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Cultura, património cultural e a responsabilidade social dos intelectuais

Shintaro_Kago

«Mastigação ruidosa» (2018), do ilustrador japonês Shintaro Kago (1969) 

Cultura e Património Cultural, material e imaterial, são conceitos relativamente recentes na longa história da humanidade, bem como o reconhecimento da sua importância nuclear na identidade de um povo de uma nação, da sua soberania. Como T.S.Elliot escreveu, O tempo presente e o tempo passado / são, talvez, presente num tempo futuro / e o tempo futuro contido no tempo passado1, é essa relação dialéctica entre o passado, o presente e o futuro de um povo, de uma nação que a Cultura e o Património Cultural consubstanciam.

Durante séculos os patrimónios culturais foram objecto dos mais diversos vandalismos. É na Revolução Francesa que a Assembleia Constituinte cria uma Comissão dos Monumentos com a missão de proteger e conservar as obras de arte, o que estava em contraciclo com a fúria revolucionária que destruía tudo o que simbolizava o poder absolutista no exercício do controlo social e imposição de crenças políticas, sociais e religiosas. É essa mudança de mentalidades em relação ao património cultural e à cultura que inicia um processo de protecção, conservação e valorização do património e uma, ainda que tímida, democratização da cultura.

Tem o seu reverso que é o percepcionar-se que a supremacia política deve apoiar-se na afirmação da supremacia cultural. Uma estratégia que Napoleão Bonaparte colocou em prática.

Nas campanhas napoleónicas o imperador fazia-se acompanhar por uma corte de intelectuais que avaliavam e inventariavam as obras de arte a roubar. A pilhagem de igrejas, catedrais, conventos, museus, colecções privadas por toda a Europa e Norte de África foi sistemática e sem precedentes. Troféus de guerra para mostrar ao mundo o poder de Napoleão e a supremacia política e cultural da França. Derrotado Napoleão, o Segundo Tratado de Paris, de 20 Novembro de 1815, pela primeira vez na história determina a devolução das obras de arte aos seus países de origem.

O segundo grande roubo sistemático de património cultural foi realizado pelos nazis na Segunda Guerra Mundial. O projecto de Hitler é similar ao de Napoleão. Projectava construir um enorme complexo cultural em Linz, dedicado às obras que o führer considerava reflectirem a ideologia do partido nazi.

A campanha de devolução das obras pós-guerra foi muito publicitada e originou a jurisprudência da Convenção de Haia de 1954, que estabeleceu regras internacionais sobre o património cultural e está na origem do trabalho desenvolvido pela UNESCO, as classificações de Património Cultural Material e Imaterial da Humanidade, para salvaguardar universal e intemporalmente os patrimónios imóveis, os patrimónios intangíveis e os patrimónios naturais, representativos da diversidade cultural, natural e da expressão criativa em todo o mundo. Com essas e muitas outras iniciativas de organizações locais, nacionais e internacionais, vertida em abundante legislação, deveria a Cultura e o Património Cultural Material e Imaterial e o Natural estar protegido de qualquer atentado e a cultura, na multiplicidade das suas manifestações ser um dos grandes esteios das identidades nacionais.

Não está, e os atentados agora são outros de outro calibre. Nos centros decisores do capitalismo internacional, com destaque para as instituições financeiras sediadas nos EUA, prepara-se a intensificação de uma nova onda de privatizações de tipo novo e radical: vender o máximo possível de bens imobiliários estatais, incluindo os patrimónios histórico-culturais e naturais.

O editorial de 17 de Janeiro de 2014, da revista Economist, «The 9 trillion dolars sale», não deixa margem para dúvidas. Escrevem que Thatcher e Reagan usaram as privatizações como ferramenta para combater os sindicatos e transformar em receitas diversos serviços públicos, telecomunicações e transportes, e que os seus sucessores no século XXI, «necessitam fazer o mesmo com os edifícios, terrenos e recursos naturais, porque é um enorme valor que está à espera de ser desbloqueado». Reconhecem a dificuldade da avaliação de alguns desses activos, como o Louvre, o Pártenon ou Parque Nacional de Yellowstone. Dificuldade obviamente superável se recordarmos os inúmeros artigos na comunicação social corporativa que aconselhavam os gregos a venderem os seus monumentos para saldarem as dívidas.

A cultura do «casino cósmico»

Neste «casino cósmico», como o definiu Georges Steiner, o perigo é real, multiforme. Não se devem menorizar as suas formas directas ou indirectas de privatização do Património Cultural aparentemente mais tímidas como as do programa Revive, nem a formatação dos padrões culturais pelo imperialismo cultural, nem a crescente bordelização da cultura pelo turismo cultural, nem a perda de capacidade crítica em que os padrões estéticos, ainda que muito contestados, são progressivamente substituídos pelas ditames do mercado, ainda que mascarados em lenga-lengas fastidiosas e repetitivas salpicadas de considerações artísticas.

A normalidade da anormalidade do estado de sítio cultural que se vive é tudo se reger pelas leis do mercado, crescendo nos charcos do entretenimento agitados pelo furor bulímico em que normalizam os chamados eventos culturais – o conceito eventos tem uma forte carga ideológica indiciando a banalização destruidora de quaisquer hipóteses de projectos culturais de democratização da cultura explodidos nos lugares comum de criação de novos públicos, leiam-se os regulamentos da Europa Criativa –, coloridos pacotes de mercadorias que são açambarcados para serem consumidos sem deixarem rasto. O seu único objectivo é disfarçarem o vazio comatoso desta sociedade, o seu spleen para, na melhor das hipóteses, o ocultarem protegendo-nos. Laboriosamente as forças dominantes foram moldando o gosto para depois o alimentarem com qualquer coisa que é sempre a mesma coisa. Essa dita cultura, mau grado o intenso ruído em que se envolve para abafar as vozes dissonantes, é parte integrante do aparelho repressivo do totalitarismo democrático que impõe o pensamento único.

Desde os anos 60 que se tem alargado a superfície global onde se vai dissolvendo o território, o exercício de soberania, a língua e a identidade cultural, tornados conceitos móveis e transitivos. O objectivo é a conquista do mundo pelo mercado. Nessa guerra os arsenais são financeiros e o objectivo da guerra é governar o mundo a partir de centros de poder abstractos. Megas pólos do mercado que não estarão sujeitos a controlo algum excepto à lógica do investimento. A nova ordem é fanática e totalitária. A cultura é um dos alvos dessa guerra e o mercado, que não reconhece outra hierarquia cultural que não seja a do que é rentável, ocupa cada vez mais o espaço que antes era ocupado pelo Estado.

O meio intelectual, a partir dos anos 50, já se tinha apercebido dessa situação e se alguns consideram o advento da dominação do mercado sobre a cultura como uma expropriação outros, como Adorno e Horkheimer, percebem claramente que essa dominação intermediada pelas nascentes indústrias culturais e criativas é «um sistema político e económico que tem por finalidade produzir bens de cultura – filmes, livros, música popular, programas de televisão, etc. – como mercadorias e como estratégia de controlo social.»2

A produção de produtos ditos culturais faz-se em linhas tayloristas que impõem um ritmo em que deixa de existir tempo para pensar a criação artística, o que acaba por ser uma forma de censura económica, pauperizando a cultura até a reduzir a uma sucessão de entretenimentos não significantes, em que tudo é idêntico. O património cultural e os museus são o alimento substantivo do turismo cultural em que a relação, que deveria ser estrutural e estratégica, permanece numa nuvem de indefinições, confusão de conceitos e de áreas de actuação. O que interessa, o que conta é o que gera dinheiro, muito dinheiro. A introdução ao Programa-Quadro Europa Criativa 2021-2027 da União Europeia (UE) é elucidativa: «a cultura está no centro do rico património e da história da Europa e tem um importante papel no aumento da atractividade de lugares e no reforço da identidade única de espaços específicos. A cultura e a criatividade podem ser importantes motores e impulsionadores da inovação, bem como uma fonte significativa para o empreendedorismo. A cultura é um importante motor para o aumento das receitas de turismo, numa altura em que o turismo cultural é um dos segmentos do turismo com maior e mais rápido crescimento a nível mundial.» É um texto esclarecedor pela miscigenação de conceitos em que o que acaba sempre por vir à superfície é a gestão, o empreendedorismo, como adubos da inovação. A importância do «rico património e da história da Europa» é o «aumento da atractividade de lugares», leia-se turismo cultural para as multidões prontas a disparar o seu olhar distraído, registado em selfies, enquanto invadem museus e outro património edificado. O que conta é o dinheiro, muito dinheiro que o mercado cultural pode gerar, pelo que as iniciativas culturais desligam-se de qualquer projecto cultural para se subordinarem ao que é mais vendável.

Mais esclarecedor fica quando elencam as indústrias culturais e criativas e se olha para a distribuição de verbas por essas áreas. São integrados nos «Sectores culturais e criativos», todos os sectores cujas actividades se baseiam em valores culturais e/ou artísticos ou noutras expressões criativas, quer essas actividades tenham fins comerciais ou não, independentemente do tipo de estrutura que garante a sua execução e seja qual for o modo de financiamento dessa estrutura. Essas actividades incluem a concepção, a criação, a produção, a divulgação e a conservação dos bens e serviços que encarnam uma expressão cultural, artística ou qualquer outra expressão criativa, e funções conexas, como a educação ou a gestão. Os sectores culturais e criativos incluem, nomeadamente, a arquitectura, os arquivos, as bibliotecas e os museus, o artesanato, o audiovisual (em particular o cinema, a televisão, os jogos de vídeo e as actividades multimédia), o património cultural material e imaterial, o design, a publicidade, a moda, os festivais, a música, a edição de publicações, a literatura, as artes performativas, a rádio e as artes plásticas. Ao mesmo nível das Meninas de Velasquez ou da Ronda da Noite de Rembrandt está um anúncio à Coca-cola ou ao BurgerKing. O Saraband do Bergman ou a Regra do Jogo do Renoir fica submergido na quantidade brutal de videojogos que já é um volume de negócio superior ao do cinema ou das séries televisivas. Festivais de Música? Os de música sinfónica são residuais, em quantidade e em espectadores, se comparados com os de música pop, o que também se reflecte na indústria discográfica, basta olhar para os espaços que ocupam nas estantes de venda e também nos espaços de «crítica musical» na imprensa. A literatura nada com respiração assistida no plâncton das edições dos media da imprensa corporativa, das revistas de glamour, etc.

A moda invade tudo e é dominante em todos os outros géneros artísticos, para isso lá estão os gestores culturais, esse baixo clero pós-moderno com especiais aptidões para ocultar e tornar eficaz o vazio da cultura inculta instalada em todos os patamares do entretenimento da iliteracia cultural por esses intermediários culturais, gestores culturais, programadores, curadores, comissários, agentes do pensamento dominante que aceleram pelas auto-estradas do bullying cultural que se impuseram durante os anos 80, como Pierre Bourdieu bem os caracterizou e que é sempre de recordar: «são os encarregados de uma subtil actividade de manipulação nas empresas industriais e na gestão da produção cultural (…) a sua distinção é uma forma de capital incorporado, porte, aspecto, dicção e pronúncia, boas maneiras e bons hábitos que, por si, garante a detenção de um gosto infalível o que sanciona a investidura social de um decisor do gosto, de modo bem mais significativo do que o faz o capital escolar, de tipo académico (…) a ambiguidade essencial e a dupla lealdade que caracteriza o papel desses intermediários é serem os mercadores de necessidades que também se vendem continuamente a si próprios, como modelo e garantes do valor dos seus produtos, são óptimos actores, apenas porque sabem dar boa imagem de si acreditando ou não no valor daquilo que apresentam e representam»3. Intermediários culturais sempre entre duas actividades promocionais onde a arte e a cultura são sempre e só mercadoria e o público se alicia com mentiras ou melhor (pior) não verdades.

Esclarecedor é também o enquadramento financeiro para a execução do Programa durante o período 2021-2027, em linha com os anteriores. «O Programa continua a apostar em 3 vertentes: Subprograma MEDIA, Subprograma CULTURA e Vertente Intersectorial, sendo que esta última introduz uma novidade dirigindo-se a “Cultura e Meios de Comunicação”». Através da vertente intersectorial o Programa visará também «promover a cooperação política em matéria de cultura no seio da UE, promover um ambiente de liberdade, diversidade e pluralismo na comunicação social e apoiar o jornalismo de qualidade e a literacia mediática».
Em termos orçamentais a Comissão propõe a afectação de 1,85 mil milhões de Euros ao Programa global, divididos do seguinte modo: subprograma MEDIA, 1,08 mil milhões de Euros; subprograma CULTURA, 609 milhões de Euros; e 160 milhões de Euros para a vertente intersectorial. Tal proposta traduz-se num aumento de 450 milhões de Euros face ao actual Programa Europa Criativa 2014-2020 e a grande aposta é no incremento da comunicação social estipendiada.

A bitola é a do mercado, os apoios são ao empreendedorismo, As justificações na distribuição das verbas revelam os objectivos da UE e o que nos espera por detrás da cortina «de promover um ambiente de liberdade, diversidade e pluralismo na comunicação social e apoiar o jornalismo de qualidade e a literacia mediática» em que a verba para os media é reforçada pela do denominado subprograma intersectorial, pelo que 67% do orçamento Europa Criativa é dirigido para o controle de informação que se integra no sistema mundial de formação da opinião pública e da interpretação da realidade pela comunicação social corporativa, mercenária, ao serviço do pensamento totalitário dominante. Os sobrantes 33% são para o que selam como cultura, mas com a banda larga aplicada, estamos conversados. Há excepções, mas as excepções são a confirmação da regra e a regra é o triunfo imperial do espectáculo que bordeliza a cultura, o património cultural e os museus com o mercado a extrair benefícios máximos do empobrecimento moral e intelectual da sociedade. É o fim da cultura na sua relação ideológica e política com a sociedade. Cultura amarrada à perda de futuro como dimensão ontológica humana em que se procura que a alienação global seja voluntária.

A responsabilidade dos intelectuais

Todo este processo decorre por o capitalismo neoliberal ter percebido que a cultura, a produção teórica eram armas nucleares que eram necessário despoletar para perpetuar o imperialismo e impor um pensamento único. Puseram em marcha um processo de desagregação social dos intelectuais para os isolar e os atirar para as periferias do poder político. Os intelectuais, que nunca foram um grupo homogéneo mas que, como Régis Debray anotou, se «sentiam, pelos seus saberes e conhecimentos diferenciados, ser uma colectividade de pessoas, socialmente legitimadas para tornarem públicas as suas opiniões»4 detendo um poder, que embora de origens diferentes, influenciava ou ia contra o dos políticos eleitos, foram progressivamente marginalizados do tecido social.

Um processo que incidiu sobretudo nas áreas culturais distanciando o Estado das políticas culturais, retirando-lhes importância política e pública, entregando progressivamente ao mercado e à iniciativa privada os instrumentos da cultura, diligenciando para que o mercado e a iniciativa privada contaminassem as políticas culturais das instituições que tutelam, como se a cultura fosse um território que floresce numa terra de ninguém e para que a arte e a cultura perdessem o sentido de ser a utilidade que transforma a vida.

Para essa nova ordem é fundamental anular a cultura enquanto núcleo de práticas e actividades, enquanto instrumentos de produção material, recepção e circulação que dão sentido à vida e ao mundo com o fim último de que já não seja sequer possível pensar que é possível pensar uma sociedade alternativa onde os valores da civilização, da humanidade, da cultura, da política se plantam para florescer, ainda que com todas as contradições e dificuldades.

Para essa nova ordem é fundamental que os intelectuais, especialistas e profissionais qualificados sejam elementos passivos das suas competências, remetidos às suas áreas especializadas, tendo por interlocutores os seus pares e não a sociedade para perderem influência na construção da consciência colectiva.

Neste estado de sítio há que exigir aos intelectuais que façam novamente ouvir a voz que já tiveram no discurso público, com a consciência de que se ela não é decisiva é fundamental para se sobrepor à turbulência ruidosa do pensamento dominante, que procura tornar inaudível qualquer discurso crítico que o ponha em causa. Devem readquirir o sentimento do seu papel social, mesmo com a incertitude de não terem no imediato sucesso garantido.

Há que resistir, resistir sempre e sem vacilações para que a cultura e a arte se recentrem na vida e encontrem aquilo que podem e querem fazer com os seus materiais e instrumentos sem se entregarem nas mãos do mercado, recusando-se a responder às exigências de gerar lucro, normalizando-as pelas imposições do consumo imediato e padronizado onde se afoga o espírito crítico.

Há que continuar e lutar com a firme convicção de que «no entanto, ela (a Terra) move-se», como disse Galileu enfrentando o tribunal da Inquisição.

(publicado em AbrilAbril  https://www.abrilabril.pt/ )

  • 1.in Four Quartets: «Time present and time past / Are both perhaps present in time future /
    And time future contained in time past.»
  • 2.Adorno, Theodor/ Horkeimer, Max ; Dialéctica do esclarecimento, Jorge Zahar editor, 1985.
  • 3.Bourdieu, Pierre; A distinção, uma crítica social da faculdade do juízo, Edições 70, 2010.
  • 4.Debray, Régis; Le pouvoir intellectuel em France, Ramsay, 1979
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O SOM E A FÚRIA

Para o capitalismo e seus representantes, para os mais lestos empreendedores, tudo se pode transformar em oportunidades para gerar negócios e lucros. A pandemia do coronavírus não será excepção.

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O Jardim das Delícias Terrenas, Hieronymus Bosch, 1504CréditosHieronymus Bosch

A crise universal provocada pelo coronavírus, se irá ter impactos ainda imprevisíveis em todos os planos das nossas vidas individuais e colectivas, na vida social, no estado das nações também é uma janela de oportunidade para os abutres neoliberais. Sendo os mais velhos e os mais pobres os mais vulneráveis é a janela por onde a senhora Lagarde está a olhar depois de ter afirmado que «os idosos vivem demasiado e isso é um risco para a economia global. Há que tomar medidas urgentes»Tem a companhia de Dan Patrick, vice-governador do Texas a dizer sem qualquer sobressalto na consciência «que as pessoas mais velhas preferem morrer a deixar que o Covid19 prejudique a economia dos Estados-Unidos». Enquanto se rebolam no eugenismo neoliberal, dando razão ao personagem do filme de João César Monteiro Le Bassin de John Wayne quando afirma «que os novos nazis são democratas», noutra janela com vidros da mesma fábrica espreita a ministra da saúde da Lituânia, Rimantė Šalaševičiute, membro do PSD Lituano, que declarou pouco depois de tomar posse, em 2014, que a eutanásia deveria ser considerada como uma boa opção para os pobres que não podem pagar os cuidados de saúde. Trump não conseguiu escancarar uma outra janela siamesa, mas bem o tentou quando quis fazer mão baixa dos trabalhos de um laboratório alemão para encontrar uma vacina contra o covid 19, só não a abriu porque o governo alemão e o próprio laboratório se opuseram. Para o capitalismo, para o capitalismo e seus representantes, para os mais lestos empreendedores tudo se pode transformar em oportunidades para gerar negócios e lucros. A pandemia do coronavírus não será excepção. Marx escreveu (há quem atribua a frase a Lenine, mas si no e vero e ben trovato) “o último capitalista que penduramos será aquele que nos vendeu a corda”. Vende a corda mesmo sabendo que já não poderá investir o dinheiro ganho. O capitalismo é um animal predador sempre insatisfeito parasitando um mundo onde «a desvalorização do mundo humano aumenta em proporção directa com a valorização do mundo das coisas». (Karl Marx, Manuscritos Económico-Filosóficos, edições Avante!).

Vive-se um período excepcional de que sairá sem se ter a certeza por que portas e que portas se abrirão e para onde abrirão. As nossas vidas em quarentena estão, as mais privilegiadas, ligadas à máquina das nuvens informáticas que a alimenta abundantemente enquanto nos alimentamos solitariamente com o que vamos despejando dos frigoríficos e das despensas até sermos compelidos a recorrer, os que têm capacidade económica para isso, às ofertas do takeaway ou nos sujeitarmos às penosas mas necessárias filas às portas dos supermercados.

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Ao Povo Alentejano, Jorge Pinheiro, 1980

Vive-se um global estado de excepção que suspende o normal funcionamento das condições de vida em países inteiros que redescobrem que as suas fronteiras afinal são uma linha que as protege. Irão descobrir ainda mais quando perceberem ou quando começarem a perceber, mesmo a contragosto, que o que cederam de soberania nos últimos decénios agora lhe faz falta para enfrentarem a crise. Na Europa para uns, os desde sempre descrentes nas virtudes e na bondade do projecto da União Europeia (UE), por que bem sabem que esta, por mais ouropéis que lhe deitam para cima, é a Europa dos ortodoxos neoliberais ao serviço das elites oligárquicas, dos banqueiros e dos especuladores, a falta de solidariedade no espaço da UE era esperada, à imagem do que têm feito com os países mais débeis economicamente e o modo como trataram as crises provocadas pelas dívidas soberanas. Para outros, os europeístas mais ou menos convictos que ainda tenham alguma honestidade intelectual, todos aqueles que, apesar e contra todas as evidências, insistiam e insistem em ver predicados nessa UE ao serviço do capital financeiro, o vazio político das poucas medidas anunciadas, a frieza, o desprendimento e a incompetência com que os dirigentes da UE tem tratado este estado de sítio, a ausência de qualquer apoio solidário aos países membros – o caso italiano é o mais gritante – deve finalmente fazer disparar o alarme em vez de carpirem jeremiadas com que disfarçam a realidade. A ver vamos se merecem que se lhe seja concedido um frágil benefício da dúvida. Sublinhe-se que foi preciso a Alemanha adoptar um orçamento rectificativo largamente deficitário, que suspende o travão da dívida que figura na constituição alemã e prevê uma recessão de 5%, para a presidente da Comissão Europeia anunciar que ficam suspensas as regras de disciplina financeira europeia, o malfadado Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), com que têm garrotado os países economicamente mais frágeis em benefício dos mais fortes que têm lucrado com essa situação de desigualdade. O Eurogrupo, essa instituição informal presidida por Centeno, sempre servil e dependente das directivas teutónicas, agora pode seguir as pisadas do patrão dando-se a liberalidades que nunca teriam coragem de propor. A ver vamos se debaixo do tapete não estão já plantadas sementes de troika. Essa gente é capaz de tudo.

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Cartoon de Eneko, nome artístico de Eneko de las Heras Leizaola, desenhador e humorista vasco nascido em Caracas (Venezuela) em 1963. Em 2018 foi o ilustrador escolhido para desenhar o cartaz dos prémios Liberpress (Espanha). CréditosEneko / Le Grand SoirInsira um título

Uma das curiosidades despoletadas por esta crise são as reviravoltas dos mais estrépitos governantes neoliberais empurrados contra vontade a assumirem odiadas e malfadadas medidas socialistas ressuscitadas dos escombros do Welfare State e outras, como as nacionalizações ainda faladas entre-dentes. Com o caos a alastrar não podem fazer o que lhes vai na alma bem sintetizado num cartoon: privatizar a saúde, socializar a dor. Fazem-no com mal disfarçado ranger de dentes menos barulhento que o nosso ranger de dentes de fúria ao assistirmos ao FMI a recusar qualquer apoio à Venezuela; ao ignóbil e inominável Trump ameaçar com mais sanções um Irão muito fustigado pelo covid 19, bloqueando a importação de medicamentos e aparelhos sanitários; ao ouvir o secretário de Estado francês dizer que isto é um boa oportunidade para se fazerem bons negócios na bolsa, um convite à especulação que já andava de freio nos dentes pré-crise; ao presenciar o desembarque de milhares de soldados norte-americanos na Europa, para realizarem os maiores exercícios militares de sempre da NATO contra um suposto inimigo; ao ver as grandes empresas norte-americanas a pedir o dinheiro dos contribuintes para serem salvas e que são as mesmas que nos últimos anos gastaram milhares de milhões de dólares a comprar as próprias acções em bolsa para as valorizar artificialmente e distribuir chorudos dividendos; ao assistir às manobras do cavalheiro da indústria que ocupa a presidência dos EUA à coca de onde pode ganhar algum com a crise, sem se preocupar por os EUA serem já o país do mundo mais infetado e onde a saúde é um negócio pelo que o número de vítimas prevê-se brutal; ao ver os especuladores a esfregar as mãos preparando-se para saltar e fazer subir as taxas de juro sobre as dívidas soberanas mais expostas de países praticamente impotentes por terem entregue de mão beijada a sua soberania a instituições supranacionais; ao presenciar o espectáculo dos que, tendo informação privilegiada sobre a crise, como os senadores norte-americanos da comissão da saúde, a aproveitaram para se livrar de acções problemáticas.

Para nossa fúria, a lista das ignomínias não pára de crescer.

Fúria ainda ao assistir praticamente à ocultação das acções solidárias para com os países europeus feitas por Cuba, China e Rússia ou quando lhe concedem menos minutos que a um qualquer futebolista que entrega um donativo equivalente a dois pneus de um dos carrões que enchem a sua garagem. Fúria igual à daquela cientista empenhada em investigações para se alcançar uma vacina e que ganha menos de um décimo dos mais bem pagos desportistas. Fúria ao assistir à hipocrisia e ao cinismo da tropa fandanga dos comentadores e de alguns políticos que colocam a tónica nas faixas, etárias em que a mortalidade é maior para mascarar as diferenças de classe entre os mortos. facto ainda mais camuflado pelo relevo dado a um qualquer famoso vitimado entre milhares de outras vitimas. Fúria com essa tropa fandanga que distrai a atenção da malta não referindo que os países que melhor têm resistido à pandemia são os que têm serviços nacionais de saúde mais robustos; fúria com os que estão sempre a por em causa, alguns com melífluas vozes de bandido, os serviços nacionais de saúde.

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Detalhe do mural «O movimento social do trabalho» (1941), no Supremos Tribunal de Justiça da Nação, no México, do muralista mexicano José Clemente Orozco

Fúrias que nos assaltam todos os dias quando descascamos o lado oculto da pandemia e descobrimos mais uma golpada para lucrar com a crise, mais uma espadeirada no mínimo de solidariedade que se devia exigir, mais uma tentativa de semear o pânico, mais uma mentira grande ou pequena para socavar o trabalho dos SNS, por mais uma declaração canalha de um dos representantes do capitalismo predador, fúria ainda ao verificar as tentativas de por em prática a «doutrina de choque» (1) a alastrar como um vírus dentro do outro vírus, de forma mais benigna ou mais maligna. Fúria quando se torna público que no dia 18 de Outubro de 2019, dezena e meia de tecnocratas de luxo ao serviço das mais altas esferas do regime neoliberal globalista reuniram-se num hotel de Nova York para realizar «um exercício pandémicode alto nível» designado Event 201; consistiu na «simulação de um surto de um novo coronavírus» de âmbito mundial no qual, «à medida que os casos e mortes se avolumam, as consequências tornam-se cada vez mais graves» devido «ao crescimento exponencial semana a semana». Ninguém ouvira falar ainda de qualquer caso de infecção. O rol é extenso e todos os dias se tropeça em algo que desperta a fúria com todas estas políticas vendidas ao poderoso caballero (qui) es don dinero (Francisco Quevedo) agora catalisadas pela pandemia do covid19.

Verdadeiramente alarmante é que, no meio do turbilhão apocalíptico que se vive, parece ser mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, mesmo quando este mostra todo o esplendor da sua face canibal e prova ser incapaz desnudando a sua decadência. É o triunfo do pensamento único neoliberal, ainda que temporalmente condenado, que tem o objectivo último de já não ser possível pensar que é possível pensar uma sociedade outra, que conseguiu contaminar e continua a contaminar as esquerdas cosmopolitas, por onde ainda viaja muita gente séria e empenhada. Pensamento único neoliberal, que procura o improvável e impossível absurdo de, depois de séculos de duras lutas contra a exploração do homem pelo homem, que exigiram inúmeros e heroicos sacrifícios, em que milhões de pessoas se sacrificaram e foram sacrificadas, não haver ninguém para assistir à última cena de uma ópera, em aplauso desses séculos de lutas, quando o último capitalista, depois de vender a corda, vai ser enforcado.

A fúria que nos assalta tem que se transformar em som. Tem que ser o som da luta política, social e cultural em que a esquerda consequente e determinada – a que sabe que o capitalismo, por mais hegemónico e consistente que se apresente, como é o capitalismo actual ainda que corroído pelo coronavirus, tem sempre um carácter historicamente contingente – se envolve e empenha dia a dia, hora a hora, para sair deste furacão catalisador de uma crise anunciada, esclarecendo e denunciando todas as formas o estado de excepção que o transformem numa interrupção da vida em que as principais vitimas serão os trabalhadores. Som a denunciar a inverdade de todos estarmos expostos de igual modo ao vírus e a todas as consequências que se verificarão quando todas as emergências forem ultrapassadas. As classes, a luta de classes existe, até mais fácil percebe-la com a evidência de não ser a mesma coisa enfrentar a crise com o salário mínimo ou com os fabulosos honorários dos presidentes das maiores empresas cotadas no PSI20, de não ser a mesma coisa quatro pessoas estarem confinadas de quarentena num T1 de uma torre nos subúrbios do Porto ou de Lisboa e quatro pessoas viverem-na numa moradia com jardim e piscina à beira mar plantada.

Som de alerta para ter sempre bem presente que a luta de classes não entra em coma, mesmo assistido, com a pandemia. Som que se sobreponha a todas as trombetas do apocalipse capitalista.

(publicado em AbrilAbril http://www.abrilabril.pt )

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Venezuela e Oportunismos de Pacotilha

A eurodeputada Marisa Matias denuncia os oportunismos de última hora do PSD e do CDS em relação à Venezuela e faz uma revelação bombástica : “Nós, no Bloco de Esquerda, não estamos ao lado de Trump nem de Bolsonaro em relação à Venezuela. No Bloco de Esquerda estamos ao lado de Guterres e das Nações Unidas”. A coordenadora do BE diz que «a posição do Governo português de reconhecer Guaidó não tem precedente e viola o direito internacional» para logo a seguir exigir «eleições livres» o que é uma estranhíssima afirmação pressupondo que as eleições que até aqui se realizaram na Venezuela não têm sido livres nem sujeitas a apertada supervisão internacional. Só nas últimas eleições é que a ONU e a UE, sem o justificarem, se escusaram a participar no restante grupo de observadores internacionais, o que entreabriu portas à golpada em curso. É o BE a denunciar o oportunismo dos outros enquanto faz público strip-tease do seu oportunismo. Deviam saber, até devem saber mas passam ao lado, que Guaidó, também as exige embora adiantando que é necessário depurar as instituições que supervisionam eleições na Venezuela, os cadernos eleitorais e mais um rol de exigências de um programa de claras florescências macartistas. No horizonte o desejo de eleições como as descaradamente fraudulentas nas Honduras, as manipuladas no Paraguai, Colômbia, etc. O BE não estará evidentemente de acordo com essas «eleições livres» de Guaidó mas, com as suas tergiversações, percorre um perigoso caminho paralelo.

Marisa Matias alinha ao lado de António Guterres, ainda sem ter a oportunidade de lhe distribuir uma ração de beijos como fez com Tsipras, para saudar e dar cobertura à sua sinuosa manobra diplomática quando, a par de Federica Mogherini, a Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, se recusou, sem explicar os motivos, a enviar delegações que dessem assistência e supervisionassem as eleições em que Nicolás Maduro foi eleito com 67,4% dos votos expressos, tendo-se registado uma abstenção de 54%, a mais alta de sempre em eleições venezuelanas. Finge que não sabe que Maduro foi reeleito usando o mesmo sistema eleitoral com o qual Guaidó se tornou deputado, que havia 3 candidatos da oposição, os outros anunciados desistiram à última hora numa manobra comandada à distância por Washington para desacreditar essa eleição rufando desde o primeiro momento essa depreciação nos tambores dos media mercenários. Omite que os outros candidatos reuniram 33% dos votos e seguiram as regras acordadas na mesa de diálogo realizada na República Dominicana entre o governo venezuelano e a oposição, com o ex-presidente espanhol Zapatero como mediador, que também participou como observador nas eleições presidenciais. Nada disso lhe interessa, tal como não interessa que, na realidade, António Guterres, sancionando essa ausência, tenha dado antecipada cobertura, do alto do seu altar de secretário-geral da ONU, ao Grupo de Lima, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru, Santa Lúcia e México (antes das eleições que colocaram Lopez Obrador na presidência e que se hoje se recusa a apoiar o golpe de estado de Juan Guaidó), que não reconheceram os resultados das eleições presidenciais devido à percepção de falta de transparência”, o que é irónico olhando para aquele painel de países. Foi com essa encenação e o implícito e nada inocente beneplácito de Guterres e Mogherini que se preparou o golpe de estado em curso, com que a deputada euro-europeia e o BE alinham por mais ginásticas façam.

Marisa Matias e o BE bem podiam ter evitado o embaraço em que se embrulharam. O oportunismo do BE de nem Maduro nem Guaidó, atirando para debaixo do tapete que é um é presidente eleito e outro o actor de um golpe de estado, está em compasso com a desinformação e manipulação mediática que, desde o princípio da revolução bolivariana de Chavez, tem sido uma das principais armas de combate do imperialismo. Isto apesar de todas as controvérsias que envolvem o processo venezuelano, não isentas dos erros que conduziram ao impasse actual. O que é inadmissível é que o BE faça umas vagas condenações das brutais agressões e boicotes que têm sido feitas à Venezuela conduzindo à crise económica, impulsionada por ordens executivas de Barack Obama e Donald Trump ao declarar o país como perigo para a segurança nacional dos Estados Unidos. Nem digam nada ou digam pouco sobre as sanções que têm impedido a compra de alimentos e medicamentos, nem sobre o confisco de bens venezuelanos nos EUA e países súbditos das suas estratégias geopolíticas. Sobre isso o BE quase que é surdo, cego e mudo.

Não apoiam nem Maduro nem Guaidó puxando os galões de democratas todo o terreno, denunciam uma deriva autocrática, insinuam que na Venezuela não há liberdade de expressão. O que não se sabe é que raio de democracia e liberdade de expressão defendem quando a Venezuela tem sido o país com mais disputas eleitorais em todo o hemisfério da América do Sul nas últimas décadas. Desde 1998, foram realizadas 5 eleições presidenciais, 4 eleições parlamentares, 6 eleições regionais, 4 eleições municipais, 4 referendos constitucionais e uma consulta nacional. 23 eleições em 20 anos. Todos com o mesmo sistema eleitoral, considerado o mais seguro do mundo pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, todas sob observação internacional plural, excepto a última por motivos óbvios a atapetar o caminho para a golpada. Todos os dias olham para os ecrãs televisivos e deparam-se com Guaidó – veja-se a peça de propaganda montada pelo serviço público da televisão nacional numa mascarada de entrevista ao putativo presidente que deve ter feito ficar Steve Bannon roxo de inveja – dando declarações rodeado de microfones de meios de comunicação nacionais e internacionais, devem considerar que isso não demonstra que haja liberdade. Se calhar, hipocritamente, consideram que Leopoldo López, líder do mesmo partido de Guaidó, é um preso político olvidando que foi condenado por ser o autor intelectual de “La salida”, que promoveu as “guarimbas” de 2014, com saldo de 43 mortos e centenas de pessoas feridas.

Devem-se comover com os milhões de venezuelanos que, empurrados por uma crise económica imposta pelo imperialismo norte-americano e seus títeres, se refugiam nos países vizinhos, esquecendo-se que, pelos números da ONU, os venezuelanos que fogem à crise são metade dos hondurenhos que deambulam pelos territórios do continente americano, o que não diminui a gravidade da crise que se vive na Venezuela mas contextualiza-a em relação à miséria que grassa no continente americano. Outra probabilidade é considerarem que os direitos humanos são violados na Venezuela nos confrontos com a polícia. Se atendessem aos números verificavam que, pelos últimos números de 2017: 131 pessoas mortas, 13 das quais foram baleadas pelas forças de segurança (compostas por 40 membros presos e processados); 9 membros da polícia e da Guarda Nacional Bolivariana mortos; 5 pessoas queimadas vivas ou linchadas pela oposição. O restante dos mortos foram-no principalmente enquanto manipulavam explosivos ou tentavam contornar as barricadas da oposição. Há a violência do banditismo na Venezuela, roubos sequestros e equiparáveis, que não é maior nem menor que noutros países da América do Sul. Também isso serve para manipular a informação e apresentar a Venezuela como o país mais violento dessa região, mesmo que o Brasil ou a Colombia estatisticamente a ultrapassem. Os números, a realidade pouco lhes interessam. Interessam as imagens desde que não tenham legendas. Fica-lhes na cabeça aquele jovem em chamas, um opositor ao regime que involuntariamente se imolou pelo fogo quando pretendia atear o fogo aos bolivarianos. Horror, horror, tapam os olhos para não o identificarem e assim a violência torna-se um valor abstracto.

O que o preocupa o BE na Venezuela não é o drama que aquele povo vive por imposições externas, nem os direitos humanos, nem a ausência de eleições livres, etc., etc. O que será? Arriscamos uma hipótese: o relaxe de lutas fracturantes!!! Deve ser isso! No meio daquele caos, daqueles dramas quotidianos, dos boicotes e sabotagens o Partido Socialista Unido da Venezuela não dá a devida atenção às lutas fracturantes, um crime lesa liberdades que o BE não perdoa.

Tanta emoção, tanta comoção empurra-as para o equilibrismo oportunista de Guterres. “Nós no Bloco não estamos ao lado de Trump nem de Bolsonaro” pois não, era o que mais faltava, mas alinham com os seus desejos. Andam a vender chocolates embrulhados em papel de prata que é de estanho, sentam-se à mesa com o beato Guterres travestido de Pilatos que, da forma sorna que é o seu selo, apela ao “respeito pela lei e pelos direitos humanos” pedindo uma investigação “independente e transparente” aos casos de violência nos protestos de quarta-feira, escusando-se a falar da legitimidade de Nicolás Maduro e da declaração de Juan Guaidó proclamando-se presidente interino, atirando para dentro do armário o esqueleto da ONU, a seu mando mas cumprindo os desejos de Bolton, Pompeo, Trump & Companhia, se ter excluído de observar as últimas eleições presidenciais para abrir a porta ao actual golpe de estado. Nada sobre os boicotes. Nada sobre os pacotes de sanções. Nada sobre o saque aos bens da Venezuela. Um comunicado redigido com água benta de que algumas gotas foram recolhidas sofregamente pelo BE para aspergir o seu comportamento errático a tentar retirar dividendos das circunstâncias. No mais fundo das mais fundas gavetas do excelentíssimo secretário-geral repousa em coma profundo, o BE humanitariamente não o desperta, o relatório de Alfred-Maurice de Zayas, especialista independente que a ONU enviou em 2017 à Venezuela, que afirmava que as medidas coercivas unilaterais impostas pelos governos dos Estados Unidos (EUA), Canadá e a União Europeia (UE) afectaram o desenvolvimento da economia venezuelana, já que agravaram a escassez de remédios e a distribuição de alimentos. Descarta a tese da “crise humanitária”, indicando que o que existe é uma crise económica que não pode ser comparada com os casos da Faixa de Gaza, Iémene, Líbia, Iraque, Haiti, Mali, Sudão, Somália ou Myanmar. Considera que as sanções económicas são comparáveis com os cercos praticados contra as cidades medievais com a intenção de obrigá-las a render-se, que atualmente buscam submeter países soberanos e que o bloqueio económico, aplicado no século XXI, está acompanhado de ações de manipulação da opinião pública através de notícias falsas e relações públicas agressivas, para desacreditar determinados governos. A “ajuda humanitária” , cavalo de batalha de Gauidó espaldado pelos mercenários da comunicação social, em lugar de destaque o enviado especial do serviço público da RTP, é uma das manobras mais miseráveis, cínicas e hipócritas do império norte-americano e seus sequazes que, enquanto garrotam com sanções e boicotes a Venezuela, que já custaram 30 mil milhões de dólares aos cofres venezuelanos e promovem as carências em bens alimentares e medicamentos, enviam em saquetas uma percentagem mínima do que já sacaram.

Marisa Matias e o BE também nada disseram ou pouco dizem sobre o terrorismo estadunidense que, não fora o apoio popular ao governo bolivariano e o de muitas nações que se demarcaram e condenaram os EUA só apoiado pelo rebanho de países suas marionetas entre os quais está Portugal, o interino Guaidó, teria, directamente ou pelas armas dos para-militares e dos exércitos colombianos e brasileiros, passado a definitivo, dando início aos massacres e perseguições e à aplicação desenfreada do programa de choque neoliberal há muito agendado. É claramente insuficiente, mesmo cobarde afirmar-se que não se está com Trump ou Bolsonaro e depois pintar com meias e cinzentas tintas o que de facto está a acontecer na Venezuela.

O povo venezuelano vive um imenso sofrimento por erros políticos internos graves por parte do governo bolivariano, por uma extensa e brutal pressão externa, por um embargo que só se justifica por ser um país que tem das maiores reservas mundiais de petróleo. É isso que explica e justifica esta obsessão por uma mudança de regime, patrocinada directamente pelos EUA e suas marionetas, sustentada pelas atitudes até há pouco dúbias das chamadas democracias e que agora se chegam à frente para ver se não se atrasam numa eventual partilha que seguirá ao saque, se o conseguirem. A posição assumida pelo governo português reconhecendo Guaidó, obedecendo a Mike Pompeo e dando respaldo ao seu partido de extrema-direita e ao golpe de estado em curso, pela voz do maquiavel da feira de vandoma que se senta nas Necessidades, envergonha-nos. Mais nos envergonha por se saber que a Europa já esteve várias vezes activa nas negociações entre governo e oposição, negociações que fracassaram sempre por pressão dos EUA.

O problema central da Venezuela é continuar a ser independente e soberana, o que intolerável para Trump como já o era para Obama. O que está a ocorrer é um processo de afundamento da sua economia para impor uma mudança de governo e submeter o país a uma alteração sócio-económica pela cartilha dos princípios neoliberais. Que Santos Silva alinhe com esses objectivos nada que surpreenda, pensa pela cartilha que lhe colocam á frente e nunca arriscaria uma palmatoadas do Pompeo,

só seria estranho que PSD, CDS, muito do PS não lhe dessem conforto. Tem no oportunismo do BE um aliado que estando no mesmo palco se quer apresentar distinto. Que alinha sem alinhar nessa agenda que objectivamente subscreve, como já fez em muitas outras ocasiões, que mal disfarça com uma ginástica de radicalismos de fachada e piruetas canhestras que coloram aquela manta de retalhos.

Há que estar ao lado do povo da Venezuela. Há que inequivocamente condenar o boicote e as sanções que estrangulam a economia venezuelana, a causa principal da brutal crise que o povo tem vindo a suportar. Referir o estado caótico da economia sem apontar ao boicote humanitariamente condenável é de um cinismo e uma hipocrisia intoleráveis. A Venezuela vive uma grande depressão económica, com uma enorme degradação dos serviços públicos. Há que não esconder que parte dessa situação deriva de erros e equívocos do governo de Maduro, que agravaram alguns que já vinham de Chavez, porque não houve mudanças significativas na estrutura económica do país que não se libertou da quase total dependência do petróleo, sujeitando-se aos ciclos da economia internacional. Porque prosseguiu um rumo ziguezagueante e algo confuso, de compromissos e confrontos com políticas capitalistas o que acaba por dificultar a sua luta assumidamente anti-imperialista e contra o golpismo da burguesia que sempre beneficiou com a exclusividade dos recursos do petróleo, que os governos chavistas redistribuíram pelos mais pobres. Mesmo que esses erros e equívocos não sejam a parte substancial da crise, não devem ser subestimados nem escondidos atrás do biombo do criminoso boicote conduzido pelos EUA, para que a Venezuela os ultrapasse e sobreviva num contexto regionalmente desfavorável e a Revolução Bolivariana prossiga corrigindo muitos dos seus desacertos.

Há que encontrar o mais rapidamente possível uma saída para a crise garantindo a continuidade da Revolução Bolivariana. É um dever cívico, político e de cidadania apoiá-la sem margem para dúvidas, por maiores ou menores que sejam as críticas que se façam, sem embarcar em oportunismos de pacotilha traduzidos em declarações simbólicas em que muitas esquerdas se enredam para matizar a sua deriva ideológica e a sua impotência política o que é insuportável e injustificável quando a Venezuela está na iminência da guerra civil e do caos total.

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A FRANÇA ESTÁ A ARDER

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A Liberdade Guia o Povo, Delacroix

Ontem percorrer os diversos canais de televisão e ouvir os diversos opinadores que sisudamente debitavam “inteligentes” comentários no rescaldo das eleições presidenciais francesas foi exercício penoso e inquietante. Hoje segue-se naturalmente mais uma enxurrada de textos dos mesmos e mais uns outros pares que, desta vez, não tiveram assento nos tablados televisivos e radiofónicos. A ruminação irá continuar triturando a miséria das filosofices de pacotilha, com maior ou menor conhecimento local, o que pouco acrescenta além de uns dourados na moldura. Feito um balanço de tanto falazar, conclui-se que ler previsões astrológicas, os profissionais dessa área são igualmente numerosos e habilitados, até será mais produtivo. Entretanto a extrema-direita avança na Europa e no mundo por sobre os destroços das crises do capitalismo e da globalização, as consequências das políticas ditas de ajustamento, as traições dos socialistas e sociais-democratas submetidos aoa globalistas, as euforias das esquerdas caviar, enquanto a direita vai ajustando as suas rotas para não ficar fora das órbitas do poder. As preocupações que se expressam com os riscos do fascismo que se perfila seriamente no nosso horizonte são inconsistentes enquanto se meter a cabeça na areia e se procure curar um cancro em adiantado estado de desenvolvimento e com inúmeras metástases com comprimidos de melhoral, o tal que não faz bem nem faz mal. Dito isto à laia de prólogo, anexo a reflexão sobre as eleições francesas publicado no AbrilAbril  http://www.abrilabril.pt  de hoje.

 

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A Jangada da Medusa , Gericault

 

 

NO RESCALDO DAS ELEIÇÕES FRANCESAS

 

Os ventos da história que abalam a Europa e o mundo são fortes e estão poluídos. Mais uma vez, depois das eleições em França, sopraram mais fortemente com a contribuição dos violentos suspiros de alívio das medíocres classes políticas e seus felizes apaniguados alegremente satisfeitos com a eleição de Macron. Repetiram o alívio pulmonar que as eleições na Holanda, onde um populista bom ganhou a um populista mau, tinha estimulado. A vista curta dessas cortes, com amplo acesso a uma comunicação social estipendiada, satisfaz-se com a derrota de Le Pen, uma fascista das mais bem estruturadas nos campos da direita mais extrema. Não se detém no facto da Frente Nacional ser actualmente o maior partido francês que só não tem maior representação na Assembleia Nacional de França por via de um enviesado sistema eleitoral, o que não é motivo nem de orgulho nem de repouso. Os chamados partidos do sistema, socialistas e republicanos, estão esfrangalhados pelos escândalos mas, sobretudo, pela pauperização ideológica. O perigo próximo é Macron, nos próximos anos de mandato, adubar o caminho para Le Pen. Um percurso semelhante nas suas diferenças com o de Obama que facilitou a chegada ao poder de Trump, e Le Pen é bem pior que Trump, só que com menor arsenal, financeiro e militar, à sua disposição.

O cenário de fundo é a crise actual do capitalismo que promove os fascismos, como já aconteceu na história recente, em formato diferente, com Mussolini, Hitler, Franco, Salazar. A retórica da extrema direita, bem documentada nas declarações eleitorais de Le Pen, oculta o que o fascismo foi e é, um sistema de governo em conluio com grandes empresas, que favorecem economicamente com a cartelização do sector privado, os subsídios às oligarquias financeiras e económicas. Só idiotas inteligentes com demagogia populista por vezes sofisticada, por cá Lobo Xavier na Quadratura do Círculo é um bom exemplo, é que metem no mesmo saco as propostas económicas, políticas e sociais da esquerda com as das variadas Le Pen’s. É a direita a cavalgar os perigos reais do fascismo em benefício próprio e do capital que a apoia e sustenta. Sabem, bem sabem que propostas aparentemente similares na forma divergem radicalmente nos conteúdos, nos propósitos e nas práticas. Sabem, até bem de mais que quem está mais próximo das Le Pen’s são eles. É gente não olha a meios para alcançar os seus fins. Estão entrincheirados numa comunicação social controlada pelo capital financeiro globalizado que oculta que a extrema direita usando e abusando dos tiques populistas, seja Le Pen, Wilders, Farage, Petry, consegue mobilizar os cidadãos porque eles estão decepcionados e sentem-se traídos pelas políticas de ajustamento impostas pelos poderes supranacionais, FMI, Banco Central Europeu, Banco Mundial, União Europeia. Que isso acontece porque os partidos tradicionais republicanos, socialistas e sociais-democratas na Europa se associaram e submeteram às políticas económicas e sociais dos globalistas.

O enorme perigo que o robot da globalização Macron representa são as políticas económicas e sociais enunciadas no seu programa que já tinha defendido enquanto secretário-geral adjunto da Presidência da República no consulado Hollande e ministro da Economia de Manuel Valls. Os trabalhadores, as classes médias só podem esperar o pior. O quanto pior melhor alimenta populismos, tanto de esquerda como de direita, em particular da extrema direita. Só quem está longe da realidade e tem vistas curtas é que pode pensar que as crises abrem necessariamente mais espaço à esquerda e fica sentado à espera de colher os frutos pútridos quando caírem. As lutas pelos direitos políticos e sociais não se reforçam com as crises, que alargam sempre o fosso entre ricos e pobres. Quem se reforça são os populismos de todos os matizes. Quando as crises rebentam as pessoas humanamente interrogam-se sobre o dia de amanhã. A reacção mais imediata e espontânea é o receio pelo seu futuro. Se num primeiro impacto os princípios da sociedade que os impôs são postos em causa, a seguir regressam em força, pela mão dos agentes mais violentos do capitalismo. É o que se observa na Europa. Há sempre um recrudescimento da direita, da extrema-direita, do fascismo que floresce catalisado pelo quanto pior melhor. As esquerdas, em particular os comunistas, são as mais visadas por essa política de choque que tem a intenção deliberada de aterrorizar os cidadãos, preparar activamente o terreno para a liberalização radical do mercado.

A grande interrogação é se a esquerda, as esquerdas conseguem, nos espaços de interregno que se vão seguir às eleições na Europa, de algum modo regenerar-se. As dúvidas são muitas e legítimas. O passado recente faz temer o pior. É ver o quase terror que atravessa algumas hostes socialistas quando um homem como Jeremy Corbyn é eleito líder do Labour Party, tentando inverter, mesmo com alguma timidez, as desgraçadas políticas dos lideres trabalhistas thactherianos.

No momento actual há um dado político e ideológico fundamental. Enquanto a proletarização avança a passo largo em todo o mundo e o conflito central continua a ser o da luta entre o trabalho e o capital, o eclectismo político invadiu essas esquerdas, é um forte aliado do capital e da burguesia, o que é um triunfo ideológico da direita bem expresso tanto nas variegadas terceiras vias que colonizam os partidos socialistas e sociais-democratas, seja qual for a sua sigla, como também quando as lutas ditas fracturantes, pondo a tónica na exaltação das diferenças, ocupam lugar central em vez do lugar secundário que justamente deviam ter, confundindo lutas por mudanças de atitudes sociais com lutas por mudanças sociais de fundo.

Muito se fala em crise do sistema democrático, raros são o que colocam o dedo na ferida, o que também é uma forma de sustentar e favorecer as direitas com o fascismo perfilado ao fundo do túnel. O que se assiste é o acentuar da indiferenciação ideológica e programática entre esquerda e direita que se iniciou logo no fim da II Guerra Mundial e se acelerou, entre outros sucessos, com a generalidade dos partidos comunistas a consumirem-se autofagicamente na voragem do eurocomunismo. Na Europa, a evolução dos sistemas partidários aproximou-os cada vez mais do sistema partidário norte-americano em que o que separa democratas de republicanos é mais a forma que o conteúdo. A democracia representativa deixou de ser o lugar da luta de classes por via pacífica, como era proclamado pelos primeiros revisionistas sociais-democratas. A apologia da democracia tende a confundir-se com os partidos tanto mais quanto menos a realidade partidária corresponde ao ideal democrático. Os partidos tornaram-se numa finalidade em si-próprios, reduzem praticamente a sua acção e medem a sua representatividade em função dos resultados eleitorais. Deixaram de ser instrumentos ao serviço dos eleitores, o que é bem expresso pelo abismo que normalmente existe entre as promessas eleitorais e as práticas governativas mal alcançam o poder. São prolongamentos do aparelho de Estado, representando determinados interesses económicos que lhes dão apoio variável. São organizações eleitorais sem definição nem mobilização ideológica, confinando substancialmente a sua práxis política ao exercício da conquista do voto, o que é um gravíssimo retrocesso político-ideológico.

Nesse quadro, que se agrava tanto mais quanto mais a actividade política fica enclausurada nos momentos eleitorais, os cidadãos afastam-se da política, dos partidos políticos, descrentes das virtudes de um sistema democrático em que não se sentem representados. Essa é que é a crise do sistema, a real e dura crise do sistema iludida por retóricas de pacotilha, em que os grandes beneficiários são a direita, a extrema direita, no fim da linha, os fascismos. Tende a inflacionar-se se os partidos socialistas e sociais-democratas persistirem em continuar por essa vereda, destruindo lance a lance eleitoral a democracia representativa. Os fantasmas de, entre outros, Blair e Hollande, deviam ser um semáforo de aviso. O perigo, mesmo que adiado por uns tempos, vai continuar a assombrar a Europa e o mundo. Há que corajosamente enfrentá-lo.

 

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Terrorismo Financeiro

 

este nunca está satisfeito

gravura de Bartolomeu Cid dos Santos

O Orçamento de Estado 2016 (OE2016) está debaixo do fogo cruzado dos partidos da oposição, de uma série de entidades supostamente dotadas de clarividência técnica e politicamente neutras, contam com o apoio activo de uma comunicação social mercenária ao serviço do grande capital e das políticas económicas neo-liberais.

Os alertas dos tecno burocratas da União Europeia, das agências de rating, da UTAO e do Conselho de Finanças Públicas que colocam em causa as contas do OE2016 têm a extrema curiosidade de nunca terem posto em causa as contas dos quatro Orçamentos de Estado do governo PSD-CDS que estavam tão bem feitas que foram objecto de oito (!), repita-se oito(!), orçamentos rectificativos!!! Não se ouviu alarido algum! Que credibilidade tem essa gente?

O que os alarma é que nos celebrados mercados, a geringonça da financeira especulativa, os juros continuam a cair nos últimos dias. Confiam nas contas do OE2016? Confiavam nas políticas de austeridade e nas contas dos OE’s dos governos PSD-CDS e por isso os juros foram baixando paulatinamente?  Nada disso! Baixaram porque o BCE interviu, continua a intervir, anuncia que vai continuar a intervir nos mercados financeiros para ajudar os países endividados a financiarem-se. Será bom lembrar que mesmo o FMI, o BCE, mesmo alguns membros das comissões e instituições europeias e governos europeus colocam em causa o quadro de forte austeridade imposto à periferia, que o Governo PSD-CDS, por convicção ideológica, abraçou ultrapassando mesmo exigências da troika que já eram desproporcionadsa e despropositadas. Acabaram por conduzir Portugal ao estado miserável actual sem resolver nenhum dos problemas ditos estruturais. Aumentaram a dívida soberana em relação ao PIB, era 91% em 2010, hoje é 137%. Encheram os cofres de dívidas e passivos,empurrando para os anos seguintes a resolução de uma dívida cada vez mais impagável. Aumentaram o desemprego para taxas obscenas mesmo disfarçadas com malabarismos estatísticos. Alargaram drasticamente o fosso entre os mais ricos, cada vez menos e mais ricos, e os pobres cada vez mais e mais pobres, até Portugal ser o país mais desigual da UE. Empobreceram o país, revogaram direitos sociais, económicos e políticos, venderam privatizando empresas ao desbarato, destruiram parte substancial do tecido económico de Portugal maioritaramente composto por pequenas e médias empresas, cortaram salários, pensões e reformas a esmo, asfixiaram a maioria dos portuguese com uma carga fiscal brutal enquanto concediam benefícios fiscais às grandes empresas e bancos, tudo para se vangloriarem de uma saída limpa que é uma ficção feita com buracos financeiros que se vão descobrindo, a procissão ainda está no adro. As malfeitorias são mais que muitas tudo em nome dessa coisa viscosa e falacciosa que é o não haver alternativa.

Agora, comunicação social e partidos da oposição ao XXI Governo Cosntucional andam em grande grita por todos os cantos e recantos atirando achas para a fogueira dos que cosem em lume vivo o OE2016, recorrendo ao argumentário das tecnicidades, uma rede onde se colocam todas as dúvidas sobre a validade das variáveis em que se fundamenta o OE2016. Um trabalho de que se encarregam quatro agências de rating, comissões técnicas da Comissão Europeia,conselheiros do Conselho Económico e Social, do organismo da Assembleia da República para analisar a construção do orçamento, UTAO, Conselho de Finanças Públicas, o organismo cuja missão é avaliar a consistência das políticas económicas e financeiras, como se esses ilustres técnicos estivessem esterilizados por uma dedicação exclusiva à ciência económica, como se a ciência económica fosse uma ciência exacta. Como se não visassem objectivos políticos. Um farisaismo sem fronteiras nem limites.

O que essa gente não diz e oculta é que as expectativas económicas em parte alguma são credíveis  As expectativas dos orçamentos de Estado, dos mercados de matérias primas, das bolsas são o resultado, são criadas pelas agências de notação financeira, pela comunidade de peritos técnicos e pela comunicação social. Tudo isso está sob o controle dos grandes bancos e do grande capital especulativo e financeiro. São os.grandes bancos e o grande capital especulativo e financeiro que encomendam as expectativas “necessárias”.para sacarem lucro. Desde a crise dos subprime à actual crise do mercado petrolífero isso é uma evidência indesmentível. A credibilidade técnica é nula. Trabalham para interesses financeiros específico imediatos e políticos a médio e longo prazo..

Fazer depender um OE das notações das  agências de rating, das avaliações dos tecno-burocratas de Bruxelas, politicamente em linha com as políticas conservadoras e neo-liberais, sem qualquer legitimidade e escrutínio democrático, é querer impor uma diatadura a Portugal. É alinhar com o terrorismo financeiro vigente! É travestir a realidade de o debate sobre o OE2016 ser um debate político, que é o que o governo trava com Bruxelas. É fingir que as análises das agências de rating e as outras comissões técnicas são meramente técnicas e não são também políticas! Um gato que se anda a vender com pertinácia por lebre na comunicação social.

Os partidos da oposição e os media andam deliberadamente a procurar espalhar o pânico. Procuram com afinco provocar efeitos externos pressionando fortemente tanto a margem negocial do governo com Bruxelas como a enviar sinais alarmistas para as famigeradas agências de notação. Há um medo generalizado que explode no meio dessa gente como uma bomba atómica. Receiam que haja por parte da UE alguma flexibilidade que prove ser possível fazer melhor do que eles fizeram, e fizeram sempre mal, e que os sacríficios exigidos durante quatro anos aos portugueses foram excessivos e desnecessários. Foram uma fraude política-económica sem resultados palpáveis, além dos já referidos.

Essa a verdadeira razão que aduba a algazarra dos partidos na oposição e os seus sustentáculos nos media. Gritaria que aumenta o volume quando assistem ao marimbanço de França, Espanha e Itália aos avisos de Bruxelas. Quando os tecno-burocratas de Bruxelas se inquietam com o que possa suceder nos tempos mais próximos em Espanha onde o PP submeteu o país a um resgate, que pudicamente não foi classificado como tal, e eventualmente poderá vir a ter um governo que se oponha, como o nosso, às mais brutais medidas austeritárias. A grande questão é a dimensão da economia espanhola que fará subir e trazer para outro patamar a discusão sobre um atabalhoado Tratado Orçamental, onde se impôs o conceito de défice estrutural, um conceito abstracto e artificial,  que se adicionou ao Pacto de Estabilidade e Crescimento em tempo e favorecendo a desrelugação dos mercados, em benefício da especulação financeira, submetendo as políticas públicas aos interesses privados, esmagando as políticas económicas do sul com a ortodoxia económica do norte.

Portugal é uma economia fraca e com menos peso político. Mas tem os mesmos direitos de qualquer outro país da UE. É um país soberano e a sua dignidade não pode ser enxovalhada. Foi isso que os governos do PSD-CDS nunca fizeram no debate político com as instituições europeias em todos os níveis. Ir e vir com a bandeira na lapela não tem significado algum quando não se defende o país e se passa a vida de cerviz pelo chão, garantindo lá fora o que negavam cá dentro, caso das medidas económicas que eram temporárias ou definitivas conforme os cenários e os interlocutores, gabarolando-se de fazer mais do que lhe exigiam, quando o que lhe exigiam já era bárbaro

O terrorismo verbal em curso arranca de uma vigarice intelectual. Nada que os constranga. O país tem que pagar o que deve arengam, como se as dívidas dos países não fossem renogociáveis e resstruturáveis. Basta olhar para os EUA, a sua gigantesca dívida, o modo, até muito pouco ortodoxo, como a negoceiam e financiam desde que, em 1971, Nixon rompeu o acordo de Bretton Woods, recusando resgatar dólares por ouro, porque não tinha ouro suficiente para entregar e num golpe contabilistico reduziu em 35% a dívida pública dos EUA. Claro que os EUA, são um gigante económico-financeiro, mas abriram um precedente seguido por muitos outros países. As nossas cassandras querem nos fazer acreditar que as dívidas dos países são equivalentes às dívidas domésticas, não distinguindo também entre credores. Pouco lhes importa se esses credores são usurários e especuladores navegando nas ondas dos mercados. É a jacobinice em estado quase puro.

O terrorismo verbal em curso, do não estraguem o que fizemos às tiradas telenoveiras da Cristas, do que se lê, ouve e vê na comunicação social tem que ser activamente combatido. Portugal não pode estar à mercê desses  doutores fonsecas &burnay jihadistas de fato às riscas que fazem atentados com bombas virtuais que tiveram e podem vir a ter consequências devastadoras. Tentam dinamitar o diálogo do governo de centro-esquerda, que procura melhorar razoavelmente a vida dos portugueses no quadro dos tratados europeus, com uma Comissão Europeia, dominada por uma ortodoxia de centro-direita, num momento em que está em curso na Europa, ainda que de forma não muito assertiva, a discussão  sobre essa ortodoxia e os efeitos nefastos da estrita aplicação do Tratado Orçamental.

Não se pode ceder a essa chantagem! É Portugal, são os portugueses que estão em causa. É o nosso futuro colectivo que não pode ser uma miragem.

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