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A FRANÇA ESTÁ A ARDER

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A Liberdade Guia o Povo, Delacroix

Ontem percorrer os diversos canais de televisão e ouvir os diversos opinadores que sisudamente debitavam “inteligentes” comentários no rescaldo das eleições presidenciais francesas foi exercício penoso e inquietante. Hoje segue-se naturalmente mais uma enxurrada de textos dos mesmos e mais uns outros pares que, desta vez, não tiveram assento nos tablados televisivos e radiofónicos. A ruminação irá continuar triturando a miséria das filosofices de pacotilha, com maior ou menor conhecimento local, o que pouco acrescenta além de uns dourados na moldura. Feito um balanço de tanto falazar, conclui-se que ler previsões astrológicas, os profissionais dessa área são igualmente numerosos e habilitados, até será mais produtivo. Entretanto a extrema-direita avança na Europa e no mundo por sobre os destroços das crises do capitalismo e da globalização, as consequências das políticas ditas de ajustamento, as traições dos socialistas e sociais-democratas submetidos aoa globalistas, as euforias das esquerdas caviar, enquanto a direita vai ajustando as suas rotas para não ficar fora das órbitas do poder. As preocupações que se expressam com os riscos do fascismo que se perfila seriamente no nosso horizonte são inconsistentes enquanto se meter a cabeça na areia e se procure curar um cancro em adiantado estado de desenvolvimento e com inúmeras metástases com comprimidos de melhoral, o tal que não faz bem nem faz mal. Dito isto à laia de prólogo, anexo a reflexão sobre as eleições francesas publicado no AbrilAbril  http://www.abrilabril.pt  de hoje.

 

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A Jangada da Medusa , Gericault

 

 

NO RESCALDO DAS ELEIÇÕES FRANCESAS

 

Os ventos da história que abalam a Europa e o mundo são fortes e estão poluídos. Mais uma vez, depois das eleições em França, sopraram mais fortemente com a contribuição dos violentos suspiros de alívio das medíocres classes políticas e seus felizes apaniguados alegremente satisfeitos com a eleição de Macron. Repetiram o alívio pulmonar que as eleições na Holanda, onde um populista bom ganhou a um populista mau, tinha estimulado. A vista curta dessas cortes, com amplo acesso a uma comunicação social estipendiada, satisfaz-se com a derrota de Le Pen, uma fascista das mais bem estruturadas nos campos da direita mais extrema. Não se detém no facto da Frente Nacional ser actualmente o maior partido francês que só não tem maior representação na Assembleia Nacional de França por via de um enviesado sistema eleitoral, o que não é motivo nem de orgulho nem de repouso. Os chamados partidos do sistema, socialistas e republicanos, estão esfrangalhados pelos escândalos mas, sobretudo, pela pauperização ideológica. O perigo próximo é Macron, nos próximos anos de mandato, adubar o caminho para Le Pen. Um percurso semelhante nas suas diferenças com o de Obama que facilitou a chegada ao poder de Trump, e Le Pen é bem pior que Trump, só que com menor arsenal, financeiro e militar, à sua disposição.

O cenário de fundo é a crise actual do capitalismo que promove os fascismos, como já aconteceu na história recente, em formato diferente, com Mussolini, Hitler, Franco, Salazar. A retórica da extrema direita, bem documentada nas declarações eleitorais de Le Pen, oculta o que o fascismo foi e é, um sistema de governo em conluio com grandes empresas, que favorecem economicamente com a cartelização do sector privado, os subsídios às oligarquias financeiras e económicas. Só idiotas inteligentes com demagogia populista por vezes sofisticada, por cá Lobo Xavier na Quadratura do Círculo é um bom exemplo, é que metem no mesmo saco as propostas económicas, políticas e sociais da esquerda com as das variadas Le Pen’s. É a direita a cavalgar os perigos reais do fascismo em benefício próprio e do capital que a apoia e sustenta. Sabem, bem sabem que propostas aparentemente similares na forma divergem radicalmente nos conteúdos, nos propósitos e nas práticas. Sabem, até bem de mais que quem está mais próximo das Le Pen’s são eles. É gente não olha a meios para alcançar os seus fins. Estão entrincheirados numa comunicação social controlada pelo capital financeiro globalizado que oculta que a extrema direita usando e abusando dos tiques populistas, seja Le Pen, Wilders, Farage, Petry, consegue mobilizar os cidadãos porque eles estão decepcionados e sentem-se traídos pelas políticas de ajustamento impostas pelos poderes supranacionais, FMI, Banco Central Europeu, Banco Mundial, União Europeia. Que isso acontece porque os partidos tradicionais republicanos, socialistas e sociais-democratas na Europa se associaram e submeteram às políticas económicas e sociais dos globalistas.

O enorme perigo que o robot da globalização Macron representa são as políticas económicas e sociais enunciadas no seu programa que já tinha defendido enquanto secretário-geral adjunto da Presidência da República no consulado Hollande e ministro da Economia de Manuel Valls. Os trabalhadores, as classes médias só podem esperar o pior. O quanto pior melhor alimenta populismos, tanto de esquerda como de direita, em particular da extrema direita. Só quem está longe da realidade e tem vistas curtas é que pode pensar que as crises abrem necessariamente mais espaço à esquerda e fica sentado à espera de colher os frutos pútridos quando caírem. As lutas pelos direitos políticos e sociais não se reforçam com as crises, que alargam sempre o fosso entre ricos e pobres. Quem se reforça são os populismos de todos os matizes. Quando as crises rebentam as pessoas humanamente interrogam-se sobre o dia de amanhã. A reacção mais imediata e espontânea é o receio pelo seu futuro. Se num primeiro impacto os princípios da sociedade que os impôs são postos em causa, a seguir regressam em força, pela mão dos agentes mais violentos do capitalismo. É o que se observa na Europa. Há sempre um recrudescimento da direita, da extrema-direita, do fascismo que floresce catalisado pelo quanto pior melhor. As esquerdas, em particular os comunistas, são as mais visadas por essa política de choque que tem a intenção deliberada de aterrorizar os cidadãos, preparar activamente o terreno para a liberalização radical do mercado.

A grande interrogação é se a esquerda, as esquerdas conseguem, nos espaços de interregno que se vão seguir às eleições na Europa, de algum modo regenerar-se. As dúvidas são muitas e legítimas. O passado recente faz temer o pior. É ver o quase terror que atravessa algumas hostes socialistas quando um homem como Jeremy Corbyn é eleito líder do Labour Party, tentando inverter, mesmo com alguma timidez, as desgraçadas políticas dos lideres trabalhistas thactherianos.

No momento actual há um dado político e ideológico fundamental. Enquanto a proletarização avança a passo largo em todo o mundo e o conflito central continua a ser o da luta entre o trabalho e o capital, o eclectismo político invadiu essas esquerdas, é um forte aliado do capital e da burguesia, o que é um triunfo ideológico da direita bem expresso tanto nas variegadas terceiras vias que colonizam os partidos socialistas e sociais-democratas, seja qual for a sua sigla, como também quando as lutas ditas fracturantes, pondo a tónica na exaltação das diferenças, ocupam lugar central em vez do lugar secundário que justamente deviam ter, confundindo lutas por mudanças de atitudes sociais com lutas por mudanças sociais de fundo.

Muito se fala em crise do sistema democrático, raros são o que colocam o dedo na ferida, o que também é uma forma de sustentar e favorecer as direitas com o fascismo perfilado ao fundo do túnel. O que se assiste é o acentuar da indiferenciação ideológica e programática entre esquerda e direita que se iniciou logo no fim da II Guerra Mundial e se acelerou, entre outros sucessos, com a generalidade dos partidos comunistas a consumirem-se autofagicamente na voragem do eurocomunismo. Na Europa, a evolução dos sistemas partidários aproximou-os cada vez mais do sistema partidário norte-americano em que o que separa democratas de republicanos é mais a forma que o conteúdo. A democracia representativa deixou de ser o lugar da luta de classes por via pacífica, como era proclamado pelos primeiros revisionistas sociais-democratas. A apologia da democracia tende a confundir-se com os partidos tanto mais quanto menos a realidade partidária corresponde ao ideal democrático. Os partidos tornaram-se numa finalidade em si-próprios, reduzem praticamente a sua acção e medem a sua representatividade em função dos resultados eleitorais. Deixaram de ser instrumentos ao serviço dos eleitores, o que é bem expresso pelo abismo que normalmente existe entre as promessas eleitorais e as práticas governativas mal alcançam o poder. São prolongamentos do aparelho de Estado, representando determinados interesses económicos que lhes dão apoio variável. São organizações eleitorais sem definição nem mobilização ideológica, confinando substancialmente a sua práxis política ao exercício da conquista do voto, o que é um gravíssimo retrocesso político-ideológico.

Nesse quadro, que se agrava tanto mais quanto mais a actividade política fica enclausurada nos momentos eleitorais, os cidadãos afastam-se da política, dos partidos políticos, descrentes das virtudes de um sistema democrático em que não se sentem representados. Essa é que é a crise do sistema, a real e dura crise do sistema iludida por retóricas de pacotilha, em que os grandes beneficiários são a direita, a extrema direita, no fim da linha, os fascismos. Tende a inflacionar-se se os partidos socialistas e sociais-democratas persistirem em continuar por essa vereda, destruindo lance a lance eleitoral a democracia representativa. Os fantasmas de, entre outros, Blair e Hollande, deviam ser um semáforo de aviso. O perigo, mesmo que adiado por uns tempos, vai continuar a assombrar a Europa e o mundo. Há que corajosamente enfrentá-lo.

 

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"Star-System", Artes, capitalismo, Cultura, Geral, História, Pós-Modernismo

Arte e artistas nos labirintos da pós-modernidade

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O Atelier do Pintor, Rogério Ribeiro

 

Na actualidade, no mundo das artes verifica-se uma regressão no estatuto social dos artistas. Depois da Revolução Francesa, quando a burguesia alcançou o poder político na sequência do poder económico que vinha consolidando desde o fim da Idade Média, os artistas foram-se libertando, de um sistema em que estavam completamente dependentes das encomendas  da nobreza, da aristocracia, do clero. Processo que já se tinha iniciado no liberalismo da monarquia inglesa. Essa grande transformação inicia-se nas artes visuais com o aparecimento dos museus, mais tarde dos salões e galerias de arte, na música e teatro com os empresários de salas de espectáculos e  espectáculos, alguns eles mesmos músicos como Haendel, na literatura com os editores independentes e a introdução dos suplementos literários nos jornais quando passaram a ser vendidos por número avulso. Suplementos literários que começaram a publicar romances em folhetim, prática em que distinguiram Alexandre Dumas, Eugène Sue, Lamartine.

Os artistas respondiam a encomendas em paralelo com o que realizavam para o mercado, para compradores que lhes eram desconhecidos. Walter Benjamin considera que o artista que melhor percebeu esse novo estatuto social foi Baudelaire que sabia qual era a real situação do novo homem de letras  “que se dirige ao mercado dizendo a si-mesmo que vai ver o que se passa, mas na verdade já anda à procura de comprador.”

A evolução foi muito rápida com alguns episódios dolorosos de artistas que morreram na miséria antes de ter o merecido reconhecimento. Hoje, no pós-modernismo, que Francis Jameson classifica como a lógica cultural do capitalismo terminal, atingiu-se um estádio em que “a sociedade  não tem mais necessidade de manter a relativa autonomia das actividades simbólicas, como a arte, a filosofia e as ciências humanas. Que tenta transformar os detentores de actividades simbólicas em funcionários do sistema produtivo (…) fazendo-os descer ao nível da realidade, ou seja da sua dependência directa dos imperativos económicos.” (Gianni Vattimo).  Nesse  quadro, os contextos da arte são cada vez mais influenciados pelo mercado, em que surgem massivamente compradores e coleccionadores, novos artistas, novos eventos como feiras de arte, bienais, grandes exposições colectivas. Os períodos de grande euforia económica foram propiciadores de contextos que estruturaram aquilo que hoje se pode denominar um mundo de arte globalizado, com uma economia poderosa, em que a especificidade da criação artística e da reflexão por ela suscitada se dissolve nos momentos de apresentação e de representação social dos eventos desse mesmo mundo. Um mundo em que os intermediários culturais proliferam e têm influência crescente. Bourdieu fez uma análise lúcida desse novo grupo social, a correia de transmissão do gosto típico das classes superiores, do bom gosto, enquanto membros de um novo tipo de pequena burguesia (…) São os encarregados de uma subtil actividade de manipulação nas empresas industriais e na gestão da produção cultural (…) a sua distinção é uma forma de capital incorporado – porte, aspecto, dicção e pronúncia, boas maneiras e bons hábitos – que, por si, garante a detenção de um gosto infalível o que sanciona a investidura social de um decisor do gosto, de modo bem mais significativo do que o faz o capital escolar, de tipo aca-démico (…) a ambiguidade essencial e a dupla lealdade caracteriza o papel desses intermediários colocados numa posição instável na estrutura social como o baixo clero de outras épocas (…) são os mercadores de necessidades que também se vendem continuamente a si próprios, como modelo e garantes do valor dos seus produtos, são óptimos actores, apenas porque sabem dar boa imagem de si acreditando ou não no valor daquilo que apresentam e representam.” É essa gente que legitima e certifica os produtos artísticos, que manipula os valores do mercado. Uma espécie de clérigos pós-modernos que dominam o mercado da arte mantendo os seus aspectos formais mas, na realidade, subvertendo-os eficazmente, tornando os artistas dependentes dos seus critérios. Fora desse circuito a criação artística é residual. Um quadro exige um processo de desmistificação, de desmascaramento do desmascaramento  com que se ilude esta realidade.

publicado em http://www.avozdooperario.pt/images/Jornal/Outubro2016/jornal-out-2016.pdf

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Comuna, Geral, História, Internacional, Revoluções Proletárias

145 Anos da Comuna de Paris

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A Comuna de Paris (18 de Março/28 de Maio de 1871) foi a primeira revolução em que classe operária partiu “ao assalto dos céus” (Marx) por reconhecidamente ser a única que era capaz de iniciativa social e política.

A Comuna de Paris não aparece por geração espontânea. As suas raízes históricas mais próximas encontram-se na Revolução Francesa, nos seus episódios mais decisivos como a Tomada das Tulherias, o fim da monarquia, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, preâmbulo da nova Constituição. É a herdeira política da ala mais radical dirigida por Robespierre que acaba guilhotinado pelos conjurados corruptos do Thermidor. Mas também na Conspiração para a Igualdade (1796) de Babeuf. Na insurreição de 1848, afogada num banho de sangue que se propagou pela Europa no ficou conhecido pela Primavera dos Povos. Uma longa linha de lutas e insurreições operárias no séc. XIX. Será a última desse século, a primeira a triunfar, mesmo que por um pequeno lapso de tempo, em que, se ergueram em simultâneo as bandeiras do patriotismo e do internacionalismo. Um marco histórico para as revoluções que lhe sucederam, nomeadamente a Revolução de Outubro. Foi a primeira revolução socialista da história da humanidade.

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História da Comuna de Paris

Paris vivia situação turbulenta depois de Napoleão III ter assinado a rendição na guerra entre a França e a Prússia. A revolta era generalizada. Os operários franceses que viviam sob duras condições de trabalho se já não concordavam com a rendição da França mais revoltados ficaram quando o governo, para resolver os custos da guerra, lançou novos impostos sobre os trabalhadores para solucionar os problemas das dívidas contraídas.

A revolta estalou apoiada na Guarda Nacional, maioritariamente formada por operários, a que se juntaram milícias populares de cidadãos e soldados que se amotinaram. Um governo revolucionário foi organizado na base de comités de bairro que elegeram um Comité Central, onde figuravam representantes da Federação dos Bairros, blanquistas, proudhonistas, membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864, por impulso de Karl Marx. Confluíam várias tendências políticas dos socialistas aos anarquistas, proletariado e pequena burguesia, artistas e escritores. O vácuo político deixado pelo governo que, impotente para conter a revolta, tinha fugido para Versalhes, foi ocupado pelos revolucionários.

A Comuna foi proclamada. A seu primeiro édito é esclarecedor: “a abolição do sistema de escravidão do salário de uma vez por todas”. O sistema eleitoral sofreu uma viragem radical. A democracia directa foi instituída em todos os níveis da administração pública. A polícia foi abolida e substituída pela Guarda Nacional. A educação foi secularizada, a previdência social foi instituída. O poder da burguesia foi posto em causa. O alarme na Europa não podia ser maior.

O governo de Thiers, depois de ter sido humilhado pela Prússia com a coroação do imperador Guilherme II no palácio de Versalhes, negociou com o Império Alemão a libertação dos soldados franceses para recompor o exército e atacar Paris. A desproporção de forças não podia ser maior. 100 000 soldados a mando de Versalhes contra 18 000 milicianos da Comuna. A cidade, apesar de heroicamente defendida, foi tomada de assalto. A repressão que se seguiu foi de uma imensa brutalidade, como tem sido sempre, ontem e hoje, contra quem ousa afrontar mesmo pelo uso do voto o poder instituído, como se assistiu no Chile ou quando na Indonésia, Suharto massacrou um milhão de militantes comunistas que ameaçam vencer as eleições.

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20 000 comunards foram imediatamente executados. 40 000 foram presos, torturados e executados. Esses eram os considerados “contumazes” pelos Conselhos de Guerra de Versalhes que julgaram e condenaram 13 450 cidadãos. Contam-se nos autos 80 crianças, 1320 mulheres, 12 050 homens. O número de mortos às mãos do governo de Thiers é calculado em 80 000.

A Comuna de Paris acabou por ser uma causa desesperada. Uma causa indispensável na luta de massas pelo que se aprendeu para lutas futuras. Os canalhas burgueses de Versalhes colocaram os Parisienses perante uma alternativa: ou respondiam ao desafio ou sucumbiam sem combate. Neste último caso, a desmoralização da classe operária seria uma desgraça maior que a perda de um qualquer número dos seus chefes (Marx /Guerra Civil em França)

 Apontar para o Futuro

Pela primeira vez na História da Humanidade, simples operários ousaram tomar nas suas mãos os privilégios dos que se julgam seus “superiores naturais”. Ousaram formar com os seus iguais, o seu próprio governo. É admirável a actividade legislativa da Comuna. Em semanas introduziu mais reformas, que os governos nos dois séculos anteriores. Era o ímpeto revolucionário de corte radical com o passado, o triunfo dos sans-culotes sobre os jacobinos que os tinham traído na Revolução Francesa.

Enumerar os principais decretos da Comuna de Paris é revelador do que era novo porque, como escreveu Rimbaud, “é preciso ser resolutamente moderno, aguentar o passo dado”. A Comuna não recuou em muitos passos para o futuro ainda hoje actuais. O trabalho nocturno foi abolido; oficinas que estavam fechadas foram reabertas para que cooperativas fossem instaladas; residências vazias foram desapropriadas e ocupadas; todos os descontos em salário foram abolidos; a jornada de trabalho foi reduzida, chegou-se a propor a jornada de oito horas; os sindicatos foram legalizados; instituiu-se a igualdade entre os sexos; projectou-se a autogestão das fábricas; o monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários foram abolidos; testamentos, adopções e a contratação de advogados tornaram-se gratuitos; o casamento foi simplificado, tornou-se gratuito; a pena de morte foi abolida; o cargo de juiz tornou-se electivo; o Estado e a Igreja foram separados; a Igreja deixou de ser subvencionada pelo Estado e os espólios sem herdeiros passaram a ser propriedade do Estado; a educação tornou-se gratuita, laica e obrigatória; escolas nocturnas foram criadas e todas as escolas passaram a ser de frequência mista;

COMUNICDO COMUNAa Bandeira Vermelha foi adoptada como símbolo da Unidade Federal da Humanidade; instituiu-se um escritório central de imprensa; o serviço militar obrigatório e o exército regular foram abolidos; todas as finanças foram reorganizadas, incluindo os correios, a assistência pública e os telégrafos; traçou-se um plano para a rotação de trabalhadores; organizou-se uma Escola Nacional de Serviço Público; os artistas passaram a autogestionar os teatros e editoras; o salário dos professores foi duplicado; o internacionalismo foi posto em prática: o fato de ser estrangeiro não era irrelevante. Os integrantes da Comuna incluíam belgas, italianos, polacos, húngaros, que defenderam mais patrioticamente a França que os vendidos aos interesses particulares na esteira do bispo Cauchon que entregou Joana D’Arc aos ingleses ou dos que actualmente rastejam às ordens do grande capital sem pátria.

Ensinamentos para Hoje e Amanhã

A Comuna tem um papel de relevo na elaboração da teoria revolucionária em Marx, Engels e Lenine. O ensaio de Marx, A Guerra Civil em França, é um livro maior. O texto de Marx, tem a particularidade de depois de, em 1870, ter feito vários avisos à classe operária sobre os perigos de acções prematuras, evidenciar um enorme entusiasmo com a Comuna sem deixar de criticar os seus erros, as suas fragilidades. Ao analisar as debilidades políticas da direcção comunard não coloca em causa a Comuna. O seu objectivo é retirar lições da derrota para robustecer a resistência, as futuras revoluções. Via nessa experiência histórica um alcance imenso.

“Seria evidentemente muito cómodo fazer história se só se devesse travar a luta em condições infalivelmente favoráveis (…) Graças ao combate travado em Paris a luta da classe operária contra a classe capitalista e o seu Estado capitalista entrou numa fase nova (…) Qualquer que seja a maneira como as coisas aconteçam no imediato será um ponto de partida de importância histórica mundial.” (…) “Um passo em frente da revolução proletária universal, um passo real, bem mais importante que centenas de programas e de raciocínios” Marx, livro citado.

Em 1917 com a Revolução de Outubro em marcha, Lenine escreve O Estado e a Revolução, ensaio central na sua vasta obra política. A Comuna de Paris, os textos de Marx são o ponto de partida para as suas teses sobre a natureza de um Estado Socialista, em que não basta apoderar-se do Estado e fazê-lo funcionar para os seus próprios fins. Exige-se a sua transformação impondo a democracia proletária (ditadura do proletariado) contra a democracia burguesa (ditadura da burguesia). Democracia burguesa que não hesita em recorrer à mais feroz repressão, quando a sente necessária para a sua sobrevivência. Em que, mesmo “na mais democrática das repúblicas, a mais ampla democracia representativa, nunca conseguirá eximir-se às consequências devastadoras que é a separação entre representantes e representados. Separados desde logo económica e socialmente, permite que os representantes manipulem os representados de acordo com os seus próprios interesses”.(O Estado e a Revolução, Lenine)  Na realidade, ontem como hoje, a liberdade não é igual entre todos. A liberdade de um trabalhador, por razões sociais e económicas, não é igual à de um capitalista, o que levou Orwell a considerar que “para sermos corrompidos pelo totalitarismo não é necessário viver num país totalitário”.

Essas as grandes lições da Comuna de Paris. Uma experiência revolucionária impar na luta milenar das lutas do proletariado e dos povos oprimidos. Uma chama de esperança revolucionária na longa história, feita de êxitos e fracassos, da luta pela transformação do mundo e da vida.

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Terrorismos

 

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Há uma visão do terrorismo pequena, que vive de sobressalto em sobressalto a cada atentado. Condena-se o terrorismo, glorifica-se a dignidade dos que sobrevivem, socorrem e perseguem os terroristas, glorificação variável em função da geografia em que acontecem, com a mesma facilidade com que se menorizam ou mesmo esquecem as suas raízes. As vidas são de primeira, de segunda ou mesmo terceira categoria conforme os lugares em que as bombas rebentam e as ceifam. Os mais recentes acontecimentos são disso uma demonstração brutal. A distância mediática entre Bruxelas e Lahore ultrapassa em muito a sua distância real. Põe em evidência a farsa das teorias da aldeia global e como funciona em benefício do pensamento único.

Ler vários textos opinativos no último Expresso é um retrato implacável de uma comunicação social medíocre, de dois pesos e duas medidas, bem representativa da cobertura jornalística e os comentários produzida ao longo dos anos, desde que o terrorismo entrou no quotidiano de muitos países com a sua barbárie brutal.

Há que condenar sem qualquer hesitação o terrorismo seja feito por quem for, aconteça onde acontecer. Essa não é a orientação dos media internacionais e muito menos dos nacionais. Estão mais empenhados em defender, com graduações diversas, as estratégias geopolíticas dos EUA e seus aliados europeus, desviando o olhar dos seus efeitos devastadores para se focarem pontualmente nos atentados em si, menorizando uns em favor de outros.

A listagem dos mais graves atentados terroristas depois do primeiro mais visível e simbólico de 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque, é eloquente. Veja-se a cobertura mediática dos ataques terroristas mais violentos nos últimos anos, do Boko Haram na Nigéria, 310 vítimas em Agosto de 2007, 178 em Janeiro de 2012, 188 em Abril e 143 em Setembro de 2013, 219 em Março de 2014, 780 vitimas em Julho de 2009 e 700 em Janeiro de 2015, no Iraque 188 em Março de 2004, 182 em Setembro de 2005, 153 em Março, 193 em Abril e 192 em Julho, 502 em Agosto. de 2007, 155 em Outubro de 2009. E de outros que aconteceram no Uganda, na India, no Paquistão, no Quénia, no Iémen, na Indonésia, na Somália, todos com número de vítimas superior à centena, sendo que alguns desses países sofreram vários os atentados.

Compare-se essa cobertura mediática e os comentários que produziram nos media com os sucedidos em Espanha, em Madrid em Março de 2004, 191 vítimas, em França com o massacre na redacção do Charlie Hebdo em Janeiro e as 120 vítimas dos ataques armados em Novembro de 2015. Ficaria tudo dito ou quase se não se referissem os atentados perpetrados na Rússia com 334 vitimas no ataque aos terroristas ao fim de três dias de sequestro de 1100 reféns numa escola em Beslan, na Ossétia do Norte, em Setembro de 2004, as 170 vítimas em 2002, na tomada de reféns num cinema em Moscovo ou um atentado bombista no metropolitano. A imprensa ocidental tratou benevolamente os terroristas como nacionalistas, uns padecedores da desaparecida União Soviética e do actual governo da Rússia. Nunca referem que são os os mesmos que agora engrossam as fileiras do Estado Islâmico (EI), alguns com cargos importantes e que também estão na Ucrânia com os seus companheiros de armas nazi-fascistas. Os mesmos que têm por seus antecessores os talibãs, esses combatentes pela liberdade no Afeganistão, treinados, municiados e financiados pelos EUA seus aliados e o Paquistão, que derrubaram um governo que tinha proibido o uso da burka, que tinha dado às mulheres afegãs o direito de vestirem o que quisessem, de casar com quem queriam, de estudar e participar na vida pública e política, de iniciar uma reforma agrária que queria erradicar a plantação de plantas opiáceas. Crimes contra os valores tradicionais na região e, pelas alianças espúrias que apoiaram os mujahedin, os guerreiros de deus que derrubaram esse novo poder afegão, também contra alguns valores da civilização ocidental que estavam a ser implementados.

A duplicidade, a hipocrisia atinge o quase inimaginável quando, de algum modo se justifica a bomba que fez explodir um avião de passageiros russo sobre o Sinai, 235 mortos, como uma vingança do EI contra a intervenção da aviação russa na Síria que, em alguns meses,  obteve mais resultados na luta contra o EI e os vários braços armados da Al-Qaeda do que cinco anos de intervenção da coligação liderada pelos EUA que o cientista político Robert Pape, também na última edição do Expresso, diz, contra todas as evidências, sem se rir, com grande descaro e sem que a jornalista se sobressalte, ser a responsável pela perca pelo EI de 40% das áreas povoadas na Síria e no Iraque. Diz isto quando o exército sírio apoiado pela aviação russa tem feito recuar significativamente o EI e a Al-Nustra, cortando as suas linhas de abastecimento e de financiamento e quando acaba de recuperar a cidade de Palmira, o que deveria envergonhar o Ocidente, como escreveu Robert Fisk no The Independent, prevendo esse desfecho, sobre o que já escreveu.

Essa doblez, esse cinismo não conhece fronteiras. Atinge o seu alfa e ómega se compararmos como foram noticiados e comentados os ataques terroristas nos aeroportos de Domodedovo, Moscovo 2011 e Zaveventem, Bruxelas, ocorrido na semana passada. A diferença entre o número de páginas, tempos de noticiários radiofónicos e televisivos, espaços na internet e redes sociais é abissal. Mas o que mais indigna e é inquietantemente grave é a diferença de tratamento entre os terroristas suicidas nas duas ocorrências que, note-se, tiveram um número de vítimas idêntico. Enquanto os que fizeram o atentado em Bruxelas são universalmente tratados como as bestas criminosas que são e nunca como combatentes do Estado Islâmico, as duas mulheres suicidas do atentado em Moscovo são nalguns casos, como no Huffington Post, que se distingue pelas posições de direita, umas quase heroínas lutando pela independência das suas regiões de origem no Cáucaso. Se isso até pode não causar admiração vindo de quem vem, já se pode estranhar como o atentado foi noticiado por imprensa que empunha as bandeiras da independência, do rigor informativo, de serem de referência, até mais à esquerda como o The Guardian ou o Liberation que as tratam como viúvas negras vingadoras dos supostos lutadores pelos direitos humanos nas suas regiões que teriam morrido nessa nobre luta contra o Kremlin. Os outros media afinaram pelo mesmo diapasão. Uma ignóbil manipulação que só se compreende pela submissão mercenária desses media ao pensamento dominante e ao imperialismo euro-atlântico.

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Tão viscosa, viciosa e dúplice maneira de tratar dois atentados terroristas em tudo semelhantes, não alvoroçou nem perturbou os monteiros e os tavares agora tão lépidos a condenar a intervenção do deputado Miguel Tiago que, admitamos com alguma ligeireza, começou por apontar o dedo “às políticas de direita, o capitalismo e o imperialismo” antes de condenar o terrorismo na sua cega barbárie. Ligeireza porque deveria sem peias, nem outros mas, ter condenado o terrorismo venha de onde vier, seja utilizado por quem for mesmo que a razão lhe assista e assiste. Num caso destes, em que a intervenção tem o tempo contado, a explicativa pode ser maliciosamente confundida com uma justificativa. Os considerandos, perante actos deste jaez que procuram pela instalação do medo e do terror de forma cega, deveriam ter sido secundarizados porque nunca teriam tempo para ser fundamentados.

Os monteiros e os tavares e outros idiotas que se julgam inteligentes e poluem os espaços mediáticos, percebem pouco do que está a acontecer e porque está a acontecer. São obtusos perante a história próxima que desagua nos cenários de guerra e terror actuais. A sua miopia nada inocente apaga a realidade para defenderem não os valores da liberdade e da civilização, mas de uma certa liberdade e de uma certa civilização que espalha a bestialidade, e dela acaba por ser tornar vitima, para garantir a sua sobrevivência ameaçada como está pela decadência. As chacinas provocadas pelos atentados terroristas desde que não aconteçam nos países ocidentais praticamente não existe, é quase natural. Pouco lhes importa que o número de vitimas dos atentados no Médio-Oriente, em África ou na Ásia sejam mais numerosos e atinjam mais pessoas inocentes do que na Europa, exceptuando a Rússia. Que, apesar de tudo, a Europa ainda é um lugar mais seguro que os outros países. Subliminarmente são o prolongamento do pensamento da expansão colonial que se fez na base de exterminar todas as bestas, todos os que se opunham à missão civilizadora do homem branco e assim justificava o saque que praticavam. São a expressão de um pensamento pós-colonial.

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O que hoje se configura tem contornos e fronteiras diferentes. Mas devemos recordar Hanna Arendt quando considerou que “os terríveis massacres” e os “assassínios selváticos” perpetrados pelos imperialistas europeus “são os responsáveis pela introdução triunfante de tais meios de pacificação em políticas estrangeiras comuns e respeitáveis, dando origem aos totalitarismos e aos seus genocídios”. O Estado Islâmico e de outro modo a Al-Qaeda e as suas variantes, têm uma mentalidade totalitária com raiz no Islão radical.

Quando Nixon, depois de desindexar o dólar do ouro, negociou com a Arábia Saudita, na altura de longe o maior produtor de petróleo e o fiel da balança do mercado petrolífero, o dólar como moeda única na transacção do ouro negro, deu o primeiro passo na direcção actual. A Arábia Saudita, garante dos petrodólares e do seu futuro, ficou com a liberdade e a possibilidade de instalar e multiplicar as mesquitas que divulgavam e divulgam o wahabismo, o fundamentalismo islâmico. É nessas mesquitas que se radicalizam, em todo o mundo, os muçulmanos o que ainda é mais fácil e rápido quando na Europa as populações árabes e magrebinas, de primeira ou segunda geração, são fortemente atingidas pelo desemprego, que se vai agravar com a crise dos refugiados É esse o caldo de cultura que políticas geoestratégicas desvairadas dos EUA e dos seus aliados, em que as invasões do Afeganistão e do Iraque decididas por Bush, as Primaveras Árabes um caminho directo para o Inferno, a invenção de uma oposição moderada síria para derrubar um ditador que é quase um democrata quando comparado com o rei e os dignatários sauditas e os emires do Qatar ou do Bahrein, que lançaram o caos e a desordem, possibilitando a instalação de um Estado que ocupa um território extenso, tem estruturas administrativas e militares, meios financeiros obtidos por generosas dádivas sauditas e qatares e as angariados pelo roubo do petróleo e bens patrimoniais que contrabandeiam através da Turquia, um membro da NATO, enquanto exportam o fundamentalismo e o terror para todo o mundo.

O estarem actualmente em recuo no Iraque e na Síria, sublinhe-se o papel importante e decisivo da Rússia e dos curdos, sistematicamente bombardeados pela Turquia, amplifica o seu desespero na luta pela sobrevivência, continuando respaldados sobretudo pela Arábia Saudita e pelo jogo duplo da Turquia que chantageia com êxito uma Europa desorientada.

Fingir ou ocultar os problemas dessas geoestratégias, como fazem os monteiros e os tavares deste e do outro mundo, que Miguel Tiago enunciou correndo todos os riscos da simplificação, é condenar-nos todos a ficar reféns da barbárie. Do terror fundamentalista na Europa, em África, na Ásia no Médio-Oriente, porque o que está a acontecer não é uma guerra entre civilizações, nem uma guerra religiosa. A história está cheia de processos de miscigenações e aculturações que desmentem essa visão.. Quem pensa assim está a alimentar a xenofobia e o ódio. A não ter qualquer horizonte de futuro, continuando com os pés enterrados no pântano a que nos conduziram essas políticas. É não ver que tudo isto acontece por objectivos pré-estabelecidos, mesmo quando salta fora dos eixos e do controle de quem os traçou.

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Cultura, Fotografia, Geral, História

Américo Ribeiro, caçador e coleccionador de imagens

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Américo Ribeiro e a sua coleção de máquinas fotográficas.

 

Poucas são as terras que se podem orgulhar de contar com alguém que, ao longo de décadas, se dedicou a uma recolha sistemática de imagens dos mais variados aspetos da vida local. Setúbal é uma dessas terras e o fotógrafo Américo Ribeiro (1 Janeiro 1906 – 10 Julho 1992) o homem a quem a Cidade deve um fabuloso espólio de imagens que cobre grande parte do século XX e que agora se deixa entrever na exposição “Dizem que é Américo – Um Fotógrafo | Outras Imagens | Novos Olhares”, patente na Casa da Cultura (Setúbal) até 05 de Fevereiro.

Alguns Homens distinguem-se pelo carácter metódico, quase obsessivo, do amor que dedicam às suas actividades profissionais. São aqueles para quem todos os dias e todas horas são ou podem ser dias e horas de trabalho.

Américo Augusto Ribeiro, repórter fotográfico de imprensa e fotógrafo de casa montada no Largo da Conceição, em Setúbal, foi um desses Homens. Um “caçador e coleccionador de imagens”. A essa sua paixão pela reportagem fotográfica deve-se um espólio documental de primeira importância para o conhecimento e compreensão da história de Setúbal do século XX.

Deve também ser creditado a Américo Ribeiro a extraordinária valia de ter, ao longo dessas décadas, conservado e ampliado aquele espólio (negativos de vários suportes e formatos, impressões em papel, máquinas, ampliadores e acessórios).

Com uma atividade que trespassou o século passado, Américo Ribeiro foi também testemunha da evolução tecnológica da sua arte; conheceu “flashes” de magnésio accionados a pistola, ampliadores a luz solar e negativos em chapa de vidro. Uma tecnologia que evoluiu à velocidade da luz e de que também nos deixou memória.

Setubal 1938

Uma das mais famosos imagens de Américo Ribeiro. Refeição, recepção em fábrica de conservas de Setúbal em 1938.

 

Soube o Município sadino, em tempo oportuno e ainda em vida de Américo Ribeiro – estávamos em 1982, trazer para a sua responsabilidade esse importante espólio fotográfico e de filmes sobre “acontecimentos de interesse municipal” (deliberação da Câmara Municipal em 07 de Julho daquele ano). Um património composto por milhares de imagens e negativos dos diversos formatos que se foram sucedendo ao longo do seculo XX.

Ao valioso espólio documental adquirido nos anos oitenta, acrescentou a Câmara Municipal sadina em 1994 “uma valiosa coleção de equipamentos fotográficos que inclui máquinas fotográficas, ampliadores, lentes, flashes e outros acessórios” (deliberação da Câmara Municipal em 8 de Março daquele ano).

A conservação, valorização e divulgação deste fascinante espólio fotográfico tem sido assegurada pelo Arquivo Fotográfico Américo Ribeiro da Câmara Municipal de Setúbal, instalado na Casa Bocage. Um trabalho que tem contado com a preciosa colaboração dos voluntários do Centro de Memórias que, paulatinamente, tem vindo identificar imagens.

Em 2016 comemora-se o 110.º aniversário de Américo Ribeiro! Vamos aguardar as próximas atividades.

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Al Qaeda, Arábia Saudita, Bush, Cinismo, Comunicação Social, David Cameron, Estado Islâmico, EUA, Fascismo, Geral, Guerra, História, John Kerry, Jornalismo, NATO, Nazismo, Política, Turquia, Ucrânia

Os Ovos da Serpente

 

OVO da SerpenteA política cega dos Estados Unidos e da NATO no Médio-Oriente continua em ritmo acelerado, contra todas as evidências. As mentiras multiplicam-se para justificar a intervenção na Síria, feita pelo modelo que teve e tem as consequências catastróficas que se conhecem em outros países da mesma área geográfica.

Kerry insiste numa solução que não terá outro resultado a não ser tornar a Síria num novo Iraque ou pior numa nova Líbia. Espera que em eleições Bashar Al-Assad seja substituído por quem? Por dirigentes da Al-Nusra, o braço da Al-Qaeda na Síria? Por homens do ISIS disfarçados de democratas rendidos aos valores ocidentais? Cala-se, como se cala a Europa, com as cumplicidades entre os terroristas, gerados pelos ovos da serpente que andaram a plantar no Médio-Oriente e no norte de África, e os seus aliados sauditas, bem mais ditadores que Assad, do Qatar, dos Emiratos e desse país, exemplar membro da NATO, que é a Turquia. Fazem descobertas espantosas como a do chamado Exército Livre da Síria ter nas suas fileiras 70 000 soldados, como afirmou Cameron numa tirada de fazer inveja aos Monty Python. Apoiam uma cimeira organizada pela Arábia Saudita para promover a unidade do Médio-Oriente e onde estão representados todos os que opõem a Assad, incluindo todos os grupos terroristas excepto, alguém acredita nisto? o Estado Islâmico, o seu aliado preferencial. Sobre o assunto leiam o artigo de Robert Fisk no Independent. Sabem, como toda a gente sabe e como os Serviços Secretos da Alemanha esclarecem num detalhado relatório, leiam-no que é bastante esclarecedor, o que acontece no terreno e quem manobra nos bastidores com a cumplicidade dos EUA, da Europa, da NATO. A ler os bem documentados post’s, aqui e aqui, de José Goulão no seu blogue Mundo Cão e ouvir o general Pezarat Correia na televisão, fora dos horários ditos nobres como convém.

Depois dos atentados em Paris, a coligação liderada pelos EUA, decidiu bombardear o Estado Islâmico na Síria, violando o espaço aéreo desse país. O inefável Cameron em nome dos valores da democracia, incluiu nos objectivos da forca aérea britânica o exército sírio. A hipocrisia e o cinismo dessa gente não conhece fronteiras. Os resultados desse empenho contra o terrorismo, que ajudaram activamente a fomentar e de que agora são por vezes vítimas, começam a ser visíveis. Em vez de bombardear o Estado Islâmico, os aviões norte-americanos bombardearam forças do exército sírio, com a agravante de estarem a violar o espaço aéreo desse país. Desmentem o facto, com a mesma veemência com que mentem desde sempre, lembram-se de Colin Powell no Conselho de Segurança da ONU a desdobrar mapas das armas de destruição maciça no Iraque? Bombardeiam quem no terreno luta contra o Estado Islâmico seguindo as práticas da Turquia, um país da NATO, onde se treinam e armam os terroristas por onde circula o petróleo roubado no Iraque e na Síria pelo Estado Islâmico e que é a sua principal fonte de financiamento, Turquia que bombardeia sistematicamente a outra força no terreno, os curdos, que combate o Estado Islâmico.

Afinal que política é esta? Que gente é esta que, por tudo e por nada, invoca os valores da civilização ocidental?

Entretanto os ovos da serpente que andaram a plantar começam a abrir-se em plena Europa. Olhem-se os últimos resultados eleitorais em França, mas também no reforço das direitas mais radicais noutros países da União Europeia. Olhe-se para a Ucrânia onde partidos nazi-fascistas já estão no poder e onde batalhões do Estado Islâmico combatem ao lado do exército ucraniano e das milícias fascistas.

Os resultados dessas políticas criminosas, com os resultados que se conhecem, estão à vista de todos. Com o apoio da comunicação social mercenária, todos os dias nos são vendidas mentiras que as justificam, enquanto nuvens bem negras se acumulam no horizonte e os atentados terroristas estão ao pé da nossa porta. Há que dizer um vigoroso NÃO a essa gente sem escrúpulos, nem honra que quer governar o mundo.

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40 Anos do 25 de Abril, Artes, autarquias, Cultura, Escultura, Fotografia, Geral, Gravura, História, Literatura, património, poesia, Setúbal, Trabalho

Revista Movimento Cultural

MovimentoCultural

Esta noite, às 21:30, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Setúbal, é apresentada uma edição especial da Revista Movimento Cultural, iniciativa da Associação de Municípios da Região de Setúbal que pretende divulgar o que se faz na região nos domínios da cultura, da investigação e da arte.

Partilho artigo de opinião do Fernando Casaca sobre a reedição da Revista Movimento Cultural.

 

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Dolar, fascismo, Geral, História, Internacional, Obama, Passos Coelho, paulo Portas, Ucrânia, União Europeia

UCRANIA:INFORMAÇÃO/CONTRA-INFORMAÇÃO

ucraniaA informação e a contra-informação correm à desfilada na Ucrânia. Poucas coisas são certas. Muitas podem-se decifrar das declarações que são feitas pêlos intervenientes ocidentais e ucranianos. Muita dessa informação adquire, porque não interessa, pouca relevância nos meios de comunicação social.

1-    Um comunicado da equipa de inspectores da OSCE, chefiada pelo dinamarquês Kai Wittop, em Lugansk, cidade recuperada pelas forças ucranianas, depois de visitar as zonas bombardeadas pela artilharia e pelos aviões governamentais ou a soldo do governo ucraniano (*), concluiu que as zonas bombardeadas eram zonas onde não existiam instalações nem dispositivos militares dos separatistas, mesmo móveis. Recolheu informações que os levam a calcular que os bombardeamentos fizeram 250 vítimas civis mortais e 700 feridos. Isto confirma as denúncias dos separatistas e desmente a propaganda oficial, o que explica o pouco relevo que é dado.

2-    Lembre-se um inquérito imparcial e independente na altura muito reclamado, subitamente  atirado para o caixote do lixo. Quando das manifestações da Praça Maidan, a polícia do então governio de  Yanukovych foram acusadas de ter atiradores furtivos a disparar sobre os manifestantes.

Que se faça um inquérito pedia-se em grande grita, com ecos nas chancelarias ocidentais. De repente o silêncio. Não deve ser estranho a esse silêncio a conversa entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Estónia, Urmas Paet, e o Alto Representante da União Europeia para os Assuntos Exteriores e a Política de Segurança, Lady Catherine Ashton em que o primeiro, que tinha estado na Praça Maidan a dar apoio aos manifestantes, revelava à segunda que os atiradores furtivos pertenciam aos grupos de extrema-direita dos manifestantes. Tanto disparavam sobre a polícia como sobre os manifestantes. A exigência de inquérito e o inquérito foram rapidamente para o lixo. Nada como confiar no esquecimento e na falta de memória.

3-    Os separatistas pró-russos eram acusados de terem accionado o míssil que supostamente abateu o avião da Malasya Airways. Agora é o chefe dos Serviços Secretos Ucranianos, Valentyn Nalyvaychenko, depois de ter repetidamente, em linha com os governantes ucranianos, defendido essa tese veio esclarecer que isso não seria possível porque eles não teriam nem treino nem habilitações militares para tal. Tinham sido militares russos. No dia anterior tinha dito, ele e o inefável primeiro-ministro Arseni Iatseniuk que os russos tinham fornecido sistemas Buk aos separatistas pró-russos. Agora, quando veio com essa nova teoria nenhum dos jornalistas presentes se lembrou de perguntar para que é que os russos entregavam e para que é que os separatistas queriam um sistema que não lhes servia para nada.

Esse senhor que diz terem sido militares russos, é o mesmo senhor que, dias antes,sempre  em linha com os governantes ucranianos, revelou conversas gravadas supostamente entre separatistas e militares russos sobre o abate do avião, provando terem sido os separatistas os responsáveis pelo seu abate. Gravações que a metadata da gravação demonstrou serem falsas por terem sido feitas um dia depois da queda do avião. Nos meios de comunicação social ocidentais isto também teve pouco ou nenhuma importância em nome da verdade jornalística e dos critérios editoriais. Depois das gravações ele promete fotos, vídeos sabe-se lá mais o quê. Claro que tudo muito sério e veraz dados os antecedentes.

4-    A nova teoria trazia água no bico. John Kerry, depois de dias em que Obama e ele próprio afirmavam ter informações fiáveis de que o disparo do míssil tinha partido de território ocupado pelos separatistas avançou com a teoria de que o disparo foi feito por militares russos que tinham atravessado a fronteira e retornado à Rússia. Completava assim a informação do chefe dos serviços secretos ucranianos. O que se estranha é que John Kerry ainda não tenha mostrado fotos comprovativas da sua teoria. Colin Powell foi mais rápido e eficaz quando desdobrou no Conselho de Segurança da ONU, inúmeras fotografias que demonstravam inequivocamente a existência de fábricas de armas de destruição maciça no Iraque que nunca existiram, como se veio a provar. Será que a Secretaria de Estado dos EUA, mais os vários serviços secretos norte-americanos estão a perder qualidades? O alçado principal de John Kerry não denuncia uma inteligência por aí  além, mas ficamos inquietos com estes atrasos. Só conversa? Só conversa e nada de provas? Pergunte ao Colin Powell como se fabricam! Podia marcar uma nova cimeira nos Açores com o Cameron e o Rajoy, Passos e Portas fardados de motoristas e porteiros! A história repetia-se, a farsa continuava com novos protagonistas. A representação seria cada vez mais medíocre.

5-    Foram os separatistas pró-russos repetidamente acusados de não darem acesso ao lugar onde os destroços estão dispersos. Os separatistas garantiram que cumpririam um cessar-fogo de quatro dias para a missão internacional se deslocar ao local. Agora sabe-se que o cessar-fogo nunca foi aceite por Petro Poroshenko que diz não negociar com “terroristas”.

Os inspectores da OSCE falam cuidadosamente numa zona insegura, de onde se ouvem tiroteios constantes. Esquecem-se de falar da não aceitação da trégua pelo governo ucraniano.

Ontem e hoje há combates que se estão travar nas imediações da estação de caminho de ferro de Thorez, onde estão os vagões frigoríficos com os corpos dos malogrados viajantes do voo MH17. Nas proximidades do local da queda do Boeing, entre a colina de Saur-Mogila e o posto fronteiriço de Marinovka, continuam intensos combates. Ouvem-se novamente explosões de projécteis de artilharia.

O cúmulo do cinismo é o governo ucraniano dizer que os combates não são entre tropas governamentais que atacam os separatistas, mas entre os batalhões de voluntários, leia-se grupos armados de extrema-direita e mercenários da Blackwater que combatem integrados no exército da Ucrânia e agora estão aí estão a combater os “terroristas”.

6-    Obama e companhia, obviamente na primeira linha os seus mandaretes de Kiev, acusam antes de qualquer prova. Cameron mostra os dentes. Merkel e a Europa do Norte são mais moderados, embora afinem pelo mesmo diapasão.

Israel aproveita o ruído mediático para matar sem dó nem piedade os palestinianos de Gaza.

O dólar range com a possibilidade real de acabar por valer tanto como as notas do jogo do monopólio, depois do encontro dos BRICS, Brasil, Rússia, India, China e União Sul-Africana, que decidiram fundar um Banco de Desenvolvimento para apoiar países emergentes e substituir, entre si e com os países com que fazem comércio, o dólar por uma moeda que volta a ter por padrão o ouro.

7-    Nesta crise, como nos inquéritos e nos romances policiais, duas coisas a não esquecer:

a)    Quem é beneficiado com a queda do avião da Malasya Airways?

b)   Será que os EUA, segundo a voz autorizada de Victoria “que se foda a europa” Nuland, investiram cinco mil milhões de dólares na destabilização da Ucrânia e vão ficar sem retorno?

 

(*) as tropas que lutam contra os separatistas pró-russos são constituídas por tropas governamentais ucranianas, exército regular e tropas de elite, batalhões armados da extrema-direita e mercenários da Academi, contratados por oligarcas ucranianos. A Academi (antiga Blackwater) é uma empresa de mercenários com sede em Moyock na Carolina do Norte, Estados Unidos e contas nas Ilhas Caimão. É formada por vários tipos de paramilitares, por ex-integrantes dos Seals e outras chamadas forças de elite. A companhia fornece mercenários e vários outros serviços paramilitares. Foi fundada em 1996 por Erik Prince, que em Agosto de 2009, em depoimentos sob juramento de ex-funcionários, foi acusado de assassinar ou facilitar o assassinato de indivíduos que vinham colaborando com as autoridades federais americanas que investigam o envolvimento da Companhia em vários escândalos. A Blackwater está actuando como força auxiliar (e de segurança) no Iraque e Afeganistão, e está envolvida em várias controvérsias e investigações. Faz os trabalhos mais sujos para a CIA, nomeadamente na América Centro e Sul.

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Dia D, fascismo, Geral, Guerra, História, Hitler, Humanidade, ii guerra Mundial, Media, Política

O PODER SIMBÓLICO

ImagemPierre Bourdieu, no seu ensaio “O Poder Simbólico” (Difel, Memória e Sociedade, 1994), defende a tese “ O poder simbólico é esse poder invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhes estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Poder quase mágico, que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou económica), só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário.”

Lembrei-me desta brilhante tese de Bourdieu ao ver as comemorações dos setenta anos do Dia D, o desembarque na Normandia das tropas dos EUA, Inglaterra e França Livre.

De como esse dia é glorificado como sendo o dia que marcou a viragem na II Guerra Mundial e o princípio da viragem a favor dos aliados, URSS, Inglaterra, EUA, França, contra as forças do Eixo. É uma reversão da história da guerra que coloca os norte-americanos como os grandes salvadores d Europa da barbárie nazi. Apaga-se com uma monumental manobra de propaganda, dos meios de comunicação social aos estudos históricos e ao cinema, a verdadeira e factual história da II Guerra Mundial. Nisso os norte-americanos são mestres. A saga da conquista do Oeste é exemplar nas centenas de filmes em que glorificam os cowboys, acentuando o mito do justiceiro solitário, o triunfo do individualismo, o embrião do american way of life, transformando uma história de inomináveis brutalidades e arbitrariedades na mitologia dourada do Oeste Selvagem. Cormac McCarthy, baseado em factos históricos ocorridos na fronteira entre os EUA e o México, em meados do séc. XIX, desmonta e subverte essa cosmogonia ao narrar a violência que foi essa expansão, no romance “Meridiano de Sangue”

O Dia D, procura iludir que a derrota da Alemanha nazi estava em marcha depois das vitórias soviéticas em Estalinegrado (1943) e, sobretudo, Kursk (1943), a maior batalha de blindados de todo os tempos, com as maiores perdas aéreas num só dia de guerra.Imagem

Enormes perdas de vidas humanas, de aparatos militares, de recursos económicos para os soviéticos, consequência dos sucessivos adiamentos da abertura de uma frente ocidental, muito reclamada por Estaline, acusando Churchill e Roosevelt de estarem a poupar vidas ocidentais às custas de vidas soviéticas. Hoje muitos historiadores põe em causa a influência do Dia D, no curso da guerra. Três quartos das forças nazis estavam na Frente Oriental, recuavam frente ao Exército Vermelho, quando, finalmente, em 6 de Julho de 1944, se invadiu a Normandia.

Essa entronização do Dia D, tem outros efeitos menos visíveis mas igualmente importantes. Atira para plano longínquo o facto de Hitler ascender ao poder político apoiado pelos grandes conglomerados industriais alemães, nomeadamente I.G.Farben, Thyssen, Krupps, todas largamente beneficiárias do trabalho escravo recrutado nos campos de concentração. Grupos económicos onde Rockfeller, Rothschild e outros tinham participações significativas. A I.G.Farben o gigante da indústria química da Alemanha era uma divisão da Standard Oil de Rockfeller. Esses magnatas norte-americanos financiaram de boa vontade Hitler.

ImagemNão só esses foram fortes esteios da Alemanha nazi. Prescott Bush, avô de George Bush, um especulador financeiro de Wall Street que até esteve implicado num golpe militar contra Roosevelt em 1934 para impor um regime fascista nos EUA, foi um grande financiador do Partido Nazi, através do Union City Bank. Também será de lembrar que outro magnata norte-americano Henry Ford, também com investimentos não negligenciáveis na Alemanha nazi, fez o elogio do Ku Klux Klan do seu “genuíno “americanismo”. Muito admirado pêlos ideólogos nazis, Henry Ford, condenava a Revolução Bolchevique acusando-a de ser o produto de uma conspiração judaica. Fundou até uma revista, o Oearborn Independent, cujos artigos publicados foram reunidos em 1920 num único volume intitulado “O Judeu Internacional”. O livro transformou-se numa referência central do anti-semitismo internacional. Foi traduzido para alemão e adquiriu grande popularidade. Nazis destacados, como Von Schirach e Himmler reconheceram ter sido inspirados ou motivados por Ford. Segundo Himmler, o livro de Ford desempenhou um papel “decisivo” não só na sua formação pessoal, como também na do Führer. Os estrénuos campeões da liberdade e da democracia apoiaram e financiaram os nazis, bem depois de a guerra ter começado.

O Dia D, inventado e celebrado como o dia que decidiu a vitória dos aliados, estende um diáfano manto sobre esses factos históricos. Foi de facto importante. Foi sobretudo uma vitória dos EUA, do império norte-americano. A II Grande Guerra foi terminante  para que os EUA, que com a I Grande Guerra tinha alcançado uma época de prosperidade sem precedentes,  impusessem o seu poder no mundo.

Foi a II Guerra Mundial que possibilitou a crise financeira de 1929 se resolvesse. O New Deal de Roosevelt, iniciado em 1932, no pico da crise, introduziu uma forte intervenção do Estado na economia. Procurando regular os mercados e o funcionamento da Bolsa, impedindo investimentos especulativos e de alto risco. Impulsionando uma forte política de investimento na construção civil com um programa intenso de obras públicas, a New Deal começou em força, foi perdendo fulgor e estava a avançar muito devagar. A guerra resolveu os problemas dessa crise capitalista. Obrigou os governos a fazer encomendas gigantescas de aço, máquinas, peças, artefactos que mobilizaram toda a indústria. O problema do desemprego, há que o dizer com toda a brutalidade, resolveu-se com a mobilização de milhões de desempregados e com os milhões de seres humanos mortos nos campos de batalha Imageme fora deles com bombardeamentos a alvos industriais e civis.Leia-se Matadouro Cinco de Kurt Vonnegut, soldado americano prisioneiro de guerra em Dresden, quando norte-americanos e ingleses bombardearam indiscriminada e desnecessariamente essa cidade, cercada pelo Exército Vermelho, à beira de se render. Um livro duro, duríssimo em que as descrições muito estilo Vonnegut são hilariantes sem permitir gargalhadas. Livro alvo de vários ataques da intelligentsia norte-americana que negaram até ser impossível, a brutalidade dessa realidade, agora também branqueada depois da queda do Muro de Berlim, em que só falta ressuscitar centenas de milhares de mortos.

O Dia D foi e é fundamental para o poder simbólico ocultar o poder real e efectivo como se conseguiu em Bretton Woods, instituindo os instrumentos de dominação financeira dos EUA. O BIRD, Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento que seria mais tarde dividido entre o Banco Mundial e o Banco para Investimentos Internacionais, e o Fundo Monetário Internacional (FMI). As principais disposições do sistema Bretton Woods foram a obrigação de cada país adoptar uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio de suas moedas dentro de um determinado valor indexado ao dólar, cujo valor, por sua vez, estaria ligado ao ouro numa base fixa de 35 dólares por onça troy. Dotar o FMI de financiamento para suportar dificuldades temporárias de pagamento. Na ausência de um mercado europeu forte para os bens e serviços estado-unidenses a economia dos EUA seria incapaz de sustentar a prosperidade que alcançara durante a guerra. Teoria claramente exposta por Bernard Baruch, financeiro, conselheiro de presidentes e congressistas, que sintetizou o espírito de Bretton Woods no início de 1945: “se eliminarmos o subsídio ao trabalho e à competição acirrada nos mercados exportadores, bem como prevenir a reconstrução de máquinas de guerra, que prosperidade a longo termo nós teremos.” Assim, os Estados Unidos usaram a sua posição dominante para restaurar uma economia mundial aberta, unificada sob controlo dos EUA, que deu aos EUA acesso ilimitado a mercados e matéria-prima.

Tudo se acentuou quando, em 1971, frente às pressões crescentes na procura global por ouro, depois da libra esterlina se ter afundado deixando de ser moeda de troca no comércio internacional, Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, suspendeu unilateralmente o sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade directa do dólar em ouro O domínio passou a ser global, com uma moeda padrão no comércio internacional, o dólar. Com uma moeda a progressivamente ocupar o lugar do ouro nas reservas dos bancos centrais.

dolarEra só por a tipografia a imprimir a nota verde, como a até hoje e, perigosamente, o têm feito. Ficaram com as mãos ocupadas com a máquina de impressão e livres para manipularem a dívida externa, como o fizeram, reduzindo-a contabilisticamente de uma penada em 35%. Um forrobodó que tem feito os EUA viver à conta dos outros países e que só nos últimos anos está a ser posto em causa com a emergência de outros pólos económicos, com outros países a fazer as trocas comerciais em euros ou nas suas moedas nacionais, reduzindo a importância do dólar, o maior produto de exportação dos EUA. Cientes da sua fragilidade defendem com ameaças, canhões e propaganda o seu império, porque quem continuar a  exercer poder unipolar que tem na dólar  e na sua força militar o principal instrumento de dominação.

O Dia D tem pouco significado para o fim da guerra. Tem um enorme significado simbólico para os EUA. Sobretudo agora, quando são uma grande potência militar e uma potência económica em decadência. Um brutal perigo para a paz mundial como se tem observado nos últimos anos. O poder simbólico do Dia D, o modo como foi construído e mantido ao longo de setenta anos, ensina-nos a ver a importância da manipulação histórica e informativa na formação da opinião pública.

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História

Vasco Gonçalves, o Silenciado

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Agora que muita poeira assentou destas comemorações dos 40 anos do 25 de Abril vale a pena reflectir sobre o muito (ou pouco) que se recordou ou disse sobre o 25 de Abril. Longe de mim pôr em causa tudo o que foi feito por uns e por outros num esforço que se deverá louvar. Confesso que não ouvi nem vi tudo o que se fez sobre esse dia que está gravado no coração e no pensamento de milhões de portugueses, mas houve alguém que foi praticamente esquecido nesse turbilhão de reposições, de entrevistas e coisas que tais.

E, por isso, saio à liça em sua defesa: Vasco Gonçalves.

Ele está bem vivo em muitos e muitos portugueses que sabem o quanto foi valoroso esse militar de Abril, traído até mesmo por camaradas do MFA que não deixaram de usar métodos ínvios para o afastar do poder.

Certamente que todos aqueles que o recordam na sua forma simples de explicar o complicado e, sobretudo, na sua luta pela melhoria das condições de um grande maioria de um povo amordaçado, explorado e brutalizado por um regime que não poupou todos os que se ergueram firmes contra ele e abnegadamente lutaram e esclareceram, perdendo vidas por morte, desemprego, emigração, por afastamento daqueles que amavam e que sob torturas cruéis também morreram.

Vasco Gonçalves, o único 1º ministro a quem o povo trabalhador tratou simplesmente por Vasco, por companheiro Vasco, naqueles tempos em que sonhar o impossível era uma realidade a concretizar.

Quero aqui recordá-lo e prestar-lhe a minha singela homenagem ao homem simples, generoso, coerente e leal. Ao político, ao estadista, ao militar faço uma vénia de genuína admiração. Recordo aqueles momentos tormentosos provocados pela grande burguesia apeada do seu poder a resistir, a provocar dificuldades e a gerir a contra-revolução logo iniciada em 25 de Abril por um general de luneta que pouco tinha de revolucionário no sentido mais amplo do termo e, muito menos, no sentido mais estrito.

Vasco Gonçalves não foi esquecido e nunca o será, porque um dia o silêncio que o rodeia terminará e será sempre lembrada a sua contribuição para que o Povo Português tomasse nas suas mãos o seu destino e realizasse as conquistas revolucionárias que ficaram gravadas na Constituição de 1976, uma das constituições mais progressistas do mundo ocidental.

Foi caluniado, difamado, traído e um dos elementos do MFA quis mesmo prendê-lo de uma forma pouco leal sendo impedido de tal por Costa Gomes que respeitava Vasco Gonçalves e conhecia bem o homem que ele era.

Ler o livro resultante da entrevista feita por Manuela Cruzeiro –  Vasco Gonçalves – um general na Revolução ajuda-nos muito a compreender a tortuosidade daqueles tempos, os responsáveis pela contra-revolução, a falta de lisura, as contradições, a mesquinhez, as mentiras de tantos e tantos que anos volvidos continuam a tentar fazer crer que não tiveram responsabilidades na evolução da Revolução dos Cravos até ao que assistimos pelos dias de hoje.

Percebi melhor o que fica implícito na entrevista que Carlucci deu ao Expresso e que Demétrio Alves comentou aqui, na Praça do Bocage.

A Vasco Gonçalves, que concretizou lutas e reivindicações antigas dos trabalhadores, ficámos a dever-lhe a criação do salário mínimo e das condições que possibilitaram essas conquistas que foram o 13º e o 14º salários, isto é, os subsídios de férias e de Natal.

Sobre o pretenso caos económico no ano de 1975, porque é importante dar-se a conhecer o estado da economia portuguesa (bem mais saudável, afinal do que a doentia, leucémica economia a que nos levaram os governos PS e PSD com ou sem CDS com as sua políticas internas e de submissão aos interesses do capitalismo internacional, nomeadamente alemão, com a entrada na UE) cito partes do relatório da missão da OCDE a Portugal, em 15 de Dezembro de 1975:

« Parece ser opinião virtualmente unânime em Portugal que houve um catastrófico declínio na actividade económica no segundo semestre de 1974 e durante o ano de 1975…pode ser encarado como injustificado optimismo sustentar que, embora a situação seja muito fluída no principio de 1976, a economia portuguesa está surpreendentemente saudável…. Para um País que recentemente passou por reformas sociais, um mar de mudanças na sua posição no comércio externo e seis governos revolucionários nos últimos 19 meses, Portugal goza, inesperadamente, de boa saúde económica. Se o produto real caiu claramente em 1975, o declínio não foi precipitado.

A melhor estimativa é a de uma diminuição de três por cento no produto interno bruto(PIB).Em comparação com outros países da OCDE, a experiência portuguesa não parece ser muito pior do que a média. De facto, o desempenho da sua economia foi extremamente robusto quando as incertezas políticas de 1975 são levadas em conta. Em comparação, o declínio de PIB em 1975, nos Estados Unidos, foi de cerca de três por cento, na Alemanha Ocidental, próximo dos quatro por cento e na Itália quase quatro e meio por cento.»

E cito Vasco Gonçalves: «Aquilo que para os autores do relatório era surpreendente não o era para os responsáveis pela política económica dos governos provisórios. Foram precisamente as medidas de apoio às empresas para continuidade de produção e a garantia dos postos de trabalho, as mudanças estruturais, as nacionalizações da banca e dos seguros, dos sectores básicos da produção, das comunicações e transportes, a reforma agrária, a participação dos trabalhadores, as melhorias salariais que salvaram a nossa economia do colapso.

O parecer deste relatório foi confirmado por outra missão do MIT, que se deslocou a Portugal nos primeiros meses de 1976. O parecer mostra como eram falsas e tendenciosas as considerações sobre o estado da economia portuguesa feitas no Documento dos Nove

(citações a partir do livro Vasco Gonçalves- um General na Revolução, p.137)

 

A História far-se-á, porque com o tempo, os “pudores”, as cumplicidades, os mútuos favores trocados desaparecerão e surgirá límpida a verdade.

Ou como Saramago escreveu no livro Companheiro Vasco, p. 434:

«Esses dias que a História (a tal que para todos nós há-de olhar a frio) pesará numa balança, que gostaria de sonhar incorrupta. Se assim for, o seu outro nome será justiça, e esta será o sinal mais certo de que a escreverão filhos de trabalhadores e não os servos de pena e raspador que a burguesia usava pagar para justificar, desde a escola, o seu domínio

Além disso, o “Mundo pulará e avançará”.

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História, Livros, Setúbal

Setúbal sob a Ditadura Militar – 1926-1933

Setubal sob a Ditadura Militar_Alho, Alberico Afonso CostaImagine-se com uma lupa muito potente a olhar para a História de uma terra. Uma ampliação concentrada num período muito especial da História, não só dessa terra, como do país. Pois é o que oferece aos seus leitores “Setúbal sob a Ditadura Militar 1926-1933“, da autoria do investigador Albérico Afonso Costa, obra recentemente dada à estampa.

A observação microscópica de uma realidade local pode bem ser o método que permite seguir o “fio à meada” de uma realidade histórica mais ampla. O angulo de observação de Albérico Afonso Costa foca-se nesse grande pano de fundo que são os movimentos sociais, de que Setúbal, na sua especificidade, é particularmente exemplar. E com especial enfoque na condição operária da cidade mono-industrial do binómio pescas-industria conserveira, nos anos iniciais da ditadura militar.

Três momentos

O trabalho analítico de Albérico Afonso Costa distribui-se por três momentos com epicentro no golpe militar de 1926: o antes, o durante e o depois, distribuidos por cinco breves capítulos: 1) O ciclo económico e social conserveiro; 2) Ação e organização operária após a revolução republicana; 3) O 28 de Maio de 1926 em Setúbal; 4) Setúbal e a oposição à ditadura militar e 5) A resistência operária e popular após o 28 de Maio.

A primeira industrialização de Setúbal havia sido caracterizada pelo rápido crescimento em torno da fileira da pesca e das conservas de peixe, que associou um conjunto de outras indústrias. O rápido crescimento da cidade (categoria a que foi elevada em 1860) guindara-a à condição de terceira maior urbe do país nas primeiras décadas do seculo XX.

Mas, passado o primeiro grande conflito mundial (1914-1918), a cidade e a esmagadora maioria de uma população dependente da pesca e da indústria conserveira, viriam a enfrentar um prolongado período de crise, com todo um impressionante e cruel cortejo de fome, miséria e degradação da condição humana. Aliás bem retratados ao longo da obra de A. Afonso Costa.

Definhamento e indiferença

O progressivo definhamento da República democrática tem o seu epílogo com o golpe de 28 de Maio de 1926, que estabelece uma ditadura militar e encontra Setúbal, a “Barcelona portuguesa”, numa situação económica e social dramática. Retratando esse ambiente, Albérico Afonso Costa relata-nos a greve geral da indústria conserveira de 1922 – que, com uma duração de quase três meses, foi uma das mais duras realizadas em Setúbal, “em que se convocam todos os recursos, da manifestação à bomba, por um lado, e do lock-out ao estado de sítio por outro” (pg.15).

A relação da primeira República com os movimentos operários foi marcada por sucessivos e violentos enfrentamentos. À esperança de melhores dias foi-se sucedendo a desilusão. E Setúbal foi bem disso exemplo. Foi na sua avenida Luisa Todi, na repressão de uma manifestação, que se registaram as primeiras mortes provocadas pela recém formada GNR!

O desencanto das classes trabalhadoras perante as sucessivas políticas da República propiciou a indiferença com que foi recebido do golpe militar antidemocrático (mas sobretudo anti Partido Democrático de Afonso Costa).

A escassa defesa do regime democrático em Setúbal não foi exclusiva da cidade, antes sendo a atitude dominante a nível nacional. Leia-se a propósito o relato circunstanciado dos episódios sadinos registados em 28 de Maio de 1926 e dias seguintes. Em que se descrevem os avanços e recuos do Regimento de Infantaria 11, sedeado na cidade e que não fazia inicialmente parte do movimento. Os 40 oficiais desta unidade rapidamente assinarão uma declaração abaixo-assinado, sob “palavra de honra”, em que se colocam “ao lado do movimento (…) convencidos que tal movimento é genuínamente militar, não político e retintamente republicano, e tem por fim a moralização dos costumes e o engrandecimento da Pátria e da República” (pg.22).

Os primeiros anos

A ditadura não se impôs imediatamente em toda a sua esmagadora plenitude, na forma que viríamos a conhecer com a afirmação de O. Salazar à frente do poder executivo e com a Constituição de 1933. É certo que alguns dos seus principais traços foram rapidamente instaurados – a ocupação dos centros de poder administrativo locais e regionais, a censura prévia, a presença de oficiais nos centros de decisão ou a suspensão de direitos, liberdade e garantias, a perseguição a dirigentes políticos e sindicais.

Em “Setúbal sob a Ditadura Militar 1926-1933” ficamos por dentro dos meandros que levaram à constituição da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Setúbal, presidida por Carlos Botelho Moniz e tutelada pelo poder militar, que substituirá a vereação eleita em 1925. E à nomeação do primeiro Governador Civil do Distrito de Setúbal. Distrito, categoria administrativa outorgada à cidade já pela Ditadura (22 de Dezembro de 1926) num processo concomitante com a desanexação de Palmela do concelho de Setúbal e a recuperação da sua dignidade de concelho.

Os primeiros anos da ditadura militar foram anos complexos e tortuosos, mesmo para o núcleo dirigente. À frente do “Ministério” sucederam-se Mendes Cabeçadas, Gomes da Costa, Óscar Carmona, Vicente de Freitas, Ivens Ferraz e Domingos Oliveira. Só a entrada de O. Salazar em 5 de Julho de 1932, após quatro anos nas Finanças, viria a dar-lhe estabilidade.

Mas, apesar das limitações e da repressão, há ainda nesses anos iniciais da ditadura algum espaço de sociabilidade e ação política semi-legal. Com um sindicalismo de classe ainda muito ativo (que será desarticulado em 1934 com a lei das corporações) e com algumas forças partidárias que ainda exercem grande parte da sua ação à luz do dia. Ao longo da detalhada cronologia com que o autor nos presenteia, pode ainda constatar-se a realização na cidade de algumas actividades públicas, promovidas por partidos e personalidades não afectos à “situação”.

O greve dos marítimos de 1931

fontainhas

Fontainhas, Setúbal, 1928. Foto de Américo Ribeiro.

Destaque para o relato da dura, difícil e prolongada greve dos marítimos de 1931 (pp. 66-75). Luta que se prolonga de Abril a Junho e onde se demonstra a má-fé com que as autoridades e os industriais negoceiam com trabalhadores, a ponto de a sua associação ser encerrada e diversos dirigentes sindicais serem presos.Mas também uma luta em que se manifesta já aquela que será uma das grandes divergencias que trespassa o movimento operário, em Setúbal, como no país, com a crescente afirmação do então jovem Partido Comunista Português (fundado em 1921 e ilegalizado em 1927) face ao ainda dominante anarco-sindicalismo (pp.75-77).

A Jaime Rebelo (Setúbal, 1900-1975), o personagem celebrado por Jaime Cortesão no poema “Romance do Homem da Boca Fechada” e figura emblemática da resistência anarquista, dedica a obra um detalhado capítulo. Porventura na representação de uma estirpe de lutadores antifascistas que encontra nos marítimos de Setúbal um dos seus grupos mais activos à época.

***

Uma cronologia procura transmitir o ambiente da Cidade nos primeiros anos da Ditadura, registando não só o que de mais relevante ocorre, como dando nota de pequenos detalhes significativos nos mais diversos domínios. E apresentando, como documentação complementar, abundantes citações de artigos de imprensa da época, nomeadamente do jornal “O Setubalense” e “A Indústria” (publicação ligada aos sectores patronais), bem como de outras fontes primárias.

A obra é ainda abundantemente servida de imagens de elevado valor documental – edifícios públicos, obras, aspetos urbanos, estabelecimentos industriais e comerciais, figuras públicas, eventos e acontecimentos políticos, culturais e sociais, publicidade comercial. Com significativo e incontornável recurso a imagens do arquivo municipal Américo Ribeiro – o fotógrafo a quem se deve o mais importante registo conservado de imagens sobre Setúbal da primeira metade do século XX.

Um útil indice analítico e uma “Iconografia Setubalense” encerram “Setúbal sob a Ditadura Militar 1926 – 1933”. Obra que se vivamente se saúda e de que se esperam agora os decisivos capítulos iniciados com a assunção plena do poder por O. Salazar, da “sua” Constituição de 1933 e do inicio do Estado Novo.

Ficha técnica

Título “Setúbal sob a Ditadura Militar 1926-1933”; Autor: Albérico Afonso Costa; Design de comunicação: DDLX Design Comunicação Lisboa / José Teófilo Duarte (Direção de Arte), Gonçalo Duarte, Eva Vinagre, João Silva (design); Edição: Estuário / Instituto Politécnico de Setúbal – Escola Superior de Educação / Câmara Municipal de Setúbal; Impressão: SIG Sociedade Industrial Gráfica, Lda; Depósito legal: 373359/14; ISBN: 978-972-8017-22-4; Fevereiro 2014

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EUA, História, PCP, Política

O 25 de Abril e a CIA

CIA 1 cravos de abril

 

 

 

 

 

Frank Carlucci foi entrevistado na sua mansão perto da Casa Branca. Saiu ontem no Expresso. No preciso dia em que comemorámos o quadragésimo aniversário do 25 de abril.

Ex-embaixador em Portugal, para onde veio em dezembro de 1974, foi agente da CIA e seu Diretor. Mais tarde chegou a Secretário da Defesa dos EUA.

Treinou golpes no ex-Congo Belga e teve sucesso: Patrice Lumumba foi assassinado em janeiro de 1961 com Carlucci por lá como agente encoberto da CIA.

Depois de acabar como operacional, dedicou-se explicitamente aos negócios: desde o grupo Carlyle à Westinghouse, passando pela General Dynamics, pela CB Real Estate, até à “portuguesa” EuroAmer, neste caso associado ao Albarran (um dos que incitou as “massas” ao ataque à Embaixada de Espanha).

Trata-se de um exemplar representante do imperialismo norte-americano e dos interesses capitalistas mundiais.

Às perguntas jornalísticas respondeu com pistas interessantes, isto apesar da notória preocupação em não deixar rasto em coisas mais delicadas. Manha pura com 83 anos de requintado treino. Ah! E sempre modesto: Julgo que foi exagerado ( o seu papel na contrarrevolução).

Deixam-se, para reflexão, algumas das ideias expostas pelo ex-conspirador.

Acerca da relação dos EUA com a ditadura: Os EUA não precisavam do antigo regime (o de Salazar e Caetano)…mas Nixon estava muito agradecido a Portugal, devido ao uso da Base das Lages durante a Guerra do Médio Oriente.

Sobre o papel contrarrevolucionário da hierarquia católica portuguesa: Os padres da aldeia são muito importantes. Recebem ordens dos superiores, mas não recebem instruções, entende? E isso relaciona-se com a natureza conservadora do povo português, o amor pela Igreja e o medo do comunismo.

Sobre o papel da NATO na evolução da situação: Testemunhei no Congresso e pedi dinheiro para a Brigada portuguesa…trouxemos novos equipamentos para Portugal…tínhamos como objetivo voltar a profissionalizar a estrutura militar portuguesa.

Sobre Vasco Gonçalves: não sei se ele era controlado, mas certamente simpatizava com a União Soviética.

Sobre os partidos portugueses: Os três partidos democráticos, PSD, PS e CDS-PP, tinham que trabalhar juntos.

Sobre o apoio financeiro a Mário Soares: quando foi eleito primeiro-ministro aprovámos um grande empréstimo…fornecemos muito apoio moral…a maior parte do apoio financeiro veio do SPD alemão…(perante a insistência do jornalista sobre dinheiros para o líder socialista, acabou por acrescentar)…não quero ir por aí, prefiro referir-me ao grande empréstimo.

Acerca do seu envolvimento na preparação do ataque à Embaixada de Espanha: São acusações frívolas… (e sobre Artur Albarran, envolvido no ataque, e seu posterior sócio)… já terminaram as relações há sete ou oito anos.

A propósito do papel do PCP: Acredito que se os comunistas têm sido mais inteligentes e a sua liderança um pouco semelhante à de Enrico Berlinguer, teriam conquistado o poder…Álvaro Cunhal era pouco português.

Sobre a crise socioeconómica, a atual insatisfação dos portugueses e “uma eventual convulsão social”, diz: O canal de escape da insatisfação será as eleições

Fiquemos por aqui quanto às citações.

Muito haveria a rebater mas caberá ao leitor refletir sobre o que elas significam.

Contudo, é interessante discorrer um pouco mais sobre esta última tirada: O canal de escape da insatisfação será as eleições!

É assim que indivíduos como este, parente próximo dos atuais governantes portugueses, dos grandes acionistas e de administradores económicos e financeiros, pensam a democracia: é bom a malta ir às eleições para desabafar, para descomprimir, ficando tudo na mesma e desde que os seus interesses e a exploração se mantenham intocáveis!

Segundo o figurino que defendem e propagandeiam, a liberdade e as eleições serão boas, se e só se, servirem os interesses dos mercados capitalistas. Caso contrario acaba-se com elas. A História está recheada de exemplos que o comprovam, desde o Chile até à Ucrânia e à Venezuela.

Não é nova esta conclusão, mas causa sempre desconforto e irritação.

Muitos dos que acreditam e desejam a democracia que vislumbrámos no 25 de abril, cansados de tantas malfeitorias e ataques sociais, chegam a desesperar.

Como lutar por uma democracia que signifique desenvolvimento económico, cultural, social, para além dos direitos, liberdades e garantias fundamentais?

Como se poderá acabar com este jogo viciado por carradas de desinformação, de alienação e de medo, cujo resultado é sempre mais e mais desfavorável aos trabalhadores, estudantes, desempregados e pensionistas?

Muitos são levados, num mecanismo de compreensível desalento, a pensar em instrumentos radicais.

Outros refugiam-se numa real ou aparente indiferença, pensando que não há solução porque os políticos e as políticas são todos iguais.

Esta maleita social, fruto da alienação e do medo, também não é nova.

Já no séc. XIX, era identificada como grave problema por Antero de Quental (1842-1891), Filósofo e Poeta da Geração de 70, nas suas Prosas da Época de Coimbra:

“Um dos piores sintomas de desorganização social, que num povo livre se pode manifestar, é a indiferença da parte dos governados para o que diz respeito aos homens e às cousas do governo, porque, num povo livre, esses homens e essas cousas são os símbolos da actividade, das energias, da vida social, (…).
Que um povo de escravos folgue indiferente ou durma o sono solto enquanto … é triste, mas compreende-se (…) .                                                                                 Mas, quando é livre esse povo, quando a paz lhe é ainda convalescença para as feridas ganhadas em defesa dessa liberdade,(…) para esse povo é como de morte este sintoma, porque é o olvido da ideia que há pouco ainda lhe custara tanto suor tinto com tanto sangue, porque é renegar da bandeira da sua fé, porque é uma nação apóstata da religião das nações – a liberdade!”

Também Gramsci dizia que “A indiferença é o peso morto da História. É a bola de chumbo para o inovador, é a matéria inerte na qual frequentemente se afogam os entusiasmos mais esplendorosos.”

A indiferença sociopolítica é gerada e alimentada por quatro fatores fundamentais que vão variando de intensidade consoante se esteja num regime autoritário/ditatorial ou num regime “democrático” ocidental:

A)   Medo, coação e proibições variadas;

B)   Asfixia económica dos trabalhadores, desempregados e pensionistas e limitações à sua liberdade de ação e opção;

C)    Alienação dos cidadãos transformados em consumidores acríticos da propaganda dominante (direta e indireta)

D)   Condicionamentos culturais (individualismo, consumismo, etc.,)

Nos regimes autoritários o primeiro fator está maximizado.

No regime em que vivemos, em que o sistema eleitoral é apenas uma peça encenada para perpetuar no poder os detentores dos meios de produção e do capital financeiro, não há, de facto, liberdade e democracia. Por isso não se resolverão os graves problemas que sufocam os povos.

Independente do sistema eleitoral usado para preencher as assembleias legislativas nacionais, e, como sabemos, existem cerca de uma dúzia, a realidade confirma que, no fundamental, o comando fica sempre nas mãos da burguesia.

Nos sistemas de maioria simples (à pluralidade dos votos) ou de voto alternativo, muito usados nos países anglo-saxónicos, talvez se possa afirmar que aquele desiderato fica facilitado. Por isso mesmo eles gostariam de o impor como formato único eleitoral, não obstante algumas arrelias (Zimbabwe, Sudão, Nigéria, Birmânia, etc.,) .

Mas, mesmo nos sistemas de listas de representação proporcional (usado em Portugal e em mais metade dos países europeus), de representação proporcional personalizada (Alemanha, Itália, Hungria, Bolívia, Venezuela, México, etc.,), de voto único transferível ou, ainda, no sistema de voto paralelo, conhecem-se os resultados.

Quando os resultados não são convenientes para as forças capitalistas, e independentemente do sistema eleitoral utilizado, usam a força do golpe militar ou paramilitar, precedido de massivas campanhas de desinformação, sabotagem e desacreditação contra as maiorias eleitas. E quando isso não é imediatamente possível, fazem uso de criminosos e prolongados bloqueios, além das mais variadas sanções económicas, tentando vergar os povos.

Mas, então, que fazer? Rejeitar votar? Abdicar de participar nos atos eleitorais? Condenar por igual o sistema de partidos? Passar a dizer que só os “cidadãos independentes” é que são bons? Recorrer à luta armada, à sabotagem e ao bombismo?

Está comprovado política e historicamente que tudo isso não são soluções políticas para o tipo de questões que temos em cima da mesa.

Sem se pretender formular teorias ou receitas definitivas, nem para isso haveria capacidade –mas lendo os clássicos e analisando a própria realidade portuguesa, onde elas estão delineadas – parece poder dizer-se que:

  1. O povo (massas populares organizadas), é o agente fundamental e determinante das grandes rupturas históricas.
  2. Não há formulas mágicas e fáceis para alterar o estado das coisas, e a alternativa real às políticas seguidas nas últimas três décadas envolverá sempre dificuldades e sacrifícios. A diferença está na utilidade a medio prazo para os trabalhadores.
  3. Sem a participação intensa, direta (física) e continuada desse povo organizado não há democracia autêntica, assim como é determinante o papel de elites livres, esclarecidas e comprometidas com os interesses coletivos. A utilização das novas tecnologias não basta para resolver os problemas. São uma faca de dois gumes que é necessário usar com sabedoria.
  4. A participação em atos eleitorais, votando e concorrendo, é vital para as forças que lutam pela democracia vista num sentido amplo. Não existe uma sociedade civil por um lado e o Estado por outro. O Estado resulta da relação entre classes sociais e, também quando se vota, se opta em termos de classe.
  5. A existência de um Poder Local Democrático e de um Movimento Associativo organizado e atuante são insubstituíveis para o funcionamento democrático e para o desenvolvimento.
  6. O reforço qualitativo e quantitativo dos sistemas educacionais, científicos e culturais, numa perspetiva de os libertar progressivamente da propaganda dominante e do “pensamento único” disseminados através de poderosas e sofisticadas redes, é elemento fundamental para o médio prazo.
  7. O Movimento Sindical é nuclear na luta por melhores condições de vida para os trabalhadores, na batalha contra a tirania do capital e, também, para a preparação de alternativas políticas futuras.
  8. As ideias não se transformam em força revolucionária apenas em função do seu mérito intelectual. Têm que ser assimiladas e tomadas como suas pelas massas populares.
  9. O exercício precoce do poder, numa base de partilha interclassista de responsabilidades no Estado, sem estarem criadas condições perenes e sustentáveis dos pontos de vista político e social, mesmo quando invocado a propósito da necessidade de mitigação imediata do sofrimento infligido ao povo, pode revelar-se letal para a construção das verdadeiras soluções a médio e longo prazos.
  10. A unidade na ação das forças políticas e sociais que defendem, de facto, os interesses dos trabalhadores, dos desempregados, dos pensionistas e idosos, dos intelectuais, dos quadros técnicos e científicos e dos pequenos empresários, constitui um meio para estribar a governação do futuro e um instrumento valioso de oposição e preparação de alternativas.
  11. Não sendo condição suficiente, constitui um fator fundamental para fazer oposição às malfeitorias dos predadores que se instalaram no poder político e económico em Portugal, alterando para melhor tudo o que for possível e preparando soluções democráticas avançadas para o futuro, a existência de um partido ligado firmemente aos interesses dos trabalhadores e do povo, e com um projeto de sociedade alternativa. Felizmente esse partido existe, vivo e atuante, sempre aberto à melhoria qualitativa e quantitativa, também eleitoral: é o PCP.
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EUA, fascismo, Fascismo, Geral, História, Internacional, Política

O fascismo voa sobre o mundo

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“Vocês vão ficar a saber a verdade, mas a verdade vai dar cabo de vocês”.

Aldous Huxley

Na Ucrânia tornam-se mais vísiveis os perigos e a estupidez de uma política geoestratégica, posta em movimento logo após a queda do Muro de Berlim, de cerco à Rússia e à China. (* – leiam em nota textos e declarações de Paul Craig Roberts que pertenceu ao governo de Reagan e foi vice-director e editorialista do Wall Street Journal)  Um cerco que se vai apertando usando as mais variadas formas e estratagemas. A implosão da Jugoslávia, fomentando o separatismo no Kosovo onde deram o poder segundo um informe dos serviços secretos alemães a  “uma sociedade mafiosa constituida por elementos criminosos ligados sobretudo ao tráfico da droga” e identificam Ramush Haradinaj, Hashim Thaci e Xhavit Haliti os homens de mão dos norte-americanos, ao apoio a forças de direita como na Geórgia, onde alimentaram os sonhos megalómanos de um pequeno ditador, às  guerras no Médio-Oriente, atacando velozmente quem se atreveu a começar a vender petróleo sem ser em dólares. Agora o destaque vai para a Síria, com o Irão na mira.

Há um traço comum entre essas intervenções externas directas ou por interpostas organizações locais, existentes ou inventadas, dirigidas e financiadas pelos Estados Unidos, sempre com o apoio da União Europeia e usando a Nato, o seu braço armado vísivel. Os departamentos estadunidenses que traçam essas políticas, sabem que o presidente da Comissão Europeia, mesmo que seja políticamente irrelevante (só o Viriato Soromenho Marques é que um dia lhe descobriu “estatura política internacional” e aceleradamente rapou da esferográfica para o anunciar),  está sempre à sua disposição, que os governantes europeus, uns mais rápidos que outros, estão sempre em linha com os objectivos geoestratégicos dos Estados Unidos. O outro traço comum é o apoio que dão a forças fascistas para-militarizadas na Europa, a extremistas religiosos do médio ao extremo oriente, com destaque para as que se albergam sob o guarda chuva da Al-Quaeda.

padre decapitado na síria

padre decapitado na Síria pelas forças aliadas,armadas e financiadas pelos EUA e da UE  e pelas monarquias despóticas do Médio-Oriente que,no dizer dos seus apoiantes, lutam pela “democracia”

Na Ucrânia, o episódio mais recente dessa política, tudo se tornou evidente, sobretudo para os que acreditavam no que lhes era contado, quando Victoria Que se Foda a Europa Nuland, não deixou restassem dúvidas sob o circo “democrático” em curso. Como ela disse, apanhada com a boca na botija, os EUA já tinham investido cinco triliões de doláres, a apoiar as formações políticas do “Pravy Sektor” (Sector Direita) que é basicamente uma organização chapéu grupos ultra-nacionalistas (ler fascistas) incluindo apoiantes do Partido “Svoboda” (Liberdade), “Patriotas da Ucrânia”, “Ukrainian National Assembly – Ukrainian National Self Defense” (UNA-UNSO) e “Trizub”. Grupos que continuam a fazer exercícios e desfiles militares. Mesmo depois da investidura de um governo fantoche, logo reconhecido pelo Ocidente, que substituiu o governo e o presidente da Ucrânia, um governo e um presidente fraco e corrupto, avisaram que só páram quando alcançarem o poder. O grande capital ainda tem hesitações entre a quem dar o seu apoio. Divididos entre fascistas e fantoches, tão democráticos e corruptos quanto Iankovitch, à imagem da milionária  Júlia Timoschenko, uma “democrata” que em 2004 anulou uma eleição assim que  a perdeu. Grupos fascistas que tem uma ideologia comum, anti-judia, anti-imigrantes e anti-russa, porque uma grande parte da população da Ucrânia é russa ou russófona. O seu herói é Stepan Bandera e a sua “Organização de Nacionalistas Ucranianos”, infames colaboradores dos nazis que combateram activamente contra a União Soviética e cometeram algumas das piores atrocidades da II Guerra Mundial. Na Ucrânia onde essa gentalha, chamada eufemisticamente pela comunicação social vendida ao império, de grupos radicais já assaltou sinagogas, queimou sedes do Partido Comunista, humilhou e matou judeus, comunistas e outros emigrantes. Só muito timidamente e sem imagens os serventuários jornalistas a isso se referiram. Assim se intoxica a opinião pública. Como se intoxica com a unidade e integridade territorial da Ucrânia, um país que só existe depois da implosão da União Soviética, na base de um tratado aberto a todas as interpretações, sobretudo em relação à Crimeia, isto no mesmo ano em que a Escócia e a Catalunha vão referendar a sua independência. O descaro da diplomacia ocidental é de tal ordem que Laurent Fabius, sem uma ruga de vergonha, proclama, depois de anunciado referendo na Crimeia, ” onde já se viu referendar a independência de um território, alterando as fronteiras?” Olhe para o lado para Espanha, olhe para Norte,para a Escócia, lembre-se do Kosovo.

Já se fazem reportagens épicas sobre os tártaros derrotados no século XIII pelos mongóis, criteriosamente restritas à Crimeia ou assimila-se a ideologia fascista dos ultra-direitistas ucranianos ao imaginário cossaco do século XV. Com tantas histórias epopeicas de retorno ao passado fica-se à espera que Obama se comova e coerentemente vá devolver territórios aos índios e aos mexicanos, acontecimentos temporalmente muito mais próximos, para adquirir autoridade moral e fazer justiça ao prémio Nobel da Paz que lhe foi atribuído per fas e nefas. Continuar a ler

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O meu primeiro contacto com Alain Resnais, já lá vão mais de 50 anos, foi “O Último Ano em Marienbad”. Fascínio e perplexidade.

Fascínio partilhado para a meia dúzia de pessoas que ficaram na plateia do cinema Roma, perplexidade partilhada com todos os outros que abandonaram a sala. Fascínio e perplexidade que me fizeram voltar a ver o filme uns dois dias depois. Crescia o fascínio, a perplexidade ia-se apagando. Ainda antes de rapidamente sair de cartaz fui vê-lo uma terceira vez. Agora era só fascínio. A perplexidade tinha-se apagado definitivamente.
Quando li que Alain Resnais disse que no filme o que quis foi “determinar se é possível representar, mesmo aproximadamente, a mecânica de pensamento, não na realidade, mas nas mentes dos personagens.”, tudo o que já era claro, mais claro ficou.
Associavam-no à nouvelle vague, coisa difícil de poder ser avialada num Portugal censurado. O que nos deixavam ver da nouvelle vague  e de Resnais, indicava que Alain Resnais trilhava um caminho autónomo, diferente. Mesmo que não houvesse nouvelle vague, haveria sempre Resnais. Provavelmente o equívoco foi construído por o “O Ano Passado em Marienbad” estar associado ao novo romance, o guião é de Alain Robbe-Grillet, e o seu outro filme “Hiroshima, Mon Amour”, estar ancorado no romance de Margueritte Duras. Ansiosamentre esperei pelo próximo filme. Nunca se sabia o que passava e como passava nas malhas da censura. Antes de o ver li o livro de Duras, a carta que Resnais escreveu a Margueritte Duras, sobre “Hiroshima, Meu Amor”. Continuar a ler

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Outros 27 de Janeiro

Num momento em que o perigo espreita, em que a Europa capitalista em crise volta a ressuscitar nacionalismos, em que o imperialismo continua a promover a guerra e a violência, subjugando os povos aos interesses económicos e financeiros dos «mercados», importa relembrar outros 27 de Janeiro.

Muito tem sido feito pelos intelectuais orgânicos do capitalismo triunfante para limpar ou, pelo menos, suavizar a imagem do nazi-fascismo, limitando-o à Alemanha nazi, considerando-o a obra de um louco, desvalorizando as suas origens e reduzindo a sua ideologia ao anti-semitismo.

Uma das muitas formas de branqueamento do nazi-fascismo é a sua comparação ao socialismo, utilizando a própria propaganda nazi sobre a União Soviética para reescrever a história, confundindo agressor e agredido, opressor e libertador, carrasco e vítima, vencido e vencedor.

No entanto, não há reescrita que possa omitir a heróica resistência do povo  Soviético, liderado pelo PCUS de Stáline e o seu Exército Vermelho e o papel decisivo que teve na libertação da humanidade da barbárie nazi-fascista.

Dai parecer-me fundamental continuar a manter viva a memória de outros 27 de Janeiro.

Em 27 de Janeiro de 1944, acaba cerco nazi a Leninegrado, a heróica resistência do povo soviético, com milhares de mortos, sofrendo com o frio, a fome, os combates, saí vitoriosa e abre caminho para que um ano depois, a 27 de Janeiro de 1945, o Exército Vermelho na sua ofensiva libertasse o campo de morte de Auschwitz, onde a Alemanha nazi procedia ao extermínio de judeus, ciganos, comunistas, democratas, homossexuais, deficientes.

Recordem-se os heróicos exemplos de resistência e firme combate pela liberdade e que todos os dias possam ser 27 de Janeiro, derrotando sempre a ideologia e a prática terrorista do ódio, do racismo, da opressão e da exploração.

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História, justiça, PCP, Política

18 de Janeiro de 1934

 

Presos do 18 de Janeiro no Forte de Peniche

Presos do 18 de Janeiro no Forte de Peniche

A 18 de Janeiro de 1934, os trabalhadores portugueses levaram a cabo uma heróica Greve Geral contra a fascização dos sindicatos.

Na sequência da entrada em vigor da Constituição fascista de 1933, a ditadura procede à consolidação das suas estruturas jurídicas e sociais, no início do ano de 1934 é o Estatuto do Trabalho Nacional e Organização dos Sindicatos Nacionais que entra em vigor acabando com os sindicatos livres, com a contratação colectiva, com a liberdade de reunião e associação.

Face a estes avanços da ditadura, os trabalhadores portugueses e as suas estruturas de classe, respondem com uma jornada de luta que ficou na história do movimento operário e da resistência ao fascismo, uma greve geral com adesões significativas em todo o País, com particular destaque para Almada, Barreiro, Lisboa, Sines, Silves, Seixal e Setúbal, entre outros.

No entanto, foi na Marinha Grande que esta Greve Geral assumiu um carácter insurreccional, os trabalhadores ocuparam a estação de correios e o posto da GNR , paralisaram por completo as fábricas, respondendo de forma heróica aos avanços do fascismo.

O movimento grevista revolucionário de 18 de Janeiro foi derrotado, a ditadura desencadeou uma repressão brutal sobre os grevistas e os mais destacados dirigentes deste movimento, perseguidos, presos, torturados, deportados para as chamadas colónias penais, é deste movimento de surgem os presos que inauguram o campo de concentração do Tarrafal.

Nos dia que correm, conhecidas que são as ameaças existentes, os ataques ao movimento sindical, as campanhas contra as lutas dos trabalhadores, as pressões para limitar o direito à greve, os discursos anti-partidos e anti-parlamento, importa ter em conta as lições do 18 de Janeiro, esclarecer e mobilizar os trabalhadores para a defesa das suas liberdades e direitos, impedir que a história se repita.

Essa é a melhor homenagem que se pode prestar ao homens e mulheres que há 80 anos heroicamente resistiram.

Sobre o 18 de Janeiro de 1934 vale a pena ler 

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História, Política

O tímido de Pepetela

220px-The_Ordeal_by_Fire_by_Dierec_Bouts_the_OlderLuanda é, num sítio magnifico, uma cidade excessiva.

A propósito daquela urbe, das relações pessoais, familiares, amorosas, sociais, económicas e políticas dos seus habitantes, criou Pepetela mais um dos seus escaldantes murais.

Trata-se do novo romance “O tímido e as mulheres”, leitura indispensável para quem queira ir mais fundo na compreensão das coisas angolanas, não se limitando aos vulgares lugares comuns.

A algazarra que por aí vai sobre as relações políticas e económicas luso-angolanas, atesta a existência de profundas incompreensões mútuas.

E não será através do espalhafato oportunista que se fortalecem laços entre os dois povos e países.

Por cá, o ministro foi lorpa nas suas declarações e correções.

Mas, mais grave, é a escalada revanchista dos lusos que se arvoram em padrões de ética e democracia. Principalmente dos saudosistas do Savimbi. Foi confrangedor ouvir João Soares tentar contrariar , quase histérico, o embaixador Gomes da Cruz quando este lhe demonstrava a consabida aceitação internacional dos últimos atos eleitorais angolanos.

Por lá, também alguns sinais de um excessivo e incomum nervosismo.  Não é completamente legível a declaração presidencial de que “têm surgido incompreensões ao nível da cúpula política [portuguesa] ”, porque, do que é conhecido publicamente, não são as cúpulas políticas portuguesas que se têm pronunciado contra os governantes angolanos.

Por experiência própria, fundamentada em diversas deslocações realizadas no âmbito empresarial e político, conhecem-se algumas das potencialidades e das dificuldades do trabalho e das relações entre portugueses e angolanos.

Sim, é óbvia a necessidade do respeito mútuo e bom senso.

Mas, quando estão em jogo interesses económicos, financeiros, sociais tão grandes – é bom não esquecer o grande fluxo migratório bidirecional -, não ignorando os valores culturais e políticos, a coisa não chegará a porto seguro apenas com boas intensões e palavras mansas.

Com Angola não pega o discurso como o de há séculos centrado em conceitos como hermanos e irmãos.

Aliás, nem com a Espanha ou com o Brasil isso algum dia resultou, salvo num imaginário serôdio de cunho paternalista e salazarento.

Embora, no âmago do atual desaguisado, também haja uma ponta de maka histórica e cultural, a questão de fundo radica, do nosso ponto de vista, nos interesses económicos característicos de sociedades ajoelhadas perante o referencial capitalista, sobreaquecidas pelos oportunismos, pelos novo-riquismos e pela concorrência desumana, agora extremada pelas crises e pelas desigualdades. E isso aplica-se tanto em Angola como a Portugal.

Ainda com referência à citada ficção romanesca, pode afirmar-se que, na vida real angolana, existem, de facto, muitos Jeremias Guerra. Mas, é incontornável reconhecer que, também em Portugal, no Brasil, em Espanha e em muitos outros países ditos “civilizados”, se trata de um personagem comum. Só que, nestes países, tiveram muitas décadas para enriquecer, de tal forma que hoje já podem passar por prestigiados senadores e capitães de industria.

Conhece-se, de experiência vivida, o lamentável espetáculo dado por dirigentes empresariais portugueses, que, hipocritamente críticos da concitada corrupção angolana, a primeira coisa que fazem quando lá chegam é tentar comprar corpos e almas. E diversas vezes se espalham devido à sua alarve apreciação de Angola e dos angolanos.

Mas, é imperioso dizê-lo, também convivemos com atitudes de prepotência inaceitável por parte de alguns responsáveis empresariais angolanos, impantes no seu novel poder, pretensiosos justiceiros de velhas contas coloniais aplicadas impropriamente a sujeitos inocentes.

À política o que é da política, à justiça o que é da justiça, aos jornais o que lhes é devido no seu papel informativo e, se possível, formativo.

Que os julgamentos, os ordálios e as aferições políticas sejam feitos por quem tem verdadeira legitimidade para os realizar.

Aos povos, isto é, a uma grande maioria de trabalhadores e desempregados esmifrados, de cá e de lá, o que daria muito jeito seria o desenvolvimento de relações com interesse mútuo, equitativo e cooperante.

E que vivam os tímidos, porque deles será o regaço das mulheres.

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Geral, História

ESTOU INDIGNADO!!!

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Estou indignado! Indignadíssimo!!!

Depois de ler o Ionline foi rever a Fotobiografia do Álvaro Cunhal da editorial Avante! Vejam lá, não apareço em nenhuma fotografia!!! Ao contrário do Joaquim Vieira até as tenho. Ele que não encontra o dr. Mário Soares a fazer-se à objectiva na chegada de Álvaro Cunhal a Lisboa. A malta do Avante! com os seus critérios editoriais, isto dos critérios jornalísticos é contagioso, não as escolheram. O Mário Soares ainda aparece de costas, agora eu nunca apareço!

Oh! Carlos Brito, nós que andámos em Lisboa em encontros clandestinos antes do 25 de Abril, faça o favor de protestar em meu nome que ainda contínuo no Partido e os gajos esqueceram-se de mim. Você que sabe da poda nem precisa ver a fotobiografia para perceber o que me aconteceu. Em relação a si é diferente! Se publicassem uma fotografia em que você estivesse com o Álvaro Cunhal todo o mundo e arredores perguntaria quem é aquele gajo de cabelos brancos que está ao pé do Carlos Brito que lhe sussurra o que ele deve fazer! Bem sei que as suas boquinhas e a vaidade que transpirava ia ficar registada nos negativos, mas mesmo assim é uma injustiça. Os camaradas da editorial Avante! são mesmo insuportáveis

Grave, verdadeiramente grave é não publicarem nenhuma foto do Álvaro Cunhal com o Gorbatchov! Não é pelo Gorbatchov, o gajo que se lixe, mas pela mala Luís Vuitton a que a o Mikhail e a perestroika davam enorme brilho e prestígio! Espero que a Luís Vuiton tire desforço de tão descarada manipulação.

Ainda bem que o Ionline, com a ajuda do Joaquim Vieira, isto de ter amigos na comunicação social para conseguir publicidade à borla é chão de muitas uvas, me abriu os olhos. Mais ajudou-me a perceber que para se ter opiniões firmes e fundamentadas  não é preciso nem ver o livro nem ter ido à exposição. Inutilidades em que perdi tempo em vez de esperar pelas revelações do Joaquim Vieira “Aquela foto, com aquele enquadramento, não tem sentido nenhum. Não tenho o original para comprová-lo” ou continuar enterrado no meu sofá como o Brito que, dito pelo próprio, não viu o livro nem visitou a exposição itinerante do líder do PCP –mas considera tratar-se de um “comportamento estalinista”(…)“uma infantilidade”-

Com homens desta estirpe, enterrados até à boca nos pântanos da comunicação social, se faz a pequena história. Esperemos cenas dos próximos capítulos.

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Guerra, História, Internacional, Política

Sequestros

tupamarosUm chefe de estado, Evo Morales, presidente da Bolívia foi ostensivamente retido em Viena, Áustria, quando, no seu avião oficial, se deslocava de Moscovo em direção ao seu país. Dizem os seus pares da América do Sul que foi sequestrado.

Paulo Portas, num dos seus últimos atos como governante, proibiu que o avião presidencial sobrevoasse Portugal, isto é, empurrou Morales para o sequestro.

Depois, tendo pedido demissão do governo, um ato irrevogável, segundo diz, Portas viu-se sequestrado pelo primeiro-ministro que se recusa a apresentar o pedido de exoneração ao presidente da república, a fim de o não deixar sair da nave desgovernada.

É nisto que estamos, sequestrados, nós todos, por políticos às ordens do imperialismo político e financeiro. Até quando?

E depois, admira-se esta gente, protestando hipocritamente, quando há grupos extremistas que sequestram pessoas.

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História, PCP, Política

O que disse e escreveu Hobsbawm

HobsbawmO embaixador Cutileiro, num artigo publicado no Expresso há algumas semanas, a propósito do falecimento de Eric Hobsbawm – o historiador não morreu – diz que este se teria “recusado condenar os crimes encomendados e comandados por Estaline quando sobre eles já não havia dúvidas”, acrescentando que aquele historiador teria, numa “televisão”, afirmado que havia explicação para os 15 ou 20 milhões de mortos.

Desconhece-se, quando, como e em que circunstâncias, este brilhante e honesto historiador, teria feito as supostas afirmações televisivas.

O que é verificável, de forma incontroversa, é o que Hobsbawm deixou escrito nas suas obras, designadamente na “ Era dos Extremos” para caracterizar, a pp. 382, a figura de Estaline, responsável primeiro, tanto pela vitória na guerra patriótica, determinante para a libertação europeia do nazi-fascismo, como “pelas grandes purgas dos anos 30 que, ao contrário de formas anteriores de terror, foram dirigidas contra o próprio partido”, acrescentando, mais adiante, que entre 1934 e 1939 “4 a 5 milhões de membros e funcionários do partido foram presos por motivos políticos; e quatrocentos a quinhentos mil foram executados…”.

Hobsbawm dá, ainda, como seguro que a partir dos fins dos anos 50 “os gulags se esvaziaram”, e que “nos anos 80 tinha (a URSS) uma proporção nitidamente menor dos seus habitantes na cadeia do que os EUA”.

Não obstante as constatações históricas referidas, Hobsbawm continuou fiel, do ponto de vista intelectual, à ideia comunista até ao fim dos seus dias. E este é o verdadeiro problema do embaixador Cutileiro: o facto de o historiador ter rejeitado ser membro do clube frequentado por Jorge Semprún, Wolfang Leonhard, Albert Camus, Ignazio Silone, Arthur Koesteler, Sakharov, Havel, ou, num campeonato mais pequenino, Zita Seabra.

Judt, no “Século XX esquecido”, diz que Hobsbawm, ao excluir-se de tal companhia, se provincianizou. Mas, não consegue desmentir que ele foi o historiador “que mais sabe e que melhor escreve”.

Veicular a ideia de que ser comunista “é um problema”, como faz Cutileiro e outros, é repetir expressões que Hitler, Franco, Mussolini e Salazar não desdenhariam. Ideias fundamentais do nazi-fascismo.

Para colorir a narrativa anticomunista pega-se nuns supostos “10 a 20 milhões de mortos do estalinismo”. Há algumas destas “fontes científicas” que vão ao ponto de incluir na conspurcada contabilidade os combatentes russos caídos na segunda guerra mundial! Estamos conversados sobre o rigor e honestidade de tal propaganda.

Aliás, sem qualquer intenção de branqueamento, dizer que o rigor obriga a constatar que, entre os historiadores de vários matizes, desde que sejam intelectuais honestos, o que mais se encontra são dúvidas e incertezas sobre estes números. O que não significa que não tenham existido erros, desvios, autoritarismo, dogmatização, centralismo burocrático, sectarismo, e, também, crimes políticos condenáveis, no regime de Estaline

Mas, não é necessário ser negacionista para se continuar comunista e partidário da convicção de que o socialismo é o futuro. Ou, pelo menos, ter consciência de que o capitalismo, na sua deriva neoliberal, imperialista e securitária, está cada vez mais violento neste fim de ciclo. Veremos até onde vai chegar.

Pessoas como Cutileiro, fundamentalistas da “liberdade” do capitalismo e do império, não renegam o regime apesar de conhecerem muito bem os seus múltiplos e variados crimes, como os perpetrados no Chile, no Vietname, na Coreia, na Palestina, no Iraque, para não falar já do mccarthismo, dos prisioneiros de Guantânamo ou do “internamento” de japoneses, feito nos EUA há algumas décadas. Ou, ainda, do suporte dado a muitos e variados ditadores. E das bombas atómicas já lançadas sobre o povo japonês, bombas que os cutileiros de hoje aceitam, justificam e recomendam utilizar de novo no Irão e na Coreia.

Não estamos um concurso de ética e moral. O campeonato é outro e ainda só vai a meio. Trata-se de combater a agiotagem, o crime organizado e a exploração da vida e do trabalho humano, e do próprio planeta, e preparar a sua substituição por um outro sistema de vida e outras formas de produção e de consumo.

Embora se reconheça que, do ponto de vista da ética, do escrúpulo democrático e, ainda, na perspetiva dos valores fundamentais da humanidade, os homens e mulheres da esquerda consequente, têm mais obrigações do que os partidários da “liberdade” neoliberal.

E é por isso que tanto se fala no estalinismo. Na esperança, vã, que os comunistas, socialistas e a esquerda patriótica, desistam da sua luta.

Nota: Publicado no Sem Mais em 6 de Abril 2013

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