Carolina Maia, Clara Zetkin, Dália Rodrigues, Escola de Mulheres, Fernanda Lapa, Geral, Isabel Medina, Luísa PInto, Maria Lamas, MDM,Movimento Democrático das Mulheres, Olympe Gourges, Teresa Magalhães, Teresa Villaverde

Nesta semana, Um Cosmorama de Mulheres

Adão e Eva Lucas Cranach

Adão e Eva, Lucas Cranach

Nossa gratidão para com as mulheres deve ser infinita. O primeiro gesto que inicia a história da humanidade, tem a idade do homem, é de uma mulher. Da primeira mulher quando limpa o olhar animal e faz o homem e a mulher descobrirem o corpo, a forma abstracta do corpo, do seu próprio corpo e do corpo do outro. Que os liberta dos constrangimentos dos calendários do cio para aprenderam que o sexo não é uma simples actividade das chãs premências de prolongar a espécie, que o sexo aperfeiçoa o corpo. É esse gesto primeiro que inicia a humanidade nos labirintos do erotismo e da descoberta dos sentidos, não só os sentidos físicos mas também dos sentidos ditos espirituais que é o trabalho de toda a história do mundo até hoje. É esse gesto primeiro que derruba os muros daquele campo de concentração de virtudes e ignorâncias que era o paraíso, onde o genocídio do conhecimento é feito pelas legiões de anjos e arcanjos que protegem o reino de deus que não é o reino do mundo por onde, a primeira mulher e o primeiro homem se aventuram para se libertarem da animalidade pelo trabalho, pelo fabrico e aperfeiçoamento dos utensílios que adaptam para civilizar a natureza. É esse gesto inicial que modifica o homem porque é o trabalho que faz dele o animal de raciocínio que continua a ser.

Não ficaram gratos como deveriam ter ficado os homens que só pela mão, pelo poder de persuasão e sedução dessa mulher que ousou desafiar a cólera divina, terem tido acesso a saberes que estavam ocultos, que fizeram do homem o homem, ao longo da breve mas já longa, história da humanidade. Um caminho de pedras para as mulheres onde se lhe negaram direitos, impuseram deveres, descobriram capciosas diferenças em competências simétricas. Em que se cavaram trincheiras para manter as desigualdades, obrigando-as a séculos de luta por direitos idênticos.

Uma luta dura e áspera que hoje se celebra em quase todo o mundo no Dia Internacional da Mulher, instituído pelas Nações Unidas em 1975, para assinalar a longa luta das mulheres pelas conquistas dos direitos sociais, políticos e económicos.

É de lembrar que pela primeira vez, na sequência da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a precursora dos movimentos feministas, Olympe de Gouges, propõe a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã que a mesma Assembleia Nacional Constituinte não aprovaria. Só mais tarde, na Comuna de Paris, em 1871, com o primeiro governo operário da História, é proclamada a igualdade entre os sexos o que viria a ser revogado pelo governo reaccionário de Thiers que a esmagou com violência inaudita.

Dois acontecimentos que são o culminar de muitos séculos de lutas das mulheres para verem reconhecidos os seus direitos. Luta que continuaria de forma mais organizada e colectiva pelas sufragistas inglesas que reinvindicavam o direito de votar, direito que viria a ser reconhecido na Nova Zelândia, em 1893, o primeiro país do mundo a reconhecer o sufrágio universal feminino. Uma luta que emergia em muitos outros países e se desenvolvia dentro da luta mais geral pelo reconhecimento às mulheres da igualdade dos direitos sociais, económicos e políticos.

Uma luta dura, áspera que culmina com a ideia de criar o Dia da Mulher no final do século XIX início do século XX, nos Estados Unidos e na Europa, no contexto das lutas femininas por melhores condições de vida e trabalho. De modo formal, em 26 de Agosto de 1910, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em Copenhague,  Clara ZetkinClara Zetkin, uma das lideres da Partido Social Democrata Alemão de orientação marxista, dirigido por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht que viriam a ser assassinados pelos esbirros da República de Weimar, propôs a instituição de uma celebração anual das lutas pelos direitos das mulheres trabalhadoras, o Dia Internacional da Mulher. Uma ideia, um longo caminho percorrido e a percorrer, mesmo nos países onde as mulheres têm os seus direitos reconhecidos, onde são maioritárias nas ciências, nas humanidades, nas artes continuam sem o devido reflexo nos lugares de decisão política, social e de gestão, onde continuam a ser minoritárias.

O mundo evoluiu e, apesar de muito do sentido original subjacente ao Dia Internacional da Mulher, do espírito das mulheres operárias grevistas, tanto na Europa como nos Estados Unidos, se ter alterado e o ter tornado em muitos lugares num dia de luta festivo e as reinvindicações dos movimentos feministas se terem ampliado a outros campos, não perderam sentido. Refira-se que só em 1951 a Organização Internacional do Trabalho, estabeleceu princípios gerais, visando a igualdade de salários entre homens e mulheres para exercício da mesma função, o que ainda não acontece.

Hoje, apesar de universalmente as mulheres terem ultrapassado os homens em muitas áreas, são mais as mulheres escolarizadas que os homens, são mais as mulheres com estudos superiores que os homens, são mais as mulheres doutoradas e com pós-graduações que os homens, são mais as mulheres investigadoras nas áreas científicas que os homens, a desproporção entre homens e mulheres nos quadros dirigentes políticos, empresariais, sociais continua a não refletir essa realidade. A precaridade, esse mal dos nossos tempos, atinge mais as mulheres que os homens. O caminho para a igualdade de género está a ser feito, muitos passos positivos têm sido dados mas está ainda longe de ser uma totalidade. O reconhecimento implícito ainda não é explicito o que se comprova pela necessidade de recorrer a um sistema de quotas, como existe em Portugal.

Segundo dados da National Academy of Science, uma organização não governamental dos Estados Unidos em que estão representadas as diversas Academias das Ciências, Engenharia e Medicina, só 20% das mulheres são chefes executivas nas suas empresas onde são mais numerosas que os homens e desempenham funções equivalentes. Na Europa os números não são diferentes e a desigualdade salarial é chocante. Estatisticamente, números do Eurostat, as mulheres em relação aos homens trabalham em média um mês, um mês e meio sem serem remuneradas. Nos parlamentos dos países democráticos a média das mulheres deputadas é de 20%, só em onze são 40%. Os números alinham-se para não deixar dúvidas que, se em todo o mundo, os direitos das mulheres têm feito o seu caminho, um caminho positivo em que Portugal está, nas estatísticas europeias, entre os melhores classificados no referente à presença das mulheres na sociedade, muito há ainda que caminhar, o que demonstra que o Dia Internacional da Mulher não perdeu o significado.

Em Portugal, depois da Revolução do 25 de Abril com a democracia e as liberdades conquistadas, as mulheres ganharam mais liberdades e direitos que os homens, dada a condição subalterna em que viviam. Em várias gerações, com o processo democrático iniciado em 25 de Abril, as mulheres rapidamente adquiriram qualificações em que se destacam nas mais diversas áreas. O reflexo dessa alteração, como as estaísticas comprovam, é hoje bem real mas ainda não é expressão do lugar que as mulheres deveriam naturalmente ocupar dadas as altas qualificações laborais e académicas que detém.

Saudemos e celebremos todas as mulheres no primeiro ano depois do centenário do Dia Internacional da Mulher, dando-lhes relevo nestas breves notas de sugestões culturais, certamente com muitas omissões.

Na Biblioteca Nacional e até 19 de Maio a exposição Mulheres Fazendo História. Uma exposição organizada pelo MDM, Movimento Democrático das Mulheres, em que se destaca a vida e obra de Maria Lamas com debates a 20 de Abril sobre Violência Doméstica e a apresentação de uma aplicação digital de apoio às vitimas de violência doméstica e a 19 de Maio, sobre Os Direitos das Mulheres, Derivas e Desafios.

A Escola de Mulheres-Oficina de Teatro celebra o seu 23º aniversário no dia 8,escola de mulheres

quando iniciou o seu trabalho e publicou um Manifesto em que assumia privilegiar o trabalho feminino em todas as vertentes do Teatro: Autorias, Intérpretes, Técnica e as questões do feminino através de textos que reflictissem as questões que as afectam sem dar imagens estereotipadas das Mulheres.

Para comemorar essa data realiza, durante três dias, 8, 9 e 10, o ciclo “A Mulher e a Escola de Mulheres” com lançamento do Catálogo dos 23 anos da Companhia., uma.
apresentação em powerpoint de imagens dos espectáculos, um
vídeo do espectáculo da apresentação pública
da Companhia,
uma leitura encenada de Cheias de Graça de Isabel Medina. Finaliza com um colóquio sobre o Dia Internacional da Mulher e a Situação
da Mulher no Teatro
, com a participação de mulheres e homens do teatro. Dia 9. um colóquio com Dália Rodrigues e Isabel Medina e uma produção da Escola de Mulheres e Caçadores de Anjos sobre “A Prostituição e o Trafico de Mulheres”. A fechar o ciclo, dia 10, A Mulher na Prisão/O Teatro, com o documentário de Luísa Pinto e Caroline Maia, Rompendo os Muros da Prisão, com reclusas e reclusos dos Estabelecimentos Prisionais de Santa Cruz do Bispo, com texto O Filho Pródigo, de João Maria André e Helder Wasterlain que se encerra com um debate em que participam Fernanda Lapa, Luísa Pinto, Caroline Maia e João Maria André. O ciclo decorre no espaço da Escola de Mulheres, no Clube Estefânia, sempre com início às 21h30 e entrada livre.

No dia 10 o CENA-STE organizam um evento no Teatro São Liuz, às 18h00 sobre As Mulheres no Trabalho Artístico- Direitos e Igualdades no Espectáculo.

Ainda no teatro a exposição fotográfica 120 Anos de Amélia Rey Colaço, mulher que marcou o teatro português no século XX, no Teatro Nacional Dona Maria II, até 30 de Setembro.

Cores da natureza Teresa magalhaes

Cores da Natureza, Teresa Magalhães

Nas artes visuais no Museu Grão Vasco, em Viseu, até 29 de Abril, a exposição de pintura de Teresa Magalhães, As Cores da Natureza. Em Lisboa, no dia 10,Teresa Dias Coelho, na Galeria Monumental inaugura uma exposição de desenho.

No cinema estreia-se na próxima semana em várias cidades, Colo de Teresa Villaverde. Um filme sobre uma mãe trabalha em dois empregos enquanto o seu marido ficou desempregado. Têm uma filha adolescente. As dificuldades que se vão acumulando, gradualmente afastam-nos uns dos outros, uma tensão cresce em silêncio e culpa. O filme é uma reflexão muito actual sobre o nosso caminho comum como sociedades europeias de hoje, sobre o nosso isolamento, a nossa perplexidade perante as dificuldades que nos vão surgindo, sobre a nossa vida nas cidades e dentro das nossas famílias. Colo,

já fui estreado em vários países, esteve presente em vários festivais, foi o grande prémio Bildrausch Ring of Cinema Art do festival suíço Bildrausch

Na literatura as reedições de O Manto de Agustina Bessa Luís, de Entre Raiz e a Utopia e Descobri que era Europeia de Natália Correia. Livros novos de Alice Vieira, Olha-me como Quem Chove, de Adília Lopes, Estar em Casa.

No Centro Nacional de Cultura encerra-se Personagens Femininas na Literatura Portuguesa, dia 12 Maria das Mercês de O Delfim, de José Cardoso Pires, dia 19 Blimunda de Memorial do Convento, de José Saramago e dia 26 Maria Amélia de Gente Feliz com Lágrimas, de João de Melo.

Mea culpa pelas muitas mulheres que ficaram certamente ausentes nesta resenha em que a Mulher está no centro na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.

(publicado em AbrilAbril https://www.abrilabril.pt)

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