Geral, Política

Abstracção e sonho

 

MARCELO R SOUSA

Marcelo Rebelo de Sousa venceu as últimas eleições para Presidente da República e a culpa não é minha, nem da minha família, nem da minha vizinha, que vive só, mas que não é parva.

Antes de conhecidos os resultados eleitorais dizia-se ser possível derrotar o candidato da direita, e que este nunca chegaria a Belém (nem que chovessem picaretas), que não, com toda a certeza, pode lá acontecer uma coisa dessas… e se não for vencido há primeira volta, será derrotado à segunda, de modo expressivo, porque sim e coisa e tal…

Agora que os votos já foram contados e a tomada de posse há muito que ocorreu, ninguém, por agora, está interessado em recordar a pesada derrota da esquerda portuguesa em mais um acto eleitoral, pois o “caminho faz-se caminhando”.

De todo o modo, ao cabo de alguns meses de mandato, muitos – mais do que aqueles que nele votaram, assim revelam as sondagens de popularidade – simpatizam com o actual Presidente.

Simpatizam com o seu modo de ser e de estar, do saber ouvir, da vivacidade com que comunica, da espontaneidade e da proximidade com as pessoas, do seu bom senso, das decisões tomadas…

Enfim, será Marcelo Rebelo de Sousa outra pessoa?

Bem sei que ele é agora o Presidente de todos os Portugueses e que a “gente sonha mais do que vê”…

 

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Geral

Derrotas virtuosas e vitória de Pirro

 

A falta de alternativas que soassem credíveis aos eleitores levou a coligação de direita a ter sido a força política mais votada nas eleições legislativas. Mas, não haverá grande dúvida, trata-se de uma vitória de Pirro que, a prazo, provocará a implosão da casa.

Cerca de três milhões de eleitores portugueses declararam-se contra a política neoliberal e austeritária imposta pelo PSD/CDS. Apenas um milhão e novecentos mil portugueses acreditam que a PaF faz bem. Os dois partidos da coligação perderam setecentos mil votos. Só.

Qualquer partido ou instituição que não tenha isto em consideração não estará a respeitar a vontade democrática.

Quem procure desculpar-se com questões formais de natureza institucional ou se refugie em rigorismos ideológicos para obviar à formação de um governo que permita os pensionistas respirarem, aliviar os trabalhadores e as classes médias, relancar a economia produtiva, reganhar a esperança no país, o controlo efectivo do descalabro financeiro e acabar com o regabofe privatizador, pagará caro, mais cedo que tarde.

Um novo ciclo político é possível, havendo condições para impedir que uma parte significativa das políticas mais antissociais e neoliberais prossigam. O que não será condição suficiente para inverter a tendência para o desastre em que persistem os funcionários europeus do capitalismo. Do selvagem e o da mão invisível.

Outra  questão foi a manifesta incapacidade do PS para conseguir captar o descontentamento da população.

Esta realidade, bem ponderada, não será de admirar porque, mais do que demérito de António Costa, estão anos de ambiguidade e insistência em práticas políticas de direita. É natural que as pessoas prefiram um original pimba a uma cópia manhosa de hinos da liberdade.

A grande oportunidade seria volver virtuosa esta derrota através da procura de caminhos para um realinhamento do PS com a sua matriz socialista, olhando à sua esquerda.  Isso não será, contudo, muito expectável, se tivermos em conta as primeiras declarações feitas que parece apontarem para a viabilização do governo de direita, rejeitando qualquer solução de esquerda antes mesmo de serem discutidas as condições.

O que parece interessar à direção do PS caberia no período de um ano ou dois, rearrumando a casa, assando a PaF em lume brando e apontando para um acto eleitoral intercalar, no qual poderia ficar à frente.

O BE esteve bem no seu novo registo: a nova direção varreu a eira e malhou, certeira, no cereal. Veremos se o fabrico dá pão ou pãozinhos de leite.

A CDU, sempre trabalhadora, honesta e quase, quase competente, foi vítima do medo, da desinformação e de um voto útil de novo tipo, não obstante todos os esforços feitos. A sua dificuldade para transformar força social, razão e simpatia em pecúlio eleitoral, mais uma vez se notou. No entanto, a verdade é que atingiu todos os objetivos anunciados: subida de votos, deputados e percentagem.

Estes factos, que são positivos, não podem satisfazer completamente quando se sai do pódio. Claro, a peleja eleitoral não é apenas uma corrida, mas no final soube a óleo de fígado de bacalhau: faz bem mas calha mal.

Aqueles primeiros minutos de pasmo perante os écrans televisivos causaram mossa, até porque as espectativas tinham subido alto. Também por culpa de umas sondagens que, em geral, não estiveram mal e foram simpáticas durante meses.

Repare-se que, função do que se diz e mostra nas televisões durante o impacto inicial, hoje e durante muito tempo haverá portugueses a acreditar que a abstenção desceu ou que o Livre elegeu um deputado.

De facto, ainda não foi desta que as justas coisas ditas e as laboriosas propostas feitas chegaram e passaram, neste campo de ação focada na política legislativa e governativa, às camadas da população ideologicamente desconfiadas, manipuladas por milhares de horas de lixo tóxico televisivo (não só político e eleitoral). Mas, apesar disso, avançou-se.

E, sobretudo, reforçaram-se as condições para o progresso das forças que, como a CDU e o PCP, pugnam  por formas de legislar e governar que busquem desenvolvimento equitativo, coerente, sustentável  e justo, não cedendo às governanças, golpaças, oportunismos e a terceiras vias tortuosas.

Os que têm convicções e sabem que a vida é uma luta constante já estarão, de novo, de olhos postos no futuro.

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Costumes, Política

Mercado eleitoral

No sábado passado, pela manhã, fui ao mercado comprar peixe fresco para assar.

Foi em Setúbal, no Livramento, onde, além da habitual freguesia, deparei com uma clientela sazonal muito especial, à procura, não de carapau ou besugo, mas de votos: a campanha do PSD entrava em campanha eleitoral. Podia ter sido outra qualquer, mas foi, exactamente, a caravana laranja que encontrei a sopesar citrinos sucos no mercado local.

Às tantas, deparei, olhos nos olhos, com Passos Coelho que, aliás, conheço pessoalmente.

Não havia nenhum motivo ético, nem princípio político ou ideológico, para me furtar ao encontro e, por isso, cumprimentei-o dizendo-lhe, à cabeça, que lhe tinha corrido bem o debate da véspera (com José Sócrates). Depois, acrescentei, já em desacordo político, que quando “lá estivesse”, no poder, entenda-se, não deveria executar o programa de privatizações anunciado, porque, para além de diversos aspectos políticos e ideológicos, significaria um mau negócio para Portugal. De uma forma simpática, Passos Coelho entendeu por bem esclarecer-me acerca dos motivos que forçariam a necessidade de vendermos empresas e, destacando a TAP, sublinhou que o estado não tinha dinheiro.

Despedimo-nos, indo ele aos votos e eu ao peixe, antes que se fizesse tarde.

À noite, depois de ter que digerir (mal) o quarto triunfo do F. C. do Porto nesta época, fui forçado a tragar o licor amargo das diversas reacções motivadas por uma inesperada notícia que tinha sido passada pela SIC Notícias: eu, ex-presidente e ex-comunista, tinha-me cruzado com o candidato Passos Coelho e, diziam, apoiava-o! Ou seja, em quatro afirmações, duas eram falsas: ser ex-comunista e ser apoiante do PSD.

Fui, em tempo oportuno, avisado do que estava a correr, através de diversos amigos e amigas, dois deles da direcção do PCP, o que me possibilitou envidar esforços no sentido de desmentir e rectificar a aleivosia. Mas, não obstante o tal canal ter rectificado a falsa notícia (a partir das 23h30), todos sabemos, os que andamos nisto há uns tempos, que, uma vez lançada a atoarda, haverá sempre um lastro de dúvida especulativa que subsiste, manchando a honorabilidade de quem a pretende manter.

Nem sequer são os efeitos político-partidários e eleitorais o que conta no rescaldo deste episódio. De facto, não creio que o fait-divers tenha qualquer efeito sobre a votação da CDU ou do PSD, porque o assunto não chegou a ter relevância suficiente a esse nível. Contudo, a nível pessoal, e mais uma vez, a dúvida instalada em alguns espíritos, é-me adversa.

Não deixa de ser preocupante que haja, pelos vistos, tanta gente, e em particular “camaradas e amigos”, tão permeáveis a este tipo de contra-informação difamatória gerada no mau trabalho jornalístico. Digo-o, porque as principais reacções negativas que me chegaram, indirectamente, são desse sector de opinião!

Até parece que há quem deseje, há muitos anos, comprovar uma tese, sucessivamente demonstrada como falsa, segundo a qual eu seria um mau compagnon de route! O que será que esses “amigos” pretenderão demonstrar com as suas elucubrações precoces recheadas de críticas e reparos? E, por que razão o farão?

Bom, tenho que ser justo, também alguns socialistas se manifestaram incomodados com o meu suposto apoio ao Passos Coelho!

Há muitos anos, também com base numa notícia falsa escarrapachada num semanário, fui dado como rico e instalado em Moçambique, coisa de que nunca me apercebi. Nesse tempo, porém, ninguém me avisou desse e de outros boatos difamatórios e, assim, ainda hoje há pessoas que me julgam refastelado nos trópicos.

Agradeço, portanto, a amizade e a camaradagem de quem, desta vez, me alertou em tempo oportuno.

Só não prometo deixar de ir ao mercado a Setúbal : – É que, apesar de alguns dislates urbanos, há lá, de facto, bons produtos da terra e do mar.

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Geral

Os Reis dos Elfos

           Depois de ver alguns debates, assistir aos comentadores encartados aos jogos de ilusionismo com  meias-verdades e mentiras, soou-me dentro da cabeça este poema de Goethe, que é um dos lied’s mais famosos de Schubert. Erlkonig. Lembrei-me do Artur Ui de Brecht, numa encenação de Heiner Muller, representada pelo Berliner Ensemble no CCB e que abre com esta canção, o teatro mergulhado em espesso negrume.

Amanhã começa a campanha eleitoral, os reis dos elfos vão andar à solta. Começam pela sedução, depois ameaçam e acabam por matar qualquer esperança. Salvemos aquela criança que simboliza o nosso futuro.

Quem cavalga tão depressa através da noite e do vento?
O cavaleiro é um pai com o seu filho;
Leva o menino bem abraçado,
Segura-o com firmeza, mantendo-o agasalhado.
Meu filho, porque escondes tanto essa carinha?
Não vês tu, pai, o Rei dos Elfos,
com a coroa e o manto?
Meu filho, é apenas uma réstia de névoa.

Meu querido menino, vem comigo! Ah, vem comigo! Vens?
Brincarei contigo jogos bem divertidos;
Na margem tem muitas flores coloridas,
Minha mãe tem para ti muitos vestidos dourados.
Pai, pai, tu não ouves
o que o Rei dos Elfos me promete baixinho?
Sossega, meu filho, fica sossegado:
É o vento que murmura nas folhas secas.

Queres vir comigo, meu bom rapaz?
Tenho filhas que tomarão bem conta de ti,
As minhas filhas conduzem as danças noturnas,
E assim te embalarão, a dançar e a cantar.
pai, pai, não vês
as filhas do Rei dos Elfos além, na escuridão?
Meu filho, meu filho, o que em torno se passa
É o brilho pardo dos salgueiros velhos.

Gosto de ti, dessa linda figura,
E se não vieres a bem, levo-te à força.
Papai, Papai, o Rei prendeu-me agora!
Ai! Quanto me magoou o Rei dos Elfos!
O pai assusta-se, cavalga velozmente,
Segura nos braços o filho que geme,
Chega a sua casa, cansado e apressado.
Nos seus braços vai já morto o menino.

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Política

A Lixeira do Pensamento

No zapping pelas televisões, antes de me ir dedicar a coisas mais úteis e intelectualmente mais estimulantes, tenho choques frontais com personagens que nem na ópera bufa mais reles seriam aceites, e que no nosso espaço televisivo aparecem como credíveis opinadores. Pirilampos travestidos em estrelas, candentes mas estrelas.

A lista é extensa. Incorrendo o risco de não colocar no pódio uma infinidade de palhacecos, vou referir dois com os quais tropecei hoje e que, quando tanto se fala de um estado gordo, muito se distinguem pela gordura física e mental.

Inês Serra Lopes, quem pode ainda dar credibilidade a essa personagem depois de ter sido condenada em todas as instâncias judiciais por ter pago a uma funcionária da RTP para ir prestar depoimento na Polícia Judiciária, baralhando o caso de Carlos Cruz, em que o seu pai é o advogado titular que foi procurar apoio no mais mediático Ricardo Sá Fernandes. Quem faz isto poderá algum dia ter alguma credibilidade? Num país com um mínimo de decência alguém ouviria as suas opiniões que ainda por cima são da mais linear mediocridade?

Ângelo Correia, do nada aparece deputado e vai fazendo caminho rentabilizando o cargo político em lobbies que desaguam em vários conselhos de administração. Nada de estranho nessa gente que se serve da política para trampolim nos negócios pelo poder de influenciar, real ou imaginário, de que ficam possuídos. A não esquecer, para a credibilidade do seu falazar, tipo vendedor todos os azimutes da sorte grande, a célebre revolução dos pregos, quando era ministro do interior num governo Cavaco. Só isso, num país minimamente decente, teria apeado o parceiro para uma qualquer valeta da história. Mais grave, dizem à boca pequena que é o mentor do actual presidente do PSD. Com malta desta a opinar, a torto e a direito e a toda a hora, não mal acompanhados por Lellos, Montenegros& Meireles, quadratura do círculo SA, Portugal é, a toda a hora, a mais medíocre das zarzuelas.

Com tenores, barítonos, sopranos, contraltos deste jaez nada nos safa de, no fim do espectáculo, só se ouvirem pateadas e se atirarem tomates a essa gentalha.

Por enquanto, o povo adormecido pelo lixo televisivo que, de manhã á noite invade os ecrans, perde memória e dissolve a dignidade.

A cultura, no sentido mais lato, é a subversão. Um perigo maior que a generalidade dos comentadores encartados e os convidados avulso, rasoira com verdades adquiridas em filosofias latrinárias.

Por isso o outro quer privatizar a RTP onde há uns luzes candentes, apesar dos Prós e Contras cada cor seu paladar. Lição aprendida com Berlusconi, um paradigma da sobrevivência na lixeira dourada da democracia.

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Política

Sondagens generosas à espera dos indecisos

Agora que o país começa a perceber com maior amplitude os efeitos do acordo com a troika e que muitos esperariam que os responsáveis pelo estado da situação fossem penalizados nas urnas, a recuperação do PS e de Sócrates nas sondagens de opinião mostra o quanto o exercício da política é uma arte em que os protagonistas devem estar dotados das melhores estratégias e de algumas competências específicas. Mas quem tudo decidirá são os trinta por cento de indecisos, segundo números das mesmas sondagens.

Os resultados obtidos pelo PS de Sócrates nas mais recentes sondagens não deixam de constituir um caso de óbvio interesse para os observadores do sistema político: depois de seis anos no governo e de ter conduzido o país a uma situação de pré-desastre, os políticos por isso responsáveis parecem beneficiar da complacência de uma parte relevante dos eleitores.

O que nos ajuda a compreender este facto?

Um) Gestão do calendário. Escolher o motivo e o momento das eleições: após a demissão do governo ficou claro que o PSD não tinha programa para apresentar e que Passos Coelho tinha sido apanhado “com as calças na mão”: tiros para o lado a propósito das mais diversas matérias sobre que se foi pronunciando em declarações a televisões, mas que acabaram por acertar nos seus próprios pés. A dupla P.Coelho-Catroga parece funcionar com o velho ministro de Cavaco a dar as ordens e o jovem líder a ir atrás, ainda a aprender, .

Dois) Uma mensagem clara. “A culpa foi da oposição quando chumbou o PEC IV” é a base central do argumentário socialista para as Legislativas. Transferir para a oposição a responsabilidade pelo agravamento da crise da dívida soberana, da chegada do trio FMI/BCE/UE e do consequente agravamento das medidas de austeridade,. Uma mensagem que varre para debaixo do tapete as suas próprias responsabilidades, nomeadamente as resultantes das opções nos dois últimos anos no contexto da crise internacional iniciada com o caso dos sub-prime.

Três) Gestão comunicacional – começou com a espectacularidade de uma deslocação a Belém para apresentar uma desnecessária demissão, logo que conhecido o “chumbo” do PEC IV e passou por um congresso socialista produzido para iluminar e projectar o líder (o que lhe valeu a evocação de uma certa mitologia norte-coreana), apagando praticamente tudo o resto num mar de bandeiras nacionais para telespectador ver; continuou com as sucessivas entrevistas do PM e a sua omnipresença mediática – perante quem todos personagens das suas linhas se apagaram em óbvia manifestação de “unidade”. Sócrates é, sem dúvida, um bom comunicador que o público conhece. Dispõe de uma imagem cuidada e seguramente bem assessorada, que procura esconder “atrás dos arbustos” todos os erros cometidos pelo líder. Mas quem o aconselhou a falar apenas das não-medidas na comunicação ao país que antecedeu a divulgação do memorandum da troika? Um gesto demasiado parolo para não ser notado.

O que vem ai?

Os partidos do auto-designado “arco governativo” (PS, PSD e CDS) têm o seu programa de governo já estabelecido – está inscrito no memorandum. No mês que nos separa das eleições, iremos tentar perceber se há diferenças programáticas entre esses partidos ou se nos limitaremos a uma escolha entre as cuidadas imagens dos seus líderes. O grau de responsabilidade de J. Sócrates pela situação actual que venha a ser percepcionado pelos indecisos será correspondente à medida da sua penalização nas urnas.

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Política

À espera do Programa de Governo

O equilíbrio entre falar verdade e transmitir esperança é uma das mais difíceis equações do discurso político. E entenda-se aqui por discurso político a arte e o engenho de convencer os outros da bondade das nossas opiniões sobre como melhor gerir a “coisa pública”. As campanhas eleitorais – como a que já estamos a atravessar – deveriam ser períodos em que os políticos transmitem esperança num futuro melhor, falando verdade. Mas creio que muitos de nós preferimos ser iludidos com doces promessas.

O período que atravessamos é difícil e a ansiedade instalou-se entre os portugueses – circulam as mais diversas notícias sobre as maldades que a austeridade reserva ao cidadão comum. E receia-se que, dentro em breve, a ansiedade possa ser substituída pela ira quando se conhecerem as medidas concretas.

Apesar de todos os sinais de desconforto e zanga (ainda suave) que a sociedade portuguesa tem dado mostras para com os seus principais agentes políticos, e de que a manifestação da “Geração à Rasca” foi um dos mais simbólicos exemplos, o sistema político parece continuar a funcionar com os seus cânones de sempre: o bipartidarismo rotativista instalado; a ameaça de uma abstenção de elevada expressão; o CDS a “pôr-se a jeito” para coligações com um dos dois grandes; as opções à esquerda incapazes de criar um facto novo que gere no eleitorado um sentimento de efectiva alternativa ao poder dominante. Isto é, tudo como dantes no quartel de Abrantes…

Não será ainda desta vez que o sistema de equilíbrios políticos será significativamente alterado, limitando-se o acto eleitoral de 5 de Junho a ser mais uma competição partidária, embora com a novidade de o programa do governo estar pré-definido: os primeiros tópicos serão divulgados numa conferência de imprensa da troika FMI-BCE-UE prometida para 4 de Maio, enquanto o “pacote” completo deverá ser conhecido pouco depois. O período que mediará entre a divulgação das medidas de austeridade e as eleições poderá, contudo, reservar-nos algumas surpresas no comportamento dos eleitores. E o aumento da abstenção poderá ser uma das mais dolorosas respostas perante o que o eleitorado pressente ser uma falsa escolha.  

Prossegue, entretanto, uma campanha surrealista mediaticamente centrada nas personagens do actual PM e do challenger Passos Coelho. Sabem que vão assinar um compromisso que condicionará a acção do governo nos próximos anos, mas insistem na picardia mútua e em coreografias para eleitor ver. Uma verdadeira feira de vaidades instalou-se nos media.

José Sócrates, o ocupante do lugar, parece ir cumprindo um guião definido ainda antes do “chumbo” do PEC IV pelo Parlamento: repetir à exaustão, com a ajuda a uma voz de todas as primeiras e segundas linhas do Governo e partido, que a presente situação (“resgate” externo) se deve única e exclusivamente à votação da oposição. Será que, com o PEC IV aprovado, se deteria a trajectória de aumento dos juros da dívida soberana? E que tal impediria o “resgate” a prazo? São perguntas sem interesse porque a história faz-se com o que aconteceu. E, a confiar nas sondagens, J. Sócrates tem sido eficaz a transmitir essa mensagem – aliás simples e de fácil percepção pelo eleitor mais distraído. Beneficia ainda da óbvia vantagem de estar no poder: veja-se só o impacto da encenação que envolveu a entrevista no Palácio de São Bento (TVI, 26 de Abril) com a estridente colaboração dos pavões do jardim… Impressivo. E nem a apresentação do seu programa de governo – que poderia ter servido para as eleições de 2009 – o fez sair do guião.

Passos Coelho, o líder do PSD, parece acreditar que chegará ao lugar apenas pelo facto de ser o chefe do segundo maior partido e em resultado da “lei dos vasos comunicantes”, isto é aquelas centenas de milhar de votantes que oscilam, de eleição para eleição, entre PS e PSD. Ao votar contra o PEC IV abandonou a dança contrariada que encetara anteriormente, dando azo a que J. Sócrates o culpasse da chamada do FEEF/FMI. P. Coelho ainda não disse o pretende fazer, nem qual o seu programa, antes fazendo avançar uma espécie de peões com umas ideias destinadas a cavalgar a crise. Assim está a ser com o grupo Mais Sociedade, formado por “gente de bem” capitaneada por A. Carrapatoso e instalada em lugares que certamente não serão abrangidos pelas medidas que têm vindo a propor para aplicação ao Zé Povinho. Uma estratégia de teste para ver reacções, porventura fazendo tempo à espera que o master do jogo, a troika BCE/FMI/UE, revele o verdadeiro programa que o Governo do PSD… e/ou do PS terão que cumprir.  

À esquerda, o PCP continuará à espera que os eleitores valorizem as suas posições, antes privilegiando a intervenção social, sindical, de massas, segundo a linguagem comunista. Sem alterações estratégicas que inspirem a atracção de outros segmentos do eleitorado, o mini-diálogo recentemente iniciado com o BE não chegará para criar qualquer expectativa de mudanças na estrutura política do país. E prosseguirá a “competição particular” entre o Bloco e o PCP. Havendo “voto útil” quem será mais penalizado? Atendendo-nos ao historial eleitoral de ambos os partidos, é crível que o crescimento bloquista possa ser agora barrado, já que parte do crescimento deste partido se deve a eleitores oriundos da área socialista.

Encenação atrás de encenação, vamos aguardar a próxima fase da campanha eleitoral, que começará logo que se conheça o “pacote” e onde se terá que falar verdade.

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Política

Eleições para quê?

Eleger significa escolher, preferir de entre vários. No caso de eleições legislativas significa escolher um partido ou uma coligação que, por sua vez, representem  diferentes políticas servidas por medidas que as corporizem. Mas as eleições marcadas para 5 de Junho serão quase tudo menos isso – isto é, não se vão escolher, nem políticas, nem medidas, só personalidades e partidos. Será uma falsa escolha.

E porquê?

O país, através do seu poder legitimamente constituído, o Governo, solicitou apoio financeiro externo junto da União Europeia, reconhecendo a sua incapacidade para deter o aumento dos custos com a dívida soberana. O apoio pretendido traduzir-se-á num empréstimo estimado num valor entre 80 e 90 mil milhões de euros. Terá como contrapartidas medidas de grande impacto social para a população, como é habitual nas receitas do FMI.E sabe-se que as negociações terão como ponto de partida o conjunto de medidas inscritas no PEC 4, como os nossos prestamistas já fizeram saber.

Em meados de Maio, isto é, a meio de uma campanha eleitoral que já começou, os portugueses irão ficar a conhecer o que os espera nos próximos anos. Isto se tudo não descarrilar – na Alemanha e na Finlândia, por exemplo, por formas diversas, há já movimentos contra o empréstimo a Portugal.

A verdadeira eleição – aquela que ditará a austeridade a que seremos sujeitos – vão os portugueses acompanhando através dos meios de comunicação social, campo em que actores políticos e jornalísticos têm agora terreno fértil para lançar “bombas sociais” destinadas a assustar a população. Basta uma breve consulta às primeiras páginas do jornal “Correio da Manhã”.

Entretanto o país assiste atónito ao desempenho do seu sistema político, nomeadamente de governantes e dirigentes dos dois maiores partidos: um congresso partidário surrealista para aplaudir um líder que mal se refere ao que se passa no país; um líder do maior partido da oposição que, cada vez que fala, perde pontos nas sondagens; ministros que fazem declarações desencontradas – Teixeira dos Santos “manda” a UE negociar o acordo com a oposição enquanto Luís Amado lamenta publicamente as “vergonhas” por que o país passa; personagens das segundas linhas entretidos em fazer foguetório verbal na televisão no diz que esteve mas esteve.

É já claro que os partidos do chamado “arco governativo” (PS, PSD e possivelmente o CDS) vão assinar um compromisso para aceitação das medidas que a UE/FMI decidir e que estão a ser negociadas por estes dias. O cardápio não deverá divergir muito daquele a que gregos e irlandeses estão a ser submetidos e de que nós também já começámos a sentir com as primeiras versões do PEC: mais subidas no IVA, aumentos de impostos sobre consumo, reduções das deduções no IRS, reduções na função publica e congelamento ou diminuição de salários, cortes nas reformas, pensões, subsídios de desemprego e outras prestações sociais. Mas muita da especificidade e do detalhe poderá estar na capacidade negocial do governo.

Que haverá então para escolher quando chegar o dia 5 de Junho? O país está perante uma não escolha. Ganhe J. Sócrates, ganhe Passos Coelho, qualquer um deles irá executar o resultado da nossa dramática perca de soberania.

Pode-se-ia seguir-se a “via islandesa”, adaptada, e procurando renegociar a dívida? Poderia, mas com outros protagonistas. Mas, para que isso fosse possível, seria necessário um suporte político que não existe entre o eleitorado. Era preciso uma alternativa política com potencial eleitoral que não começou ainda a ser construída.

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Política

Condenados ao Vigésimo Premiado?

Estaremos condenados a ser um país em que mais ou menos um terço da população anda a vender lotaria ao outro até que, transcorridos um ou vários períodos de quatro anos, a metade que aguardava a sorte passa a vender vigésimos ao terço que anteriormente os vendia? Isto, enquanto os parceiros que imprimiam os vigésimos com os números premiados são pacificamente substituídos por nova vaga de impressores, ficando a aguardar a sua vez.
Pelo que agora se lê nas sondagens é esse o nosso próximo fadário, cumprindo o destino traçado desde as primeiras eleições livres, depois de quarenta anos de ditadura fascista. Como preconizava o Leopardo, o Príncipe de Salinas: “É preciso que alguma coisa mude, para tudo continuar na mesma” estaremos condenados a essa danação?


Barómetros de opinião pública, as sondagens, medem o impacto dos partidos políticos no universo dos eleitores, a popularidade dos líderes políticos. São bengalas que dão crédito ao argumentário dos oráculos do país que proliferam nos meios de comunicação social. Erram sistematicamente em relação a alguns partidos políticos. Erro tão contumaz, desde a primeira sondagem publicada até à última editada, obriga a que se analisem os seus números com alguma reserva. Cuidado que não anula o interesse em seguir a evolução das subidas e descidas dos intervenientes políticos, sejam partidos ou individualidades, com atenção procurando joeirar o que é feito para tentar influenciar a opinião pública numa direcção, do que reflecte a sua real evolução.

Agora, com um ambiente político sobreaquecido, as sondagens são procuradas com maior avidez para ver se o partido A já ultrapassou o partido B, e se ambos perderam ou ganharam adeptos nos campos de outros partidos. Isto traduz uma certa propensão da análise política se simplificar em juízos futebolísticos e reduz a vida social e política à sua expressão mais simples: os actos eleitorais. Entre eleições seria o quase deserto, conquanto seja esse o território onde decorrem as duras lutas sociais e as florentinas lutas retóricas entre os partidos que confundem, e entendem, a luta política como uma caça ao voto. A história demonstra exactamente o contrário. Os grandes saltos históricos, aqueles em que a humanidade realmente progrediu, em que se conquistaram direitos e liberdades, se avançou para uma maior justiça económica e social, fizeram-se sempre por roturas violentas com o quadro instituído e legitimado por leis que garantem o direito do mais forte à liberdade.

Na generalidade as sondagens, mesmo que sejam uma fotografia distorcida e parcial, mesmo que não devam ser confundidas com a realidade, devem ser lidas com atenção. As últimas anunciam que o PSD se aproxima ou mesmo ultrapassa ligeiramente o PS e que o universo dos partidos com menor expressão eleitoral tem uma evolução que não é suficiente para desequilibrar eficazmente essa dança das cadeiras entre esses dois partidos. pondo em prática políticas que podem divergir no acessório mas convergem em tudo o que é essencial. Cenário que se repete desde as primeiras eleições pós-25 Abril. Isto apesar do bem visível agravamento das lutas sociais, do cada vez maior número de trabalhadores que se implicam nessas lutas. Deveria esse cenário, decalcado do que se enunciou no primeiro parágrafo, ser desanimador? Não, nunca!

O que está a acontecer em Portugal e na Europa mostra como a vida está para lá das urnas eleitorais, qualquer se seja o resultado que aí se registe. A sorte das eleições e as previsões das sondagens são cenários por demais estáticos para perceberem as mutações da história e da vida. Não estamos eternamente condenados às transacções da lotaria e à distribuição programada de prémios. Das lutas maiores, como a que teve expressão na manifestação de 29 de Maio, às aparentemente mais pequenas e locais, como a que decorreu contra o fecho das urgências pediátricas nos hospitais de Setúbal e Barreiro, todas são igualmente importantes. Em cada uma delas há sempre mais alguém que adquire consciência do lado político dessas lutas. Que percebe que há mais vida do que comprar ou vender vigésimos quando o prémio sai sempre aos outros e que os outros são sempre os mesmos. Que há muito mais vida do que aquela que é exibida nos noticiários que nos vendem um mundo que não é o que realmente existe e que também não é o nosso. Na luta, com vitórias e derrotas, há sempre mais alguém que dá um passo para fora da trincheira do conformismo com a banalidade do quotidiano, abandonando o exército de sombras e silêncio onde são recrutadas as maiorias que nos tramam. Fica sempre mais claro que o futuro é nosso se o soubermos agarrar nas nossas mãos.

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