Estaremos condenados a ser um país em que mais ou menos um terço da população anda a vender lotaria ao outro até que, transcorridos um ou vários períodos de quatro anos, a metade que aguardava a sorte passa a vender vigésimos ao terço que anteriormente os vendia? Isto, enquanto os parceiros que imprimiam os vigésimos com os números premiados são pacificamente substituídos por nova vaga de impressores, ficando a aguardar a sua vez.
Pelo que agora se lê nas sondagens é esse o nosso próximo fadário, cumprindo o destino traçado desde as primeiras eleições livres, depois de quarenta anos de ditadura fascista. Como preconizava o Leopardo, o Príncipe de Salinas: “É preciso que alguma coisa mude, para tudo continuar na mesma” estaremos condenados a essa danação?
Barómetros de opinião pública, as sondagens, medem o impacto dos partidos políticos no universo dos eleitores, a popularidade dos líderes políticos. São bengalas que dão crédito ao argumentário dos oráculos do país que proliferam nos meios de comunicação social. Erram sistematicamente em relação a alguns partidos políticos. Erro tão contumaz, desde a primeira sondagem publicada até à última editada, obriga a que se analisem os seus números com alguma reserva. Cuidado que não anula o interesse em seguir a evolução das subidas e descidas dos intervenientes políticos, sejam partidos ou individualidades, com atenção procurando joeirar o que é feito para tentar influenciar a opinião pública numa direcção, do que reflecte a sua real evolução.
Agora, com um ambiente político sobreaquecido, as sondagens são procuradas com maior avidez para ver se o partido A já ultrapassou o partido B, e se ambos perderam ou ganharam adeptos nos campos de outros partidos. Isto traduz uma certa propensão da análise política se simplificar em juízos futebolísticos e reduz a vida social e política à sua expressão mais simples: os actos eleitorais. Entre eleições seria o quase deserto, conquanto seja esse o território onde decorrem as duras lutas sociais e as florentinas lutas retóricas entre os partidos que confundem, e entendem, a luta política como uma caça ao voto. A história demonstra exactamente o contrário. Os grandes saltos históricos, aqueles em que a humanidade realmente progrediu, em que se conquistaram direitos e liberdades, se avançou para uma maior justiça económica e social, fizeram-se sempre por roturas violentas com o quadro instituído e legitimado por leis que garantem o direito do mais forte à liberdade.
Na generalidade as sondagens, mesmo que sejam uma fotografia distorcida e parcial, mesmo que não devam ser confundidas com a realidade, devem ser lidas com atenção. As últimas anunciam que o PSD se aproxima ou mesmo ultrapassa ligeiramente o PS e que o universo dos partidos com menor expressão eleitoral tem uma evolução que não é suficiente para desequilibrar eficazmente essa dança das cadeiras entre esses dois partidos. pondo em prática políticas que podem divergir no acessório mas convergem em tudo o que é essencial. Cenário que se repete desde as primeiras eleições pós-25 Abril. Isto apesar do bem visível agravamento das lutas sociais, do cada vez maior número de trabalhadores que se implicam nessas lutas. Deveria esse cenário, decalcado do que se enunciou no primeiro parágrafo, ser desanimador? Não, nunca!
O que está a acontecer em Portugal e na Europa mostra como a vida está para lá das urnas eleitorais, qualquer se seja o resultado que aí se registe. A sorte das eleições e as previsões das sondagens são cenários por demais estáticos para perceberem as mutações da história e da vida. Não estamos eternamente condenados às transacções da lotaria e à distribuição programada de prémios. Das lutas maiores, como a que teve expressão na manifestação de 29 de Maio, às aparentemente mais pequenas e locais, como a que decorreu contra o fecho das urgências pediátricas nos hospitais de Setúbal e Barreiro, todas são igualmente importantes. Em cada uma delas há sempre mais alguém que adquire consciência do lado político dessas lutas. Que percebe que há mais vida do que comprar ou vender vigésimos quando o prémio sai sempre aos outros e que os outros são sempre os mesmos. Que há muito mais vida do que aquela que é exibida nos noticiários que nos vendem um mundo que não é o que realmente existe e que também não é o nosso. Na luta, com vitórias e derrotas, há sempre mais alguém que dá um passo para fora da trincheira do conformismo com a banalidade do quotidiano, abandonando o exército de sombras e silêncio onde são recrutadas as maiorias que nos tramam. Fica sempre mais claro que o futuro é nosso se o soubermos agarrar nas nossas mãos.
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