Cultura, Política

Alienação

cartoon de João Abel Manta que foi objecto de censura e de um processo judicial pelo fascismo, só arquivado depois do 25 de Abril

No jornal Público, no fim de semana, duas páginas eram ocupadas por um anúncio da cadeia de supermercados Continente intitulado “Em cada Concerto um Sonho”. A parceiragem é entre as mercearias grande escala do Belmiro e a alforreca cantante Tony Carreira. Com tais sócios o sonho só pode ser fedorento. O primeiro passo de dança dessa dupla de sucesso foi dado em grande estilo na avenida da Liberdade, roubada aos lisboetas com o aval do Zé que faz uma falta do raio que o parta a Lisboa.

Este prólogo faceto serve de entrada ao que está na raiz desse emparelhamento.
Comecemos pela feira onde a incontinência da hipocrisia e do cinismo poluíam aquele espaço nobre de Lisboa. É um inultrapassável desaforo os supermercados Continente bancarem a cavaleiros da Távola Redonda dos produtores nacionais. Todo o mundo sabe que as grandes superfícies, com a complacência, para não dizer com a cumplicidade dos sucessivos governos, têm obrigado a que milhares de pequenos lojistas fechem portas por incapacidade de concorrerem com os gigantes do sector.

A posição imperial a que se alcandoraram Belmiro&Soares Santos, sempre activamente apoiada por governantes subservientes, fá-los dominar mais de 50% do mercado nacional de distribuição, um caso sem paralelo na UE. Essa situação possibilita-lhes que façam gato-sapato dos fornecedores, impondo-lhes condições de fornecimento e pagamento brutais e absolutamente execráveis. Preparam-se para estenderem os seus tentáculos às pequenas lojas de bairro que subsistem, abastecendo-as em condições leoninas.

São assim os nossos empresários de sucesso!

Aqui entram os concertos de sonho. Não é coisa inocente nem despicienda. Integra-se na lógica fanática e totalitária da nova ordem do capitalismo, em que os poderes tradicionais são exercidos por megapólos económico-financeiros. Para essa nova ordem capitalista são de importância equivalente o controlo da produção de bens materiais e o dos bens imateriais. É tão importante a produção de bens de consumo e de instrumentos financeiros como a produção de comunicação que prepara e justifica as acções políticas e militares imperialistas através dos meios tradicionais, rádio, televisão, jornais e dos novos, proporcionados pelas redes informáticas, como é igualmente importante a construção de um imaginário global com os meios da cultura mediática de massas, as revistas de glamour, a música internacional nos sentimentos e americana na forma, os programas radiofónicos e televisivos prontos a usar e a esquecer, o teatro espectacular e ligeiro, o cinema mundano medido pelo número de espectadores, a arte contemporânea em que a forma pode ser substituída por uma ideia e a personalidade do artista transformada numa marca garante do valor da mercadoria artística que atravessa fronteiras. Continuar a ler

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