Geral

Vitor Palla / Sempre uns Passos à Frente do seu Tempo

Quem em Lisboa quiser comer a qualquer hora pode escolher um dos espaços icónicos da capital que há mais de cinquenta anos serve refeições fora de horas durante 20 horas em cada dia: o Galeto. É uma das mais de setecentas obras de arquitectura, escolas, moradias, edifícios, fábricas, lojas de comércios diversos, da dupla de arquitectos Vitor Palla e Bento de Almeida, marcantes no Movimento Moderno da Arquitectura. A última obra de Vitor Palla em colaboração com o escultor Jorge Vieira é o Memorial Mausoléu às Vitimas do Tarrafal, no cemitério do Alto de São João.

Militante do PCP desde os anos quarenta, quando integrou o MUD Juvenil e fez parte das comissões de organização das Exposições Gerais de Artes Plásticas que, nas décadas de 40 e 50, desempenharam importante papel na resistência cultural ao fascismo, Vitor Palla tinha múltiplos e bem escorados talentos que deixaram forte marca na cultura nacional.

Como arquitecto, com o seu parceiro de sempre Joaquim Bento de Almeida, dos muitos e marcantes projectos que realizaram sobressaem pela diferença que marcaram na época os snack-bares. Lugares para rápidas refeições onde as mesas desapareceram e foram substituídas por balcões extensos desenhados para ter função dupla. Do lado do cliente, havia uma prateleira para pousar o chapéu e outros pertences, do lado do empregado existia um espaço para manusear uma série de alimentos e condimentos. Eram espaços inovadores que de algum modo estavam em oposição ao café das tertúlias, onde as pessoas se sentavam demoradamente. O primeiro que desenharam, foi o Bar Expresso Terminus segue-se o Pique-Nique no Rossio, em que integram um painel de Júlio Pomar e apuram o desenho do balcão para melhorar e ampliar as suas funcionalidades com uma preocupação que vai ao ponto de desenharem todos os pormenores de cada projecto, do mobiliário aos suportes dos galheteiros, sempre com um grande e cada vez maior rigor ergonómico, bem visível no Galeto.

A arquitectura, o design e a pintura eram as suas actividades principais, mas estavam longe de esgotar a transbordante imaginação, o talento, a fúria de modernidade de Vitor Palla. Na principio da década de 50, com José Cardoso Pires inicia a primeira colecção de livros de bolso em Portugal para a editorial Gleba, “Os Livros das Três Abelhas”, onde se editaram grandes autores nacionais e estrangeiros e que ainda hoje continua surpreender pela diversidade e qualidade das suas capas, inicialmente todas de Vitor Palla, que

também foi tradutor de algumas das obras editadas. A sua ligação à literatura faz com que seja um dos impulsionadores em Portugal do romance policial e ele próprio escreve contos policiais que foram distinguidos na Black Mask, quando ainda era uma prestigiada revista onde escreviam entre outros Raymond Chandler e Dashiell Hammett.

É ainda Vitor Palla que recupera a revista Arquitectura de que é director a partir de 1952 e onde publicou importantes textos teóricos e de crítica.

Arquitecto, designer de equipamento e gráfico, pintor, a sua vastíssima obra fica ainda notabilizada na fotografia com cerca de duzentas fotos que, com o arquitecto Costa Martins seu camarada do PCP,

escolheram entre mais de seis mil, que reuniram num livro Lisboa – Cidade Triste e Alegre, notabilíssimo não só pelas fotos e grafismo como pelos poemas inéditos escritos por Armindo Rodrigues, Alexandre O’Neill, David Mourão-Ferreira, Eugénio de Andrade, Jorge de Sena, José Gomes Ferreira e um texto de Rodrigues Miguéis, um livro que pertence hoje ao cânone mundial dos livros de fotografia.

Victor Palla, de que este ano se comemora o centenário, é um homem que estava sempre uns passos à frente do seu tempo por mais que o tempo persistisse a correr atrás dele.

(publicado em Avante!2521/ 24-03-2022)

Standard

1 thoughts on “Vitor Palla / Sempre uns Passos à Frente do seu Tempo

Comente aqui. Os comentários são moderados por opção dos editores do blogue.