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Lisboa, Sociedade Anónima

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Nas últimas semanas o vereador Manuel Salgado e o pelouro do Urbanismo da cidade de Lisboa têm sido objecto de várias notícias, com algumas acusações graves feitas em entrevistas pelo ex-vereador da Mobilidade Urbana, Fernando Nunes da Silva, e por Manuel Maria Carrilho, que recupera algumas que tinha inscrito no seu livro Sob o Signo da Verdade, em que pretende justificar o falhanço da sua candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Acusações, verdadeiras ou falsas, que irão obrigar naturalmente Manuel Salgado a justificar-se perante as investigações que obviamente irão acontecer. O vereador responsável pelo Urbanismo da capital nos últimos onze anos tem um sólido percurso técnico nessa área, pelo que não parece verosímil que se tenha deixado enredar noutras malhas que não aquelas com que tem tecido a cidade e traçado o seu futuro, dispondo de um poder que não se compara com o de nenhum outro vereador pós-25 de Abril. É no seu gabinete que se desenha uma Lisboa que ficará irreconhecível, que é objecto de uma devastação pela alienação dos bens públicos e por uma especulação imobiliária de que detém os fios, uma Lisboa Sociedade Anónima que destrói a ideia de cidade como espaço aberto à vida social e à vivência democrática. Essa é a questão central.

Depois dos consulados de Abecassis, Santana Lopes e Carmona Rodrigues, com os abranhos plantados no urbanismo e nas comissões de urbanismo da Assembleia Municipal, em que Lisboa foi abandonada a erráticos interesses imobiliários que a poluíram de retalhos de tralhas urbanísticas, a cidade, com a entrada de Manuel Salgado, primeiro na vereação presidida por António Costa e depois na de Fernando Medina, começou a adquirir uma identidade de sentido único, plasmada nos instrumentos urbanísticos que desenhou, invariavelmente aprovados pelo PS, PSD e CDS, que a estão a tornar irreconhecível e que têm um conteúdo ideológico alinhado com os modelos de cidades neoliberais, os quais realmente existem, por mais que se queira equacionar o rigor dessa expressão.

Com Manuel Salgado, Fernando Medina é um berloque de ideias feitas em que as originais são assim-assim e as boas são sacadas de outras paragens quando são úteis para se integrarem no modelo que o seu poderoso vereador do urbanismo está a construir, Lisboa é uma cidade-empresa entregue à especulação imobiliária, em que as intervenções que valorizam o seu tecido urbano são uma mais-valia, num processo de transferência do bem público para os interesses privados.

Um puzzle bem montado em que as peças se encaixam na perfeição numa cidade em que o pensamento único é o preço por metro quadrado, com a multiplicação de hotéis, apartamentos de luxo em condomínios de preferência fechados, o bullying consumista que a despersonaliza identificando-a com o modelo da cidade-objecto que ataca como uma térmita outras cidades mundo fora museificando-as, tomando-as de assalto por um turismo selvagem que destrói mesmo o valor do turismo, que atira os lisboetas para fora da sua urbe.

Em curso, em acelerada velocidade de cruzeiro, um projecto político de mercantilização da cidade e do espaço público. Um puzzle em que nada é deixado ao acaso, em que o poder político se entrega cegamente ao mercado porque, como afirmou Manuel Salgado, «não cabe aos poderes políticos colocar entraves ao livre funcionamento do mercado». Tudo corre como na canção de Caetano Veloso, «tudo em volta está deserto, tudo certo como dois e dois são cinco». Dois e dois seriam cinco no plano de expansão do metro com a linha circular verde, se bastante antes desse plano ser viabilizado, por acordo entre o PS e BE, Manuel Salgado não tivesse explicado numa entrevista ao Idealista ( 09/07/2014) que a avenida 24 de Julho não seria o novo Parque das Nações: «Se calhar não. Tem vantagens de localização ainda melhores: tem a mesma relação com o rio, é virada a sul em vez de ser a nascente e está mais perto do centro. É uma área que tem um potencial de valorização muito grande». Lá vai a expansão do metro, por mais complexos que sejam os problemas técnicos e os custos a ela associados, contribuir decisivamente para cumprir a visão mercantilista do vereador, a base do planeamento neoliberal que desenhou e continua a desenhar sem uma hesitação. Afinal, na linha verde circular do metropolitano, dois e dois são quatro, favorecendo a especulação imobiliária que fará esplender a avenida 24 de Julho.

Lisboa requalifica-se enquanto cresce como deserto para os lisboetas, obrigados a abandonar a sua cidade pela subidas significativas dos preços da habitação, tanto de arrendamento como de habitação própria, pelas insuficiências dos transportes públicos, pelas taxas com que a autarquia os sobrecarrega.

Sucessos recentes mostram como esse caminho continua a ser trilhado seguramente pelo supervereador, o qual, depois da revisão do PDM em 2012, por acordo entre o PS e o PSD – central no projecto político de mercantilização da cidade – vai alterando projectos de urbanização, planos de pormenor e outros instrumentos de gestão urbana que possam colocar em causa os interesses imobiliários em colisão com o interesse público da cidade. É o caso da Torre das Picoas, onde durante vários anos se restringiu a construção de um edifício naquele terreno a apenas sete andares, para agora autorizar a construção de 17 pisos. Tudo evidentemente legal, quando se tem o poder de alterar as ferramentas de gestão urbana.

É essa capacidade que deve inquietar como inquietou Helena Roseta, que enviou um conjunto de perguntas a Manuel Salgado sobre a desafectação de fins de utilidade pública de oito edifícios: a Fundação Oriente, na Rua do Salitre; o Regimento de Sapadores Bombeiros, na Praça da Alegria; a Autoridade Nacional de Proteção Civil, na Rua Câmara Pestana; a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Lisbonenses, na Rua Camilo Castelo Branco; o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, na Rua de Santa Marta; o Cinema Olympia, na Rua dos Condes; a EPAL, na Avenida da Liberdade; e os CTT – Correios de Portugal, na Rua de São José. São negócios que envolvem milhões de euros. Helena Roseta reconhece estar de mãos e pés atados, sejam ou não respondidas as questões que colocou: «podemos discutir, mas não podemos decidir». Quer saber «o que significa esta desafectação em termos de mais-valias para os proprietários e que contrapartidas poderá haver para a cidade». Esse é o lado para onde Manuel Salgado melhor dorme.

Até porque a presidente da Assembleia Municipal (AM) garante que a proposta aí apresentada por Manuel Salgado, aprovada numa reunião de Câmara, em Julho, e depois remetida para a AM «está correcta, de acordo com a lei e não tem nenhuma irregularidade», acrescentando que «a lei não exige aquilo que eu pedi, simplesmente acho que temos de pedir isto por uma questão de sabermos o que estamos a decidir. Faz parte das funções de fiscalização política de uma assembleia municipal, pedir este tipo de fiscalizações». (…) «No fundo é um escrutínio político, estão a pedir-nos uma decisão que vale muitos milhões. Será que isto implica algumas contrapartidas para a câmara, será que há algumas alterações ali para a zona? Não podemos tomar decisões destas assim de ânimo tão leve».

Ânimo leve é algo desconhecido por Manuel Salgado que a escrutínios políticos diz nada, basta-lhe alterar o Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Envolvente (PUALZE), porque, na sua óptica «a CML pode e deve promover a alteração do respectivo instrumento de gestão territorial com vista à redefinição do uso do solo, quando, por iniciativa dos respectivos titulares (proprietários, locatários), os imóveis anteriormente afectos a fins de utilidade pública sejam materialmente desativados dessa finalidade e se verifique a sua fraca ou inexistente aptidão para acolher novos equipamentos, quer em razão da sua localização no tecido urbano, quer pelas suas características intrínsecas».

Nem é preciso fazer um desenho: «a Lisboa Pós-Salgado não é ficção: é uma cidade pensada a preço por metro quadrado, como um realista tabuleiro de monopólio, pronto a servir para a monocultura de hotéis e luxury apartments»1.

Há uma revolução em curso em Lisboa que provoca enorme ansiedade em Medina, que vive alegremente sobressaltado pelo agressivo marketing urbano que comanda o planeamento e a gestão de Lisboa provocando «um momento de dinamismo, vibração, energia, inovação, ânimo, polaridade positiva como não me lembro de alguma vez acontecer». Uma proclamação de pensamento positivo tipo Paulo Coelho, enquanto se senta na primeira fila a aplaudir o espectáculo do seu supervereador do urbanismo, que é quem de facto preside aos destinos da cidade, a guilhotinar o direito à cidade com uma eficácia que deve fazer rebolar de inveja os seus antecessores durante o Terror Vermelho na Revolução Francesa.

O que está a acontecer em Lisboa é a liquidação do direito à cidade, à imagem e semelhança do que se passa noutras cidades, naquela que é uma das piores regressões históricas caldeadas pelo triunfo do pós-modernismo e do pensamento único, em que elas se esvaziam dos seus habitantes, vitimizados pela monocultura do turismo e da especulação imobiliária. Os seus mentores entrincheiram-se na grande falácia de as cidades ou ficarem confrontadas com a sua estagnação e degradação, em que supostamente se suicidariam ou, para se salvarem, teriam de se entregar ao mercado, ao marketing económico-urbano que rasga um caminho de sentido único que de facto as mata enquanto cidades, sujeitando-as a um modelo global em que ficam iguais nas suas dissemelhanças.

Um modelo que se apodera dos seus centros vitais, expropriando-as da sua essencialidade enquanto centros de vida social, política, cultural e económica, o que fazia delas centros irradiantes de pensamento.

Em «A Lisboa Pós-Salgado 2007-2017», Ana Jara, Caderno Vermelho n.º 25, Setembro de 2017. Nesse mesmo número ler também «Lisboa-O Direito à Cidade», João Ferreira; e «Arquitectura, Cidade, Neoliberalismo», Filipe Diniz.

(publicado em abrilabril https://www.abrilabril.pt/)

fantasma do marquês

O Fantasma do Marquês, João Abel Manta, desenho a tinta da china sobre fotografia, Abril 1970

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Cidade-Empresa, Cidade-Neoliberal, Geral, lisboa, urbanismo

Um Outro Olhar Sobre Lisboa

 

 

 

 

LISBOA Rua AugustaLisboa tem sido nos últimos anos centro de uma transformação em linha com o conceito das cidades neoliberais, a Cidade-Empresa em que o que interessa não é a cidade nem os seus cidadãos, mas o seu encanto para atrair os grandes interesses privados e os lucros que gera. É a cidade projectada e de facto comandada por Manuel Salgado, que muito excita o putativo presidente da autarquia a pregoar embevecido “o momento de dinamismo, vibração, ânimo, polaridade positiva” e mais umas tantas patacoadas pacóvias exaltando uma cidade de que os lisboetas são progressivamente excluídos. Como Ana Jara (*) bem sublinhou “a Cidade-Empresa não é apenas uma mudança administrativa nem o decalque de um modelo de gestão e operativo, como poderiam argumentar os que o preconizam. É o propósito e a ideia de Cidade e de Poder Local que vão sendo redefinidos nesta teia de sobreposição de interesses. A construção da Cidade Neoliberal apodera-se dos poderes públicos locais.” Essa ameaça bem real paira sobre Lisboa, disfarçada por uma intensa maquilhagem que alegra a paisagem, para lisboetas e sobretudo turistas verem, enquanto as transformações de fundo seguem o seu curso, avolumam os problemas dos alfacinhas.

Lisboa é uma cidade antiga e magnifica que sofreu ao longos dos séculos vários sucessos em que é central a reconstrução pós-terramoto de 1755, decidida pelo Marquês de Pombal que teve a visão de eleger o projecto de Eugénio dos Santos a que se sucedeu Carlos Mardel. Outras intervenções urbanísticas tiveram o mesmo rasgo. Exemplo o urbanismo progressista das Avenidas Novas quando Lisboa se expandiu para norte, projecto de Ressano Garcia, autor de outras intervenções urbanas marcantes: Campo de Ourique, Bairro Barata Salgueiro, Bairro Camões, Bairro da Estefânia, Avenida 24 de Julho. Outras acções poderiam ser referidas por se destacarem da tralha urbanística dominante.

A história da evolução da cidade pode ser visitada com proveito no Museu de Lisboa, no Campo Grande e de certa maneira no Lisbon Story Center, no Terreiro do Paço (é irritante este provincianismo da titulagem anglo-saxónica que nos invade ruidosamente, veja-se o serviço público da televisão perante o silêncio de um ministro que se diz defensor da língua portuguesa).

Há sempre mais para ver e descobrir em Lisboa, sobre Lisboa. É o caso da exposição 22 Cidades Iberoamericanas e Lisboa: um diálogo urbano-arquitectónico. (**). Na sua base registos fotográficos que o arquitecto, estudioso e investigador da história da arquitectura, José Manuel Fernandes fez durante trinta anos. É uma selecção de imagens, executadas em várias cidades de países iberoamericanos, organizadas por áreas geográficas: Norte e Mesoamérica, Caribe, Brasil, Cone Sul e Península Ibérica / Ilhas Atlânticas. São vinte e duas as cidades visitadas pelo autor, apresentadas e analisadas em sistemática comparação com Lisboa.

Cada imagem, uma para cada cidade iberoamericana e a sua relação específica com Lisboa. é apoiada por um texto temático tendo em anexo dados essenciais de cada urbe: data fundacional, população atual, valores patrimoniais. Situa-se assim Lisboa, uma cidade que afirmou o seu cosmopolitismo na época dos descobrimentos, no mundo ibero-americano como cidade-irmã dessas outras urbes nas complexidades dos seus espaços, nas diversidades das suas formas arquitetónicas. Uma outra forma de olhar para Lisboa e de revelar a sua presença no mundo. É uma exposição a ver, que escapa à pletora dos circuitos turísticos, um singular roteiro turístico no seu anti turismo.

 

(*) A Lisboa Pós-Salgado, 2007-2017, Ana Jara, Caderno Vermelho 25, setembro 2017

(**) Casa dos Mundos, Rua Nova da Piedade 66, até 31 de dezembro

(publicado em Avante! 2289, 12 outubro 2017)

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autarquias, Política, urbanismo

MITOS URBANOS

imagens urbanasEm 2006 realizou-se em Setúbal um Encontro para análise do “momento difícil para o setor da construção civil e para o país”.

Era, então, já muito notória a crise económica do setor da construção de edifícios habitacionais. Houve quem tivesse registado a sua presença alguns anos antes.

O município de Setúbal foi, nesse evento, muito criticado e apontado como responsável pelo facto de a cidade estar “adiada e sem estratégia”.

Um dos intervenientes da AECOPS teceu várias reflexões em torno das alegadas responsabilidades municipais e, designadamente, acerca dos prazos dos processos.

Tentei esclarecer aquele responsável acerca dos seus erros de análise e, sobretudo, de que o fundamental do problema não estava no município, mas não fui escutado.

Só muito mais tarde foi percecionado pelos responsáveis do setor que a crise não tinha que ver com os ritmos municipais, embora pudesse haver melhorias. Em Setúbal e no resto do país.

Apesar de tudo não desistiram enquanto não conseguiram ver as demagógicas “soluções” do “licenciamento zero”, do “urbanismo na hora”, dos processos desmaterializados em plataformas internéticas, etc., materializados na lei. Isso, e os PIN.

Quando se percebeu que o problema era muito grave (em 2002 construíram-se 125 603 fogos e, em 2010, apenas 43 000), passou-se à propaganda dos “novos” paradigmas: a reabilitação/regeneração, a necessidade do mercado de arrendamento urbano e a construção de casas para os reformados do centro e norte da Europa.

Os órgãos de comunicação social, através de publicidade paga travestida de notícia, encheram-se de extraordinários discursos sobre o milagre que aí viria.

Pergunta-se: será possível refletir e debater esta matéria de uma forma racional e séria?

Não há qualquer dúvida acerca da importância económica e social que o setor da construção teve e tem no país.

Também se conhece a grande implantação do setor da atividade imobiliária e, um outro, diferente, o da promoção imobiliária, que se mantiveram em alta até muito recentemente.

Estes setores, por vias diferentes, estão muito ligados à atividade da banca comercial e, também, da banca de investimento.

Entretanto, devido ao prolongado ciclo de especulação imobiliário-financeira neoliberal, também em Portugal isto determinou um colapso. Embora não tenha havido uma “bolha imobiliária” característica, assistiu-se entre nós a uma lenta agonia.

No rescaldo sabe-se da existência de imparidades imobiliárias (ativos tóxicos) que instabilizam alguns dos bancos portugueses. E centenas de milhares de desempregados. E milhares de famílias sem poderem pagar as casas.

As grandes empresas procuram novos negócios no estrangeiro. O grande problema é o dos pequenos e médios. E dos setores a montante.

Contudo, o fundamental da regulação urbanística e do ordenamento do território, com o quadro legal existente, não está, de facto, nas mãos dos municípios. Isto pode parecer inverosímil mas não é. O legislador político assim o quis.

A regeneração/reabilitação das cidades é vital. Sabe-se desde há muitos anos. Mas, não é fácil de concretizar, e, sobretudo, não é uma varinha mágica. E, quando o faz, normalmente arrasta consigo a gentrificação.

Muito se tem falado também na necessidade de haver um mercado de arrendamento urbano e de que, para isso acontecer, seria necessário liberalizar as rendas.

Está aí o resultado: será com rendas de 700 a 1000 euros por mês que “os jovens deixam de comprar casa de forma prematura”?

Seria bom que não se tentasse resolver o problema através da propaganda de mitos urbanos, principalmente quando resultam da manipulação apressada das realidades de outros países.

As políticas públicas nacionais dos países europeus relacionadas com a habitação variaram muito nas últimas décadas, nomeadamente desde 1945.

Se verificarmos o que tem vindo a ser a política de habitação na Europa, ou melhor, em distintos países europeus, através de uma análise comparada da intervenção dos diferentes governos nos mercados de habitação em 18 países com diversas realidades geográficas, históricas, e com diverso tipos de políticas públicas político-sociais, veremos que existem, quanto à forma de posse do imóvel, quatro grandes tipos de atuação possível no setor da habitação, isto com referência temporal em 1995:

a) Países onde a habitação era garantida de forma preponderante através do arrendamento privado (Suíça, Alemanha, Luxemburgo e Bélgica)

b) Países onde a habitação era garantida através do arrendamento social num nível acima da média europeia (Países Baixos, Áustria, Suécia, Dinamarca e França)

c) Países onde é predominante a habitação ser garantida através de casa própria adquirida no mercado privado com recurso massivo a empréstimos hipotecários (Irlanda, Espanha, Finlândia, Portugal, Grécia, Itália, Reino Unido e Noruega),

d) Países onde a política da habitação se encontra em transição de uma forma de gestão baseada no planeamento central para o mercado liberalizado (República Checa, Polónia, Hungria, etc.,).

Em 1995, os países onde o arrendamento privado preponderava eram a Suíça, Alemanha, Luxemburgo e Bélgica. Entre os países do sul, nos quais se privilegiou a compra, era, apesar de tudo, Portugal que tinha maior relevo na habitação alugada.

Já o arrendamento social, num nível acima da média europeia, verificava-se nos Países Baixos, Áustria, Suécia, Dinamarca e França. Sintomático.

O nível de construção anual de alojamentos, novos e reabilitados, indicado para o parque habitacional que temos e em concomitância com a demografia, situa-se à volta dos 50 000.

É nesse nível que deveremos calibrar o nosso poder produtivo.

Nota: Este artigo foi publicado numa versão reduzida no Sem Mais em 23 de fevereiro

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Cultura, Internacional, urbanismo

Niemeyer criticado por Raquel Varela!

niemeyerNão sou arquiteto nem conheço – no verdadeiro sentido do termo – a obra de Niemeyer.

Ou seja, para além dos três ou quatro edifícios de sua autoria que tive a oportunidade de ver, entre eles o Pestana Casino Park, na cidade do Funchal, um bom edifício projetado em 1966, tudo o restante é feito de conhecimento por texto ou imagem.

Mas, de uma coisa estou seguro, Óscar Niemeyer, arquiteto, ou designer de logótipos de cimento como agora alguns pretendem, não foi um planeador urbanista ou, num sentido mais objetivo, um construtor de cidade. Muito menos promotor imobiliário.

Aliás, desde logo em Brasília, onde o arquiteto tem 50 edificações institucionais que mais parecem esculturas nas suas formas curvas e retas, é necessário perceber que quem planeou a cidade foi Lúcio Costa.

“Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu País, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o Universo – o Universo curvo de Einstein”, disse o autor.

Sim, de fato, Niemeyer, devido às formas dos seus edifícios, teve que recorrer preponderantemente ao betão armado. E depois? Será justo e sério dizer-se, como o faz Raquel Varela aqui https://www.facebook.com/#!/profile.php?id=1085430783&fref=ts , que Niemeyer “foi apenas um betonador notório que produziu uma cidade invivível e incorporou todas as distorções e flagelos que o capitalismo industrial infligiu sobre os nossos modos de habitar e construi”? Não me parece. Além de que, no plano científico, é uma falsa afirmação.

Se quiser eu digo-lhe quem, como e porquê deu origem e perpetuou o “flagelo do betão, do zoning e dos subúrbios”. De certeza, não foram arquitetos, nas suas funções profissionais, que o determinaram, porque, como dizia o brasileiro aqui analisado “Mais importante do que a Arquitetura é estar ligado ao mundo. É ter solidariedade com os mais fracos, revoltar-se contra a injustiça, indignar-se contra a miséria. O resto é o inesperado; é ser levado pela vida”.

E, depois, sabe, o betão não tem culpa nenhuma, assim como a não tiveram as pedras dos castelos, catedrais ou das casas dos povos do norte português, os bambus das construções lacustres e dos andaimes de Hong-Kong, ou, ainda, o vidro e aço de Nova Iorque e do Dubai.

Pelo pouco que conheço de Niemeyer e da sua longa história parece-me que, sobre ele e sua obra, se poderá dizer muita coisa, mas, que se “disfarçou de comunista ou de esquerda para desenhar o crescimento suburbano exponencial do capitalismo”, é não apenas delirante, mas quase difamatório.

Pelo menos até prova em contrário.

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