Setúbal

Afinal, o estudo da Proteste sobre Setúbal não era assim tão rigoroso…

Defendi neste espaço, aqui e aqui, vai para seis meses, que o estudo publicado pela revista Proteste na edição de junho de 2012 sobre a qualidade de vida nas cidades portuguesas, no qual Setúbal surge em último lugar, era um «estudo mal feito, pouco sério, ofensivo e disparatado».

Hoje está confirmado que o estudo está mesmo mal feito e carece do necessário rigor informativo que este tipo de trabalhos deve ter, conclusão também sustentada por uma deliberação da ERC – Entidade Reguladora da Comunicação Social emitida, em 21 de dezembro passado, na sequência de uma participação da Câmara Municipal de Setúbal, datada de julho de 2012, por falta de rigor informativo. Hoje posso reafirmar, com segurança adicional conferida pela ERC, que as deficientes metodologias utilizadas pela DECO conduziram a um estudo pouco sério, apresentado, contudo, como uma peça construída com rigor científico.

O estudo publicado pela Proteste, como salienta a deliberação da ERC, ainda que tenha sido «caraterizado como representativo», foi apresentado «sem informação suficiente, especialmente no que concerne à metodologia, tamanho e composição da amostra, inviabilizando, por esta via, a correta interpretação dos resultados por parte dos leitores».

Foram poucos os setubalenses que comigo concordaram na altura, assim como alguns rejubilaram com a pobre classificação da cidade, talvez porque dessa forma pudessem utilizar como arma de arremesso, ainda que fugazmente, o resultado de um estudo que poderia afetar a credibilidade e capacidade dos gestores municipais do concelho.

Vistas curtas, a desta gente, que não hesita um minuto em alinhar com as mais negativas narrativas que se constroem sobre uma cidade que precisa, a todo custo, de afastar a ideia que lhe colaram da insegurança, do crime, da fome… Pela simples razão de que estes fenómenos se estendem, e cada vez com maior intensidade, a todo o país e não são apenas um exclusivo de Setúbal. Temos de reconhecer que por aqui há muitos problemas, exclusão social, insegurança e outros males, mas não façamos deles um exclusivo nosso, como se, no resto do país, nada disto existisse.  Infelizmente… Continuar a ler

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Política

Sondagens generosas à espera dos indecisos

Agora que o país começa a perceber com maior amplitude os efeitos do acordo com a troika e que muitos esperariam que os responsáveis pelo estado da situação fossem penalizados nas urnas, a recuperação do PS e de Sócrates nas sondagens de opinião mostra o quanto o exercício da política é uma arte em que os protagonistas devem estar dotados das melhores estratégias e de algumas competências específicas. Mas quem tudo decidirá são os trinta por cento de indecisos, segundo números das mesmas sondagens.

Os resultados obtidos pelo PS de Sócrates nas mais recentes sondagens não deixam de constituir um caso de óbvio interesse para os observadores do sistema político: depois de seis anos no governo e de ter conduzido o país a uma situação de pré-desastre, os políticos por isso responsáveis parecem beneficiar da complacência de uma parte relevante dos eleitores.

O que nos ajuda a compreender este facto?

Um) Gestão do calendário. Escolher o motivo e o momento das eleições: após a demissão do governo ficou claro que o PSD não tinha programa para apresentar e que Passos Coelho tinha sido apanhado “com as calças na mão”: tiros para o lado a propósito das mais diversas matérias sobre que se foi pronunciando em declarações a televisões, mas que acabaram por acertar nos seus próprios pés. A dupla P.Coelho-Catroga parece funcionar com o velho ministro de Cavaco a dar as ordens e o jovem líder a ir atrás, ainda a aprender, .

Dois) Uma mensagem clara. “A culpa foi da oposição quando chumbou o PEC IV” é a base central do argumentário socialista para as Legislativas. Transferir para a oposição a responsabilidade pelo agravamento da crise da dívida soberana, da chegada do trio FMI/BCE/UE e do consequente agravamento das medidas de austeridade,. Uma mensagem que varre para debaixo do tapete as suas próprias responsabilidades, nomeadamente as resultantes das opções nos dois últimos anos no contexto da crise internacional iniciada com o caso dos sub-prime.

Três) Gestão comunicacional – começou com a espectacularidade de uma deslocação a Belém para apresentar uma desnecessária demissão, logo que conhecido o “chumbo” do PEC IV e passou por um congresso socialista produzido para iluminar e projectar o líder (o que lhe valeu a evocação de uma certa mitologia norte-coreana), apagando praticamente tudo o resto num mar de bandeiras nacionais para telespectador ver; continuou com as sucessivas entrevistas do PM e a sua omnipresença mediática – perante quem todos personagens das suas linhas se apagaram em óbvia manifestação de “unidade”. Sócrates é, sem dúvida, um bom comunicador que o público conhece. Dispõe de uma imagem cuidada e seguramente bem assessorada, que procura esconder “atrás dos arbustos” todos os erros cometidos pelo líder. Mas quem o aconselhou a falar apenas das não-medidas na comunicação ao país que antecedeu a divulgação do memorandum da troika? Um gesto demasiado parolo para não ser notado.

O que vem ai?

Os partidos do auto-designado “arco governativo” (PS, PSD e CDS) têm o seu programa de governo já estabelecido – está inscrito no memorandum. No mês que nos separa das eleições, iremos tentar perceber se há diferenças programáticas entre esses partidos ou se nos limitaremos a uma escolha entre as cuidadas imagens dos seus líderes. O grau de responsabilidade de J. Sócrates pela situação actual que venha a ser percepcionado pelos indecisos será correspondente à medida da sua penalização nas urnas.

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Política

Condenados ao Vigésimo Premiado?

Estaremos condenados a ser um país em que mais ou menos um terço da população anda a vender lotaria ao outro até que, transcorridos um ou vários períodos de quatro anos, a metade que aguardava a sorte passa a vender vigésimos ao terço que anteriormente os vendia? Isto, enquanto os parceiros que imprimiam os vigésimos com os números premiados são pacificamente substituídos por nova vaga de impressores, ficando a aguardar a sua vez.
Pelo que agora se lê nas sondagens é esse o nosso próximo fadário, cumprindo o destino traçado desde as primeiras eleições livres, depois de quarenta anos de ditadura fascista. Como preconizava o Leopardo, o Príncipe de Salinas: “É preciso que alguma coisa mude, para tudo continuar na mesma” estaremos condenados a essa danação?


Barómetros de opinião pública, as sondagens, medem o impacto dos partidos políticos no universo dos eleitores, a popularidade dos líderes políticos. São bengalas que dão crédito ao argumentário dos oráculos do país que proliferam nos meios de comunicação social. Erram sistematicamente em relação a alguns partidos políticos. Erro tão contumaz, desde a primeira sondagem publicada até à última editada, obriga a que se analisem os seus números com alguma reserva. Cuidado que não anula o interesse em seguir a evolução das subidas e descidas dos intervenientes políticos, sejam partidos ou individualidades, com atenção procurando joeirar o que é feito para tentar influenciar a opinião pública numa direcção, do que reflecte a sua real evolução.

Agora, com um ambiente político sobreaquecido, as sondagens são procuradas com maior avidez para ver se o partido A já ultrapassou o partido B, e se ambos perderam ou ganharam adeptos nos campos de outros partidos. Isto traduz uma certa propensão da análise política se simplificar em juízos futebolísticos e reduz a vida social e política à sua expressão mais simples: os actos eleitorais. Entre eleições seria o quase deserto, conquanto seja esse o território onde decorrem as duras lutas sociais e as florentinas lutas retóricas entre os partidos que confundem, e entendem, a luta política como uma caça ao voto. A história demonstra exactamente o contrário. Os grandes saltos históricos, aqueles em que a humanidade realmente progrediu, em que se conquistaram direitos e liberdades, se avançou para uma maior justiça económica e social, fizeram-se sempre por roturas violentas com o quadro instituído e legitimado por leis que garantem o direito do mais forte à liberdade.

Na generalidade as sondagens, mesmo que sejam uma fotografia distorcida e parcial, mesmo que não devam ser confundidas com a realidade, devem ser lidas com atenção. As últimas anunciam que o PSD se aproxima ou mesmo ultrapassa ligeiramente o PS e que o universo dos partidos com menor expressão eleitoral tem uma evolução que não é suficiente para desequilibrar eficazmente essa dança das cadeiras entre esses dois partidos. pondo em prática políticas que podem divergir no acessório mas convergem em tudo o que é essencial. Cenário que se repete desde as primeiras eleições pós-25 Abril. Isto apesar do bem visível agravamento das lutas sociais, do cada vez maior número de trabalhadores que se implicam nessas lutas. Deveria esse cenário, decalcado do que se enunciou no primeiro parágrafo, ser desanimador? Não, nunca!

O que está a acontecer em Portugal e na Europa mostra como a vida está para lá das urnas eleitorais, qualquer se seja o resultado que aí se registe. A sorte das eleições e as previsões das sondagens são cenários por demais estáticos para perceberem as mutações da história e da vida. Não estamos eternamente condenados às transacções da lotaria e à distribuição programada de prémios. Das lutas maiores, como a que teve expressão na manifestação de 29 de Maio, às aparentemente mais pequenas e locais, como a que decorreu contra o fecho das urgências pediátricas nos hospitais de Setúbal e Barreiro, todas são igualmente importantes. Em cada uma delas há sempre mais alguém que adquire consciência do lado político dessas lutas. Que percebe que há mais vida do que comprar ou vender vigésimos quando o prémio sai sempre aos outros e que os outros são sempre os mesmos. Que há muito mais vida do que aquela que é exibida nos noticiários que nos vendem um mundo que não é o que realmente existe e que também não é o nosso. Na luta, com vitórias e derrotas, há sempre mais alguém que dá um passo para fora da trincheira do conformismo com a banalidade do quotidiano, abandonando o exército de sombras e silêncio onde são recrutadas as maiorias que nos tramam. Fica sempre mais claro que o futuro é nosso se o soubermos agarrar nas nossas mãos.

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