Setúbal

Somos pobres e pequenos ou não?

Nem pequenos, nem pobres; nem ricos, nem grandes. Será esta a melhor resposta para a pergunta do título.

Vem isto a propósito de, nestes tempos de pré-campanha eleitoral, a principal estratégia de quem disputa o poder camarário parecer ser a do menosprezo por Setúbal, ou, dito de outra forma, o apoucamento do que é a cidade e o concelho.

A estratégia narrativa é clara e básica: Setúbal precisa de ser mesmo a grande cidade que é, porque não é uma pequena cidade, dizem uns; outros, recuperando uma velha ideia, querem que Setúbal volte a ser o terceiro concelho do país, seja lá o que for que isso significa. Dizia-se, era eu miúdo, que éramos a terceira cidade do país, depois de Porto e Lisboa, ainda que a afirmação não estivesse minimamente ancorada em quaisquer dados estatísticos ou sociais. Hoje fala-se em terceiro concelho do país porque, naturalmente, ficaria mal falar só em “cidade”, pois as populações de Azeitão e das Praias do Sado não haveriam de gostar de ser excluídas.

Outros dizem ainda que precisamos de mais investimento industrial, que há muito desemprego, que temos os mais baixos salários do país.

Tudo se diz nestes tempos de campanha eleitoral e de comunicação instantânea nas redes sociais e em que as opiniões valem todas o mesmo (já sei que esta última vai ser mal interpretada…)

São tempos de campanha eleitoral e tudo parece valer. O problema é que o rigor dessas afirmações não resiste minimamente quando confrontadas com dados estatísticos oficiais.

De acordo com o Pordata (dados de 2018), por exemplo, o ganho médio mensal no concelho de Setúbal é superior em 14 euros à média nacional (Setúbal – 1181; Nacional – 1167). No Montijo, o ganho médio mensal é claramente inferior à média nacional, situando-se nos 1009 euros; o poder de compra per capita em Setúbal é também superior à média nacional (dados 2017), sendo de 107,5. O mesmo indicador é bastante inferior no Montijo, onde, no mesmo ano, se situou nos 99,2, ou seja, abaixo da média nacional (100).

Se faço comparações com o Montijo é porque já houve por aí um candidato a presidente da Câmara que as fez antes. Nem sequer é por ser um município governado pelo PS. Podia ser, mas não é…

No desemprego, sempre apregoado como uma das maleitas setubalenses (já o foi, de facto), vale a pena olhar para as estatísticas mensais concelhias do IEFP. O que se verifica é que, depois da subida dos números em 2020, se assiste já a uma clara retoma do emprego no concelho. Se tomarmos como referência o mês de maio, o último em 2021 em que já existem números disponíveis, constataremos que o número de desempregados no concelho era de 4910. No ano anterior, em 2020, em plena pandemia, esse número era de 5600 e em 2019 era de apenas 3209.

Setúbal é, aliás, um dos concelhos da península onde a redução do desemprego de 2020 para 2021 é mais rápida e acentuada.

Poderá haver muitas leituras para estes números, mas o que parece claro é que o concelho está a recuperar com alguma rapidez em matéria de emprego. E por que será? As políticas municipais na qualificação urbana do concelho, na atração de turismo e de investimento não terão também responsabilidade nesta retoma? Importante também é constatar que os investidores mantém as suas intenções de aqui manterem os seus projetos.

Importa ainda destacar que Setúbal é o concelho da península onde se assistiu a menor desinvestimento nos setores industriais, onde, aliás, se nota até um dinamismo assinalável, por exemplo, na Sapec Bay, na instalação de novas empresas no Blue Biz, ou até com a vinda da fábrica da Laser, um dos maiores produtores mundiais de embarcações de vela ligeira.

Este é, no entanto, o concelho em que, a acreditar no que diz por aí, há mais desemprego, onde se ganha pior, onde só há emprego no turismo, embora, ainda de acordo com os dados do Pordata, o setor com mais pessoal ao serviço fosse o das indústrias transformadoras, com 17,2 por cento. Por tudo isto, quando alguém por aí alegue que somos uma cidade pequena, que devemos é ser o terceiro concelho, desconfie e mande-os ver os dados oficiais que eles não desconhecem, mas que não lhes dá jeito falar deles.

E não, não somos pequenos nem grandes. Somos apenas Setúbal e isso já é muito.

https://www.pordata.pt/Municipios

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autarquias, Geral, PSD, Setúbal

Lições de (in) coerência para memória futura

“Não há nenhum comboio a apanhar para as legislativas nem para as europeias. Não há, a minha paragem é esta, não é mais nenhuma. Eu estou por aqui, não escolhi outro apeadeiro. Se, porventura, possa, ou não, ficar apeado em futuras eleições autárquicas, meus caros, ainda falta muito e não sei quantos de vós ou eu ficarão, ou não, apeados, porque, hoje em dia, dois anos e tal na política é muito tempo, mas não tenho outras paragens. Não tenho mesmo. A minha agenda é local e tem a ver com Setúbal, com a minha terra, porque eu gosto. É o meu gosto fazer política local e não é mais nenhum outro. Posso dizer isto com toda a segurança, porque, sempre que me convidam para qualquer outra lista, qualquer outra situação, peço sempre para ir bater lá para o fundo, como foi nas europeias. Portanto, a minha lógica é mesmo local.”

Nuno Carvalho, vereador do PSD na Câmara Municipal de Setúbal, na reunião de câmara de 5 de junho de 2019, em declaração proferida um mês antes de ser anunciado como cabeça de lista do PSD pelo distrito de Setúbal às eleições legislativas de outubro de 2019. Em entrevista ao jornal “O Setubalense” publicada no dia 17 de julho, quando questionado sobre se se “sente à altura de ocupar” o lugar de deputado, respondeu: “Demorei segundos a dizer que sim ao presidente do partido“, que, neste caso, é Rui Rio, vencedor da disputa interna a Santana Lopes, o candidato à liderança social democrata que foi apoiado pelo agora candidato a deputado nas eleições internas do PSD. O mesmo Nuno Carvalho que, em outubro de 2017, “O Setubalense” indicava como subscritor de um manifesto em que se garantia que “Pedro Santana Lopes é a única personalidade com condições de unir o PSD e motivar as bases para os importantes combates que se aproximam“.

Nuno Carvalho foi o candidato do PSD à Câmara Municipal de Setúbal que obteve, nas eleições autárquicas realizadas desde 2001, o pior resultado deste partido.

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Artes, artes visuais, Cultura, Guilherme Parente, Júlio Pereira, João Hogan, Sérgio Pombo, Setúbal, Teresa Magalhães, Virgílio Domingues

5+1 , uma Constelação de Artistas

da esquerda para a direita: Virgílio Domingues, Teresa Magalhães,Júlio Pereira, João Hogan, Guilherme Parente, Sérgio Pombo

Em Setúbal, na Galeria Municipal do 11, um colectivo de seis artistas, que iniciou a sua actividade em conjunto nos anos 1976 e esteve activo até o princípio dos anos 80, revive esse passado decorrido quase meio século. Eram os 5+1. Quatro ainda estão vivos, três bastante activos.

Descodifique-se 5+1. Nos géneros artísticos são cinco pintores e um escultor. No género, são cinco homens e uma mulher. Na política estão na esquerda, cinco pluralmente mais à esquerda, um assume deslocação mais moderada para o centro. Nas opções estético-artísticas o que os une é aparentemente nada. Há mesmo situações limite. Sérgio Pombo nunca pintou uma paisagem. A figuração humana, sobretudo a feminina, é o núcleo do seu trabalho, atravessa todas as experimentações da sua obra plástica mesmo quando está ausente ou quando adquire volume numa forma escultórica suporte da pintura libertada dos limites da tela. João Hogan coloca-se no extremo oposto. A figuração de pessoas ou objectos vai desaparecendo na sua pintura até se apagar completamente na arquitectura dos silêncios obsessivos das suas paisagens, que procuram infatigavelmente um estado primordial em que a vida é uma pulsação subterrânea de ventos invisíveis que as vão moldando. Se ambos parecem encontrar-se por recusar contar histórias, sequer enunciar uma narrativa, por ambos explorarem uma pulsão sensual que fere o olhar de quem olha as suas obras, voltam a ter atitudes diametralmente opostas porque enquanto Hogan tem uma ostensiva indiferença, uma quase hostilidade às correntes estéticas internacionais e seus ecos regionais, Sérgio Pombo faz incursões variadas com tal sucesso que o colocam, em várias situações e vários contextos, na linha da frente das artes nacionais e mesmo internacionais.

Entre estes dois pontos, que se podem considerar extremos, situam-se os outros artistas, Guilherme Parente, Júlio Pereira, Teresa Magalhães, Virgílio Domingues, assim por ordem alfabética.

Guilherme Parente é um narrador impossível de deter. Cada um dos seus quadros, desenhos ou gravuras é, desde o primeiro que mostrou até ao próximo que ainda não pintou, uma história para se decifrar, uma história que aconteceu ou está para acontecer, por onde a mão do pintor viaja carregada de lirismo, sem nunca encontrar um ponto final mesmo quando o artista dá a obra por acabada. Em todos os quadros de Guilherme Parente há a deslumbrante incompletude de um caminho que se faz caminhando sem nunca se desviar por uma vereda.

Júlio Pereira, caldeireiro de profissão, o Júlio Pintor de Arte do Montecarlo e da Brasileira, chega tarde, aos quarenta anos, à pintura onde faz explodir uma energia contida durante décadas, sendo o seu primeiro tema recorrente as mulheres, pintadas de todas as formas a tinta-da-china, óleo ou pastel, que subitamente desaparecem para dar lugar à mais rigorosa e icónica abstracção.

Teresa Magalhães tem um universo muito próprio e particular por onde obstinadamente deambula sem nunca se perder nas múltiplos caminhos que percorre. A sua pintura é sempre passado, presente e futuro e todos os saberes que vai colhendo em cada uma das suas experimentações, do neo-figurativismo ao abstraccionismo, acrescentam valor no quadro que irá pintar. Na pintura de Teresa Magalhães se nada se perde também nada se repete, é um acto de permanente criação e renovação. É o percurso fascinante de um trabalho sem quebras, em que a pintora se reencontra constantemente para se reinventar sem um traço de fadiga.

Virgílio Domingues estende uma fina e sofisticada rede de escuta sobre o mundo para decifrar o argumentário dos protagonistas da comédia humana dos etecéteras passados presentes e futuros. Contrariando o que eles querem, Virgílio não lhes perdoa. não leva esses actores a sério, mas torna dramaticamente sérias as situações que protagonizam. Inicialmente as suas esculturas registavam os momentos, as circunstâncias, os seus intervenientes. Progressivamente torna as situações menos reconhecíveis, os protagonistas mais personalizáveis em anatomias que se decompõem sem que nenhum traço as humanize, para que os personagens quanto menos forem identificáveis mais transpirem a abjecção do seu poder social. Paralelamente o escultor ironiza sarcasticamente a estatuária comemorativa que invade o espaço público com figurações academizantes, sejam figurativas ou abstractas. Um trabalho em contínuo, que se foi depurando formalmente sem nunca se desviar do seu norte.

São estes seis artistas, tão diversos entre si, que decidem organizar-se em grupo para realizar várias exposições. O que os une, além da amizade, é a pulsão da arte, o serem artistas que dispensam adjectivos, o percepcionarem que o seu trabalho individual adquiria densidade e singularidade em cada um desses encontros. Paradoxalmente enquanto entre eles, nessas exposições colectivas, é cada vez menos possível definir uma tendência mais geral que os relacione, tornava-se cada vez mais impressivo que o trabalho de cada um ampliava, e muito, o que se podia fazer com as artes visuais. Esse é o grande impacto dos 5+1 no panorama das artes nacionais.

As exposições dos 5+1 foram um percorrer de caminhos que se iam descobrir progressivamente mais distintos, em que todos eles se afirmavam para se confirmarem na história contemporânea de arte portuguesa, o que os colocam entre os mais significativos das suas gerações.

Os 5+1 revisitados estarão na Galeria do 11, em Setúbal, até ao dia 30 de março

(publicado em AbrilAbril, 3 de março 2018)

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Geral, Setúbal

Unidade de Saúde Móvel ou o problema dos médicos de família e dos enfermeiros que não existem?

Centro de Saúde de São Sebastião

A partir de hoje a Praça do Bocage passa a ter contributos de convidados sobre temas da atualidade setubalense. Tais contributos serão publicados sob o nome de Bocage, que escolhemos para podermos albergar na nossa página as opiniões de vários autores que não fazem parte do painel regular de comentadores do blogue. Não é, neste caso, um pseudónimo, mas sim um nome que permite que vários protagonistas da nossa vida local aqui deixem o seu testemunho sobre os mais variados temas*.

O contributo inaugural é de Ricardo Oliveira, vereador da Câmara Municipal de Setúbal que tem o pelouro da saúde e que, neste texto, demonstra a reduzida seriedade política da mais recente proposta do PSD setubalense.


Ricardo Oliveira
Vereador do pelouro da Saúde da Câmara Municipal de Setúbal

Recentemente surgiu um título de primeira página no Setubalense/Diário da Região atribuindo aos eleitos do PSD e do PS na Assembleia de Freguesia de Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra a consideração de que a Freguesia sofre problemas de saúde pública, pois não tem um Centro de Saúde no território. Curiosa afirmação!

Os dois partidos que têm sido Governo ao longo dos anos e que são responsáveis pela ausência de respostas à população, tanto desta freguesia como do concelho de Setúbal, e de desinvestimento no SNS, em especial no seu parente pobre – os cuidados de saúde primários, como que assobiando para o ar, na proximidade de eleições para o Parlamento Europeu e Legislativas e numa altura em que o Governo PS com o apoio do PSD tentam impor às autarquias locais uma transferência de competências desadequada e sem meios, lembraram-se que, apesar do forte crescimento da Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra e das reivindicações da população da Junta de Freguesia, este território continua sem qualquer Centro de Saúde.

Navegando na crista da onda, um dos partidos da oposição na Freguesia e nos órgãos municipais – Câmara Municipal e Assembleia Municipal de Setúbal – apresentou uma proposta em sessão de câmara para a aquisição de uma unidade de saúde móvel para esta freguesia, através de protocolo a ser assinado entre a CMS e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT). Curiosa proposta!

Tudo isto foi proposto e é defendido pelos partidos que há décadas asseguram o negócio dos seguros privados de saúde e a proliferação de clínicas e hospitais privados alimentados pelo dinheiro dos funcionários públicos e pelo desinvestimento no SNS.

Ignorando o grave problema de Setúbal, incluindo da Freguesia da Gâmbia Pontes e Alto da Guerra, de insuficiência de médicos de família (cerca de 62% das pessoas inscritas no Centro de Saúde de S. Sebastião/Vale do Cobro e 64% das inscritas no Centro de Saúde da Praça de República/Beira Mar não têm médico de família), este partido inventou a fórmula mágica para assegurar cuidados médicos à população da Freguesia mais oriental do Concelho: a Câmara de Setúbal apresentaria uma candidatura a fundos comunitários (no máximo cofinanciariam 50% e não os 80% referidos na proposta); a Câmara disponibilizava um local na freguesia para apoio à população para acederem à dita unidade móvel (uma carrinha); a Câmara disponibilizava um assistente técnico para organizar o atendimento da população na dita carrinha; a Câmara forneceria o combustível e o motorista para a carrinha; e ainda, a Câmara asseguraria tudo o que fosse necessário para o funcionamento do projeto de  unidade móvel de saúde.

Dito isto, algumas perguntas ficam no ar… Quem asseguraria os médicos que não existem e os enfermeiros que não existem nos centros de saúde, nem na Unidade de Cuidados à Comunidade do concelho de Setúbal e dos concelhos de Sesimbra e Palmela que compõem o território do Agrupamento de Centros de Saúde Arrábida (ACES Arrábida)? Quem asseguraria as consultas nos centros de saúde de Setúbal para os utentes que, após consulta de enfermagem na dita unidade de saúde móvel, fossem referenciados para serem vistos por médico de família?

Tudo isto foi proposto e é defendido pelos partidos que sempre estiveram no governo e sempre tiveram a responsabilidade da saúde e do SNS. Tudo isto foi proposto e é defendido pelos partidos que há décadas asseguram o negócio dos seguros privados de saúde e a proliferação de clínicas e hospitais privados alimentados pelo dinheiro dos funcionários públicos e pelo desinvestimento no SNS.

* Sempre que a administração do blogue entender poderá utilizar o nome Bocage como pseudónimo

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Setúbal

Outra vez a Feira de Sant’iago

Imagem da Feira na noite de 2 de Agosto

A Feira de sant’iago é um tema discutido em Setúbal ininterruptamente há mais de trinta anos. Primeiro, antes de 2004, quando mudou para as Manteigadas, a discussão anual girava em torno da necessidade de retirar a feira da avenida Luisa Todi por manifesta falta de condições, quer de espaço e de circulação e estacionamento automóvel, quer de salubridade e incómodos para os negócios de restauração. Depois de 2004, a discussão foi mantida e o que se debate desde então é a necessidade de fazer regressar a feira à avenida Luisa Todi. Com o tempo, todos perceberam que não era viável esse regresso. Uns lançaram a ideia de a fazer na zona ribeirinha, outros apenas dizem que se devia era fazer no centro da cidade e ainda há mais alguns que encontraram a saída airosa de defender um referendo para ocultar as próprias responsabilidades na decisão de mudança da feira. “Somos um partido. que não cristaliza as suas posições“, foi o que disse, mais coisa menos coisa, o candidato do PS à câmara de Setúbal sobre a proposta do referendo, quando confrontado com a questão simples de saber por que razão não fez o PS tal referendo em 2001, quando estava no poder e escreveu no plano estratégico do POLIS que a feira iria mudar para as Manteigadas para se fazer o arranjo da avenida Luisa Todi. E pronto, todos os problemas relacionados com a feira ficariam resolvidos no passe de mágica do referendo local. Nada mais simples. Era só estalar os dedos e pôr os setubalenses a referendar a feira e tudo se resolveria.

Em comum têm os defensores destas teses a incapacidade de explicar como se fazia a feira no centro da cidade. Por um lado, ninguém sabe como funcionaria na zona ribeirinha, por outro ninguém diz em que outro espaço se poderá fazer a festa. Outro ponto comun é que já ninguém defende a realização da feira na avenida Luisa Todi. Ninguém mesmo.

Temos, assim, um debate artificialmente empolado apenas por puro oportunismo eleitoral, num caso, e por falta de seriedade política, noutro.

Depois da relocalização da feira em 2004 já se realizaram três eleições autárquicas e sempre a força política que promoveu a mudança venceu. Evidentemente que não se pode dizer, simplesmente, que tal representa um apoio à mudança. Porém o eleitorado sabe perfeitamente qual é a posição da CDU sobre a matéria e sempre a apoiou com o seu voto. E por que é não é exagero afirmar isto? Porque em ano de eleições o tema da feira tem sido sistematicamente transformado em tema central da campanha eleitoral e nem assim se convenceram os setubalenses a votar contra quem defende que a feira tem de ser nas Manteigadas.

O que é importante é que a Feira de Sant’iago continua a ser a mesma coisa de sempre, só que agora num espaço diferente. Além disso, sempre houve pessoas que não gostavam de ir à feira na avenida, pessoas que gostavam de ir, pessoas que iam apenas para comer a bifana, outras para ir aos carrinhos de choque, outras para ver outras pessoas, outras porque sim e outras porque não.

Pretender que há um motivo universal para ir ou não ir à feira é pura e simplesmente destituído de sentido. O que vi na noite de 2 de agosto (quarta-feira), por exemplo, foi uma feira a abarrotar de gente nos carrinhos de choque, no espetáculo do AGIR, no Seninho, na Luisinha, nas cuecas dos indianos, no frango assado do restaurante da Urra. E tenho a certeza de que vi isto, ou seja, vi muitos milhares de pessoas naquele espaço onde agora podem ir a pé as pessoas que moram ali nas redondezas, e são muitas.

O que parece é haver por aí muito preconceito social escondido por causa de a feira ser na Bela Vista, onde moram os ciganos e os pretos. O que muita gente se esquece é que ali moram muitos mais do que apenas esses.

Esta conversa da feira já cheira tão mal que muita gente já nem liga e vai lá divertir-se, alheando-se desta polémica que tem sido artificialmente mantida.

Ainda bem, porque aquela é e continuará a ser a festa de Setúbal e de todos os que dela gostam, e esses são muitos. São cada vez mais.

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Política, Setúbal

Por que é que as taxas de IMI estão no máximo em Setúbal?

Perguntas e respostas contra a demagogia do PSD

O PSD setubalense fez da taxa máxima de IMI a única bandeira política e eleitoral no concelho de Setúbal, utilizando de máxima demagogia e mantendo no mínimo os esclarecimentos devidos para que se conheça a verdade.

Contra a demagogia, em especial a promovida pelo PSD setubalense, aqui fica um guia de perguntas e respostas para melhor entender a questão do IMI em Setúbal.

 O QUE É O IMI?

O IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis (antiga Contribuição Autárquica) é o imposto que o Estado cobra aos proprietários de imóveis e transfere por inteiro para as autarquias para financiar despesas municipais com as infraestruturas, ruas e estradas, escolas, equipamentos desportivos, parques e jardins, iluminação pública, limpeza pública e todas as despesas e investimentos que se relacionam com a administração dos concelhos.

SETÚBAL É A CÂMARA MUNICIPAL QUE COBRA O IMI MAIS ELEVADO DO PAÍS? Continuar a ler

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Setúbal

Os matraquilhos da Taberna do Luciano

 

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Antiga Taberna do Luciano, na Rua Ladislau Parreira. Foto de Maurício Abreu.

Descobri há dias esta foto a circular nas redes sociais setubalenses. A única coisa que tem de interessante é retratar um tempo que foi o da minha infância, com os personagens que subitamente recordamos daqueles tempos das nossas vidas em que tudo parecia possível. Era o tempo em que, vindos da escola, parávamos para, ainda antes do almoço que as mães tinham já na mesa, jogar ruidosamente aos matraquilhos que estão no meio do estabelecimento de venda de tinto e branco a copo. Dez tostões, dez bolas, dois para dois e muita risota com a azelhice dos parceiros e adversários de ocasião. Os jogos prolongavam-se até se esgotarem os dez tostões que sobravam nos bolsos, ou porque não tínhamos comido a sandes na escola ou porque tínhamos poupado no bilhete da camioneta da carreira. Sempre era uma forma de adiar a pescada cozida com brócolos que as nossas mães, estranhamente, naqueles tempos tanto gostavam de cozinhar…

Era assim num tempo em que os miúdos entravam em tabernas, mas não as frequentavam. Este era um dos pretextos que nos permitia lá entrar. O outro era ir ao vinho para o almoço, tarefa reservada aos rapazes. Aquele era o reino masculino onde alguns dos membros mais agressivos da espécie ditavam todas as regras ou mesmo a ausência de lei. Já bastava que lá em casa elas mandassem e todos quisessem pensar que nelas mandavam eles. A taberna não era, por isso, o sítio mais adequado para raparigas. Isso era coisa apenas para as mulheres já adultas que nem sempre estavam dispostas a deixar o marido a fermentar na mesa onde, isolado, se destacava o mesmo copo repetidamente esvaziado.

Na rua da Taberna do Luciano – o taberneiro que, de cotovelos no balcão sorri para foto, acompanhado pelo filho, o jovem que se encontra entre o naipe de velhos tabernistas que posam sérios e compenetrados – conviviam a frutaria, a leitaria, a mercearia do César, a regataria da Elvira, mais à frente a mercearia do Botão (acho…), o relojoeiro, o carvoeiro, a loja de roupa, o estofador, o electricista e vendedor de eletrodomésticos e ainda uma panificação com alguma importância. Era a Rua Ladislau Parreira, que, com a Vasco da Gama e o Largo da Fonte Nova, eram o centro comercial do bairro de Tróino. Havia também a papelaria, a Drogaria, o fotógrafo, o Hugo Alfaiate na Vasco da Gama, a retrosaria, a farmácia e o funileiro. E havia as tabernas. Com a do Luciano eram para cima de cinco, e sempre com clientela.

Era o meu bairro. Continuar a ler

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Setúbal

As novas elites

Quem segue com mediana atenção o que acontece nas redes sociais, esse ecossistema permanentemente em fogo, sabe que é lá que vivem os seres mais perfeitos, capazes e competentes do planeta.

A nova elite política, artística, técnica, científica, intelectual e desportiva tem intensa vida nas redes. São os membros desta classe que conhecem, como ninguém, o que é melhor para a cidade e para o país e que identificam de imediato, sem margem para dúvidas, tudo o que está mal. A nova elite não dá opinião sobre os temas. Não. Isso é para quem nada sabe das questões. Estes especialistas sabem, de ciência certa, o que está mal, embora não saibam como o fazer bem. Sabem por onde o país e a cidade não devem ir, mas não sabem que outros caminhos devem seguir. Mas isso pouco importa aos novos elitistas. O que interessa é, a cada momento, postar sentenças sobre tudo e sobre todos. É a democracia, dizem; é a liberdade de expressão, estúpido, acusam. É isso tudo e muito mais. É, acima de tudo, a exposição da ignorância embrulhada em arrogância e, muitas vezes, em anonimato confortável.

A democracia das redes sociais é, hoje, a mais perfeita contradição com o que deve ser a democracia, um sistema em que, de preferência, todos têm informação para poderem dar opinião e decidir em consciência. Porque, na verdade, todos temos a liberdade de falar, mas também de ficar calados. É ali, nas caixas de comentários do Facebook e dos jornais, que se percebe a dimensão da desinformação em que vivemos, a fragmentação do conhecimento, a incapacidade de relacionar e procurar informações, a exuberância e atrevimento da ignorância. Os media, neste tempo de notícias falsas, de factos alternativos, de pós-verdade, também ajudam pouco. A este propósito é, aliás, interessante citar uma frase proferida há dias por um famoso ator norte-americano, a quem pediam para comentar um rumor, manifestamente falso, sobre a sua atividade política. Respondia Denzel Washington aos jornalistas que, quando não se lê jornais, está-se desinformado; mas quando se lê jornais, então aí está-se mal informado. Questionado sobre qual seria a alternativa, Denzel responde que essa é a grande questão e pergunta qual será, a longo prazo, o efeito do excesso de informação em que vivemos hoje. Um dos efeitos, para o ator, é que os jornalistas apenas querem ser os primeiros a dar a notícia, esquecendo a necessidade de ser rigoroso, ou, como ele diz, de “dizer a verdade”. A grande responsabilidade é ser rigoroso, e não apenas ser o primeiro a dar a notícia. E esta deve também ser a responsabilidade de quem comenta nas redes sociais, independentemente do nível de responsabilidade e visibilidade que tem nesses comentários.

Nunca como hoje tivemos tanto acesso à informação, às notícias. Temos canais noticiosos 24 horas por dias, sites na Internet que apenas dão notícias, jornalismo cidadão, imagens de tudo e de nada. Porém, a realidade é enganadora. Dominique Wolton, sociólogo francês considerado um dos mais destacados estudiosos das questões da comunicação, afirma que “hoje, o que é preocupante, é que há muito mais tecnologias, mas a diversidade do que é produzido e difundido é escassa. É uma espécie de falhanço: muitas tecnologias, muita informação, mas menos comunicação. Isto é um problema politico”.

Wolton classifica a Internet como “um espaço de liberdade de expressão”, mas isso, garante, “não é comunicação. Comunicação é o recetor estar interessado no que diz o emissor. Posso não estar de acordo com o que diz, mas respondo, e há uma discussão. Na internet, na maior do tempo não há discussão. Cada um conta a sua vida, mas não é porque toda a gente se exprime que toda a gente comunica. Cada um está só e podemos chegar a uma situação em que há seis mil e 500 milhões de internautas autistas. Há aqui um desafio político e cultural. Ou, então, o capitalismo vai prosperar com a internet e com as novas possibilidades dos big data, a partir dos quais as grandes corporações vão ficar a saber dos gostos de cada um e dar-nos todos os programas de que gostamos no nosso smartphone”. O sociólogo acrescenta uma ideia pouco consensual, mas que merece debate aprofundado: “não existe regulamentação da internet e são precisas leis nesse sentido”.

Este é um retrato fiel do que se passa hoje nas sociedades da informação, ou melhor, da desinformação.

Convencionou-se que todos podemos e devemos comentar tudo, mesmo que pouco saibamos dos assuntos em debate. E todos nos transformamos assim em especialistas; todos ascendemos a uma nova elite capaz de opinar sobre o que quer que seja, a elite que sabe que aprofundar o canal de navegação do Porto de Setúbal é uma asneira porque sim, que sabe que fazer ciclovias é um erro porque ninguém anda de bicicleta, que sabe que David Chow, o homem que quer fazer uma marina em Setúbal, está falido porque se confunde perdas líquidas com falência, apenas para citar três exemplos retirados dos comentários que se fazem sobre a vida setubalense.

Muitos cidadãos, ansiosos por participar e ter um papel ativo na vida das suas comunidades, confundiram, irremediavelmente, o ato de cidadania que é ter opinião e manifestá-la nos locais adequados com os posts que fazem no Facebook. A democracia é bem mais exigente do que isso. Participar requer informação, exige que se emitam opiniões nos locais certos, perante aqueles que elegemos para nos governar, e não apenas nas urnas de quatro em quatro anos e, agora, no Facebook. A cidadania não se confina às redes sociais, ainda que seja forçoso reconhecer que estas redes são importantes espaços de manifestação de opinião, embora também sujeitos a sérias manipulações e distorções.

Os meios disponíveis para participar na vida das comunidades existem e nem estão distantes. Para falar apenas na vida da nossa cidade, a cidadania pode ser exercida nas coletividades, em comissões de bairro para resolver problemas concretos, nas assembleias de freguesia, nas assembleias municipais e reuniões públicas da câmara municipal. Além destes canais, há todo um mundo de possibilidades que se abrem, mesmo recorrendo aos novos media e às redes sociais, para que possamos exercer, responsavelmente, a cidadania.

Hoje, muitas autarquias disponibilizam canais de comunicação eficientes para que os cidadãos possam transmitir opiniões, ideias, reclamações. Infelizmente, assistimos a uma tremenda falta de participação nestes fóruns, enquanto assistimos à ascensão das arrogantes e ignorantes novas elites das redes sociais que se confrontam, sistematicamente, com aqueles que exercem os mandatos para os quais foram eleitos e são vistos como os incapazes desta equação.

Claro que as redes sociais são instrumentos importantes para exercer a liberdade de expressão e uma forma expedita de divulgar informação e exercer a cidadania. Mas não são a única nem a mais importante. O grande desafio dos nossos dias é sermos capazes de sair de casa, abandonar o teclado do computador ou do telemóvel e começar a participar mais ativamente, cara a cara, sem anonimato e sem medo de dar opinião, na vida das nossas cidades e sociedades.

Podemos fazê-lo na rua, na reunião de câmara, na coletividade, nos sindicatos, nos escuteiros, nos clubes de futebol, olhos nos olhos. Descobriremos, certamente, que é muito mais interessante, animado e recompensador do que apenas escrever umas coisas no Facebook…

 

PS – Já depois de publicado este texto na Gazeta Setubalense, jornal online para o qual foi expressamente escrito, lembrei-me, a propósito da última frase, desta cena do filme Ocean’s Eleven que descreve muito bem o que se passa hoje nas sociedades ocidentais, em que a realidade, mesmo que esteja ao lado ou à frente dos nossos olhos, é substituída pelas redes sociais pelas imagens, pela intermediação. Tal como no filme, preferimos cada vez mais estar sentados em frente ao ecran do computador do que participar ao vivo nos acontecimentos.

 

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Política, Setúbal

Como protestar contra a tua autarquia

volvo_logo_detailQueres protestar contra a tua câmara municipal e não sabes como?

Fácil. Segue os seguintes passos e terás grande sucesso na tua carreira profissional.

1 – Verifica que carro tem o teu autarca. É um Volvo? Estás safo. Repete no Facebook até à exaustão que o autarca tem um Volvo, ignorando que custa o mesmo que alguns Renaults e passa ao passo seguinte. Se o autarca tiver um Renault, desiste já.

2 – Verifica se há algum ganso aprisionado no jardim da cidade e assegura-te de que os patos do lago desapareceram. Se a resposta for afirmativa estás safo. Faz um post no facebook a mostrar a tua indignação, ignorando que o ganso está resguardado para ser protegido das obras que decorrem no jardim. Passas assim por grande entendido nas matérias da cidade e, simultaneamente, por grande defensor dos animais. É o dois em um. Acrescenta que o autarca anda de Volvo e que o carro deve ter sido comprado com o dinheiro da venda dos patos.

3 – Se tiver sido substituído algum bebedouro de brecha da Arrábida no jardim da cidade, faz outro post no Facebook e insinua logo que alguém abarbatou o bebedouro. Passa a chamar-lhe fonte para dar grandiosidade à coisa. O sucesso é garantido. Passas a estrela do Facebook instantaneamente, mesmo que o bebedouro tenha sido substituído porque já não oferecia as mínimas garantias de salubridade. Insinua que alguém meteu o bebedouro dentro de um Volvo e o levou para casa.

4 – Se a câmara quiser fazer mais uma rotunda, junta-te ao grupo dos que protestam contra as rotundas e acusa algum autarca de estar a meter dinheiro ao bolso com a empreitada da obra para comprar mais um Volvo.

5 – Se a câmara quiser aumentar o estacionamento, recorda sempre que o Volvo do autarca pode estacionar em todo o lado sem pagar. Ignora que o carro é da câmara e não do autarca e não faz sentido a câmara pagar estacionamento a si própria, assim como o facto de quem se desloca em trabalho ter normalmente as despesas de estacionamento pagas pelas suas empresas.

6 – Se houver um descarregamento no porto de lixo importado para tratamento numa empresa especializada, criada por iniciativa de um qualquer governo com o qual até simpatizaste, ignora este último facto e acusa a câmara de estar distraída a comprar Volvos e não ter visto passar o barco com o lixo, mesmo que a autarquia não tenha qualquer responsabilidade no licenciamento de tais empresas, não controle o tráfego marítimo e nem sequer tenha autoridade para proibir o que quer que seja nesta matéria.

7 – Se a câmara não faz obra, protesta com veemência recordando só há dinheiro para Volvos.

8 – Se a Câmara faz muitas obras, protesta com veemência, garantindo que são obras desnecessárias, assim como o Volvo do autarca.

9 – Se for asfaltada uma qualquer rua da cidade, insinua de imediato que só é feita aquela obra porque o Volvo do autarca passa muito por ali.

10 – Se arranjarem uma qualquer avenida, apressa-te a garantir que o que deviam fazer era arranjar a rua do lado, mas não o fazem porque o Volvo do autarca não passa por lá.

12 – Repete até caíres para o lado que a tua cidade tem o mais alto IMI do país, mesmo que tal realidade ocorra em mais 32 câmaras municipais, na maior parte dos casos por imposição legal. Acrescenta que deve ser para os autarcas andarem de Volvo e comprarem mais Volvos.

13 – Argumenta que o IMI só não baixa porque os autarcas não querem. Não precisas referir que até agora nunca nenhum governo se quis comprometer, preto no branco, que a Câmara da tua cidade pode baixar o IMI porque sabem que há um quadro legal que a impede de baixar o imposto e, na verdade, preferem deixar os autarcas andarem de Volvo, mas arder em lume brando.

Cumpriste todos estes passos?

Serás um profissional de sucesso no protesto contra a tua autarquia e podes começar a pensar em prestar serviços noutras cidades.

Talvez até consigas comprar um Volvo…

Nota 1– A Volvo não patrocina este texto.

Nota 2 – Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

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Setúbal

A Baixa de Setúbal está deserta…

Nunca há nada em Setúbal, a baixa está deserta, não há segurança, nunca há nada para fazer na cidade, isto é um atraso de vida, tenho medo de sair à noite, nada do que se faz presta. A Praça do Bocage até mete medo, a Rua dos Ourives é de fugir, do Largo da Misericórdia nem se fala. Já não há montras para ir ver à noite. Um deserto…

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Ala dos Namorados na Casa da Baía, no sábado, dia 17 de setembro

 

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Orquestra Metropolitana de Lisboa, no Forum Municipal Luisa Todi, onde, em quatro dias, apresentou todas as sinfonias de Beethoven

 

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Animação da baixa, durante as comemorações bocageanas

 

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Homenagem à Fadista Piedade Fernandes, na Praça do Bocage, no sábado, dia 17 de setembro

Fotos CMS

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Setúbal

Monumento à desonestidade política

Sem TítuloO grupo parlamentar do CDS-PP respondeu a uma carta de um setubalense que se tem manifestado contra o alargamento do estacionamento tarifado na cidade de Setúbal proposto pela autarquia. O texto da carta foi partilhado pelo próprio num conhecido grupo do Facebook, o que nos permite perceber que a resposta dada ao munícipe é, toda ela, um refinado e falacioso exercício de oportunismo e hipocrisia.

Recorda o CDS-PP que até é a favor do estacionamento tarifado, mas só no centro da cidade, embora mais à frente se perceba que não é bem assim. O diabo está nos detalhes…

Não é de estranhar que seja a favor. Afinal foi o parceiro de coligação do CDS-PP na câmara Municipal, o PSD, que, com o PS, introduziu, há 22 anos, a obrigatoriedade de pagar pelo estacionamento em Setúbal.

Mas adiante…

O que é verdadeiramente interessante na resposta é o parágrafo respeitante ao estacionamento tarifado em novas zonas na cidade. Escreve um funcionário do grupo parlamentar do CDS-PP, mandatado pelo líder do grupo, o deputado Nuno Magalhães, que, por acaso, até foi eleito na Assembleia Municipal de Setúbal: “Tratando-se de bairros da cidade com mais de cinquenta anos, com estacionamento privativo muito diminuto e em que devem ser salvaguardados lugares para os moradores tendencialmente gratuitos para estes moradores (principalmente para a 1ª viatura), deveremos continuar a pugnar para que a câmara não leve avante a sua intenção.”

Lá está. São os detalhes que tramam tudo.

Aqui, o detalhe é a singela palavra “tendencialmente” que, no passado, já foi usada pelos partidos de direita para retirar da Constituição da República Portuguesa o direito à prestação gratuita de cuidados de saúde no Sistema Nacional de Saúde. A CRP, antes de 1989, defendia no seu artigo 36º que “o direito à protecção da saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito”. A partir de 1989, com a ajuda do CDS-PP, o texto mudou. A CRP passou a determinar que o direito à protecção da saúde seria realizado “através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito“. E assim se abriu a porta à criação de taxas moderadoras, cujos valores atingiram, como é sabido, valores máximos no último governo em que o CDS-PP participou.

A resposta do CDS-PP é, pois, mais um gato escondido com o rabo de fora. Por um lado, garantem ser contra o estacionamento tarifado nas zonas residenciais, mas sempre vão escrevendo, para deixar ampla liberdade de escolha para futuras posições, que “devem ser salvaguardados lugares para os moradores tendencialmente gratuitos para (principalmente para a 1ª viatura)”  pelo que o CDS-PP deverá “continuar a pugnar para que a câmara não leve avante a sua intenção”.

Há que reconhecer que não é fácil escrever algo tão contraditório e falacioso. Por um lado, o partido é contra — o CDS deverá “continuar a pugnar para que a câmara não leve avante a sua intenção” — mas por outro assume que até se pode vir a cobrar o estacionamento aos moradores, porque este apenas deve ser tendencialmente gratuito, ou seja, também pode ser pago. E acrescentam algo ainda mais interessante: é que esse estacionamento só deve ser tendencialmente (“principalmente“, como está no texto) gratuito para a primeira viatura, abrindo assim a porta à cobrança pelas restantes viaturas registadas na mesma habitação.

A falácia é óbvia e obscena. Mas, na verdade, não poderia o CDS-PP defender outra coisa, pois sabe que há câmaras municipais onde partilha o poder ou onde já exerceu a presidência da Câmara em que existem sistemas que cobram o estacionamento em várias zonas, nomeadamente zonas residenciais.

Melhor teria feito o CDS-PP se tivesse guardado tal carta na gaveta. Ficamos assim a saber que são contra, mas até acham que tendencialmente deve ser pago o estacionamento, excepto para a primeira viatura.

Se isto não é desonestidade…

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Setúbal

Aldrabices

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Na troca de argumentos partidários utiliza-se muitas vezes a acusação de falta de seriedade política, embora nem sempre se entenda o que se quer dizer com tal denúncia. Há, porém, casos em que a falta de seriedade, e não apenas a política, é tão evidente que quase não é necessária qualquer explicação adicional.

Um desses casos ocorreu este fim de semana, em pleno facebook, com o PSD setubalense, abusando da distração de muitos e da nossa boa fé, a garantir que teria sido uma petição na internet por ele lançada que tinha assegurado a retirada da ordem de trabalhos da última reunião da assembleia municipal setubalense de uma proposta de lançamento de um concurso público para o estacionamento tarifado na cidade.

Rufaram tambores e ecoaram trombetas porque que o PSD teria conseguido, com uma petição online sem qualquer credibilidade quanto à validade das suas assinaturas, que o concurso fosse anulado e que nem sequer se pensasse mais na proposta de concurso público.

É lamentável que se lance para a praça pública tão grande “aldrabice”.

Claro que não foi a petição a responsável pela retirada da proposta do concurso público do estacionamento tarifado; claro que não foi o PSD que o conseguiu. Quem apresentou a sugestão, por todos aprovada, de retirada do concurso público da ordem de trabalhos da última assembleia municipal realizada no dia 29 de abril foi o PCP e o PS quase em simultâneo. Por essa razão, e apenas por essa, não se deliberou nesta reunião lançar o referido concurso público enquanto estivesse a decorrer o período de discussão pública do regulamento municipal de estacionamento de Setúbal, período em que todos os cidadãos podem propor alterações ao documento.
Quem disser o contrário está a aldrabar, embora a isso, à meia verdade que se converte rapidamente em mentira inteira, tenhamos sido de há muito habituados por gente para quem a seriedade política não passa apenas de uma inconveniência que é preciso contornar.

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Política, Setúbal

Pagar ou não pagar o estacionamento em Setúbal, eis a questão…

Parquimetro

A discussão sobre o estacionamento pago está animada em Setúbal. Alguns querem fazer crer que apenas aqui se paga estacionamento e que são os comunistas os maus da fita. O costume. Porém, era bom que olhassem para outras realidades, como a que é descrita hoje no Diário de Notícias. A Câmara de Lisboa, que foi presidida por António Costa e continua nas mãos do PS, vai tarifar mais 30 mil — repito, 30 mil estacionamentos — em toda a cidade, incluindo, naturalmente, zonas residenciais. Só os oportunistas e os sedentos de protagonismo querem fazer de Setúbal um caso de excepção, recusando entender que o estacionamento pago é a melhor forma de regular o estacionamento nas cidades e libertar espaços de estacionamento para os moradores, instituindo rotatividade naqueles espaços, de forma a que não sejam ocupados sempre pelos mesmos todos os dias. Em Lisboa, os comunistas apoiam a decisão da Câmara. E o PSD também, mostrando total sentido de responsabilidade.

E em Setúbal, como foi?

O PS e o PSD, sempre entretidos em crochets políticos, estão a tentar denegrir a solução proposta, confundindo a extensão do estacionamento a zonas residenciais com a taxação do parqueamento em todas as ruas destas zonas, quando do que se trata, e eles sabem-no, é apenas do estacionamento nas vias mais sujeitas à procura de estacionamento. Além disso, os moradores não pagam estacionamento nas suas suas zonas de residência.

Como sempre, vale tudo para confundir. Até afirmar, como fez um vereador do PS citado pelo “Setúbal na Rede”, que os moradores teriam de pagar um determinado valor mensal pelo cartão de morador que garantiria o estacionamento gratuito nas respetivas zonas de residência, quando, na verdade, esse valor é anual.

O mais curioso é que a solução de taxar o estacionamento na cidade de Setúbal foi imposta por uma câmara governada pelo PS em 1994. Numa das reuniões públicas de câmara em que se debateu o assunto, o presidente de então, Mata Cáceres, disse que a “continuidade da instalação [de parquímetros] irá ser progressiva futuramente tendo em conta outros lugares onde eventualmente se venha a verificar a necessidade da implementação de mais equipamento desta natureza, de acordo com o desenvolvimento da cidade”. Ou seja, já em Maio de 1992, quando Mata Cáceres proferiu estas declarações em reunião de Câmara, o PS defendia um maior alargamento do estacionamento tarifado na cidade, provavelmente também em zonas residenciais, estacionamento que, agora, em mais uma manifestação do habitual oportunismo político, vem contestar.

(a talhe de foice, vale a pena recordar que, em 1992 o PCP não foi contra o estacionamento tarifado, defendendo que deveria ser una empresa municipal a gerir o sistema)

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Indústria Conserveira, Setúbal

8Março #OperáriasConserveiras #Setúbal #Ficção

Mariana

A propósito das comemorações do Dia Internacional da Mulher e da inauguração de um merecido Monumento a Mariana Torres e às Operárias Conserveiras de Setúbal, dediquei a hora do almoço a rabiscar um pequeno texto de ficção, em jeito de singela homenagem a essas mulheres, que estendo a todas as outras neste dia em que é imperativo lembrar as tremendas desigualdades ainda existentes. E com a minha avó, operária conserveira toda a vida, no pensamento.

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Acordou sobressaltada com o ecoar da longa sirene no silêncio da noite. Reconheceu o chamamento da Firmin Julien. Aconchegou os miúdos e deixou sorrateiramente a casa, feita de madeira e zinco. Desceu a encosta em passo apressado, mergulhando os pés descalços na terra argilosa e húmida. Quem se demora não tem trabalho. Uma vizinha, já velha e antiga conserveira, olha pelas crianças quando há trabalho. Se o cerco é bom a jornada pode durar vinte horas e estamos na época da sardinha. Tem de aproveitar se há trabalho.

No Tróino abrem-se portas donde saem outras mulheres para a escuridão da noite. Lembra-se, pesarosa, que Irene já não as acompanha. Era escorchadora, mas foi despedida, há tempos, por trazer embrulhadas num trapo escondido no regaço duas sardinhas, para matar a fome aos filhos. Aos 19 anos é viúva e tem a cargo três filhos. O homem da Irene, o Manel, faz sete meses que desapareceu no mar da terra nova, na pesca do bacalhau. A vida ficou ainda mais difícil. Uma mulher só aguenta a fome até que esta seja maior que os filhos. Vive agora da solidariedade de outras camaradas da fábrica e da caridade que, por vezes, desesperada implora às senhoras que passeiam na Avenida da Praia. Uma amiga, Odete, que tem marido soldador na fábrica dos Senhores Bentinhos, era quem mais ajudava, mas muitos soldadores estão a ser despedidos, desde que chegaram as máquinas. É vê-los deambular pela Fonte Nova, famintos, com as mãos feridas pelo rabo do chicharro.

Pela Irene e por todas as mulheres das fábricas, especialmente as cento e quinze que foram despedidas por não furar a greve, saíram para a rua, há semanas, a exigir aumento. Com elas vieram também os moços. Só os soldadores ficaram com os encarregados. Não viam as mulheres como suas camaradas, embora estas sempre tivessem sido solidárias com eles, em todas as lutas. Queriam apenas melhor pagamento pelo duro trabalho, que os patrões logo negaram. Fizeram demorada greve, e dolorosa, pois sem trabalho não há sustento. Mas com o insultuoso soldo que lhes pagavam também não havia futuro.

Sem as operárias para fazer a conserva, quiseram vender o peixe para fora, carregado em carroças. As mulheres saíram à rua para impedir a passagem, mas os industriais tinham a nova guarda da República a defender-lhes o lucro. Mariana, embora jovem, era a mais decidida e corajosa. Atravessou-se à frente da caravana e gritou “Não passarão!”, e todas atrás de si, em humana muralha. Mas a guarda carregou e da cabeça da luta fez o exemplo para furar o bloqueio. Mariana foi violentamente espancada à coronhada, mas não arredou. As demais vieram em seu auxílio e também os moços. Brandiam as espingardas no ar, distribuindo furiosas agressões. Ouviram-se tiros também, até que cada uma e cada um correram como puderam, a proteger-se. As carroças de sardinha seguiram, ladeadas pela guarda.

No chão ficaram mulheres e moços feridos, gritando de raiva e de dor. Mariana jazia imóvel e em silêncio. Quando as mulheres se abeiraram já só restava um corpo e rosto desfigurados pelo cunho do ódio. Alguém gritou “Mataram o António!” O moço fora fuzilado a tiro.

Mulheres e moços carregaram os seus camaradas defuntos. A terra da avenida ficará para sempre manchada com as marcas da vergonha dos assassinos e da memória daqueles que entregaram a vida pelos seus e pela luta de todos à sobrevivência. Os heróis dum povo que vive ajoelhado são os anónimos marianas e antónios que morrem de pé, porque a dignidade não tem preço.

Recorda com profunda mágoa estes acontecimentos. No Tróino agora as gentes caminham soturnas. Uns por tristeza, outros por desonrado pudor. No ar respira-se a tristeza e a fome.

Chega à fábrica e dão-lhe trabalho. Vai engrelhar, como é hábito. Dizem que a enviada veio carregada, pelo que a jornada vai ser longa. Quando a época da sardinha terminar escasseia o trabalho e aperta mais a miséria no estômago. Por enquanto, empilham-se à porta da fábrica caixas de latas de conserva, que seguem para França, carregadas de sangue e de vidas.

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Setúbal

Pomar em Setúbal

 

Bocage_Julio_Pomar_02Porque o Bocage que vigia lá em cima os autores desta pequena ilha de escrita e escritos é da autoria de Júlio Pomar, aqui fica a notícia divulgada hoje pela Câmara Municipal de Setúbal.

Ensaios de Júlio Pomar sobre Bocage, realizados no âmbito das obras expostas na estação de metro de Lisboa de Alto dos Moinhos, podem ser admirados em Setúbal, na Galeria Municipal do 11, numa exposição patente até 6 de fevereiro.

Treze desenhos, a maioria criada em marcador sobre papel, revelam o processo de análise empreendido pelo artista plástico ao longo do ano em que preparou as obras que viriam a integrar as paredes da estação do metro do Alto do Moinho após a inauguração em 1988.

A maioria dos esquissos patentes na mostra em Setúbal foca a cara do poeta setubalense, retratada sempre com o mesmo tipo de traço, mas com expressões claramente distintas, reveladoras de um profundo estudo de Júlio Pomar da personalidade de Bocage.

“Não cansa porque acaba por não ser sempre a mesma imagem”, refletiu a curadora da mostra, a técnica municipal Francisca Ribeiro, na inauguração, realizada no sábado, ao final da tarde.

O evento é organizado pela Câmara Municipal no âmbito das Comemorações dos 250 Anos do Nascimento de Bocage, a decorrer ao longo de um ano, até ao mês de setembro.

“É também particularmente especial, quando amanhã [domingo, 10 de janeiro] Júlio Pomar completa 90 anos”, sublinhou o vereador da Cultura, Pedro Pina.

O autarca destacou, ainda, que a mostra “deixa Setúbal de parabéns”, não só pelo facto de serem trabalhos de um artista com a dimensão de Júlio Pomar sobre um dos maiores poetas portugueses e nascido em Setúbal, como também porque “uma das obras mais relevantes é da própria coleção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus”.

Pedro Pina referia-se a uma imagem em carvão e marcador sobre papel vegetal, de corpo inteiro, de Bocage, e, sem dúvida, uma das mais impactantes da coleção que se encontra em exposição.

A mostra, de entrada livre e intitulada “Bocage, por Júlio Pomar”, inclui, ainda, três esquissos do artista plástico sem ser do poeta. Dois são de um frade e, o outro, de temática burlesca, representando este conjunto textos escritos por Bocage.

A Galeria Municipal do 11, localizada na Avenida Luísa Todi, n.º 5, está aberta ao público de terça a sexta-feira, das 11h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00. Aos sábados funciona apenas no período da tarde, encerrando aos domingos, segundas-feiras e feriados.

 

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Política, Setúbal

Gatos escondidos com rabos de fora…

gato-escondido-com-rabo-de-foraLeio nos jornais que, em Montemor-o-Velho, a Direção Geral das Autarquias Locais obrigou a Câmara Municipal a aumentar para a taxa máxima o Imposto Municipal sobre Imóveis porque esta tem em vigor um PAEL – Programa de Apoio à Economia Local, programa inspirado em princípios de recuperação financeira idênticos aos de um Contrato de Reequilíbrio Financeiro como o que foi celebrado em Setúbal.

De acordo com o presidente da autarquia, Emílio Torrão, a DGAL – Direção Geral das Autarquias Locais entende que o município de Montemor-o-Velho não podia baixar, como fez, o IMI porque está obrigado aplicar a taxa máxima de IMI (0,5%), dado estar ao abrigo de um PAEL. A decisão municipal de aumentar o imposto para o máximo, votada na reunião de câmara de 21 de dezembro passado, deve-se à ameaça da DGAL de iniciar procedimentos para eventual perda de mandato dos eleitos locais responsáveis pela manutenção da taxa em 0,4%.

Neste caso, a DGAL soube ser clara e indubitável: em Montemor-o-Velho não podem baixar o IMI, pois, caso o façam, perdem o mandato.

A única diferença entre Montemor e Setúbal é que, aqui, a legislação que regulava os Contratos de Reequilíbrio Financeiro não referia a obrigação de aplicar IMI máximo, mas sim “derramas” à taxa de 10 por cento e a “fixação de taxas e tarifas (…) atualizadas anualmente com uma taxa de crescimento médio referenciada à taxa de inflação verificada nos últimos 12 meses”, ou seja, impostos e taxas municipais à taxa máxima e sempre atualizados para cima (quando o pressuposto era o de a inflação subir sempre) para permitir a maximização de receitas e o equilíbrio financeiro da autarquia. Nem podia ser de outra forma: à época em que tal lei foi elaborada não existia IMI, logo a lei nunca poderia apontar para o IMI, embora o princípio de maximização de receitas baseado em impostos e taxas municipais em valores máximos permitidos por lei já lá estivesse presente. Continuar a ler

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Desporto, Setúbal

Setúbal é Cidade Europeia do Desporto 2016

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A ACES Europe – Associação de Capitais e Cidades Europeias do Desporto, na sequência de uma candidatura apresentada pelo Município, reflectindo o desporto no concelho e um ambicioso programa para 2016, atribuiu a Setúbal o título de Cidade Europeia do Deporto 2016.

Aproveitando as potencialidades oferecidas pela ligação de Setúbal à serra e ao rio, utilizando e valorizando os equipamentos desportivos existentes, continuando a apostar na dinâmica própria do movimento associativo desportivo, reafirmando a capacidade organizativa de provas internacionais, procurando concretizar uma política desportiva assente na lógica do desporto para todos, garantindo o direito à prática desportiva, Setúbal apresentou uma candidatura vencedora, comprometendo-se a fazer mais e melhor, também, na área do desporto.

Setúbal tem passado por um profundo processo transformador e é inegável que a cidade e o concelho estão diferentes. Hoje, dispomos de um conjunto de equipamentos públicos de excelência, designadamente de âmbito cultural, a cidade reaproximou-se do rio, com espaços públicos qualificados e imediatamente apropriados pela população e, em 2016, sob o pretexto da Cidade Europeia do Desporto, Setúbal dará continuidade a esse processo de transformação, afirmando, também, no domínio do desporto essa dinâmica.

A realização da FINA Olympic Marathon Swim Qualifier, de apuramento para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o regresso a Setúbal da Volta a Portugal em Bicicleta, a realização da edição de 2016 dos Jogos do Futuro da Região, são apenas alguns exemplos da intensa e importante actividade desportiva, a que importa juntar o vasto conjunto de actividades promovidas pelo movimento associativo do concelho.

Num país em que as autarquias locais substituem um Estado omisso em matéria de garantia do direito de acesso à prática desportiva, o Município de Setúbal, apesar de dificuldades e constrangimentos que lhe são impostos, afirma claramente o seu compromisso com o princípio do “Desporto para Todos”.

No desporto, como em todas as áreas, o Município de Setúbal procura fazer mais e melhor e há a consciência de que haverá sempre muito por fazer, no entanto, num momento em que Setúbal vê internacionalmente reconhecido o seu trabalho e as suas potencialidades desportivas, é triste verificar a pequenez de alguns que, manifestando uma profunda ignorância sobre aquilo que é feito e as condições existentes, em vez de festejarem esta conquista de Setúbal, limitam-se a um exercício de crítica destrutiva sem qualquer sentido (provavelmente, o único desporto que conhecem).

Felizmente, a história de Setúbal Cidade Europeia do Desporto 2016 não se fará destes tristes episódios, serão os homens e as mulheres que organizam, praticam e ou assistem a desporto neste concelho a escrever essa história.

Setúbal é Cidade Europeia do Desporto 2016, está de parabéns Setúbal e a sua Câmara Municipal mas, sobretudo, estão de parabéns os Setubalenses, o movimento associativo desportivo, os desportistas e todos aqueles tornam possível a prática do desporto neste concelho.

Nota: texto originalmente publicado na edição de ontem, dia 2 de Dezembro, do jornal O Setubalense.
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Setúbal

Casimiro

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O Casimiro, numa foto da Farmácia Leão Soromenho, outra velha instituição do Largo da Fonte Nova

A nossa vida faz-se muito de pessoas e lugares. Algumas dessas pessoas confundem-se tanto com os lugares que ficam, para sempre, a fazer parte das nossas paisagens pessoais, dos cenários recordados das nossas memórias de infância, quando a felicidade era mais do que mera possibilidade. O Casimiro era uma dessas pessoas. A sua felicidade fazia (fará) sempre parte daquele lugar de aprendizagem e brincadeiras que era o Largo da Fonte Nova, centro do bairro de Tróino, em Setúbal, onde todos se cruzavam para ir ao vinho à Taberna do Nau, comprar bolos ao Caquinhas ou procurar um parafuso na drogaria. O Largo de outros tempos, shopping de bairro em que se ia à mercearia do senhor César inscrever no rol uma quarta de banha ou ao café Miami matraquear nos flippers a cinco escudos. Lá andava o Casimiro, entre o restaurante da Cilinha, a Farmácia Leão Soromenho ou o restaurante do Horácio, com paragem sempre certa no quiosque dos gelados do Calhotas. Diferente, sempre, mas ainda assim igual a nós.

Para onde foi, levou consigo o sorriso que quase sempre nos oferecia. Deixa-nos a sua memória. O que é muito para um homem deixar.

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Capricho, Setúbal

Capricho: a Banda e a Cidade

BANDA2Na ocasião de mais um aniversário desta emblemática colectividade, um breve texto sobre a Sociedade Musical Capricho Setubalense não é tarefa fácil, atendendo ao historial de 148 anos de actividade ininterrupta no fomento da participação associativa e na promoção e desenvolvimento cultural e artístico e ao peso de uma produção cultural assinalável. Esta história escreveu-se com o trabalho voluntário de muitas gerações de associados, dirigentes, músicos, actores, atletas, e imensos amigos, que dedicaram o melhor de si a um projecto e a uma instituição sociocultural que é de toda a comunidade setubalense.

Sublinho, por isso, uma só componente da sua acção, a que lhe determina a razão de existir. Em 22 de Novembro de 1867, dia de Santa Cecília, padroeira dos músicos, é fundada oficialmente a colectividade e a sua Banda de Música. Esta formação musical, hoje única na cidade, tocou neste dia como, desde então, foi presença incontornável nos momentos marcantes da vida de Setúbal, como são exemplo a actuação na inauguração do Monumento a Bocage, em 1871, ou ter saído a tocar pelas ruas em 4 de Outubro de 1910, proclamando a República que se implantaria no dia seguinte.

A Banda foi fundada no reinado de D. Luís I, entre a Questão Coimbrã e as Conferências Democráticas do Casino, participou na Revolução Republicana, atravessou meio século de ditadura fascista, assistiu à Revolução de 25 de Abril e viveu o incremento do associativismo cultural desde então.

As bandas filarmónicas, em Portugal, são um produto do século XIX. Para o compreender, há que recuar um pouco no tempo. No final do Antigo Regime o absolutismo marcava a Europa e a produção cultural era, assim, centralizada. A partir de 1750 surge a emergência de uma cultura urbana e nas principais cidades da Europa a classe média desenvolve uma prática de separação do espaço religioso do profano. Criam-se os espaços públicos de sociabilidade e abre-se o espaço doméstico, à imagem do que a aristocracia praticava desde a Idade Média. Em Portugal, todavia, há uma grande limitação ao encontro público fora do contexto religioso, pelo que a sociabilidade se desenvolve no espaço doméstico.

A Igreja perde rendimentos que lhe permitam assegurar uma produção cultural de ponta, passando a garantir apenas a liturgia tradicional. Simultaneamente desaparecem as ordens religiosas, subsistindo unicamente as mendicantes e as assistencialistas. Dá-se o desaparecimento sucessivo dos ducados. Com as revoluções liberais, desenvolve-se, cada vez mais, a cultura urbana, difundindo-se as bibliotecas, a literatura de cordel, a música urbana. O Estado e a Igreja reduzem significativamente o mecenato cultural.

No século XIX, embora o território nacional continue a caracterizar-se por uma prática cultural rural, associada às colheitas e às estações, nas cidades do país afirma-se uma elite burguesa local – os donos das fábricas, das terras, das casas – que enriquece muito rapidamente. Copiam o que vêm em Lisboa e surgem deste modo alguns equipamentos, como os teatros de modelo italiano, algumas bibliotecas, associações. Na impossibilidade de formar músicos e orquestras fora de Lisboa, por iniciativa da média burguesia urbana começam a formar-se bandas filarmónicas, que beneficiarão de ampla disseminação no séc. XIX e durante a primeira República.

As bandas filarmónicas e as colectividades a elas associadas foram e são estruturas de cultura que imprimiram a descentralização de equipamentos e a democratização do acesso ao ensino da música, num país onde a concentração dos recursos culturais mantém hoje características próprias de um regime absolutista.

No primórdio de um novo século, a Capricho Setubalense mantém o seu paradigma – a Banda, a Escola de Música, o Grupo de Teatro, com um activo grupo juvenil, a Dança, com expressões plásticas variadas – e, sem alterar a sua identidade, imprimiu a abertura do seu espaço às novas tendências da criação artística, com natural destaque para a música – da música moderna, ao jazz e ao fado – colocando o seu equipamento cultural ao encontro das necessidades dos criadores. Esta realidade traduz-se na oferta duma intensa agenda cultural, que assenta numa consolidada rede de parcerias com as autarquias, outras associações, escolas e muitos grupos informais.

Se analisada a oferta actual da Capricho, quer na programação de eventos, quer nas actividades educativas, identificamos facilmente a mesma matriz de há cerca de século e meio, ou seja, uma produção cultural marcadamente urbana, que concilia as formas intemporais à criação de vanguarda, onde se cruzam públicos tradicionais com os públicos das subculturas alternativas.

Podemos assim deduzir que esta sociedade musical, criada há 148 anos por capricho, perdura hoje por vontade expressa da Cidade – dos alunos, dos músicos, dos criadores e agentes culturais e dos distintos públicos que tem contribuído para formar. Está, por isso, garantido o seu futuro.

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