Por causa das próximas eleições e da organização dos debates na comunicação social, na ordem do dia os critérios editoriais. Paralelamente há lances ridículos como o argumentário do CDS preocupadíssimo com o eclipse do seu querido líder que, sendo número dois de uma coligação, fica afastado das pantalhas. Uma injustiça para quem, apesar das rugas que se acumulam nos tiques e tornam mais evidentes e penosos os vícios, todos os dias se olha ao espelho e pergunta: espelho meu, espelho meu, há político mais esperto que eu? Há político que salte melhor ao eixo sobre a verdade que eu?
Pormenores que empurram para zonas de sombra os debates sobre os formatos dos debates na comunicação social entre partidos políticos, debates dominados pelos critérios editoriais, o grande embuste dos media ditos independentes e de referência. Qualquer quadro superior de uma empresa é da total confiança dos accionistas principais, dos donos das empresas. Pela mão não se sabe de que deus menor, os directores e editores dos meios de comunicação social consideram-se possuidores de um poder que os torna imunes aos interesses económicos dos seus patrões. Estão a mentir, Mentem, com a convicção dos grandes mentirosos capazes de negar tudo, mesmo as próprias evidências. A Negação de Pedro é uma história infantil comparada com as negações da realidade feita por essa gente. Por tudo e por nada brandem a bandeira dos critérios editoriais que são critérios única e exclusivamente orientados pela caça ao mercado e pela subserviência mais contumaz às directivas do capital.
Se dúvidas existissem basta fazer uma estatística cega das notícias, tempos e dimensão que cada um dos órgãos de comunicação social concede aos partidos, aos líderes partidários. Analisados os conteúdos a miséria ética dos campeões dos critérios editoriais é guilhotinada sem dó nem piedade. Assim se percebe o incómodo causado pelo último livro de Umberto Eco Número Zero, sobre o mau jornalismo “Escolhi o pior caso. Quis dar uma imagem grotesca do mundo, ainda que o mecanismo da máquina para sujar, de lançar insinuações, já fosse usado durante a Inquisição“. O pano de fundo desse mau jornalismo, no livro levado aos limites mais grotescos, é o do jornalismo mercenário generalizado que corre mundo, não dando a imagem real desse mundo. Constroem uma imagem que o procura perpetuar justificando as suas acções, das mais bárbaras às mais persuasivas. Procuram demonstrar que o motor que o faz funcionar pode ter defeitos, falhas mas é o único motor possível. As críticas, as denúncias, por vezes inflamadas, dos escândalos políticos, económicos, sociais são instrumentais. Fazem parte de um jogo em que se compra credibilidade para continuar a generalizada intoxicação. Tal como ainda são necessários e indispensáveis jornalistas e comentadores de estatura e seriedade intelectual. Compulsar o seu desaparecimento progressivo dos órgãos de comunicação social nas últimas décadas elucida como a degradação alastra.
Grécia, Ucrânia, Médio Oriente, Europa, os desastres humanitários, as crises económica mundial, as artes e as letras, o desporto, a chamada Lifestyle, tudo o mais que flutua nesse caldo de cultura, são temas passados pelo crivo dos critérios editoriais que os trata e maltrata, banaliza como coisas naturais, passíveis de correcções de pormenor nunca de fundo. Que as tratam e maltratam na construção de um imaginário que quer impor uma visão unilateral, uma visão pós-moderna do mundo, em que a ideia moderna de uma racionalidade global da vida social e pessoal se desintegrou numa miríade de mini-racionalidades ao serviço de uma inabarcável e incontrolável irracionalidade, como diz um dos seus próceres, só não concluindo como devia que essas mini-racionalidades ao serviço de uma inabarcável e incontrolável irracionalidade são a base de uma ideologia que tem uma fé avassaladora e totalitária no neoliberalismo económico.
O objectivo final é que o mundo seja um campo de concentração, rodeado de barreiras de arame farpado materiais e imateriais, onde se encerre a dimensão humana enquanto motor de transformação e emancipação. Os fornos crematórios sempre activos para reduzirem a cinzas mesmo pensar a possibilidade de se pensar qualquer transformação significativa da forna de organização da sociedade. Parte substancial dos rolos de arame farpado, do combustível dos fornos crematórios é fornecida pela comunicação social com uso intensivo dos seus meios tradicionais e modernos, decorados com os pendões dos critérios editoriais.
O mundo atola-se nesse pântano que Peter Sloterdijk classifica de cínico por sustentadas em acções descaradas e desonestas o que as distingue do cinismo antigo de Diógenes e seus seguidores, nos quais a crítica das convenções era inseparável de uma prática coerente de recusa de compromissos: (o cinismo) na antiguidade era uma conduta de liberdade e de autonomia individual; na pós-modernidade é um conformismo cúmplice das piores baixezas. O sentir pós-moderno parece ter ficado paralisado pela discrepância entre um conhecimento lúcido e penetrante e uma imoralidade deliberada, sem freio e sem pudor.
Denunciar, desvendar os mecanismos económicos e institucionais em que se funda e afunda esse mundo pós-moderno do capitalismo neoliberal não tem comprometido a sua credibilidade. Aliás, essas desmistificações por mais sérias e credenciadas que sejam são sistematicamente remetidas para buracos onde se espera fiquem sepultadas. Esquecem-se da história mitológica do criado do Rei Midas que contou um segredo terrível sobre o seu senhor a um buraco que fez na terra e que tapou cuidadosamente. Nesse lugar cresceu um zambujal por onde a brisa passava e os bambus transmitiam o segredo aos quatro ventos. As denúncias dificilmente ultrapassam os muros, mas acabam sempre por os saltar questionando a rede de interesses económicos que domina o mercado e impõe, com indisfarçável arrogância, fedorenta ou perfumada, os seus ditames. É o triunfo do economicismo puro e simples que para Ariel Kolnai, não é repugnante, quando procede segundo uma lógica abstracta da qual a vida está excluída. Passa a ser repugnante quando se entrincheira por detrás dos valores, da ideologia, ou seja, por detrás duma afectividade enganadora e hipócrita.
A comunicação social, entrincheirada nos critérios editoriais, é uma das grandes e principais rodas dentadas desse gigantesco mecanismo que tritura o mundo em benefício do grande capital. Proclama em alta grita uma independência em que ninguém acredita, que eles próprios sabem ser um cínico e repugnante conceito. Fazem-no com a impunidade de a vigarice intelectual não ser crime previsto em nenhum Código Civil. A lei é, sempre foi, o direito do mais forte à liberdade. Não será para todo o sempre porque só a verdade é revolucionaria. Há que lutar por ela com todas as armas ao seu alcance. O mundo apodrece, não se espere que caia.