História

Padre Gabriel Malagrida: O Último Condenado ao Fogo da Inquisição

Capa livro Gabriel MalagridaGabriel Malagrida, padre jesuíta no século XVIII, entrou para os anais da história de Portugal (e da igreja católica) pelo conflito que o opôs àquele que viria a ser o Marquês de Pombal. A querela acabaria com a prisão e execução do missionário italiano num auto de fé realizado no Rossio, corria então o ano de 1761.

A estória do famoso jesuíta que afrontou o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde Conde de Oeiras (1759) e Marquês de Pombal (1770), cruza-se com Setúbal. O investigador Daniel Pires, há muito radicado na cidade do Sado, foi actualizá-la com uma obra que acaba de ver a luz do dia, “Padre Gabriel Malagrida: O Último Condenado ao Fogo da Inquisição“, uma edição do Centro de Estudos Bocageanos, no que corresponde ao quarto volume da colecção Clássicos de Setúbal.

A estória de G. Malagrida é a sua própria estória mais a das relações entre o primeiro-ministro de D. José e a Companhia de Jesus. Malagrida era, aliás, uma importante figura jesuíta e um homem com suma influência nos mais elevados círculos. Detentor de um conjunto de características pessoais, em que se associava um perfil de santidade ao pragmatismo de um promotor de obras espirituais e terrenas. Com um trabalho de muitos anos de missionação por terras do Brasil, junto de várias comunidades indígenas, Malagrida semeou obra religiosa por onde passou.

O estabelecimento do Tratado dos Limites entre Portugal e Espanha (1750), que visou regularizar as fronteiras entre os dois reinos, viria a ser fonte de sangrentos conflitos em zonas de assentamentos jesuítas junto de comunidades índias no sul do actual Brasil. Episódio retratado no filme “A Missão” (de Roland Joffé, 1986) – ver trailler aqui.

A resistência ao avanço português, que os jesuítas promoveram junto dos povos indígenas nas missões, não poderia deixar de inflamar o Marquês de Pombal contra a Companhia de Jesus.

Malagrida, o terramoto e o exílio setubalense

Contrariando as explicações assentes em causas naturais, que Pombal havia divulgado como justificação para o terramoto de 1755, Malagrida faz publicar o “Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto que padeceo a corte de Lisboa no Primeiro de Novembro de 1755”. Aí aponta o castigo de Deus como a verdadeira razão para uma catástrofe cujas culpas “são unicamente os nossos intoleráveis pecados”. A ousadia permitida pelo seu estatuto de taumaturgo e eivada de fervor religioso, valer-lhe o exílio… em Setúbal, decretado por Pombal.

Da sua permanência em Setúbal dá-nos a obra agora publicada várias notas: a fundação de duas Casas de Retiro; lugar para a visita de damas da primeira nobreza que buscavam o conforto espiritual do “Exercícios” de Santo Inácio, frequentemente a troco do patrocínio de obras da Companhia; o lugar de encontro dos que conspiravam contra o ministro Sebastião José.

Sabe-se também que G. Malagrida foi, nesse tempo de exílio, “reitor do colégio jesuíta de Setúbal (actual sede dos serviços administrativos do Instituto Politécnico de Setúbal), sendo responsável pelas obras de reedificação do referido colégio, gravemente atingido pelo terramoto” (A. Chitas, in O Setubalense, 28 de Novembro de 2012).

O atentado de que o monarca viria a ser alvo em 3 de Setembro de 1758 colocaria os jesuítas (e Malagrida) novamente em rota de colisão com o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo. É conhecido o sangrento epílogo desta estória: a expulsão ou a prisão dos membros da Companhia de Jesus em Portugal e a execução de um conjunto de nobres de primeira linha, no que ficou conhecido como o processo dos Távoras. De que resultou a afirmação do poder real… e do seu primeiro-ministro.

O auto de fé

(…) que com baraço e pregão seja levado pelas ruas públicas desta cidade  até à Praça do Rossio e que nela morra morte natural de garrote, e que, depois de morto, seja seu corpo queimado e reduzido a pó e cinza, para que dele e de sua sepultura não haja memória alguma” – e assim se cumpriu o fim de Gabriel Malagrida, após muitos meses de duras penas e sofrimentos vários nos cárceres. Acusado de heresia…

No “Padre Gabriel Malagrida: O Último Condenado ao Fogo da Inquisição” podem-se ler transcrições de documentos de primeira importância para a compreensão do caso: o já citado “Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto (…)” bem como as “licenças” do Santo Ofício, do Ordinário e do Paço, para a respectiva publicação; a “denunciação” de Pombal, que esteve na origem do processo instaurado pelo Santo Ofício ao padre Malagrida; ou “a sentença dos Inquisidores, Ordinário e Deputados da Santa Inquisição com a qual foi relaxado à Justiça Secular o réu Gabriel Malagrida (…)”.

Um aviso. Aos menos habituados a ler textos em português da época de setecentos (é o meu caso!) é requerida alguma concentração. Que é compensada pela riqueza que os conteúdos nos revelam sobre a época. E por uma estória que ilustra os principais conflitos de história portuguesa de então.

Ficha técnica

Autor: Daniel Pires; Título: “Padre Gabriel Malagrida: O Último Condenado ao Fogo da Inquisição” Capa: “Auto de fé”, de Pedro Berruguete; Design gráfico: Ricardo Fraga Pires; Editor Centro de Estudos Bocageanos; Depósito legal: 351564/12; ISBN: 978-989-8361-10-3; tiragem: 1000 exemplares; Impressão: Cafilesa – Soluções Gráficas, Lda (Venda do Pinheiro)

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6 thoughts on “Padre Gabriel Malagrida: O Último Condenado ao Fogo da Inquisição

  1. Larissa Lacerda diz:

    Como faço para adquirir o livro, já que o site que foi indicado não permiti efetuar compras? Preciso dele para executar um trabalho universitário, já procurei em diversos lugares e não encontro. Se puder me ajudar serei grata.

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