Política

Separados à nascença?

As declarações de Sócrates, no Congresso dos Exportadores, conjugadas com o que se soube hoje sobre a destruição pela TMN dos registos das escutas telefónicas feitas no âmbito do processo Face Oculta invocam de uma forma cristalina os mais notórios defeitos do salazarismo e trazem à memória algum do arsenal argumentativo do cavaquismo da década de noventa.

A TMN, escondida atrás de um imponente conjunto de justificações técnico-jurídicas, tenta explicar por que destruiu os registos, deixando, porém, claro, que mais um jeito se fez ao primeiro-ministro suspeito e respetivos amigos. A eliminação de registos e documentos não apaga, contudo, os factos que são conhecidos e muito menos anula a perceção que os cidadãos têm sobre Sócrates e os esquemas em que se terá envolvido. No salazarismo a anulação de registos e de notícias, por via do visto prévio, funcionava porque existia, de facto, um aparelho repressivo que zelava pelo bom funcionamento do sistema, aparelho que, como sabemos, impediu durante décadas que os portugueses pudessem exercer plenamente a sua cidadania e livre arbítrio. Hoje não existe tal sistema generalizado — ainda que existam formas de coerção, nomeadamente a económica, muito mais eficazes do que o próprio aparelho coercitivo clássico do estado e quase impercetíveis — mas existe uma crença ilimitada dos detentores do poder na capacidade de influenciar decisões judiciais apenas por via de vícios formais dos processos, nem que para isso, como aconteceu agora, seja necessário destruir registos apenas para que mais tarde se possa invocar a sua inexistência numa qualquer sede investigatória ou judicial.

Já as declarações de Sócrates no Congresso das Exportações, se não foram copiadas de um qualquer discurso de Salazar, bem que podiam ter sido. Quem afirma que “este não é o momento para que a política se entretenha com questões de poder e se entretenha a discutir crises” e que  “isto não é acerca de partidos, não é acerca de poder, isto é acerca do país” só pode ser alguém plenamente convencido da sua infalibilidade política e incapaz de perceber que o seu tempo chegou ao fim. Mas, a verdade é que, de insubstituíveis está o cemitério cheio.

Sócrates recorre ao argumentário anti-política e anti-partidos para convencer os portugueses que apenas ele tem a solução para os males do país. Salazar fez o mesmo, com algum sucesso, reconheça-se…

Num momento em que o que prevalece é, e bem, o primado da política; num momento em que os constituintes do sistema democrático anunciam que podem recorrer aos instrumentos constitucionais para provocar uma mudança de política e de governo, interpretando o que consideram ser os sentimentos e expectativas dos cidadãos, Sócrates diz-nos, implicitamente, que quem o faz está a atacar o país. Exactamente a mesma técnica que Salazar utilizava, traduzida na ideia de que quem não está connosco é porque é contra nós, neste caso contra o país.

Por estas e por outras, sabe muito bem saber que o PCP pondera apresentar uma moção de censura para acabar de vez com esta podridão política em que o governo PS deixou cair o país. E sabe bem saber que o PCP, com a ideia da moção de censura, ganha dianteira na condução do debate político, arrastando o Bloco de Esquerda, que, perante a eventualidade de derrubar Sócrates, é incapaz de expressar com clareza uma posição sobre a matéria.

Já basta de taticismos e de esquemas. É tempo de acabar com isto.

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