Política

Machete, esse anti-americano

Os americanos não gostavam de Rui Machete, que, não por coincidência, foi presidente da Fundação Luso Americana durante mais de duas décadas, como se ficou a saber este fim de semana pelos telegramas surripiados pela Wikileaks e que o “Expresso”, esse intrépido paladino da investigação jornalística, publicou nas suas páginas.

Este é, talvez, o pedaço de informação mais inútil que nos foi revelado em quatro páginas de coscuvilhice inconsequente e absolutamente desprovida de outro interesse que não o de apenas nos fazer sorrir perante o que pensam os diplomatas americanos dos nossos militares. Confirma-se também o que já todos sabíamos, ou seja, que, mais do que preservar boas relações políticas com estados amigos, interessa aos americanos salvaguardar os seus interesses económicos, nem que seja apenas para vender umas fragatas a cair de podre…

Nas páginas de Balsemão ficamos a saber que o jornal é muito responsável, muito sério, muito atento… Antes de divulgar os telegramas, perguntou ao Governo o que é que achava, não fôssemos nós, desprotegidos leitores, ficar a saber algo que não devíamos. Nem a censura salazarista teria conseguido melhor.

Ora aí está um verdadeiro simulacro de investigação jornalística que pouco ou nada adianta ao que já sabemos sobre os americanos.

Porém, há que reconhecer que pelo menos uma pessoa fica bem vista nesta história: Rui Machete. Tenho agora muito mais consideração por ele.

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Geral

O sacrifício das semi-virgens vikings

O caso de Assange com as vikings suecas que fazem uma enviesada acusação de violação, tem contornos obviamente políticos mas coloca em questão no que juridicamente se pode  transformar a justa luta das mulheres pela defesa da sua dignidade, ainda e continuadamente maltratada em muitos lugares do mundo em particular nos países islâmicos. É um exemplo de como essa defesa, vazada para a lei, se pode tornar uma caricatura dessa mesma defesa, debaixo da máscara do politicamente correcto. As acusações a Assange, feita pelas duas semi-virgens suecas, não podendo ser dissociadas do seu carácter político, têm uma face trágico-cómica, a dar visibilidade inusitada  a leis que, muito justamente, defendem a mulher de uma subalternidade milenar  e acabam por ultrapassar a fronteira da incongruência quando a protegem minuciosa e excessivamente. São uma caricatura dessa defesa, possibilitando alegações fantásticas que o mais elementar bom senso não aceitaria.

A notícia que “linkamos”, pondo em primeiro plano a história política, refere com algum pormenor a relação de Assange, melhor dizendo das duas suecas com Assange. Tem aspectos picarescos que até seriam divertidos, não fosse a gravidade dos objectivos perseguidos pelos acusadores.

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Geral

Do Capitólio para a Rocha de Tarpeia

Julian Assange, fundador do Wikileaks uma organização transnacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia que publica, no seu site, posts de fontes anónimas, documentos, fotos e informações confidenciais, vazadas de governos ou empresas, sobre assuntos sensíveis, foi hoje preso em Inglaterra.
Depois de revelar documentos secretos muito comprometedores para os EUA, sobre práticas brutais das tropas aliadas no Iraque e no Afeganistão, estava em curso a divulgação de mais de 250 mil informes secretos que colocavam em causa os Estados Unidos e incidiam sobretudo sobre a actividade diplomática norte-americana, o que fez soar as sirenas de alarme da corporação diplomática em todo o mundo, particularmente, a do chamado mundo ocidental.

Sobre Julian Assange chovem acusações das mais variadas, das políticas às pessoais. Pedem-se condenações da pena de morte a prisão de dezenas de anos. Será fácil condená-lo, as leis fazem-se exactamente para proteger os mais fortes e para lhes garantir o direito à liberdade.

Poderia não ser assim. Assange condenado à Rocha de Tarpeia por ter atacado um país poderoso como os EUA, poderia aspirar a um lugar no Capitólio se em vez dos Estados-Unidos o seu alvo tivesse sido Cuba. A revelação de documentos secretos cubanos mereceria a compreensão dos meios diplomáticos que o condenam  e denigrem apelidando-o de coscuvilheiro. Seria um fortíssimo candidato ao prémio Sakharov, da União Europeia.

Assange poderia mesmo ir mais longe na sua glória e chegar ao topo do Capitólio. Se em vez dos Estados Unidos o seu alvo tivesse sido a China ou mesmo a Rússia, tinha garantido a nomeação para o Prémio Nobel da Paz em 2011, com todos os que agora o empurram para o abismo, sentados a aplaudi-lo veementemente.

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Cultura, Política

Segredos… ou nem tanto

Vivemos numa época que tem tanto de fantástico como de terrível. A ideia de segredo  é certamente uma das que está sofrer o maior abalo.

Antigamente e recorrendo a primeira definição de dicionário (*), segredo queria dizer:  “Coisa que não deve ser sabida por outrem “. Mais que classificar uma informação como segredo – e há quem tenha essa competência atribuída por normas ou leis – é hoje mais difícil guardá-lo. E é-o porque, associado às capacidades e à natureza acelerativa das redes, irrompeu e ganhou foro uma nova dimensão da vida em sociedade – o interesse público, a outra face do interesse privado.

Provavelmente achamos bem que haja segredos; mas adoramos saber os segredos dos outros. É da natureza humana. Daí que tenham florescido as indústrias que se dedicam aos segredos – das revistas de mexericos às agências de informação (espionagem) que, aliás, não nasceram ontem.

Conhecem-se hoje processos em “segredo de justiça”, “segredos pessoais”, “segredos militares”, “segredos bancários” ou “segredos profissionais”. Os segredos militares dos americanos aparecem agora regularmente publicados na internet no sitio WikiLeaks; tal como muitos “segredos pessoais” são  escritos e comentados em sítios como o facebook, o twitter e outros. De qualquer forma se um segredo deixa de o ser, foi porque quem tinha que o guardar não o soube fazer ou porque alguém teve a habilidade de a ele aceder.

O que é resta então da intimidade das pessoas, das organizações e dos países? Muito pouco, se passar por plataformas electrónicas. Os orçamentos milionários dedicados à protecção informática de dados não parecem impedir que um “hacker” (às vezes com outras ajudas!) experimentado a eles aceda e lhes dê a utilização que entenda. E a facilidade de instantaneamente os levar aos quatro cantos do mundo… Como sabemos a informação é um bem precioso. E o sentido da sua utilização é como o da energia nuclear – ora para fins pacíficos ora para fins letais. A propósito do escândalo WikiLeaks dizia-me um amigo, “se as informações fossem sobre os cubanos, davam-lhe o prémio Nobel”. Pois é!

O que é que mudou relativamente ao passado?

A imprensa e a comunicação. Se a imprensa, nos dois últimos séculos, foi lentamente criando uma rede que permitiu a disseminação limitada (geográfica e temporal) da informação, com a economia digital dos bits tudo acelerou, tornando o mundo na “aldeia global” que Marshall McLuhan (1911-1980) anteviu. Comprar todos os exemplares do jornal à chegada à estação (como já aconteceu) ou destruir o telégrafo já não são opções para impedir a divulgação de um segredo ou de uma notícia que interessa a muitos.

Por outro lado, a afirmação da esfera pública. O direito da sociedade discutir, analisar e apreciar. Se essa função era (ainda é) mediada com a participação da imprensa, hoje os espaços de debate e os fóruns são múltiplos e permitem a que cada um possa ser um actor nesse debate.

Vivemos pois numa época de banalização dos “segredos”. Todos os dias circulam milhares de segredos na internet e nas redes de dados. Ninguém julgue que vai conseguir guardar um segredo. Basta inseri-lo numa base de dados, tornando-o num documento digital, para aumentar significativamente a possibilidade de deixar de o ser… Agora sim percebemos o completo alcance do novo conceito estratégico da NATO quando se refere a ataques cibernéticos; Peter Assange, o patrão do WikiLeaks, que se cuide que já está com a aliança à perna.

segredo (ê), s. m., 1. Coisa que não deve ser sabida por outrem; 2. Coisa que se diz a outrem mas que não deve ser sabida de terceiro.; 3. Reserva, discrição.; 4. Arte, ciência.; 5. Meio pouco conhecido de fazer uma coisa.; 6. Receita secreta; 7. Lugar de uma prisão onde se conservam os presos que devem estar incomunicáveis; 8. Estado do prisioneiro incomunicável; 9. Esconderijo; 10. Mola oculta; 11. Meio de acção sabido apenas por alguns; 12. Causas desconhecidas; 13. O íntimo, o âmago.

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Política

Fatwas!

As revelações da Wikileaks continuam a abanar o mundo diplomático. Diplomatas na reforma, mais activos no comentário, e diplomatas no activo, mais contidos nas apreciações, são unânimes a condenar a actividade da Wikileaks. O mundo da espionagem guarda de Conrado o prudente silêncio.

Há argumentos para todos os gostos e de todas as cores. Há mesmo quem afirme que a diplomacia tem sido uma verdadeira alternativa à guerra. Nem sempre o terá sido. A história regista inúmeros exemplos em que a diplomacia serviu para intoxicar e facilitar o uso da força, garantindo as costas quentes a várias aventuras bélicas. Não esquecemos a cimeira dos Açores, com Durão Barroso como prestimoso porteiro.
Enfim … isso não é desvalorizar a actividade diplomática ou considerá-la uma actividade principalmente vocacionada para a frivolidade, embora muito pedagogicamente a leitura de “Cenas da Vida Diplomática” de Lawrence Durrell, infelizmente esgotado para quem não o leu, nos divirta com um retrato sarcástico e mesmo cruel.

No centro do furacão desencadeado pelo Wikileaks, há algo de relevante, que pode parecer lateral, altamente esclarecedor. Nos EUA, pelo que se lê numa nota de Tony Jenkins, publicada no Expresso, Mike Huckabee, membro destacado do Tea-Party, diz que Peter Assange devia ser executado, Peter King, membro da Câmara dos Representantes para as questões de segurança, quer que a Wikileaks seja considerada “uma organização terrorista estrangeira” o que configura uma declaração de guerra, Sarah Palin diz que Assange é “um agente anti-americano com sangue nas mãos”. Muitos outros, na mesma linha de tiro, multiplicam-se em ataques, mas não são referidos. O objectivo é o mesmo: se ainda não há leis suficientes para condenar Assange, ou futuros Assanges, à pena de morte ou prisão perpétua, que façam rapidamente essas leis para que não fuja à”patriótica” fúria.

O que é que isto se distingue das fatwas que tanto indignam o mundo ocidental e fazem saltar das cadeiras os intoxicados por uma cultura eurocêntrica, não se vislumbra.

Pode-se traçar um paralelo com os mujadhin afegãos acarinhados, financiados e armados sob a égide do inefável Zbigniew Brzenski, que foram e são o ninho de onde saíram os malditos talibãs.

Talvez se o Wikileaks estivesse a funcionar nessa altura se tivesse evitado que o Afeganistão e zona envolvente, se transformassem no actual vespeiro pantanoso, que não se sabe como irá acabar.

Há que anotar que, para aqueles próceres da diplomacia, aquilo é terreno de interessante e intensa actividade. Provavelmente interessante e estimulante para os protagonistas, com os maus resultados que se conhecem e hipotéticos bons por ora desconhecidos.

O que não se pode tolerar são dois pesos e duas medidas.

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Política

Mentir com todos os dentes

Se não foi isso que Sócrates fez na Assembleia da República quando respondeu em 2007 às questões que lhe foram colocadas por Francisco Louçã sobre os voos secretos de Guantanamo, então não sei o que será mentir com todos os dentes que se tem na boca…

Sócrates, ladeado pelo seu “unflappable” ministro Luis “Cool” Amado, para usar expressões do senhor embaixador americano em Lisboa, indignou-se, ofendeu-se, e, olhos nos olhos com os parlamentares desconfiados, negou que tivesse havido sequer um pedido ao Governo português para deixar passar os presos por território nacional.

Nunca aconteceu“, “acusação infundada“, “o relatório [do Parlamento Europeu] que foi recentemente divulgado é um relatório que não ajuda a verdade e profundamente mistificador” são frases utilizadas pelo Primeiro Ministro na negação de factos que a Wikileaks tornou, entretanto, evidentes, com a ajuda dos embaixador norte americano em Lisboa.

Vale a pena ver, a seguir, nesta posta, o video da indignação de Sócrates (e também fica o texto do telegrama do embaixador dos EUA, antes que apaguem de vez a Wikileaks…) e a comprovação do jeito que o Primeiro Ministro de Portugal tem, ele sim, para mistificar, para não usar outra palavra…

A divulgação das comunicações diplomáticas das embaixadas norte americanas espalhadas pelo mundo relançou, entretanto, a discussão sobre a divulgação de informação confidencial que, dizem alguns dos potenciais afectados pela operação de Julian Assange, assemelha-se a mera “coscuvilhice” e a um desrespeito pelo direito à privacidade. Esta discussão está, aliás, na ordem do dia em Portugal, com a recente divulgação de escutas que envolvem, mais uma vez, o Primeiro Ministro e a sua credibilidade e seriedade.

O ataque à divulgação destas informações é compreensível, mas não é admissível que se coloque em causa o seu manifesto interesse público. Aguardo com expectativa a divulgação de mais telegramas da embaixada lisboeta, mas a verdade é que este que já conhecemos justifica plenamente a divulgação de mais informações confidenciais, porque evidencia a falta de seriedade e honestidade de um Governo, neste caso do Governo Português, e isso, obviamente, eu tenho o direito de saber.

Aliás, foi com base neste pressuposto bastante simples que um presidente dos Estados Unidos foi forçado a resignar. Nixon foi empurrado para fora da Casa Branca por dois jornalistas teimosos que insistiram em conhecer informação confidencial, que apostaram em “Gargantas Fundas” posicionadas ao mais alto nível da administração americana. Se não fossem eles, um presidente desonesto, que não hesitou em recorrer à utilização de escutas para saber o que planeavam os adversários, teria continuado a ser presidente.

Não basta ter um discurso sobre a transparência e a seriedade da governação. É preciso praticá-lo. O que vemos, hoje, é que as políticas externas dos países ocidentais, em particular dos países europeus e dos EUA, refinaram ao máximo a hipocrisia subjacente às relações diplomáticas, mas refinaram também os métodos que utilizam para nos enganarem. Continuar a ler

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Política

O homem já se demitiu?

Em 2006, Luís Amado foi a uma comissão de inquérito na Assembleia da República sobre as suspeitas de o governo português ter autorizado os voos da CIA no nosso espaço aéreo e a utilização da base aérea dos Açores, no transporte de prisioneiros para Guantamano. Garantiu que era tudo mentira. Uma monstruosa cabala. Com a coragem dos bravos, afirmou que se demitiria na hora em que isso fosse provado.

Agora que os documentos publicados pela Wikileaks provaram insofismavelmente que o Ministério dos Negócios Estrangeiros sabia de tudo, Luís Amado cala-se como um rato, refugiando-se na banalidade de “não comento”. Um homem tão lesto a por o lugar á disposição para possibilitar uma coligação PS, PSD, CDS para supostamente ultrapassar a crise que as políticas desses mesmos partidos provocaram, uma contradição que não o incomoda, agora não cumpre a palavra que tão veementemente proclamou deixando-se de preocupar com o seu bom nome e dignidade. Entre a ameaça e a proposta de demissão há uma evidente jogada politiqueira. A primeira era um truque para acabar com a inquirição, a segunda é feita para que se lhe reconheça a “grandeza” do gesto e o recompensem.

No meio disto há um episódio patético: Portugal autorizava os voos da CIA com a condição de os prisioneiros não serem torturados. Ficámos sem saber se o governo português fornecia pulseiras coloridas, do género das que se distribuem nos hospitais, para distinguir aqueles que tinham o privilégio de passar por território nacional. A parvoíce não mata, se não o ministro nem teria tempo de se demitir.

O incómodo causado nos meios diplomáticos é evidente e faz perder a trasmontana mesmo aos mais inteligentes e dotados. Seixas da Costa, embaixador em Paris, publicou no blog que alimenta, um post intitulado Coscuvilhices onde acaba por afirmar que os documentos publicados pela Wikileaks sustentam o “voyeurisme” pateta de alguns setores sente-se deliciado com o acesso àquilo que deveria permanecer num registo discreto. É um belo teste de caráter, idêntico ao que qualifica quem revela conversas ouvidas nos locais públicos ou promove a divulgação de escutas telefónicas de natureza privada. Que se há-de fazer? São os novos “bufos”, as modernas comadres da eterna coscuvilhice.

O que não deixa de causar uma certa perplexidade num blog em que muitos post’s contam histórias curiosas, muitas se assemelham a inocentes coscuvilhices. Já é pouco suportável e mesmo condenável etiquetar de novos “bufos” quem revela factos importantes que desmascaram indignidades políticas, suportadas numa rede de mentiras. Pateta é argumentação do senhor embaixador construída com sofismas de pacotilha metendo tudo no mesmo saco, o que é irrelevante e distrai do que é importante, e o que é relevante para desmascarar as mentiras que nos vendem como verdades para manter o estado da arte a bem dos verdadeiros mandantes nos governos do mundo. Não fazer essa distinção é tem o propósito manifesto de baralhar.

Há que distinguir as opiniões sobre a personalidade e idiossincrasias deste ou daquele governante ou a solicitude em acariciar Luís Amado. São revelações que pouco ou nenhum interesse têm, abastecem onzeneiros e revistas ociosas. Agora saber que o Ministro dos Negócios Estrangeiros mentiu descarada e convictamente a uma Comissão de Inquérito da Assembleia da República, é relevante e o seu conhecimento é de interesse público.
Claro que quando as mentiras do patrão são desnudas na praça pública o corpo diplomático, com forte espírito corporativista, acorre a vozear que o rei não vai nu, isso enquanto muita espadeirada invisível e silenciosa se deve estar a cruzar no Palácio das Necessidades e suas sucursais distribuídas pelo mundo.

Nota: a transcrição do post de Seixas da Costa é fiel ao original, escrito pelo novo acordo ortográfico.

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