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O Sequeira e o Lugar certo

Sequeira

 

“Vamos por o Sequeira no Lugar Certo” é uma ideia basicamente interessante pelo apelo que faz à participação cidadã nas políticas do património e é bom que o faça e a incentive. A questão central é como, quando e para quê. Questão central que a campanha lançada pelo Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) não responde nem coloca, mais interessada no seu êxito e até no cortejo de mundanidades que a envolveram e envolvem. Acaba por não colocar Sequeira no lugar certo, coloca a Adoração dos Magos no lugar certo. Se o objectivo fosse colocar Sequeira no lugar certo, a campanha deveria integrar a chamada “série Palmela” de que faz parte e que se completa com mais três quadros: A Descida da Cruz; Ascensão; Juízo Final. Esse seria um projecto museológico coerente e o MNAA, que tem na sua colecção os desenhos preparatórios de todos os quadros, teria real e finalmente colocado Sequeira no Lugar Certo, completando o conjunto de quadros que já possui que são excelentes exemplares de uma pintura que está entre o Classicismo e o Romantismo, onde se encontram estéticas do passado em conflito e unidade com estéticas inovadoras. O ter tido a oportunidade imperdível de adquirir este quadro era a oportunidade imperdível de procurar, custasse o que custasse, houvesse as dificuldades que houvesse, adquirir toda a série Palmela. Nada pode justificar o não o ter feito. No mínimo devia ter equacionado essa questão em defesa do património nacional e antecipando o que poderá vir a acontecer aos restantes.

Com a súbita aparição da Fundação Aga Khan que contribuiu, com pompa e circunstância, com duzentos mil euros, um terço do valor da subscrição pública para a aquisição do quadro A Adoração dos Magos, ficou praticamente garantido o êxito da campanha. São duzentos mil euros que se adicionam aos outros duzentos mil angariados desde Outubro passado. São contribuições sobretudo de pessoas singulares, cerca de oito mil, muitas delas anónimas, como se pode consultar no site da campanha patrocinar.publico.pt. De sublinhar o apelo feito pelo Agrupamento de Escolas Domingos Sequeira aos seus 8 800 alunos para ajudarem o MNAA nessa iniciativa pelo seu sentido pedagógico e o da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e pela Associação Nacional das Freguesias em linha com a actividade cultural do Poder Local que, nestes já longos anos de desinvestimento na cultura pelo Poder Central, muito têm contribuído para que o país não se desertifique culturalmente.

A data de fecho da campanha é em 30 de Abril. A lista das contribuições coloca em evidência o alheamento das grandes empresas nacionais e contribuições individuais dos detentores de meios financeiros substanciais. O mecenato em Portugal é frágil mesmo em situações muito particulares como a Fundação de Serralves, a Casa da Música ou o CCB-Fundação das Descobertas. A prática comum é as empresas surgirem individualmente com uma política de marketing que os destaque pelo que uma angariação pública de fundos onde fiquem mais ou menos diluídas deixa-as quase indiferentes. Talvez a aparição da Fundação Aga Khan os desperte já que pouco tem estado acordados seja para o património cultural, para universidades, para investigação científica, para hospitais, etc. Anote-se a curiosidade da Jerónimo Martins cujo bonzo é tão lépido a opinar sobre os problemas do país, justificar o ainda não ter contribuído por não ter sido contactada!

António Filipe Pimentel, director do MNAA, que quer empunhar a flâmula do museu-bandeira (o que será isso e o que serão os outros museus?) declara-se, emocionado, comovido com uma campanha que “se transformou de um caminho de pedras numa campanha alegre” (…) “um indicador notável da vitalidade do país”. Só não explicou como foi atribuído o valor de 600 mil euros à Adoração dos Magos. Um valor que vai inflacionar o valor de mercado dos outros três quadros. O mercado é o que todos sabemos ser e por isso devia-se ter feito uma avaliação por peritos nacionais ou mesmo internacionais, não só àquele quadro, mas a toda a série Palmela, porque como já foi referido um projecto museológico consistente devia ter o objectivo de a integrar nas suas colecções. Todos conhecemos as manobras do mercado. Por maioria de razão um director de um museu tem a obrigação de saber como Jorge de Brito ao adquirir por mil contos o quadro do Pessoa pintado por Almada Negreiros, valorizou imediatamente a sua colecção de obras de Almada. Ou como a Fundação E(c)lipse fazia valorizar rapidamente as suas aquisições por interposto museu. Ou como a Fundação Berardo valorizou as obras de Cesariny logo depois de as ter comprado.

A obra de arte é filtrada através das galerias, coleccionadores, instituições públicas. Sobre a obra de arte escreve-se em meios de comunica-ção social, generalistas ou especializados, muitos deles suportados pelos seus circuitos comerciais. Essa massa flutuante de informação acaba fixada na História(s) de Arte que desse modo certificam as obras de arte. Na arte a História e a crítica valem dinheiro. Está-se bem perto dos métodos de funcionamento do sistema bancário. Por maior que seja a paixão que uma obra de arte provoque quem a adquirir sabe que está a fazer um investimento com rentabilidade futura garantida. O’Doherty esclarece em, No Interior do Cubo Branco, um interessantíssimo e bem informado estudo sobre esses mecanismos, o papel central dos museus e das galerias na certificação das obras de arte, como isso vale dinheiro e como esses mecanismos são equiparáveis aos da bolsa. Agora, quando se compra a Adoração dos Magos por 600 mil euros, quanto passarão a valer os outros? Se forem comprados separadamente no tempo, cada um valerá mais que o anterior. O céu será o limite, embora em Portugal o céu ser relativamente baixo. É essa a lógica inexorável do mercado. Se a campanha tiver êxito, espera-se que sim, o risco é a definitiva separação da série. Não tendo cuidado do futuro do Sequeira da “série Palmela” à euforia, à animação que rodeou a campanha que irá colocar a Adoração dos Magos no lugar certo , o MNAA, poderá seguir o desalento, o desânimo de nunca se ver o Sequeira no lugar certo. O não se ter feito uma avaliação prévia e pública poderá ter sido uma ligeireza, ainda que impulsionada por boas intenções, mas pode ter altos custos patrimoniais. A bem do nosso património cultural deseja-se forte e sinceramente que isso não aconteça, mas…

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