O escritor uruguaio Juan Carlos Onetti tem vindo a ganhar o reconhecimento que escritores da América Latina lhe tributam. Citem-se Cortázar “Caro Onetti, uma vez mais encontrei tudo lá, tudo o que te faz diferente e único entre nós”, Garcia Marquez “Onetti é todo ele demasiado bom e demasiado asfixiante para a América Latina”, Vargas Llosa em extenso ensaio à obra de Onetti “uma imensa alegoria da frustração que foi viver na América Latina durante a década em que esta foi palco de sucessivas ditaduras militares.”
O universo de Juan Carlos Onetti é muito singular. Decorre numa cidade mítica Santa Maria, como Macondo de Marquez ou Comala de Rulfo, lugar no mapa do realismo mágico que usa mas não abusa.
Cidade decadente, devorada pelo progresso das ruínas por onde deambulam homens e mulheres vivendo vidas que não se cumprem. Façam o que fizerem o seu caminho é um percurso de frustrações inexoráveis, sobressaltado pela visita de personagens solitárias, desesperadas, amorais.
O Estaleiro, obra-prima de rigor e delicadeza, foge a qualquer classificação. É um dos melhores exemplos do universo onetiano. Larsen retorna, cinco anos depois, à cidade de onde tinha sido expulso. Emprega-se como gerente de um estaleiro onde há muito tempo não é reparado nenhum barco. Os empregados vendem peças que estão abandonadas para ganhar o dinheiro que não obtém com salários contabilísticos. Larsen esgota-se no esforço inútil de tirar o estaleiro do caos em que está imerso, enquanto faz a corte a Angélica Inês, uma rapariga tonta filha do dono do estaleiro. Um mundo de seres que vagueiam à beira do abismo, arrastados pela torrente de um pessimismo que parece inspirado na própria vida de Onetti que, nos últimos anos da sua vida de exilado em Madrid, não saia de casa, não por qualquer problema físico, mas porque tinha em casa tudo o que lhe interessava e era essencial: a mulher, a cadela, os romances policiais de Chandler e Hammett.
( publicado em Leituras / Guia de Eventos de Setúbal Junho 2011)