O acordo político apelidado de geringonça revela, seis meses após a constituição do Governo, que funciona melhor do que aquilo que lhe auguraram. Cada dia é um dia de negociação e o Parlamento adquiriu uma função central no sistema político. Uma lufada de ar fresco! Entre a reposição de rendimentos e o cumprimento dos ditames do pacto orçamental corre uma estreita faixa que ditará o sucesso do Governo de A. Costa.
Estabilidade
A solução encontrada trouxe ao país estabilidade política e uma solução maioritária no parlamento – o que não é coisa pouca perante os resultados eleitorais de Outubro de 2015.
O ineditismo da solução credibilizou a Política ao revelar caminhos nunca antes experimentados em quarenta anos de regime democrático. Uma solução que, não sendo inédita na Europa, pode ainda encontrar eco em Espanha com as eleições de 26 de Junho.
Baixas expectativas
A constituição de um Governo PS apoiado pelos partidos da esquerda foi recebida com uma odienta campanha em que não faltou a apodrecida artilharia anti-comunista, suportada pela maioria dos comentadores residentes das televisões e imprensa mainstream – parte deles já começou aliás a “virar o bico ao prego”. Eram pois baixas as expectativas com que foi recebido.
Ao Governo de A. Costa não foi concedido o tradicional benefício da dúvida. Desde o primeiro dia que se confronta com mar alteroso. Mas o mais preocupante é a oposição que chega dos círculos de decisão europeia, nomeadamente da Comissão, com ameaças permanentes de castigos em torno da sacrossanta questão do défice. É manifeste que esses círculos querem impor orientações políticas estritas, deixando o Governo com margem de manobra muito reduzida.
As baixas expectativas e a permanente ameaça dos “comentadores” da eminência de uma quebra do apoio político ao Governo têm também sido um dos maiores estímulos para o êxito de geringonça até ao momento.
O parlamento e a negociação permanente
Sem maiorias claras saídas das eleições, o parlamento preenche nesta legislatura aquela que é uma das suas mais importantes vocações, a de centro do debate e da decisão política. Bem ao contrário do que o sistema nos havia habituado desde há muito – uma mera câmara de eco de maiorias absolutas
Negociação intensa e permanente, com divergências expostas e do conhecimento público – uma (nova) forma de fazer política. Uma saudável forma de fazer politica!
Apesar dos acordos das esquerdas, não deixa de ser possível assistir a uma certa geometria variável, nomeadamente nas matérias que não constam nos acordos bilaterais celebrados entre PS, PCP, BE e PEV.
Uma nova atitude na frente europeia
A atitude subserviente de “ir além da troika” que P. Coelho propalou aos quatro ventos deu poucos resultados. Ou, para a usar a expressão cínica de um líder parlamentar do PSD “O país melhorou mas a vida das pessoas não”.
É certo que a Comissão Europeia ameaça agora Portugal com sanções pelos resultados conseguidos… com as políticas e as medidas a que obrigou o país ou pela trajectória orçamental deste ano. Sanções essas que, quando forem discutidas, não deixarão de trazer ao debate as violações do tratado por parte de Estados ricos – uma caixa de pandora, como se adivinha.
Uma posição negocial mais interventiva e exigente na frente europeia não deixa de revelar uma nova postura. Mesmo os socialistas europeus dão agora alguns sinais de perceber que a agenda em que se deixaram envolver com o pacto orçamental é má e só contribui para aumentar as desigualdades entre os países da UE, mantendo a situação de estagnação.
São visíveis sinais de diálogo, anda tímidos, entre os Governos dos países vítimas da paranóia austeritária, como Portugal, Grécia, Itália, com a Espanha em stand by. A solução que sair das eleições espanholas – nomeadamente se com uma maioria de esquerda, não deixará de se reflectir nos grandes equilíbrios europeus.
Europa: mudar de rumo?
É lógico que tinha que haver “reversões” de decisões do governo anterior, tão más e danosas elas foram. A começar por alguma reposição de rendimentos, que teve na origem cortes que afectaram a generalidade da população mas que se abateram em especial sobre pensionistas e trabalhadores dos sectores da administração e empresas públicas.
A anulação da privatização de empresas com actividade de importante impacto social, caso dos transportes e TAP, foi uma medida de sanidade pública. Sempre foi claro que a fúria privatizadora – que alienou empresas fundamentais para a soberania, como a EDP ou a ANA, não tinha a simpatia da maioria da população.
Parte importante do sucesso da geringonça joga-se agora no crescimento da economia, em que o relançamento do consumo interno tem merecido especial atenção. Mas joga-se também na inversão das suicidárias políticas de austeridade e na reformulação dos critérios do pacto orçamental, transformado numa “camisa-de-onze-varas” para os países mais pobres da União. Para isso é necessário um novo equilíbrio politico na Europa.