É extraordinário o coro ocidental de elogios ao falecido rei Abdullah da Arábia Saudita que descobrem como um dos seus. Um defensor dos valores democráticos, coisa que ele nem sabia o que seria, como o secretário -geral da ONU, Ban Ki Moon, teve o cuidado de recordar. Provavelmente têm razão, os valores democráticos do Ocidente são uma tábua de logros, pronta a usar para os passar a ferro conforme as conveniências de momento. Só assim se podem compreender os encómios a semelhante personagem.
Descobrem qualidades democráticas de envergadura na sua governação como rei absoluto de um país onde a pena de morte está sempre no horizonte de quem ousa desafiar um poder discricionário que se rege pela sharia aqui, pelos vistos, abençoada e tolerada pelo ocidente dito democrático que a condena noutras paragens do Médio Oriente.
Não é preciso recuar muito no tempo para se tirar a temperatura democrática da Arábia Saudita. Recentemente um crítico da Casa Saud e mitigadamente da fé islâmica. Foi condenado a dez anos de prisão e a sofrer 1000 chibatadas em doses públicas de 50 chibatadas durante 20 semanas, depois das orações de 6º feira, para tudo ficar na graça de Alá. Um feito, entre muitos outros, que fazem Abdullah ser lembrado como um rei democrata não só pelo secretário-geral da ONU, mas também por John Kerry e, como tal, com direito a bandeiras a meia haste no Reino Unido.
Aliado de sempre do Ocidente, ou não fosse ele o elo mais seguro da ligação intima entre o dólar e o preço do crude, os celebrados petrodólares que vão sustentando a mentira da economia norte-americana, conhecido financiador de grupos islamitas radicais, da Al-Qaeda ao Estado Islâmico apesar de uma lei promulgada em 2013, proibindo o financiamento de grupos terroristas, para aliados se calarem. Todo o mundo sabe que a Casa Saud, seguidora e impulsionadora do radicalismo wahabita, continua a despejar centenas de milhares de dólares nos bolsos dos radicais islâmicos. É por este tirano que os sinos ocidentais dobram!
Vale tudo para essa gentalha ocidental sem qualquer dignidade ou princípios. É assombroso, nauseante, se alguma coisa ainda nos possa espantar do cinismo e hipocrisia dos países defensores dos valores democráticos ocidentais, que Christine Lagarde, se una a esse coro apologético, para lembrar Abdullah como um defensor dos direitos das mulheres! Isto num país onde as mulheres são proibidas de conduzir, têm o direito a voto muitíssimo controlado, onde mesmo quatro das filhas de tão democrático monarca foram condenadas a catorze anos de reclusão porque ousaram reivindicar um mínimo de direitos, nessa sociedade duramente tutelada pelos homens.
O próprio Abdullah ao ouvir essas louvações deve dar voltas e reviravoltas no túmulo. Não vai ter mais descanso!
Morre agora esse contumaz violador dos direitos humanos, amortalhado por valores democráticos que nunca defendeu em vida. Um imundo e pestilento espectáculo que diz tudo sobre os dirigentes do mundo ocidental e da sua corte.