No jornal Público, no fim de semana, duas páginas eram ocupadas por um anúncio da cadeia de supermercados Continente intitulado “Em cada Concerto um Sonho”. A parceiragem é entre as mercearias grande escala do Belmiro e a alforreca cantante Tony Carreira. Com tais sócios o sonho só pode ser fedorento. O primeiro passo de dança dessa dupla de sucesso foi dado em grande estilo na avenida da Liberdade, roubada aos lisboetas com o aval do Zé que faz uma falta do raio que o parta a Lisboa.
Este prólogo faceto serve de entrada ao que está na raiz desse emparelhamento.
Comecemos pela feira onde a incontinência da hipocrisia e do cinismo poluíam aquele espaço nobre de Lisboa. É um inultrapassável desaforo os supermercados Continente bancarem a cavaleiros da Távola Redonda dos produtores nacionais. Todo o mundo sabe que as grandes superfícies, com a complacência, para não dizer com a cumplicidade dos sucessivos governos, têm obrigado a que milhares de pequenos lojistas fechem portas por incapacidade de concorrerem com os gigantes do sector.
A posição imperial a que se alcandoraram Belmiro&Soares Santos, sempre activamente apoiada por governantes subservientes, fá-los dominar mais de 50% do mercado nacional de distribuição, um caso sem paralelo na UE. Essa situação possibilita-lhes que façam gato-sapato dos fornecedores, impondo-lhes condições de fornecimento e pagamento brutais e absolutamente execráveis. Preparam-se para estenderem os seus tentáculos às pequenas lojas de bairro que subsistem, abastecendo-as em condições leoninas.
São assim os nossos empresários de sucesso!
Aqui entram os concertos de sonho. Não é coisa inocente nem despicienda. Integra-se na lógica fanática e totalitária da nova ordem do capitalismo, em que os poderes tradicionais são exercidos por megapólos económico-financeiros. Para essa nova ordem capitalista são de importância equivalente o controlo da produção de bens materiais e o dos bens imateriais. É tão importante a produção de bens de consumo e de instrumentos financeiros como a produção de comunicação que prepara e justifica as acções políticas e militares imperialistas através dos meios tradicionais, rádio, televisão, jornais e dos novos, proporcionados pelas redes informáticas, como é igualmente importante a construção de um imaginário global com os meios da cultura mediática de massas, as revistas de glamour, a música internacional nos sentimentos e americana na forma, os programas radiofónicos e televisivos prontos a usar e a esquecer, o teatro espectacular e ligeiro, o cinema mundano medido pelo número de espectadores, a arte contemporânea em que a forma pode ser substituída por uma ideia e a personalidade do artista transformada numa marca garante do valor da mercadoria artística que atravessa fronteiras. Continuar a ler