O que se está a assistir na Grécia com o Syriza, não é novo. Pelo contrário, tem anos de histórias variantes que acabaram sempre em desastre. Constroem citadelas que dizem inexpugnáveis e acabam por ruir com maior ou menor estrondo, com maior ou mais graves consequências para o povo. O Syriza, desde que se transformou em partido, repetia proclamações que atearam as esperanças dos gregos submetidos à violenta austeridade imposta pela troika: “(…) nunca iremos baixar a cabeça, nunca iremos aceitar a continuação dos programas de austeridade(…) Se ganharmos estas eleições, o pessoal da troika nunca mais pisará o chão de Atenas” . Tinha chegado a “Hora da Mudança” , palavra de ordem repetida à exaustão.
A crença na determinação do Syriza, ultrapassou fronteiras. Correu mundo. Os teóricas de uma esquerda moderna e alternativa, entre outros Naomi Klein, Toni Negri. Atílio Boron. Noam Chomsky, deleuzianos e guatarianos de várias cambiantes, embandeiraram em arco. Alexis Tsipras era o heroi libertador das esquerdas ortodoxas e dos extremismos esquerdistas, como se uma coisa e outra fossem compatíveis, apesar de todas as alianças tácticas, sempre possíveis. Finalmente, depois de tantas vezes anunciado e tantas vezes falhado, tinha chegado o Messias, o fundador da Esquerda do Século XXI A imprensa, dominada pelo capital, é bom não esquecer, colava o código de barras que garantia que o Syriza era um partido de esquerda radical. O New York Times chegou a escrever que Tsipras era o “Hugo Chavez helénico, capaz de tira a Grécia da União Europeia e romper com o euro”. coisa que ele nunca disse. Uma farandola bem ao gosto dos tempos que correm que se agarram às tábuas do acessório para que o essencial sobreviva.
Passada a euforia do triunfo eleitoral, triunfo ganho contra uma desenfreada campanha de chantagem sobre os gregos, reafirmadas as promessas de ir de peito feito contra a ditadura neo-liberal da troika, a dupla de argonautas pós-modernos, Tsipras e Varoufakis, irrompem Europa fora, embalados pela maioria conquistada. Quase dois meses decorridos o que resta? Pouco, muito pouco. A vaguíssima promessa de o ordenado mínimo ser aumentado a partir de Setembro, mesmo assim às fatias. Privatizar o que já estava decidido com o governo anterior, com a afirmação que não haverá mais privatizações o que, pelo vento que sopra, é bastante improvável. Voltar a repor um sistema de saúde e um programa de apoio aos desempregados e aos imensos pobres que os programas da troika fomentaram, o que continua em banho maria. Das bandeiras que desfraldaram durante três anos, os panos rompem-se, os buracos crescem ameaçam ser um enorme buraco. O Programa de Salónica do Syriza, Setembro de 2014, foi totalmente rasgado por Alexis Tsipras e Yannis Varoufakis quando, em nome de “um compromisso histórico em moldes europeus”, assinaram um Memorando, uma reedição, vagamente melhorada, do assinado pelo governo anterior da Nova Direita de Samaras.
É por demais evidente que o Syriza, não tem ideologia, não tem programa. Tem um discurso de ruptura que, na situação de países como a Grécia e países que enfrentam as crise económicas com programas de austeridade violentos e que se manifestam inúteis, é aliciante, resulta num momento, mas pode ter sequências que se podem revelar muitíssimo perigosas. Na medida em que o discurso vacilava capturado pela realidade, dizem deliciados os esmagados, uns mais outros menos, pelo pensamento único em todas as suas nuances, o que fica de uma suposto radicalismo de esquerda, é a imagem de Tsipras e Varoufakis desengravatados no meio dos hirtos e engravatados burocratas e políticos europeus. Fica uma imagem de marca, muito pouco para as esperanças que o povo grego neles depositou, com ecos em muitos outros povos europeus, embalados por um fraseado de fachada revolucionária contra os bombardeamentos neoliberais. A contestação na Grécia a essa submissão do Syriza aos programas de austeridade atrelado ao euro, inicialmente corporizada pelo Partido Comunista Grege (KKE), que desde o primeiro minuto denunciou as ilusões semeadas pelo Syriza, alastra ao próprio Syriza, onde as organizações de esquerda que o integram, dos vários grupos trotskistas aos maoistas, dos revolucionários do KEDA aos grupos ambientalistas e feministas, votaram contra o acordo assinado com as instituições, um nome mais aceitável para a troika, e começam a vir para a rua, contestando o fracturado Comite Central do Syriza.
Anote-se que mesmo esse discurso de ruptura frágil, como se veio a demosntrar, colocou em polvorosa os troca tintas coelhos e rajoys, roxos de raiva a assistirem aos deplantes iniciais daqueles gajos quem têm o que eles não têm: apoio popular e tomates, apesar de muito pequenos como agora se vê, e o apoio popular se estar a evaporar
Limpo o palavreado de radicalismos, o Syriza revela-se o que sempre foi. Um partido social democrata mais à esquerda que os seus pares europeus, mas que não trai a sua matriz, a não ser na fraseologia e uns deslavados laivos eurocomunistas, colhidos quando os eurocomunistas já não se faziam passar por comunistas,
Desde sempre mostrou incapacidade em propor mudanças estruturais. Nunca considerou essencial acabar com a propriedade privada de sectores chave da economia como as finanças ou a energia. Nunca percebeu que o grande capital especulativo capturou as economias de todo o mundo. Que a chamada dívida soberana, nos tempos que correm em que os Estados deixaram de ser soberanos, é utilizada para sustentar o grande capital financeiro. Que utilizam os programas de austeridade, os ajustamentos e umas proclamadas reformas estruturais que , tudo junto mais não é que processos de cortar drásticamente os direitos sociais, precarizar o trabalho, tirar rendimento aos trabalhadores, aos pensionistas, aos pequenos e médios empresários. Dinheiro que desaparece da economia e não se sabe para onde vai. Ou antes sabe-se, desaparece nos labirintos complexos que os grandes megapólos financeiros construiram para o ocultar. Quer dizer, no papel até parecia saber embora logo aí tenha abdicado de ser governo com poder real, porque, com eles, o poder económico continuaria em poder dos menos de 1% da população grega onde se acoitam os grandes fugitivos ao fisco. Por vício ideológico, o Syriza nunca percebeu que sem a detenção de poder económico, o poder real é sempre reduzidíssimo. Que se, o poder económico continua nas mãos dos grandes grupos financeiros, industriais, do grande comércio, o verdadeiro poder está nessas mãos, que dominam o poder judicial, o poder financeiro e económico, os grandes meios de comunicação social. Esse um problema com que se debatem, ainda hoje, as revoluções bolivarianas, apesar dos avanços feitos. Por isso estão debaixo do fogo do capitalismo imperialista que os quer derrubar antes que se consolidem.
O resultado é esta capitulação, em quase toda a linha, perante os próceres neo- liberais.
Dos escombros dessa fragorosa derrocada, fica a alegria retórica dos fogachos. Finalmente discutiu-se política, dizem políticos, comentadores políticos, comentadores dos comentadores políticos, salivando nostalgias! Discutiu-se? Ou foi mais fraldas de fora?
Por cá, neste Portugal/ feira cabisbaixa/ meu remorso/ remorso de todos nós, os nossos syrizas, por mais que encham o peito de syrizices, nem arriscam. Sentam-se à sombra do Partido Socialista, prudência e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém que queira ter a garantia de trilhar as estradas conhecidas, talvez com menos pedras e buracos, da Europa Connosco com o socialismo engavetado! O que se pode inferir, com toda a propriedade, ao espremer as declarações de António Costa, quando foi anunciada a vitória do Syriza nas eleições gregas “A vitória do Syriza nas eleições na Grécia é “mais um sinal” da mudança da orientação política que está em curso na Europa(…)É mais um sinal da mudança da orientação política que está em curso na Europa, do esgotamento das políticas de austeridade da necessidade de termos uma outra política que permita fazer com que a moeda única seja efetivamente uma moeda comum” Foi esse o caminho que Tsipras e Varoufakis seguiram com os resultados que estão à vista. O necessário não é uma mudança de orientação política é uma MUDANÇA DE POLÍTICA!
Voltando às viagens na nossa terra, ao Bloco de Esquerda, Livre e o alfobre de partidos e associações que estão a surgir como cogumelos, à sombra cada vez mais reduzida dos syrizas europeus. É patético ouvir e ver os danieis oliveiras, os ruis tavares, joanas e anas mais a restante tropa fandanga muito bem acolhida e protegida pela comunicação social estipendiada, que aquilo é gente gira que só faz cócegas ao poder. Parafraseando Luiz Pacheco na Carta a Gonelha: o que eles querem sabemos nós de ginjeira: tachos e cacau.
A abdicação do Syriza, a humilhação que lhe estão a impor, Schaulbe esfrega as mãos em público por Merkel não o poder fazer, é uma derrota para a esquerda, o que não pode alegrar ninguém que seja de esquerda, mas é um motivo para vasta e funda reflexão.