É na linguagem que se combatem as primeiras batalhas. O “Expresso” sabe-o muito bem. Nota-se isso com toda a clareza na perpetuação da utilização do termo “geringonça” para denominar o atual governo. A SIC, do mesmo universo editorial/empresarial adotou também o termo e utiliza-o, com a naturalidade de quem bebe água, nos seus serviços noticiosos.
O título de hoje na edição online do “Expresso” mostra que o jornal, a que chamam de referência, tomou, definitivamente e com toda a clareza, partido. Quando titula “Como a esquerda está a impor a agenda fraturante“, o “Expresso” — que sempre omitiu nos últimos anos a palavra “direita” quando se referiu às políticas do Governo de Passos — quer agora, por via da linguagem, colar às propostas dos partidos que apoiam no parlamento o Governo, e não inocentemente, a palavra “fraturante” como indicativo de discordância profunda da sociedade portuguesa em relação a estas questões.
Afirmar que se está a “impor” uma agenda é outro truque baixo. As propostas a debater são apresentadas por partidos com legitimidade eleitoral e parlamentar para o fazer num quadro democrático e, por isso, não se pode dizer que são impostas. Resultam sim do apoio apoio parlamentar, neste sistema representativo em que vivemos, que obtiverem.
Na verdade, não é de admirar que o jornal que sempre serviu a direita portuguesa utilize estes truque baixos. Assim como não foi motivo de admiração que nunca tivesse classificado as políticas do governo de Passos como fraturantes.
E, é inegável: essas sim, foram fraturantes.
Fraturantes nos milhares de trabalhadores que mandaram para o desemprego; fraturantes nos milhares de portugueses que enviaram para a emigração; fraturantes quando cortaram salários, subsídios de férias e de natal a funcionários públicos; fraturantes quando impuseram horários de 40 horas semanais na função pública; fraturantes quando acabaram com feriados consolidados de grande importância simbólica; fraturantes quando retiraram complementos de reforma dados a trabalhadores para os convencer a reformarem-se antecipadamente. .
Para o “Expresso” nada disto foi fraturante. Já o aborto, problema resolvido há anos, é uma causa fraturante. Para o “Expresso”, fraturante quer, aparentemente, dizer que são coisas sagradas (para a direita portuguesa) em que não se deve mexer. Pena é que não considerem sagradas as garantias de segurança de um trabalhador no que diz respeito ao seu salário e ao seu horário de trabalho, apenas para dar dois exemplos.
De futuro, quando alguém classificar o “Expresso”, ou todo o universo empresarial de Balsemão, como imprensa de referência, é melhor morder a língua duas… não, três vezes.