Rentes de Carvalho, transmontano obrigado a exilar-se por motivos políticos para o Brasil, acaba por desembarcar na Holanda, com o cargo de assessor do adido comercial da embaixada brasileira. Ai se fixou. Aí se licenciou. Aí começou a leccionar Literatura Portuguesa e a dedicar-se em exclusivo à escrita até esse momento fragmentada em vasta colaboração em jornais. Nos finais dos anos 60 publica, na desaparecida Prelo, Montedor que anunciava o surgimento de um grande escritor.
A sua relação com a Holanda, com a sua cultura e civilização, “a única paixão que os move é a criação de novas regras”, com a liberdade e frieza de costumes, assombram o transmontano viajado e adquire um lugar central na sua obra, sempre oscilando entre a crítica feroz e uma relativa aproximação a essa realidade. Na literatura portuguesa esse olhar acerado sobre o lugar onde se fixaram e de onde já se sentem incapazes de sair, terá paralelo com outro exilado político, Alexandre Pinheiro Torres e Inglaterra
Rentes de Carvalho começa por ter imenso êxito, não em Portugal, mas na Holanda com dois livros escritos directamente em neerlandês: Portugal, um Guia para Amigos e Os Holandeses.
Entre os seus (todos bons) romances A Amante Holandesa sobressai. As personagens, as paisagens, o enredo em que as surpresas estão no virar da página no conjunto de angústias e frustrações, a medida humana de cada uma das personagens, naquilo que revelam, mas sobretudo naquilo que escondem. O ponto de partida é uma história quase banal, com muito de autobiográfico. Um jovem, Amadeu, deixa a sua isolada aldeia transmontana para se fixar na cosmopolita Holanda, trabalhando como estivador no porto de Amesterdão. É nesse país que o protagonista se envolve com uma rica holandesa, fria, indiferente, desenfreada na cama. Constrói uma espécie de amor como um puzzle que nunca acaba porque faltam sempre peças, mesmo as que já tinham sido colocadas no sítio correcto, o que dá uma ilusão de que o amor pode existir mas acaba por o magoar.
De regresso à sua terra, Amadeu reencontra-a como era. Universo imobilista, opressivo, uma violência latente de paixões, fraquezas, desejos recalcados. Vulcão em actividade debaixo do manto dos brandos costumes.“Num meio pequeno é assim que se sobrevive. As raivas, as invejas e os ódios vêm esporadicamente à tona, por vezes explodem, mas logo depois tudo assenta e o dia-a-dia continua a arrastar-se, sempre igual, imutável na sua fingida serenidade.”
Reata amizade com um colega de infância. As longas conversas que ambos travam, permitem uma reflexão sobre a vida que ambos tiveram até esse momento e sobretudo o desencanto pela consciência acerca do carácter ilusório do amor que vai cavando o vazio com que o romance termina.
Um livro que fica em nós para lá da sua leitura.
( publicado no Guia de Eventos de Setúbal, maio 2011)