com o PSD (bloco central – Mário Soares/Mota Pinto) e com o CDS (1978). Nas grandes opções estratégicas – Europa e políticas económicas -, coincide com o bloco da direita clássica. Pontualmente faz acordos à sua esquerda, nomeadamente nas chamadas matérias de “consciência”.
A terceira) o PCP a que, nos últimos actos eleitorais, se veio juntar no lado esquerdo do parlamento o BE, Bloco de Esquerda, herdeiro dos antigos UDP e PSR e Politica XXI. As suas forças não são imediatamente adicionáveis, embora partilhem, por um lado, uma área política comum e, por outro, um historial de duras fricções ideológicas nascidas nos anos sessenta do século passado (o maoismo, o trotzkismo e outras disputas). Estão próximos em diversas matérias.
Se este é o primeiro plano de leitura do espectro político-partidário, vejamos um segundo nível: o do auto-designado “arco da governabilidade”. Isto é: PS, PSD e CDS, aqueles que têm garantido a “estabilidade” do sistema vigentenas últimas décadas. Dos partidos com representação parlamentar, o PCP de fora sempre ficou.
Este o retrato do rotativismo do Portugal pós 25 de Abril
Influência social versus influência política
O PCP é o grande partido histórico da esquerda portuguesa, distinguindo-se por um longo historial de resistência que lhe permitiu atravessar todo o período do Estado Novo, com grande sacrifício pessoal para muitos dos seus militantes. Ao contrário da maioria dos seus partidos-irmãos europeus, a sua origem histórica (fundado em 1921) não radica em cisões do movimento socialista, mas sim nas fileiras do pujante anarco-sindicalismo das primeiras décadas do século XX.
Mantém até aos dias de hoje uma importante acção em todos os sectores da vida nacional. No plano social basta constatar a sua posição hegemónica no movimento sindical e noutras estruturas representativas de trabalhadores; como no associativismo popular dos mais diversos tipos; ou no movimento cooperativo; ou ainda nos movimentos sociais e de opinião publica. Influência que radica na sua concepção e prática leninista de partido que conta com um corpo de profissionais dedicados à causa da revolução.
O PCP confronta-se hoje com o facto de ter uma representação eleitoral que não ilustra a sua influência social. Os seus 15 deputados representam actualmente (legislativas de 2009) 7,86% do eleitorado nacional, correspondentes a 446.994 votos. É o quinto partido na Assembleia da Republica. Já no poder autárquico, através da CDU, a sua expressão é maior: governa 28 câmaras e tem 651 eleitos em assembleias municipais e 2266 em assembleias de freguesia. É, folgadamente, o terceiro partido.
Os conflitos fundadores
Fruto dos conflitos políticos registados durante o período que se sucedeu a 25 de Abril de 1974, o chamado processo revolucionário em curso (1974-1976), o PCP foi colocado na margem do sistema pelo sector político-militar vencedor do 25 de Novembro de 1975. Com as excepções das participações nos Governos Provisórios (Maio de 1974 a Julho de 1976), sempre esteve arredado das soluções de governo nacional.
Afastamento que se traduz numa das maiores incongruências do sistema político português: Um sistema parlamentar com 4 ou 5 partidos em que apenas 2 ou 3 se sucedem no Governo; Um partido com significativa representação política, social e eleitoral sistematicamente arredado das soluções de poder há 34 anos!
E porquê?
Uma primeira explicação histórica: o processo político pós 25 de Abril teve no PCP (e no conjunto de forças por si dinamizado) o principal motor de oposição às políticas das sucessivas maiorias do partido central e/ou do bloco da direita clássica: as privatizações, o fim da reforma agrária, a adesão à CEE, a moeda única, de entre outras.
Uma segunda explicação, também histórica: até à implosão do bloco liderado pela URSS, o PCP era um aliado do PCUS, o partido-irmão que dirigia a União Soviética, e qualquer solução de poder que passasse pelos comunistas seria vetada pela NATO – como, aliás, aconteceu em 1975 e está hoje documentado à exaustão (*).
Mas estas explicações são limitadas no tempo e sua validade há muito que se esgotou. O pavor que os comunistas instilavam nos seus adversários morreu com o fim do Pacto de Varsóvia e foi substituído por outros medos. Já não são la bête noire, embora alguns ainda não o tenham percebido.
(*) Vide “Carlucci vs. Kissinger. Os EUA e a Revolução Portuguesa”, de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá, edição Dom Quixote, 2008.
(CONTINUA)
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