economia, Política

Crónica de um desastre anunciado

De vitória em vitória até ao desastre final bem parece ser o que caracteriza o rumo do país no último ano e meio. Entenda-se por vitórias os aumentos de exportações, ou a diminuição das taxas de juro exigidas à dívida soberana e por desastre o cortejo de flagelos associados à recessão em que o país está mergulhado.

Tempo de balanço, agora que a troika nos inspeciona pela quinta vez.

E o mundo mudou

A verdade é que Sócrates acertou quando num belo dia de Maio de 2010 subitamente reparou que o mundo tinha mudado. E o que é que tinha mudado? Forçados por uma crise financeira nascida no outro lado do Atlântico mas que rapidamente se propagou à economia real, os Estados membros da UE, mais pobres ou mais ricos, foram estimulados a injectar capitais nas suas economias. Não dispondo desses meios financeiros, o recurso ao crédito continuou a ser a via rápida. Pouco tempo se passou para que a fúria especulativa dos mercados (os famosos algoritmos!) desabasse sobre os países com economias mais frágeis, sob a forma de elevadas taxas cobradas pelo financiamento das dívidas soberanas. Foi pois quando já tudo desabava que Sócrates e os seus ajudantes perceberam que o mundo mudara. Mas, que esperar de políticos que se limitam “a navegar à vista”?

Rapidamente se percebeu que, mais cedo ou mais tarde, os “homens de negro” haviam de aterrar na Portela para por ordem nas finanças. Vinte e oito anos depois e agora integrando duas instâncias europeias, o FMI lá fez a sua estrondosa chegada ao país, diante de uma comunicação social “babada” diante de tão elevados representantes do poder financeiro, enquanto o país saboreava os seus feriados de Junho.

As receitas também já eram previsíveis: cortar despesas, aumentar impostos, privatizar e, como não podia deixar de ser, “menos Estado”, a velha máxima ideológica dos mesmos que o “engordaram” e que dele se serviram à tripa forra, fazendo os mais diversos e desvairados negócios.

“O bom aluno”

Assim, contra o financiamento do país em tranches, negociaram-se défices de 4,5% em 2012 e 3% no próximo ano. E uma lista de reformas nas mais diversas áreas foi anexada ao memorandum.

Mas, em boa verdade, o que interessa mesmo são os défices e o rácio da dívida sobre o PIB. Essas foram e são as pedras de toque que a direita alemã e os seus aliados (com algumas cumplicidades à esquerda) querem ver inscritas nas constituições nacionais e que se aprestam a inscrever em pacto europeu. Todas as medidas deverão, ou deveriam, concorrer para esse objectivo.

Recorrendo à velha tática (tantas vezes usada por governantes portugueses ao longo dos séculos) do portuguesinho reverente, cumpridor e “bom aluno”, P. Passos Coelho e a sua coligação quiseram mesmo ser mais troikistas que a próprio troika.

Trataram de carregar no acelerador da carga fiscal julgando que se tratava de uma auto-estrada sem fim. Inconsciência ou incompetência? Trucidaram os do costume e mais alguns: trabalhadores por conta de outrem, pequenas e médias empresas, funcionalismo e pensionistas… e a classe média que assiste incrédula ao seu rápido definhamento.

Incentivaram os despedimentos por via de uma nova legislação laboral, numa revanche social nunca antes conseguida mas agora patrocinada pela troika. Promoveram activa e deliberadamente a quebra do rendimento disponível das famílias, fosse por via fiscal, fosse ainda pela diminuição salarial ou das prestações sociais. Venderam ou pretendem, certamente ao desbarato dada a urgência, importantes empresas de base nacional como a TAP ou os Correios, acrescentando à lista activos de importantíssima ordem estratégica como as Águas, coisa de que nem a troika se lembrou…

O aluno é bom, mas os resultados…

O resultado está à vista: fileiras de actividade começam a desmoronar-se, casos da construção civil, restauração e sector automóvel, apenas para referir os mais mediáticos. As falências sucedem-se a uma velocidade vertiginosa, acompanhadas por uma taxa de desemprego que ninguém se atreve a prever quando parará de aumentar.

O outro resultado negativo é o da frustração dos próprios objectivos previstos no memorandum de entendimento: nem o deficit orçamental acordado será este ano de 4,5%, nem o rácio da dívida ficará contido no limite acordado, pois atingiu já 99% do valor estimado até final do ano. Falhanços que os governantes pretendem esconder com o cumprimento da generalidade das prescrições do troika.

É claro que tudo isto era previsível. Qualquer um o podia antever. Será que os nossos governantes acreditavam mesmo que iriam fazer subir a receita fiscal do IVA e de outros impostos atirando o país para uma violenta recessão e depois de brutais aumentos nas respectivas taxas? Nem sequer era preciso ter um MBA ou ter estudado finanças públicas para se perceber que iríamos directamente contra os escolhos. Com certeza que alguém com o curriculum do ministro das finanças V. Gaspar já o sabia.

Só vejo uma explicação para tanta estupidez e incompetência: mostrarem ao protectorado que nos tutela que fazem conforme se lhes manda fazer. Para que, despedaçada a embarcação, possam dizer que a culpa não foi deles, mas de quem lhes receitou o tratamento.

Claro que a carapuça também serve às entidades da troika que desenharam esta intervenção em Portugal. Vamos ver como todos eles salvam a face.

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