Cultura

Jacques Brel – 2

Brel pouco antes de morrer e depois de dez anos de silêncio vem do Pacífico, das ilhas Marquesas, retomando o itinerário de Gaugin, gravar dezoito canções de que ainda hoje só se conhecem doze. É o seu último disco e Brel não o ignora. Todos os seus temas chave: a mulher, os valores burgueses, a hipocrisia, a amizade e a morte revivem noutro tom. A melodia não trai o autor. O texto é depurado pela distância do exílio voluntário. É a última vez que Brel, sem trair a amizade, fala ao mundo do seu mundo, das suas fadigas, das suas ternuras, das suas derrotas dos seus rancores. É a primeira vez que, na sua velhice prematura, não fala da mulher como o carrasco que ostenta os seus artifícios para melhor enredar o homem. Nem compara as mulheres aos cães que oferecem aos homens uma amizade sem contrapartidas e que estes acabam por renegar para se submeter às mulheres.

lES FILLES ET LES CHIENS

No último disco Brel também não fala da mulher como tinha retratado em Lês Biches como o pior e mais belo inimigo dos homens. O seu inimigo de sempre. Primeiro inimigo logo aos 15 anos quando fogem rindo-se pelas planícies de desgosto que provocam. Que continuam a ser o mais belo inimigo quando aos vinte anos, na explosão da flor da idade os enganam com todo o seu corpo, e continuam a ser o pior inimigo quando ultrapassados os vinte anos conhecem o poder de enganar o tédio de um amante com outro amante e desse amante com outro amante enquanto os homens as perseguem enlouquecidos até que elas os caçam com a ponta dos dedos para, no fim da continuaram a ser o último inimigo do homem que nessa altura só lhes serve para lhes iludir o envelhecimento.

LES BICHES

Do pano de fundo traçado em Lês filies et lês Chiens e em Lês Biches, Brel destaca algumas mulheres. Aliás em quase todos os discos de Brel, à excepção do último, há sempre uma mulher zurzida. Matilde é a mulher que fere o homem condenado à maldição do amor. Matilde está de volta e Brel dilacera-se. Recorre aos amigos e à mãe para se proteger: “minha mãe chegou o tempo de rezar pela minha salvação, Matilde voltou. Taberneiro traz-me o vinho hoje irei beber aos meus desgostos , Matilde voltou. Meus amigos não me desamparem esta noite volto para a guerra, Matilde voltou”

Brel luta inutilmente contra a realidade: “ Meu coração pára de palpitar finge que não sabes que a Matilde voltou. Meu coração pára de repetir que ela está mais bela que nunca, lembra-te como ela te despedaçou. Meus amigos não me abandonem digam que não devo voltar a viver com a Matilde que estou a ver à minha frente” .Brel acaba por se submeter à paixão insensata. Corre para Matilde virando as costas a todos a quem tinha pedido desesperadamente apoio. Corre para Matilde sem ilusões sobre o que o espera. “Mãe pára de rezar o teu Jacques volta para o inferno. Amigos não contém mais comigo lixo-me mais uma vez para o céu a minha bela Matilde está aqui”.

MATILDE

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4 thoughts on “Jacques Brel – 2

    • Manuel Augusto Araujo diz:

      Guida, velha amiga e cunhada, achas que me ia esquecer de JEF, canção que em determinadas alturas ouvi quase obsessivamente? A amizade é um dos temas centrais em Brel, lá chegaremos! Obrigado por estares atenta e não deixes de fazeres sugestões e criticas! beijos

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