Mais do mesmo. Sem surpresas, Cavaco Silva cumpre a tradição de reeleição do Presidente em funções à primeira volta e Manuel Alegre, apesar dos importantes apoios partidários de que dispunha, vê esfumar-se, com uma pesada derrota, a sua última oportunidade de ocupar o lugar. A disputa de uma segunda volta era praticamente a única dúvida destas eleições.
A maior surpresa veio de Fernando Nobre, o aliado estratégico de Cavaco contra Alegre, que se posicionou com a postura utilizada pelo socialista nas presidenciais de 2006, a do enfant terrible empunhando a bandeira da cidadania, que apimentou com um discurso anti-partidos. José Manuel Coelho, o one man show, foi outra surpresa. Francisco Lopes logrou segurar o tradicional eleitorado comunista, a quem, aliás, a sua candidatura era destinada, mantendo a importância política do PCP.
Com a sua proverbial sobranceria e partindo com a vantagem de quem ocupa o lugar, Cavaco Silva passou pelos “casos” pessoais da campanha (SLN/BPN, casa de férias) com olímpica indiferença e sem explicações. Foi a sua estratégia de contenção de danos. Contou, como sempre, com uma “imprensa muito suave“, como ele próprio caracterizou os media portugueses no telegrama da embaixada dos EUA citado pelo Wikileaks; uma imprensa rapidamente levada “às cordas” pelo estigma da honestidade do homem e da superior importância dos “temas sérios” – como se a demonstração da seriedade dos candidatos não fosse a pedra de toque da sua seriedade enquanto políticos.
Em 2010, tal como em 2006, o PS partia para a campanha com a estratégia condicionada. “Os erros pagam-se”, como ouvimos sabiamente a Almeida Santos durante a campanha. O ciclo presidencial 2006-2016 ficou definido quando o PS patrocinou a candidatura de Mário Soares contra o seu camarada Manuel Alegre. Agora foi apenas o segundo acto de um libretto que já se conhecia. E, assim, um país sociologicamente à esquerda elege um Presidente oriundo da direita.
O que já se esperava:
A abstenção. Confirma-se que quando um Presidente em funções se recandidata para um segundo mandato a abstenção aumenta significativamente. Não há para o eleitorado a percepção de que esteja, de facto, uma mudança em perspectiva. Já em 2001, aquando da reeleição de J.Sampaio a abstenção tinha atingido 50,29%. Valor agora ampliado, embora esteja por perceber o impacte que as dificuldades e confusões registadas nas mesas de voto e que impediram um número indeterminado de eleitores de votar.
Resolvido à 1ª volta. Era a única verdadeira dúvida destas eleições, embora os estudos de opinião indicassem já a grande probabilidade de a eleição ficar resolvida no primeiro turno.
O resultado de Cavaco Silva. Apesar de reeleito, Cavaco Silva (52,94%) fica abaixo do valor registado por Jorge Sampaio (55,55%) aquando da sua reeleição em 2001. É, aliás, um dos mais baixos resultados obtidos em reeleições por presidentes em funções. Tal facto não deixará de lhe ser apontado. Contudo, ganhou em todos os distritos do país, incluindo Beja, que lhe havia fugido há cinco anos.
Francisco Lopes, o candidato do PCP. O Partido Comunista mantém intacto o seu peso eleitoral. Com 7,14% e mais de 300 mil votos ultrapassa os valores que obtivera com António Abreu (223.196 votos, 5,16%) aquando da reeleição de J.Sampaio em 2001. Embora também afectado pela abstenção, se considerados os valores da primeira eleição de Cavaco Silva, quando Jerónimo Sousa atingiu 474.083, 8,64% dos votos expressos.
As surpresas
O funcionamento do sistema eleitoral foi a maior de todas as surpresas. Inúmeros eleitores com cartão de cidadão não puderam votar um pouco por todo o país. Problemas nos sistemas informáticos do Ministério da Administração Interna mostraram falhas que já não se viam desde há muitas eleições.
A dimensão da derrota M. Alegre. Perdido que foi o efeito-surpresa conseguido nas anteriores presidenciais, viu parte do eleitorado do seu partido (e porventura dos seus votos de 2006) desertar para outras candidaturas, nomeadamente a de F.Nobre. O grupo soarista, que nunca lhe perdoou a afronta, reservou-lhe um “cá se fazem, cá se pagam”, num estilo de vingança servida fria. O patrocínio do PS e do BE condicionou Alegre, levando-a a algumas hesitações, casos do orçamento de Estado para 2011, do BPN, dos apoios públicos ao ensino particular e cooperativo e, em geral, todas as questões em os partidos seus apoiantes divergissem. Cavaco e F. Nobre incumbiram-se, com a cumplicidade de diversos dirigentes socialistas, de o empurrar para a esquerda, daí resultando a sua perca nos sectores centrais. Fica por avaliar o impacte em futuros entendimentos entre o PS e o BE.
Os resultados de Fernando Nobre e de José Manuel Coelho foram as maiores surpresas em termos numéricos. Representam, de certa forma, o voto anti-partidos. A significativa dimensão do voto em F.Nobre, 14%, augura que poderá ser tentado a fazer um percurso político; na linha das experiências (falhadas no passado) do PRD eanista ou do mais recente movimento alegrista. José Manuel Coelho foi um eficaz fenómeno comunicacional, recorrendo a uma linguagem irónica, fluída e directa, servida com técnicas de agit-prop (vide a entrega da miniatura de um submarino na sede do CDS e similares) potenciadas pela imagem televisiva.
A votação na Madeira. O mesmo J.M.Coelho, com 39,01%, consegue uma votação impressiva na Madeira. Alberto João Jardim que se cuide porque tem agora um adversário de peso pela frente. Uma verdadeira bipolarização que colocou todos os outros candidatos com votações inexpressivas.
Outros. Resultados em Setúbal. C. Silva ganhou em todos os concelhos do distrito (em Alcácer do Sal, curiosamente, apenas por mais um voto sobre F. Lopes). Ganhou também em todas as freguesias de concelho de Setúbal… com excepção do Sado, onde ficou em terceiro lugar, atrás de M.Alegre (1º) e Francisco Lopes (2º).
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