
A FICHA - escultura de Virgílio Domingues
Fica-se perplexo quando políticos que ocupam os mais altos cargos não perdem uma oportunidade para fazer demonstração pública da sua pequena dimensão ética e política. Fica-se indignado quando algumas coisas acabam forçosamente por ser conhecidas e a sociedade não é percorrida por um frémito contra as improbidades.
Fica-se abismado quando o mais extraordinário nas revelações feitas pela Wikileaks não serão as revelações em si-mesmo, mas o não causarem espanto de maior, para lá do que percorre alvoraçadas chancelarias.
É inquietante como, pouco a pouco durante dezenas de anos, se foi injectando nas sociedades a aceitação de uma normalidade em que os seus direitos, a sua dignidade, conquistada em séculos de lutas heróicas, são reduzidos a quase nada debaixo das patas das cavalgadas neo-liberais aceleradas por Reagan e Thatcher que tem o desplante de dizer que “a sociedade como tal, não existe”. Não longe dos teóricos nazis que defendiam que a humanidade era uma ficção, existiam unicamente raças, umas melhores que outras e uma superior a todas.
Ontem a comunicação social noticiou que o governo português vai ceder dados do BI de todos os portugueses aos Estados Unidos da América, bem como outras informações adicionais, nomeadamente a biométrica que é recolhida e compilada por um sistema informático oferecido e montado pelo FBI. Agora é só ligar o cabo óptico e zás, em segundos está tudo em segurança no nosso amigo americano.
Com o pretexto da luta contra o terrorismo, os EUA de Bush aceleraram e legalizaram um programa de recolha de informações que já existia e era activíssimo, não tinha era cobertura onde se abrigasse, tornando-se legal. O que antes produziria um sobressalto entra nos eixos da regularidade,torna-se uma actividade normatizada, de rotina.
Uma pequena história real, demonstrativa da extrema atenção com que os EUA desde sempre contemplaram os cidadãos de todo o mundo. Nos anos 70, depois do 25 de Abril, o registo criminal dos presos políticos portugueses foi obviamente expurgado desse facto. Um hoje conhecido catedrático e cientista português, preso vários anos na sequência da crise académica de 62, vai para os EUA doutorar-se. Ao fim do primeiro ano volta a Portugal de férias. Quando regressa barram-lhe a entrada na fronteira do aeroporto de Nova Iorque. É interrogado, durante mais de vinte e quatro horas, sobre a sua anterior actividade política em Portugal. A autorização para ficar só surge com o compromisso pessoal de não sair do território norte-americano enquanto estivesse a acabar o doutoramento e dos directores da universidade onde estudava que ficaram responsáveis por monitorizar o seu comportamento. O terrorismo, os eixos do mal, etc, ainda eram uma ficção e os EUA, sem guarda-chuva legal, já eram activíssimos no controle de qualquer cidadão. Esta história factual, tem outra face interessante. Na altura, em Portugal fazia-se intensa propaganda sobre o desvio dos arquivos da PIDE para Moscovo. Como se vê, intensa e eficaz barreira de fumo para os arquivos, com destino marcado, sobrevoarem o oceano Atlântico.
Agora o governo prepara-se para obedecer aos ditames de quem quer continuar a controlar e pilhar o mundo, com o pretexto da luta contra o terrorismo, sabendo-se que as fronteiras dessa definição têm uma elasticidade infinita.
Qualquer um de nós desde que não se sujeite às leis desta sociedade ignominiosa é hoje um potencial terrorista e amanhã figurará nas listas dos procurados. Basta ler o que com esse projecto se pretende: “prevenir e lidar com o terrorismo internacional e deve abranger a cooperação na identificação atempada de indivíduos conhecidos por estarem, ou terem estado, envolvidos em actividades que sejam consideradas terroristas”. Releia-se a citação da Thatcher e temos o quadro do que podem ser “actividades que sejam consideradas terroristas”. Enquadra tudo o que se quiser.
Miserável são os nossos governantes, no caso com Sócrates e Luís Amado na primeira linha, baixarem a cerviz à voz de comando do boss.
Estão bem acompanhados por um Presidente da República, que descalça os sapatos para que o ranger das solas não incomode os mercados ou um presidente da comissão europeia que encera os salões da senhora Merkel, depois de treinar como mordomo a abrir as portas dos Açores para Bush e a sua Mónica Lewinsky, Toni Blair anunciarem ao mundo o fruto da sua mancebia.
Essa gente envergonha-nos! Dia 23 de Janeiro vamos começar a correr com eles!
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