Política

Contar espingardas

A corrida pela liderança do PS começa, finalmente, a dar-nos algumas pistas do que poderá vir a ser o combate político nos próximos tempos. Depois de um decepcionante debate do programa de Governo, com a transitória líder parlamentar a dar a mão ao PSD em tudo o que era essencial, espera-se agora alguma animação suplementar, em especial porque será curioso (e penoso) ver como vão os candidatos socialistas conciliar o que apoiaram há meses no memorando da troika com as necessidades oposicionistas de combater as medidas gravosas que estão para chegar.

Estrategicamente, porque se trata de contar espingardas, os dois candidatos, Seguro e Assis, escolheram como um dos temas de arranque da campanha interna a prevista redução do mapa municipal, por imposição do FMI e do BCE. Seguro escreveu até aos seus camaradas presidentes uma carta em que afirma, «com clareza» que é «contra a extinção dos actuais concelhos» sem o acordo das populações. Já Assis advoga que «há outras formas de o fazer», nomeadamente «através do associativismo intermunicipal e da alteração da lei eleitoral autárquica».

Os dois sabem bem que os autarcas do PS, no momento de votar para a liderança do partido, são elementos cruciais na formação dos necessários sindicatos de voto (além dos outros truques em que os aparelhos locais do PS são especialistas) para garantir a vitória de um ou de outro candidato. O PS é a maior força autárquica nacional, com 132 presidentes de câmara, 119 dos quais governam em maioria absoluta. Estes são, contudo, uma pequena parte dos 921 eleitos socialistas nas autarquias do país, muitos deles com posições de relevo nas estruturas concelhias e distritais do PS.

Esta será, infelizmente, a principal razão que impedirá a anunciada reformulação do mapa autárquico. A razão das espingardas que é necessário assegurar para ser eleito secretário-geral do PS… Infelizmente porque muitas outras boas razões existem para manter aquela que é uma das melhores conquistas da revolução de Abril. O Poder Local Democrático é, sem dúvida, o maior responsável pela acentuada e rápida modernização do país no pós-25 de Abril e continua a ser, em muitos casos, o único factor de desenvolvimento de extensas zonas do interior do país que, de outra forma, seriam esquecidas pelo poder de Lisboa. Ignorar esta simples realidade, diabolizando, sistematicamente as autarquias e os autarcas, é um atentado contra a democracia e, pior, é pôr em causa a própria coesão nacional.

Nos debates que antecederam as eleições legislativas de 5 de junho ouviram-se as mais extraordinárias explicações para a forma como iria decorrer o processo de associação de autarquias. O PSD, pela voz da cabeça de lista pelo distrito de Setúbal, defendeu que a associação só se daria se ocorresse de forma “voluntária”, ou seja, apenas se associariam os municípios que, “voluntariamente”, se decidissem pela agregação, o que, por muita imaginação que qualquer um de nós tenha, custa muito a acreditar que possa acontecer. Já o cabeça de lista do CDS, Nuno Magalhães, defendeu uma ideia ainda mais “interessante”: as freguesias, dizia o agora deputado, nunca acabariam; apenas se juntariam, mas continuariam a manter o nome…

Pelos exemplos anexos bem se vê o incómodo que o tema da reorganização administrativa do território causa nos partidos. Na verdade, todos dizem que é necessária, mas ninguém a quer, ou não tivesse a troika insistido no assunto. Esta é, pois, uma das reformas que, neste caso felizmente, parece condenada ao fracasso, ainda que pelas razões erradas. É que vai mexer com os interesses de muitos pequenos, médios e grandes caciques do PS, mas também do PSD, e isso, como se sabe, é um obstáculo intransponível mesmo para a mais cruel e vigorosa troika…

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