Líder carismático, catalisador das esperanças de um povo, referência para os que acreditam na revolução e no socialismo, inimigo juramentado da potência imperial norte-americana. Eis Hugo Chaves, o continuador de uma tradição revolucionária e justicialista latino-americana que, reclamando-se dos ideais de Simon Bolívar, entronca no espírito da revolução cubana.
Resistirá a revolução bolivariana à falta do magnetismo e da energia do seu principal obreiro?
Com a morte de H. Chávez esfuma-se o “seguro de vida” que tinha sido concedido à revolução por uma emenda constitucional, em 2008, referendada favoravelmente pelos venezuelanos, que permitiria a Chávez ser reeleito sem limite de mandatos. Estarão os seus aliados e sucessores bolivarianos à altura de tão grande herança?
Apesar de todas as críticas apontadas a Chávez, a verdade é que ele e os seus aliados venceram (quase) sempre as eleições e os outros sufrágios a que se submeteram. E quando não os venceram, caso do plebiscito constitucional de 2007, acataram o veredicto popular. À revolução bolivariana não pode pois ser apontada menor legitimidade eleitoral ou representatividade democrática.
Petróleo contra a pobreza
Com a capacidade financeira que lhe é proporcionada pelo facto ser um importante produtor e exportador de petróleo (11ª maior exportador mundial em 2009, 90% das exportações venezuelanas), a Venezuela de Chávez e das “missões bolivarianas” – o conjunto de programas sociais nos domínios da saúde, educação e alimentação – tem vindo a retirar vastas camadas de população da pobreza. Com resultados reconhecidos.
Um processo que dificilmente poderia ser isento de conflitos políticos e sociais no seio de uma sociedade com manchas de pobreza generalizada e uma histórica extrema desigualdade na distribuição do rendimento. Conflitos que chegaram a extremos de radicalização, mas que a liderança carismática do Comandante sempre soube contornar nos planos político e eleitoral.
Com Chávez e depois de Chávez o panorama político e social mudou significativamente na América Latina. Para trás foram ficando os tempos em que os países do sub-continente levavam tratamento previsto na doutrina americana do “pátio das traseiras”, com governos sempre tutelados pelos EUA. Por isso foram derrubados, muitas vezes de forma sangrenta, governos eleitos como os de Jácobo Arbenz (Guatemala, 1954) e Allende (Chile, 1973); ou forçadas soluções territoriais, como a separação do Panamá da Colômbia (1903), ou as ocupações das Honduras, Nicarágua, Haiti, Republica Dominicana ou Granada.
Chávez insere-se nesse movimento latino-americano de afirmação de independência e de dignidade da soberania nacional, desígnios tão queridos quanto condicionados até aos dias de hoje.
Quando muitos no Ocidente acreditavam que a queda do muro de Berlim, em 1989, e a posterior desagregação do socialismo real (Pacto de Varsóvia e COMECOM), significavam o fim do sonho e da utopia socialista (e da própria História!), a liderança de H. Chavez recolocou no centro do debate político latino-americano a força desses ideais. No Brasil de Lula da Silva e Dilma Roussef, na Argentina de Néstor e Cristina Kirchener, na Bolivia de Evo Morales, na Nicarágua dos sandinistas, no Uruguai de José Mujica ou no Equador de Rafael Correa.
Não tenho muitas dúvidas que H. Chávez irá ombrear com outros heróis revolucionários no panteão dos povos latino-americanos. Quanto à revolução bolivariana, conte-se com todas as dificuldades que se sucedem às lideranças carismáticas.