A leitura da sentença do processo Casa Pia gerou uma torrente de contra informação defensiva por parte dos condenados, indignados com a sentença e o julgamento de que, supostamente, terão também sido alvo na praça pública. Estranhamente são esses mesmos condenados quem prolonga o julgamento perante os olhos do público, com mais dúvidas sobre juízes “viciados”, com insinuações sobre os que terão ficado de fora, com ataques ferozes à aplicação da justiça.
Carlos Cruz, por ser quem é, foi o campeão deste ataque a que todos os media deram ouvidos, a que todos assistiram impávidos e serenos, como se o condenado fosse a vítima ou estivesse numa posição de absoluta equivalência ao tribunal que o julgou.
O método utilizado para criar esta equivalência, em especial por Cruz, é conhecido e permite-lhe — permitirá — que continue a gozar da simpatia de muita gente que vê nele apenas o simpático apresentador de televisão, o genial apresentador e autor de coisas brilhantes como o “Pão com Manteiga”, a primeira tentativa séria de fazer na rádio humor moderno e não boçal no pós-25 de Abril. Cruz tem vindo a lançar, metodicamente, e graças ao seu estatuto de estrela, a dúvida sobre todo o processo, a investigação, os juízes, os polícias e os miúdos-vítimas da Casa Pia para que, na incerteza, prevaleça a sua suposta inocência. Todos mentem, menos ele… Enquanto esta dúvida metódica for alimentada, em especial nos anos que teremos de esperar pelo resultado dos recursos entretanto interpostos, e isto se os crimes não prescreverem, Cruz poderá surgir aos olhos da opinião pública como a vítima de uma vasta conspiração, montada para o tramar.
Mais pedófilos hão-de continuar por aí à solta. O Estado tem o dever de lhes dar caça. Não sabemos quem eles são, porém, sabemos que uns quantos foram já condenados, ainda que a nossa justiça lhes permita continuar em liberdade, a mesma justiça de que eles zombam, a mesma justiça que eles põem em causa.
O actual estado de descrédito da justiça portuguesa, a sua morosidade, a complexidade que lhe é inerente, mais as nuances que lhe impõem à la carte, não pode ser desculpa para acreditar que tantos anos de investigação, audiências, testemunhas, inquirições e acareações no processo Casa Pia tenham sido apenas uma forma de nos enganar a todos. Se alguém nos enganou, foi Carlos Cruz, a quem muitos deram o benefício da dúvida. Não duvido que outros tantos lhe continuem a dar esse benefício, sempre prontos a acreditar em teorias da conspiração pacientemente manufacturadas. Porém, Cruz foi condenado por um tribunal, o mesmo que condenou um antigo embaixador pelas mesmas práticas pedófilas em que foi referenciado há anos. Era interessante saber se os defensores da inocência de Cruz têm a mesma crença na inocência de Jorge Ritto…