Agora que o país começa a perceber com maior amplitude os efeitos do acordo com a troika e que muitos esperariam que os responsáveis pelo estado da situação fossem penalizados nas urnas, a recuperação do PS e de Sócrates nas sondagens de opinião mostra o quanto o exercício da política é uma arte em que os protagonistas devem estar dotados das melhores estratégias e de algumas competências específicas. Mas quem tudo decidirá são os trinta por cento de indecisos, segundo números das mesmas sondagens.
Os resultados obtidos pelo PS de Sócrates nas mais recentes sondagens não deixam de constituir um caso de óbvio interesse para os observadores do sistema político: depois de seis anos no governo e de ter conduzido o país a uma situação de pré-desastre, os políticos por isso responsáveis parecem beneficiar da complacência de uma parte relevante dos eleitores.
O que nos ajuda a compreender este facto?
Um) Gestão do calendário. Escolher o motivo e o momento das eleições: após a demissão do governo ficou claro que o PSD não tinha programa para apresentar e que Passos Coelho tinha sido apanhado “com as calças na mão”: tiros para o lado a propósito das mais diversas matérias sobre que se foi pronunciando em declarações a televisões, mas que acabaram por acertar nos seus próprios pés. A dupla P.Coelho-Catroga parece funcionar com o velho ministro de Cavaco a dar as ordens e o jovem líder a ir atrás, ainda a aprender, .
Dois) Uma mensagem clara. “A culpa foi da oposição quando chumbou o PEC IV” é a base central do argumentário socialista para as Legislativas. Transferir para a oposição a responsabilidade pelo agravamento da crise da dívida soberana, da chegada do trio FMI/BCE/UE e do consequente agravamento das medidas de austeridade,. Uma mensagem que varre para debaixo do tapete as suas próprias responsabilidades, nomeadamente as resultantes das opções nos dois últimos anos no contexto da crise internacional iniciada com o caso dos sub-prime.
Três) Gestão comunicacional – começou com a espectacularidade de uma deslocação a Belém para apresentar uma desnecessária demissão, logo que conhecido o “chumbo” do PEC IV e passou por um congresso socialista produzido para iluminar e projectar o líder (o que lhe valeu a evocação de uma certa mitologia norte-coreana), apagando praticamente tudo o resto num mar de bandeiras nacionais para telespectador ver; continuou com as sucessivas entrevistas do PM e a sua omnipresença mediática – perante quem todos personagens das suas linhas se apagaram em óbvia manifestação de “unidade”. Sócrates é, sem dúvida, um bom comunicador que o público conhece. Dispõe de uma imagem cuidada e seguramente bem assessorada, que procura esconder “atrás dos arbustos” todos os erros cometidos pelo líder. Mas quem o aconselhou a falar apenas das não-medidas na comunicação ao país que antecedeu a divulgação do memorandum da troika? Um gesto demasiado parolo para não ser notado.
O que vem ai?
Os partidos do auto-designado “arco governativo” (PS, PSD e CDS) têm o seu programa de governo já estabelecido – está inscrito no memorandum. No mês que nos separa das eleições, iremos tentar perceber se há diferenças programáticas entre esses partidos ou se nos limitaremos a uma escolha entre as cuidadas imagens dos seus líderes. O grau de responsabilidade de J. Sócrates pela situação actual que venha a ser percepcionado pelos indecisos será correspondente à medida da sua penalização nas urnas.