Geral

TRUMP, NUNCA MAIS!!!

O que estas eleições nos EUA desnudam é um país em que o poder se joga numas eleições viciadas por um sistema gravemente doente em que os votos expressos acabam por ser irrelevantes para eleger o seu dirigente máximo. Um candidato que angaria milhões de votos a mais a seu favor pode não ser o eleito. Para nós europeus, como para a esmagadora maioria dos países do mundo, é uma perversidade que não se prevê ser desmontada por qualquer dos dois partidos daquele totalitarismo bicéfalo. Os lances a que se assistem com as acusações de fraude são, sonora e fundamente vistas como golpadas para ganhar na secretaria o que nas urnas não se conseguiu. Só não são patéticas porque são assustadoras quando é transparente que as secretarias foram, a todos os níveis, subvertidas nestes quatro anos de mandato trumpesco preparando o terreno para garantir a sua continuidade num terreno armadilhado. Qualquer democrata, em qualquer parte do mundo e independentemente do seu posicionamento político, deve ficar seriamente preocupado. Os EUA não são um país qualquer. Eram, ainda recentemente, a maior potência económica e continuam a ser a maior potência militar.

Se tudo isto não fosse suficiente para as mais sérias ansiedades há que atentar que Trump, mesmo que não seja reeleito, o que todos esperamos e desejamos depois de ultrapassados todos os truques jurídicos, truques possíveis pelas leis em vigor e pela manipulação também legalizada na nomeação dos seus gestores principais, não significa um fim de uma era. Os mais de 70 milhões de votos que arrecadou são um alarme e dão que pensar. É uma grande base de apoio ainda por cima colectada entre muitas das vitimas das suas políticas que favoreceram descaradamente os mais poderosos e ricos. Trump está à beira de garantir uma maioria republicana no Senado, perdeu por pouco nalguns estados, Arizona, Geórgia e Pensilvânia, travou a onda democrata com muitos sonhavam, isto significa que tem uma base sólida de apoio e tropas de choque dispostas a tudo. Até para a Câmara dos Representantes foi eleita uma QAnon, um movimento de extrema direita. A extrema direita que se Trump ganhasse iria ser incrementada por aquele proto-fascista, xenófobo, misógino, racista que ocupou a Sala Oval durante quatro anos, mas que continua a existir e é activa.

Interessa saber como tudo isso foi possível. Como foi possível não haver um repúdio generalizado do trumpismo. Como há a probabilidade de Trump continuar para lá de Trump. Se os democratas dos EUA não perceberem essa realidade, se persistirem em aprofundar as divisões internas, como Alexandria Osorio-Cortez, da esquerda do Partido Democrata – que não se deve confundir com a esquerda norte-americana que muito contribuiu para a vitória de Biden-Kamala – já denunciou, as nuvens acumulam-se no futuro e o trumpismo, com Trump ou outro Trump qualquer – candidatos não escasseiam por aquelas bandas – pode aspirar a voltar ao poder para mal dos EUA e do mundo. O Partido Democrata tem que perceber que Trump derrotou Hilary Clinton porque falava para os americanos. Falava para os brancos e ricos, mas era entendido pelos americanos deserdados e pobres de todas as cores de todas as raças, de todos os géneros. Quando chegou ao poder viu-se bem para quem falava e os ricos adquiriram privilégios que aumentaram exponencialmente a sua riqueza, para os pobres e deserdados a devastação foi brutal mas não se traduziu em votos, na esperada e não acontecida onda azul. Têm que perceber o valor da retórica em democracia que pode mesmo ser utilizada para a corroer até a destruir. Uma lição que ultrapassa as fronteiras dos EUA e que deve ser entendida na Europa onde a extrema direita cresce com essa retórica que já existia mas andou a ser exponenciada nas digressões de Steve Bannon pelo seu continente. O erro de Hilary Clinton e dos neoliberais foi confundirem as lutas identitárias com as lutas de classe, negarem a luta de classes substituindo-as pelas lutas identitárias, o que não é nem nunca será entendido pelos americanos homens da rua que esses sofrem na pele a exploração sejam de que cor forem, de que raça forem, de que género forem. Foi essa retórica política responsável pela derrota que sofreu. Uma advertência que por estas bandas deve ser aprendida, os vícios são os mesmos cá ou lá. Se não foram novamente derrotados foi porque os americanos não votaram em Biden votaram contra Trump, contra a desumanidade e ferocidade das suas políticas responsáveis pelo alastrar da pobreza. Mesmo assim a onda azul foi muito, mesmo muito pálida. Aparentemente a esquerda, a muito frágil esquerda dentro do Partido Democrata começa a perceber que as lutas identitárias são sempre e em primeiro lugar lutas sociais e de classe e os desiludidos pelas trapaças a que Bernie Sanders foi sujeito e se abstiveram em 2016, provavelmente até convencidos que Clinton venceria, agora não se abstiveram. Isto visto à distância e sem mais elementos concretos que permitam uma avaliação ainda mais sustentada.

Para já congratulemos-nos com a derrota de Trump, uma congratulação sem rasuras mas sem grandes ilusões no que no imediato irá mudar nas políticas norte-americanas, que serão mais importantes no plano interno que no plano externo, mas de olhos bem abertos nos anos futuros em que os norte-americanos têm que dar passos decisivos para que o trumpismo seja definitivamente enterrado nos EUA o que também terá repercussões nas democracias, nas suas variedades e diferenças, mundo fora. Trump, nunca mais!!!

Standard

3 thoughts on “TRUMP, NUNCA MAIS!!!

  1. Carlos Almeida diz:

    Até ver, a vitória de Biden deve-se à corporação mediática, como é atestado pelas reservas de importantes países no seu reconhecimento . Na batalha entre corporações, parece importante avaliar o real poder da mediática, na previsão dos próximos acontecimentos

    Gostar

    • Manuel Augusto Araujo diz:

      As reservas de alguns países estão plenamente justificadas pelas múltiplas controvérsias suscitadas, pelo seu ruído e pelos possíveis impasses jurídicos e constitucionais . A excepção é o bronco do Bolsonaro que perde de facto um aliado, um amigo, um farol para lhe alumiar nos caminhos do palácio do Planalto. A Rússia e a China, distanciam-se na prudente expectativa de ver com quem se tem a haver depois de 20 de janeiro. O caso mais curioso é Israel que tem em Trump um aliado sem limites, como se viu com a mudança da embaixada para Jerusalém, mas que tem comportamentos erráticos, e têm em Biden um aliado firme mas que com um comportamento mais linear.

      Gostar

  2. Pingback: Clube de Jornalistas » Trump, nunca mais !!! (Manuel Augusto Araújo)

Comente aqui. Os comentários são moderados por opção dos editores do blogue.