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16 de Março de 1974

(PROLEGÓMENOS DO 25 DE ABRIL DE HÁ 41 ANOS)

Está próxima a data histórica em que há mais de 4 décadas foi desencadeado um dos mais importantes processos de transformação política e social na sua longa existência de quase 9 séculos que tem a nossa Pátria.

Como cidadão, orgulhoso desse glorioso feito iniciado pelo MFA e logo secundado em aliança pelo nosso Povo, que a si pode averbar a realização histórica da Revolução de Abril, não posso deixar de partilhar convosco o júbilo que sinto por  fazer em liberdade este exercício de memória.

O mesmo júbilo e a esperança sem limite que sentiu aquele jovem alferes miliciano médico mobilizado para a guerra colonial, em Moçambique (mas poderia ser outra colónia qualquer), quando recebeu a notícia tão ansiada de que a Revolução tinha começado.

Júbilo pela nova rota histórica que a sua Pátria, necessariamente, iria seguir; pelo próximo e inevitável fim da guerra execrável em que, forçadamente, o tinham mergulhado, e pelo que o fim duma guerra sem sentido, esse armistício, iria significar no seu destino de pessoa singular.

É costume perguntar-se: Que idade tinhas? Onde estavas? O que fazias? O que sentiste quando soubeste da Revolução?

Bem, tal como dezenas de milhares de portugueses, eu era jovem e não estava cá, estava em África.

Melhor dizendo, era adulto jovem e as três décadas vividas e sofridas sob a ditadura salazarista ensinavam que o devir histórico não podia ser semelhante a esse presente que hipotecava o futuro de Portugal e da sua juventude, a qual ou se refractava ou combatia, sobrevivendo, estropiando-se ou morrendo, mas sempre com sequelas, sempre com um profundo hiato em suas vidas, que jamais doses maciças de ventura surtiriam o efeito de apagar e preencher.

Era uma sexta-feira à tarde e lia tranquila e premonitoriamente, parece-me, Tempos Difíceis de Charles Dickens – lembro-me porque, tal como Zeno, de Svevo, marquei a página que lia – e foi quando entrou de rompante na biblioteca da messe de oficiais de Nampula um colega anestesista, que subindo rapidamente a um sofá, retirou da parede a fotografia do Almirante Presidente da República de então, e pela janela a estilhaçou na rua.

A razão de uma tal atitude tão intempestiva, incomum e deselegante foi rapidamente esclarecida e permitiu concluir que a sanidade mental do oficial-miliciano-médico não tinha claudicado de todo, como, desde havia algum tempo, se vinha receando que acontecesse.

Nas frentes de batalha da guerra colonial existia já um grande mal-estar, físico e mental e havia a convicção, para nós segura e certa, de que a causa do colonialismo estava perdida.

A independência das colónias era, sabíamos, uma necessidade histórica.

Seria uma questão de tempo.

Em Maio de 1972 a situação militar no terreno era já muito grave e um ano depois mais se tinha degradado.

No primeiro trimestre do ano de 1974 as informações reservadas dando conta da actividade do MFA a que íamos tendo acesso, junto às iniciativas militares frustradas (levantamento do RI nº5 das Caldas da Rainha em 16 de Março), a par dos números levados à cena em Portugal retratando o servilismo dos altos comandos militares face aos expoentes políticos da ditadura colonialista, faziam antever que algo de muito sério estava para acontecer em breve.

Adivinhava-se a revolução.

A calma aparente que pairava, cá e lá, a custo mantida pela censura à livre opinião e informação pela polícia política, a PIDE, abria brechas e deixava entrever o inconformismo do povo e a sua ânsia de liberdade, a sua já incontida necessidade de mudar.

(Não era possível calar de todo esse clamor crescente de revolta a que alguma imprensa regional conseguia dar eco e, por isso, era lida com sofreguidão, nas suas linhas e entrelinhas, como um Notícias da Amadora, de que se não fazia colecção porque útil era que circulasse e por todos, se possível, fosse lido. Deixei muitos números em Mocímboa da Praia, no norte de Moçambique a cidadãos interessados e ideologicamente comprometidos como eram estudantes universitários para aí deportados pela Pide devido ao seu envolvimento no movimento estudantil, lá no longínquo sul, em Lourenço Marques).

Cada um, em seu sector de actividade, no continente europeu ou nas colónias africanas, ia colhendo sinais cada vez mais veementes da insustentabilidade da situação.

Era assim também nas frentes de batalha onde as contradições e desavenças entre governo e chefias militares no terreno se tornavam evidentes ao observador atento e minimamente informado.

As ásperas missivas trocadas entre o Comandante-chefe das forças armadas na colónia e o ministro da Defesa Nacional do Governo de Lisboa conduziram à destituição do primeiro e à sua substituição por um general mais cordato e obediente.

Era evidente o desnorte dos comandos em vista do insucesso na contenção da guerrilha que paulatinamente avançava para Sul e para Oeste, fazendo ao mesmo tempo um trabalho sistemático de doutrinação política que cativava as populações e conseguia a aliança das autoridades tradicionais.

Esperava-se, pois, o estilhaçar da ditadura e não só o do retrato de Tomás.

Assim aconteceu, vai em breve fazer quarenta e um anos.

Tantos os anos que vivemos, suspensos do futuro, o Povo lutando denodadamente para que a insidiosa contra-revolução não neutralizasse de todo, os avanços históricos e as conquistas democráticas que a custo se foram cimentando.

Mas a ofensiva persiste, o actual governo e a maioria de direita que o suporta, não desistem, às escâncaras ou dissimuladamente, de tentar quebrar a resistência da classe trabalhadora e submetê-la, sem apelo nem agravo, ao jugo do capital financeiro, essa entidade que dita, arrogando-se os poderes dum Criador, as regras que governam os humanos numa sociedade de classes como aquela em que vivemos, desigual e não solidária.

Tempos difíceis os que Dickens retratou ao descrever com mestria a paisagem social gerada pela revolução industrial no século XIX.

Descreveu mas não interpretou essa questão gritante das desigualdades sociais que teima em galgar a barreira dos séculos e permanecer sempre actual.

Por isso, hoje, mais do que celebrar a efeméride, importa fazer a apologia dos seus valores, os valores da Revolução de Abril e do caminho para os preservar, a luta constante dos trabalhadores e do Povo na defesa pertinaz dos seus direitos e do contrato social plasmado na Constituição da República.

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