Agora que o clube GIPSY está quase completo – com o “resgate” de Espanha decidido e o italiano a começar a perfilar-se – que se seguirá? É que quando um país cai, logo ficamos à espera da vítima seguinte… um dejá vu.
A Europa do Sul (a que se juntou a celta Irlanda) passou da euforia à depressão no espaço de dois anos. Uma crise que começou no sector financeiro com “produtos tóxicos” e que rapidamente expôs a fragilidade dos modelos de desenvolvimento assentes na especulação banca-imobiliário (Espanha e Irlanda de forma extrema) ou, no caso português, na estagnação camuflada pelo acesso ao crédito barato.
Uma crise que expôs a fragilidade e a impreparação da União Europeia e do euro para lidar com situações de crise. As finanças sobrepuseram-se à economia real, às pessoas e às empresas, enquanto os políticos que decidem se tem recusado a olhar para além do imediato. A ameaça de uma recessão de grandes proporções e de efeitos imperscrutáveis é o que temos pela frente. Por ora nos países da periferia da União, mas que ameaça avançar em direcção ao “centro”.
Qual o ponto da situação?
A Grécia.
Com uma economia em recessão desde há anos, os gregos continuam submetidos a um brutal programa de austeridade. Sem expectativas de emergir do desastre, deixaram de aceitar a austeridade contestando-o de todas as formas – desde o protesto nas ruas à recusa de pagamento de novos impostos. A perspectiva de vitória da esquerda Syriza (aliada a outros grupos) parece radicar na aceitação maioritária pelo eleitorado de uma opção que alia a manutenção na UE e no euro, com uma profunda renegociação dos termos do “resgate”. Será possível? A resposta depende de muitos factores.
Agora, que o centrão PASOK-Nova Democracia, que governou o país nas últimas décadas e o conduziu ao desastre, corre o risco de ser democraticamente expulso do poder, os poderes políticos europeus e os seus comentadores de serviço tocam todas as trombetas de que dispõem e ameaçam de forma descarada tornar a Grécia num pária. Uma inadmissível pressão que visa interferir na escolha que os gregos se aprestam a fazer.
Mas uma Grécia fora do euro (e da UE e quiçá mesmo da NATO) seria um duplo erro que não levaria muito tempo a ser lamentado. Acentuaria os riscos sobre todos os equilíbrios precários que ainda subsistem na UE, agravando as pressões dos mercados, ávidos por presas enfraquecidas, sobre os outros países periféricos, como Portugal. E a que muito provavelmente se juntariam Itália e Espanha (no caso espanhol o processo pode não ficar por aqui) respectivamente quarta e a quinta economias europeias.
Erro ainda porque a Grécia não teria muitas dificuldades em, a médio prazo, se reorientar, com isso criando um sério problema géo-estratégico ao chamado bloco ocidental. Olhe-se para o mapa e veja-se onde fica a república helénica. Junto da Turquia, sua irmã inimiga e estrela em ascensão naquela zona do globo; não longe da imperial Rússia, desejosa de reafirmar a sul a sua vocação de grande potência do passado – a Chipre grega já beneficia de um empréstimo russo de 2,5 mil milhões de euros; com os chineses à espreita de novas oportunidades; e que dizer da invejável marinha mercante grega?
Uma cedência de A. Merkel (que é quem decide) forçada por um novo poder político na Grécia forçaria a revisão dos memoranduns irlandês e português. Tudo é possível e não por acaso o “resgate” espanhol foi politicamente decidido antes das eleições gregas… mas sem que se conheçam os seus exactos termos e condições.
Uma vitória da esquerda na Grécia obrigaria ainda os poderes dominantes na Europa a pensar em questões géo-estratégicas que têm andado afastadas das suas preocupações, exclusivamente centradas em matérias financeiras. Devem pois medir as múltiplas consequências de excluir a Grécia; Grécia que certamente tratará de se incluir em algum lado!
Espanha e Itália
Como manda a ordem do infelizmente certeiro acrónimo GIPSY, após os “resgates” da Grécia, Irlanda e Portugal seguiu-se o de Espanha, com a Itália a surgir no horizonte. O “resgate” espanhol, apesar de dirigido ao sector bancário, custará 100.000 milhões; segundo o próprio ministro espanhol da economia De Guindos disse aos seus colegas europeus durante a negociação, o resgate total do Estado espanhol custaria (custará?) 500.000 (!!) milhões e o de Itália 750.000. Onde é que há dinheiro para tanto? Too big to fall, dizem-nos.
O sucesso da operação espanhola medir-se-á nos próximos dias: alguns sinais parecem já apontar para a continuação do movimento ascendente nos juros dos respectivos títulos de dívida pública. Situação similar para os títulos italianos. Um percurso que já vimos nos outros países intervencionados…
A excessiva preocupação com a salvação da banca tem sido uma das principais linhas de combate à crise. Contrasta com a indiferença a que a economia real, o emprego e os desempregados são votados – cortes, cortes e cortes. Salvar a banca deixando as pessoas a definhar? Onde estão os accionistas desses bancos? E os geniais administradores que durante anos e anos se auto-banquetearam com prémios opíparos e imorais? Será que os devolveram, como contributo solidário para ajudar a resolver a embrulhada em que nos meteram. Os políticos co-responsáveis pelos desmandos, esses sofrem, pelo menos, a sanção eleitoral e moral de serem reconhecidos quando circulam nas ruas. Aos dirigentes financeiros mal os conhecemos.
Federalismo ou regresso à casa de partida
Dilacerado longo de séculos por conflitos devastadores, o último dos quais terminado há 67 anos, o continente europeu tem tido na União Europeia um projecto de paz, capaz de dirimir conflitos entre nações. Foi-o nas fases de prosperidade e crescimento que diluíram as diferenças entre os potenciais económicos de cada país, mas questionamo-nos agora se o poderá continuar a fazer. Se tal está na sua natureza.
Tendo presente o seu carácter de super-estrutura de integração e controlo económico de natureza capitalista, importa que, mais ao serviço dos povos do que no passado, possa continuar a ser um factor de paz e segurança. Evoluções recentes mostram a reabertura de feridas que pareciam saradas. E que convergem num ponto comum – o renascido poderio alemão, a nova velha super-potencia europeia que assume agora a primazia nos destinos da União.
Estão também constatadas as fragilidades no domínio da união monetária: uma moeda sem gestão orçamental comum; os diversos níveis de competitividade ou endividamento, no fundo, os mais dispares níveis de desenvolvimento entre os seus membros, agora bem expostos. Dizem-nos que o caminho é mais integração, mais orçamento comum, mais instâncias de decisão e fiscalização orçamental europeias. Alguns acrescentam mesmo títulos europeus partilhados de dívida soberana. Isto é, o caminho já aberto pelo pacto orçamental europeu.
A via federal tem alguns argumentos fortes. A globalização demonstra que as pequenas economias (salvo raras excepções) cedem perante os grandes blocos. Ora a generalidade das economias nacionais europeias são de pequena monta e muito abertas ao exterior, como é, aliás, o caso da nossa. A constituição de um bloco económico coeso – desiderato que está muito longe de ser conseguido – pode evitar a decadência europeia, posta a descoberto pelo crescimento notável de outras potências ou espaços regionais, caso dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), Mercosul ou APEC (Cooperação Económica da Ásia e do Pacífico).
Aceitando a bondade e eficácia da tal solução federal europeia – que está por provar – ela carece de ser sufragada pelo detentor da legitimidade. Para que possa ser uma Europa dos povos. E qual o plano de recuo caso falhe? Tal como com o euro, que adoptámos há já uma década, como recuar ou sair se “não der”? Poderemos estar a juntar todos os ingredientes para uma grande trapalhada internacional mais tarde.
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PS – Sem relação directa ou imediata, o título desta crónica é inspirado no clássico tema rock Here I Go Again (1982) dos Whitesnake (ver aqui). Também uma homenagem.
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