Geral, Guerra, Jugoslávia, PCP

Ainda sou do tempo…

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(Odd Andersen/AFP)

Ainda sou do tempo em que, em Portugal, o PCP era uma voz praticamente isolada a contestar as teses, a propaganda e a manipulação informativa sobre a chamada guerra da Bósnia.  Do tempo em que jornalistas, comentadores e especialistas diversos em Relações Internacionais, conflitos armados, política internacional e afins, dedicavam algum do seu saber nas televisões, rádios e jornais, para manifestar total incompreensão pelo posicionamento do PCP, só justificável, diziam eles, à luz de um anacrónico alinhamento com posições russas ou, mais cruel e desumano, com a apologia de todo e qualquer mal que fizesse frente aos EUA e à UE.

Aliás, se se quiser aprofundar mais o tema, podem ser lidos diversos textos sobre o tema, publicados no Avante, no Militante, nas Resolução Política dos Congressos, em intervenções na Assembleia da República (como aqui e aqui, a título de exemplo) ou quem quiser um olhar mais aprofundado sobre o posicionamento dos vários partidos políticos portugueses perante a guerra da Bósnia-Herzegovina (1992-1995), pode ler este artigo, de Ana Rocha Almeida, publicado na Revista Portuguesa de História, da Universidade de Coimbra.

20 anos depois, com o que a história já nos contou, com o Tribunal Penal Internacional da a ex-Jugoslávia, em Haia, a reconhcer que Slobodan Milosevic não teve responsabilidades em crimes de guerra, começa a ser possível ouvir e ler testemunhos e análises que confirmam a ingerência externa das grande potências na desestabilização e desmembramento da Jugoslávia, a manipulação da informação feita através dos principais órgãos de comunicação que cobriram o conflito, o papel da NATO e a parcialidade com que actuou (e para a qual foi criado) o Tribunal Internacional Penal.

Esta notícia do Expresso sobre o lançamento do livro do major-general Carlos Branco, “A Guerra nos Balcãs. Jihadismo, Geopolítica e Desinformação”, é disso exemplo.

Mas agora que já não é só o PCP a denunciar estas situações, onde estão os fabricantes de notícias, os especialistas e os comentadores que fizeram o serviço sujo de manipulação das opiniões com vista a justificar a guerra? Onde andam eles e como convivem com as suas responsabilidades?

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A cacofonia anti-Trump. Uma carta ao meu amigo Zé Teófilo

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Meu caro Zé

Andas muito activo na cacofonia anti -Trump, com galerias de fotos que enfim…umas acertam outras não. São os teus ódios de estimação com uma base errática de análise política. Trump é um protofascista, xenófobo, racista e sexista? É claro que é! Mas atiras ao lado quando te fixas nesses alvos e não olhas para os que são mais importantes. Já lá vamos de forma simplificada, embora te aconselhe a leres o texto do Pacheco Pereira, um homem que mesmo que não se concorde sabe pensar! Primeiro umas notas que considero importantes sobre o que tens escrito. Desde o principio da campanha eleitoral nos EUA, um circo longo que começa nas primárias, não vi um único texto teu, provavelmente porque estava distraído, sobre os golpes baixos da Clinton e da camarilha do jornalismo mercenário que a apoiava a mando de Wall Street e da alta finança, contra Bernie Sanders denegrindo-o desde o primeiro momento em que surgiu como alternativa. Nem um só texto sobre o papel da Hillary Clinton primeiro  como apoiante da invasão do Iraque, da agressão à Jugoslávia (um parenteses Milosevic o Carniceiro dos Balcãs foi absolvido por unanimidade pelo TPI dez anos depois de morrer nos cárceres desse mesmo TPI) e depois como secretária de Estado que comandou o ataque à Líbia, com os resultados que estão à vista e a frase grandiloquente embrulhada num rasgado sorriso “Viemos, Vimos e Matamos” celebrando a morte de Khadafi. Nem sobre o ataque à Síria, tentando repetir o “êxito” líbio, armando, treinando e financiando a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, no que foi travado pela intervenção da Rússia. Nem sobre  o seu apoio ao golpe de estado para-fascista na Ucrânia, com a actívissima sua colaboradora Vitória “Que se Foda a Europa” Nuland. Ucrânia onde combatem ao lado das milícias fascistas batalhões do Estado Islâmico. Nem um só texto sobre de denúncia às golpadas da sra Clinton que nos debates com Sanders sabia previamente as perguntas que lhe iam ser feitas e as que iriam ser feitas a Sanders ou as manobras miseráveis a seu favor da cambada que comandava a Convenção Democrática que a escolheu como candidata à corrida presidencial que foram tão escandalosas que os obrigaram a demitir-se deixando a máquina a funcionar, para mal do pobre Sanders que se contentou com essa demissão.

Também não vi uma só palavra de crítica e condenação a Madeleine Albright, uma grande apoiante “feminista” de Clinton que disse que “há um lugar especial no inferno para mulheres que não ajudam umas às outras!” , referia-se ás que apoiavam Sanders contra Clinton e que no programa 60 Minutes do canal CBS respondeu à jornalista que a questionou sobre a Guerra no Iraque: “Ouvimos que meio milhão de crianças morreu. Quer dizer, isso é maior do que o número de crianças que morreu em Hiroshima. E, enfim, será que o custo de uma guerra como essa compensa?.” respondendo prontamente: “Acho que é uma escolha muito difícil, mas o custo – nós consideramos que vale a pena arcar com ele.” Nós quem? Todos aqueles, a comunicação social estipendiada e a rapaziada que anda pela internet que se a frase tivessse sido dita, nem era preciso tanto só uns 10% daquela ignominia, por Putin ou pelo presidente do Irão em relação à guerra em curso contra o estado Islâmico na Síria e no Iraque teria caído o carmo e a trindade contra aqueles monstros frios e bárbaros.  Nem é preciso referir a diferença de tratamento mediático que se faz sobre as batalhas em curso em Mossul e Alepo, em que os civis de uma são usados como escudos humanos pelo EI e da outra como vítimas do exército sírio e dos russos! A falta de vergonha e decência é total e absoluta e os que não denunciam essa dualidade seus cúmplices. Mas claro, as clintons e as allbrights e já agora os obamas é que são os simbolos da democracia e do mundo livre.

Como tu são muitos os que centram a campanha anti-Trump no seu machismo, sexismo, xenofobia, misogenia, um erro só explicável por estrabismo político. Clinton era o paradigma da globalização Wall Street. Hillary Clinton era a candidata do complexo militar-industrial, do capital financeiro internacional. Cientes que ela iria colocar em prática os diktats de Wall Street apoiaram-na com entusiasmo. Derramaram meios financeiros brutais, puseram em marcha a comunicação social ao serviço da plutocracia. Gente que são o 1% dos que beneficiam dos contratos de armamento, dos acordos comerciais em curso. Contra isto os norte-americanos votaram em Sanders e Trump, lixando-se contra todos as sombras negras que envolvem Trump. Sanders foi trucidado, Trump venceu prometendo voltar a tornar a América grande. A abissal e incontornável diferença entre eles é que Trump tem a mesma raiz de Clinton. A árvore é a mesma, a poda é que é diferente. Os americanos votaram em Trump que não é Hitler. A história não se repete. E deve-se lembrar que o muro que prometeu construir a separar o México dos EUA começou a ser construído por Bill Clinton, se pensarmos num muro total podes verificar que mais de um terço já existe. Trump é perigoso? Claro que é mas não é nem mais nem menos perigoso do que Hillary Clinton. A sua vitória tem que ser vista como consequência do brutal declínio moral e intelectual do sistema político norte-americano que também contamina os sistema políticos europeus. Isto é que são os aspectos fundamentais e não o foco nas lutas ditas fracturantes que são importantes mas são adjacentes e parcelares da grande luta que tem que ser empreendida contra o sistema. Nos EUA, Sanders  à sua maneira e os outros candidatos de que ninguém fala, Jill Stein e Gary Johnson fizeram-no. O primeiro foi passado a ferro com os golpes mais sujos pelo sistema e na prática demitiu-se na Convenção dos Democratas, dos outros ninguém quase ninguém ouviu falar, o sistema silencia-os ab initio.

Há uma enorme dúvida: o que irá acontecer na casa Branca? Tudo o mundo se interroga e está em suspenso.

Por cá, a eleição de Trump pondo de lado as diatribes cacofónicas sobre a sua misogenia, racismo e xenofobia, tem efeitos curiosos. A direita que se demarcava, por causa desses traços de Trump, recicla-se a alta velocidade porque sempre defenderam, de forma clara ou surda, a destruição da legislação social, dos direitos sociais, a proibição do aborto, a igualdade de género, os direitos da comunidade LGBT e porque, lá bem no fundo, gostam dos tiques  autoritários de Trump. Lá chegará a altura de o defender abertamente, basta ler o Observador, esse farol da direita portuguesa, e atentar na evolução das notícias e comentários sobre as eleições nos EUA desde o principio.  Nas esquerdas pálidas e rasteiras fez com que muitos direitolas travestidos de esquerdinhas tirassem a cabeça de fora. É ler Rui Tavares, esse idiota útil, a defender com unhas e dentes a Nato e as suas políticas agressivas, no meio de delírios bálticos, o acordo de livre comércio  TTIP, a visão da Merkel e a consequente hegemonia alemã na EU. Um bródio.

Termino citando o lúcido artigo que Pacheco Pereira que subscrevo por inteiro:  A vontade de mudar, o elemento mais decisivo nestas eleições, foi parar às piores das mãos, mas foram as únicas que lhes apareceram. Quando Bernie Sanders, outro “antiquado”, cuja candidatura “falava” para estas mesmas pessoas, foi afastado – conhece-se hoje o papel de um conjunto de manobras dos amigos de Hillary Clinton no Partido Democrático –, ficou apenas Trump. E, como já disse, não tenho a mínima simpatia por Trump, a mínima. Mas tenho uma imensa simpatia pela vontade de mudar, que tanta falta faz nos dias de hoje nas democracias esgotadas na América e na Europa.»

Meu caro Zé Teófilo, um pouco mais de distanciamento e discernimento político nas análises o que fará baixar radicalmente o volume dos sound-bytes.

Se calhar irei publicar esta “carta” na praça do Bocage.

Amigos como sempre.

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Eleições nos EUA

chefes-da-cidade-mova-jersia

Fotografia de Robert Frank, City Fathers,Hoboken, New Jersey in /The Americans

Democracia.Democracias

Democracia é, etimologicamente, o “poder do povo”. Significa literalmente que o povo pode escolher os seus líderes em condições de igualdade e liberdade. Abraham Lincoln proclamava que a democracia se fundava no exercício do voto, era «o governo do povo, pelo povo e para o povo». Um idealismo que outro fundador do conceito moderno de democracia, Jean-Jacques Rousseau, contestava pondo em causa a democracia ficar reduzida ao cumprimento do formalismo eleitoral. Defendia que a democracia não é compatível com minorias muito ricas e maiorias na pobreza. Criticava o parlamentarismo inglês do séc. XVIII: «os ingleses acham-se livres porque votam de tantos em tantos anos para eleger os seus representantes, mas esquecem-se de que no dia seguinte a terem votado, são tão escravos como no dia anterior à votação». Para Rousseau, um opressor não pode representar o oprimido. Um patrão não representa um empregado. Uma questão central no conceito de democracia.

Lénine foi mais incisivo: democracia para quem? Um governo «dos ricos, pelos ricos e para os ricos» não se chama democracia, mas plutocracia.

Debate que continua actual. Sem sequer colocar a questão que, depois de exercer o direito de voto, os cidadãos ficam afastados do exercício do poder político até novas eleições, que entre promessas eleitorais e governação as diferenças podem ser abissais, verifica-se que os sistemas eleitorais, uns mais que outros, distorcem deliberadamente o “poder do povo”. Mesmo nos países em que os votos, pelo sistema proporcional, são próximos da vontade um deputado de um partido maior é eleito com menos votos que um deputado de um partido menor. Comparando sistemas eleitorais as aberrações são muitas. Na Grécia o partido que tiver mais votos, mesmo um só voto, tem um bónus de 50 deputados que escolhe a seu bel-prazer. Nas últimas eleições no Reino Unido os resultados são surpreendentes comparando os deputados eleitos e os que realmente seriam eleitos se o voto fosse proporcional: Partido Conservador Deputados eleitos 330 / Deputados que elegeria 209; Partido Trabalhista 232 / 203; Partido Liberal 8 / 48; UKIP 1 / 78. O Parlamento do Reino Unido está bem longe de representar a vontade do povo. Continuar a ler

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