autarquias, Política

ELEITOR DE OIRO

urnaFruto da lavra governativa de Miguel Relvas, entrou em vigor a Lei 75/2013, de 12 de setembro, que estabelece os diversos regimes jurídicos, desde o das autarquias locais, às entidades intermunicipais, passando pelo associativismo autárquico.

Entre muitos outros aspetos criticáveis ou, pelo menos, discutíveis, regista-se no art.º 105º, ponto 2, a seguinte pérola jurídico-política relacionada com as Áreas Metropolitanas e CIM: “As deliberações do conselho metropolitano e do conselho intermunicipal consideram-se aprovadas quando os votos favoráveis dos seus membros correspondam, cumulativamente, a um número igual ou superior ao dos votos desfavoráveis e à representação de mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da área metropolitana”.

Ora isto, aplicado à realidade das AM, tendo em consideração que, no ponto 3 do citado artigo, se acrescenta “para efeitos do número anterior, considera-se que o voto de cada membro é representativo do número de eleitores do município de cuja câmara municipal seja presidente”, significa que os representantes municipais no conselho metropolitano não valem todos o mesmo. O que, na tradição democrática portuguesa institucionalizada ao longo de décadas, é uma bizarria.

Há representantes (presidentes de câmara) de primeira e outros de segunda e terceira, consoante o número dos eleitores inscritos no respetivo concelho…mesmo que não tenham votado.

Trata-se de algo semelhante aquilo que se passa em certas assembleias clubísticas onde há sócios com cem votos e outros com um. Ou, ainda, às assembleias de acionistas onde, obviamente, os votos valem pelo dinheiro que representam.

No caso concreto da Área Metropolitana de Lisboa, o PCP-PEV tem nove representantes no conselho metropolitano, o PS seis, o PSD tem dois e há ainda o presidente da câmara municipal de Oeiras.

Tem sido hábito, nestes órgãos intermunicipais,  atribuir-se a presidência a um membro da força política que detém maior número de representantes, consensualizando a distribuição de vice-presidências de forma harmónica.

Esta prática não tem tido maus resultados tanto nas Áreas Metropolitas, como nas CIM ou, mesmo, na ANMP.

Isto é, a maior ou menor influência e eficácia dos órgãos intermunicipais ou associativos não se têm devido a falha derivada do aspeto referido, mas, sim aos escassos meios, competências e atribuições que a lei lhes dão. E, aqui sim, há muito a mudar para melhor. Contudo, o legislador ordinário optou, na lei 75/2013, por se dedicar à cerzidura de truques e labirintos legais que forçam a ocorrência de resultados predeterminados e podem distorcer a vontade popular expressa previamente nas urnas.

Há pessoas que vêm defendendo, desde há alguns anos, as supostas vantagens das presidências  das áreas metropolitanas serem desempenhadas pelos presidentes das respetivas capitais. Em prol dessa perspetiva sustentam que os interesses das respetivas regiões metropolitanas sairiam reforçadas devido “à força política e protagonismo” do autarca mor da capital.

Pergunta-se: quando, um dia, houvesse Regiões, com órgãos eleitos de forma direta, elas só seriam bem defendidas e representadas, se isso acontecesse através dos presidentes do Porto (a Norte), de Lisboa (naquilo que é hoje a AML) ou de Faro ( no Algarve)? Que bizarra concepção está na base desta ideia?

E, se a direção da ANMP devesse obedecer, para ser constituída, ao critério do peso eleitoral dos presidentes de câmara? Faria sentido que esta importante associação só pudesse ser dirigida por presidentes das câmaras municipais de alguns dos concelhos do litoral?

Contudo, como este desejo sub-reptício não seria admissível em texto legal explícito, optou-se pela tortuosa via da formulação codificada que apenas é acessível aos iniciados.

Na Área Metropolitana de Lisboa a realidade dimanante do ato eleitoral conduziria a uma única e óbvia conclusão democrática: ser  presidente do Conselho Metropolitano um dos representantes da força maioritária, o PCP-PEV que tem nove presidências de câmara municipal! Mas, isto seria assim, se não tivesse sido parida a Lei 75/2013!

Com ela veio propiciar-se que, agora, uma soma de minorias (6+2+1) possa vir a definir quem será o presidente, obviamente não da força maioritária. E porquê? Porque apenas os concelhos de Lisboa, Sintra e Cascais correspondem a cerca de 984 100 eleitores inscritos, enquanto os nove municípios da Península de Setúbal incorporam 665 242 cidadãos eleitores potenciais. Apenas dois daqueles municípios, Lisboa e Sintra, poderão, no contexto desta malfeitoria legal, condicionar tudo o resto. Aliás, para ser mais claro, Lisboa determina o resultado sem ter que mexer um dedo.

Mesmo que o PCP-PEV tivesse tido dez ou onze presidências de câmara, o resultado seria o mesmo, salvo, naturalmente, se uma delas fosse Lisboa, ou, no mínimo, Sintra.

Se estivéssemos num torneio futebolístico, poder-se-ia dizer que, em caso de empate, ganharia a equipa que tivesse um adepto a mais. Neste caso será o eleitor de oiro.

A terminar mais dois ou três considerando finais que, tal como o resto, são feitos a título pessoal.

A lei que tal situação veio propiciar é iníqua. É, aliás, uma verdadeira equinidade relvática, em muitos e diversos aspetos. Deveria ser mudada. Mas, se isso não for possível em tempo útil, há que seguir em frente. E, na política, não há lugar para amuos ou estados de alma.

Pelo que se conhece do atual presidente da câmara de Lisboa, António Costa, não é expectável que queira comprar uma guerra que, embora ganha à partida devido à torção legal, lhe poderia trazer graves dissabores futuros na sua caminhada política. Isto, se optasse pela via da autoimposição e do confronto com o PCP-PEV.

Por outro lado, também importa dizer que ele tem, por si mesmo e não por ser presidente da câmara municipal de Lisboa, credibilidade para presidir ao conselho metropolitano, isto se fosse viável um acordo proporcional respeitador das regras democráticas.

O que não contribuirá para o reforço de das forças progressistas, patrióticas e de esquerda, será deixar que uma lei aberrante venha a determinar, para além do aleijão, a abertura de feridas de difícil cicatrização.

Standard

6 thoughts on “ELEITOR DE OIRO

  1. Pingback: Praça do Bocage | Costa Amigo, o Relvas e o Isaltino estão contigo

  2. Edmundo Gonçalves diz:

    A este propósito, e sem querer ferir susceptibilidades, deixo as palavras de uma grande Senhora, Natália Correia, citada no livro de Fernando Dacosta “O Botequim da Liberdade”:
    “A sua influência (dos retornados) na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder. Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança!”
    Ora Relvas, meu “conterrâneo” por adopção, nasceu em Angola; terá alguma coisa a ver?

    Abraço, meu caro!

    Gostar

  3. João Eduardo Coutinho Duarte diz:

    Estamos já a ver que a alteração à Lei eleitoral, nomeadamente através dos designados círculos uninominais, que o Costa defende embora ainda diga que metade será pelo método actual, o que poderá trazer. Preparemos a resposta adequada a mais esta pantominice.Círculos feitos à medida.

    Gostar

  4. Relvas…uma espécie de “Pintismo” da política. Poderia escrever “as mil e uma maneiras de mandar sempre o mesmo”. Saí-lhe foi o tiro pela culatra. Se ele pensou numa maneira subreptícia de ter nas suas mãos os órganismos intermunicipais, as ultimas eleições autarquicas davam-lhe cabo do plano. Perdeu as maiores autarquias, principalmente, as mais populosas. Das duas uma: ou, se ainda cá estivesse, teria uma fraude eleitoiral programada – o que na sua cabeça seria apenas mais uma; ou, a arrogância politica era tão grande que, na sua miopez gananciosa, não lhe permitiu identificar a mais que prevista derrota do PSD nestas eleições.

    Não nos esqueçamos que, no governo do Barroso, o Relvas era secretariod e estadod as autarquias locais…Esta lei estava na gaveta pessoal, pois nesse governo ele não teve tempo sufucuente. O governo caiu. Agora teve tempo, mas quem caiu foi ele. Eh,Eh,Eh.

    Coitados mas é dos contribuintes brasileiros que agora têm de levar com ele.

    Gostar

  5. josé pedro proença diz:

    um artigo com matéria a considerar no futuro próximo pela exemplar lucidez do exposto. sim, porque depois dos relvas, este governo é todo para atirar fora.

    Gostar

  6. Pingback: VOTOS INDEPENDENTES,BRANCOS E NULOS | Praça do Bocage

Comente aqui. Os comentários são moderados por opção dos editores do blogue.