Pode a eleição presidencial francesa contribuir para uma mudança na orientação política europeia?
A eventual derrota de Sarkozy (27,18%, na primeira volta) em 6 de Maio pode ser um factor de viragem política na Europa. Não só pelas posições que uma nova liderança francesa pode trazer para o centro da decisão da UE, caso F. Hollande (28,63%) confirme o que tem vindo a afirmar publicamente, como também pela indução de efeitos políticos noutras geografias da Europa comunitária.
Mas, para chegar ao poder, o socialista Hollande terá que congregar muitos votos agora expressos noutras candidaturas. Nomeadamente nas do centrista François Bayrou (9,13%) e de Jean-Luc Mélenchon (11,11%) da Front de Gauche dinamizada pelos comunistas do PCF, área política que atinge o seu melhor resultado dos últimos trinta anos. E esperar que o eleitorado de Marine Le Pen (17,9%) não se desloque massivamente para F. Sarkozy.
Paris e Berlim constituem, desde há muito, o eixo histórico de decisão da política europeia. Para o bem e para o mal. A França, país com um histórico de império que continua a alimentar, pretende-se uma potência determinante no espaço internacional – continua, aliás, sem que se perceba exactamente porquê, a ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Nessa velha tradição o presidente francês N. Sarkozy tudo tem feito para manter o seu país na linha da frente da capacidade decisória da UE. Ou pelo menos na aparência dessa capacidade. Tudo tem feito para ficar “na fotografia” das principais decisões.
Sarkozy e Angela Merkel, ultrapassando todos Estados nacionais da União, trataram de reunir sucessivas vezes, ao arrepio de todas as boas práticas para a realização de consensos, condicionando as decisões colectivas das cimeiras europeias. Assim passando “por cima” da própria filosofia e das normas de decisão da União. Impondo-se mais e mais como um directório.
Mas também há muito que se percebeu que as verdadeiras decisões são tomadas pelo governo alemão, com a chanceler Merkel à cabeça, e pelos banqueiros centrais do BCE. Naturalmente em obediência à ideologia dominante dos sacrossantos interesses dos “mercados”. A própria posição económica francesa tem vindo a enfraquecer, o que já lhe mereceu a retirada do rating de triplo A. E as taxas de crescimento francesas também já viram melhores dias.
Ao que parece os franceses já perceberam que o mediático par Merkozy é muito mais alemão que francês. E começam a preocupar-se com as ameaças que pairam sobre o seu bem-estar. E isso incomoda-os.
Pela primeira vez numa eleição presidencial francesa da quinta República (1958…), o presidente em funções não parte em vantagem. O facto indicia que a maioria dos franceses já não o considera o melhor para lugar. Resta agora a N. Sarkozy tentar o canto da sereia junto do eleitorado de Marine Le Pen, a representante de um perigoso movimento de características nacionalistas e xenófobas que, regularmente, assoma ao primeiro plano da política francesa – em 2002 a presença de J. M. Le Pen na segunda volta das presidenciais forçou mesmo toda a esquerda a votar no gaulista J. Chirac.
Tudo está em aberto para a segunda volta em 6 de Maio. Como se comportarão os eleitores dos candidatos agora afastados? A maior incógnita da eleição será o comportamento dos quase seis milhões e meio de eleitores que agora votaram em M. Le Pen. Eleitores de que N. Sarkozy se tem tentado aproximar com discursos de afirmação nacionalista e algumas medidas de grande impacto mediático como as acções desencadeadas contra comunidades ciganas ou o encerramento temporário de fronteiras. Ou ainda a polémica contra hábitos culturais de comunidades magrebinas.
Serão duas semanas vertiginosas, seguidas com interesse por toda a Europa.
É grande a expectativa sobre os efeitos na Europa de uma viragem política em França. Um movimento que, com a influência de uma grande país, pode criar condições para novas abordagens às crises actuais e em que avultam a há muito discutida e sempre adiada criação de eurobonds, a rediscussão do pacto orçamental europeu que Merkel (acolitada por Sarkozy) se incumbiu de impor à UE.
Uma eleição que nos interessa.