O CDS, desde sempre incomodado com tudo o que sejam direitos dos trabalhadores, ainda que, em tempo de caça ao voto surja sempre como grande defensor dos pobres e dos reformados e paladino dos interesses de quem trabalha, decidiu, pela voz do deputado Hélder Amaral, perguntar ao Governo quanto custam as greves nos transportes públicos. Até aqui, nada de novo. Nem sequer há nada de mal nas perguntas.
O deputado quer saber quantas greves existiram no sector dos transportes nos últimos dez anos, quantos dias demoraram, qual o impacto desse número de greves na economia portuguesa e quais os custos diretos para as empresas públicas de transportes. Quer ainda saber se, decorrente dessas greves, foram contratados serviços externos, por forma a assegurar serviços mínimos nas empresas públicas de transportes e, em caso afirmativo, quanto custaram no total.
É um direito que lhe assiste, ainda que noutras situações, como foi o caso da recente proposta de criação de uma comissão parlamentar de inquérito à privatização do BPN apresentada pelo BE, os deputados do CDS se tenham mostrado mais renitentes em saber as respostas que todos temos também o direito de saber com a abstenção do respectivo grupo parlamentar na votação da proposta. Seria, também, muito importante saber qual o impacto deste processo na economia portuguesa e quais os serviços externos contratados para assegurar as sempre tão necessárias assessorias nestas matérias. Mas nisso, o CDS não está interessado.
Estamos perante mais um caso de dupla personalidade que tanto afecta o CDS, consoante está dentro ou fora do Governo, patologia que, de resto, é uma velha maleita dos centristas.
As perguntas, insisto, nada têm de mal. Porém, o caso muda de figura quando Hélder Amaral entra em terrenos que quer conquistar e que são, por definição, inacessíveis.
Diz o deputado que “há quem diga que se estão a banalizar as greves”. Curiosa formulação a utilizada por Hélder Amaral para se isentar de responsabilidades nesta apreciação. “Há quem diga…”, não é ele que diz. Pequeno truque, que não passa despercebido, mas de escassos efeitos práticos, porque se percebe perfeitamente que é o próprio CDS quem o diz, e não um qualquer incógnito cidadão que defenda que há essa tal banalização. O deputado prossegue com o seu “há quem diga” e informa-nos que “já há outras [greves] anunciadas sem sequer ter havido anúncio de novas medidas de austeridade que as justifiquem“. E mais, é necessário um “uso mais criterioso do direito à greve, para situações com motivos entendíveis”. Porque, clarifica, ao fazer greve “como arma de arremesso, em vez de se proteger o direito ao trabalho, em alguns casos acaba-se por o pôr em risco“.
As opiniões acrescentadas às questões parlamentares remetem-nos para um tempo em que nem sequer existia o direito à greve, poderoso instrumento último e único de negociação dos trabalhadores. Claro que o CDS não vai tão longe, ainda que possa desejá-lo secretamente.
As opiniões do deputado colocam questões para as quais também eu gostaria de ter respostas, como, por exemplo, saber quem define o que Amaral chama de “motivos entendíveis”, curiosa palavra para quem, provavelmente, quereria antes utilizar o termo “atendíveis”, e quem define o que é o tal “uso mais criterioso” do direito à greve. O Governo? A Assembleia da República? Teriam os sindicatos de pedir autorização prévia antes de fazer greve? Isso já seria “entendível” e “criterioso”? Ou seriam os Conselhos de Administração das empresas a definir os critérios para se poder fazer greve? Seria a greve um direito dependente dos balanços das empresas, autorizado por uma comissão ministerial? Ou seria o Conselho de Concertação Social?
Estará o deputado a defender que cada nova medida de austeridade anunciada seja acompanhada de regulamentação que determine os critérios para a realização de greves e quantas se podem fazer? Uma redução salarial dá direito a quantas greves? E qual seria o montante da redução a partir da qual a greve seria “entendível” e “criteriosa”? Só teriam direito a greves entendíveis os funcionários públicos com rendimentos inferiores a mil euros e a quem tivessem sido reduzidos os salários? E o roubo dos subsídios de natal e de férias, seria motivo “entendível”?
A alteração do Código Laboral será motivo atendível para uma greve? Será um bom critério para o CDS?
Estas são perguntas que gostava de ver respondidas por Hélder Amaral, mas para as quais existe, naturalmente, uma resposta, que nem sequer é nova. Está numa coisa que se chama Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 57.º, sobre o Direito à greve e proibição do lock-out, no qual se afirma apenas o seguinte: “1. É garantido o direito à greve; 2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito; 3. A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis“.
Tão simples e “entendível” este critério definido na lei fundamental. Leva menos de um minuto a ler e o deputado não encontrou tempo ainda para o fazer.
PS: Não vou tão longe quanto o Der Terrorist na apreciação destas perguntas e nas comparações que faz, mas vontade não falta…
Sabe qual foi a expressão que mais chocou, em relação às greves? Foi de “artificialidade”, usada por PPC.
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