Os brandos costumes continuam a ser o manto nada diáfano da grande mentira que tenta ocultar que em Portugal houve fascismo. Que em Portugal, um regime feroz protegia os interesses espúrios de gente capaz das maiores vilanias para o obter lucros indecentes, exibindo o sorriso inocente de quem finge não saber que as mãos sujas da violência escavavam a vida de muita gente que lutava com honra, coragem e persistência, não se deixando intimidar por uma legalidade iníqua, cortada e costurada à medida para impor o silêncio da submissão a um povo cruelmente explorado.
As raízes dessa árvore que suga o húmus do trabalho da maioria do povo português continuam praticamente a ser as mesmas. Mudam de métodos e práticas conforme as circunstâncias, puxando os fios do teatro de marionetas a quem pagam para entreter os dias.
48 dá voz aos milhares que transitaram pelas masmorras da polícia política e aos que tiveram a fortuna de não transpor aquelas portas, pela voz de quarenta oito homens e mulheres que viveram brutalidades inomináveis. São 48 homens e mulheres, tantos quantos os anos do fascismo, que saltam de um quase anonimato com que se tem tentado apagar esses anos de violência branqueando a história com o objectivo de tornar aceitáveis esses tempos, os tempos actuais e os tempos futuros da exploração do homem pelo capital sem rosto.
Hoje, chamar a atenção, fazer um apelo para se ver, para se ir ver 48, é uma quase exigência para que se exume a história e não se deixe sepultado no esquecimento uma verdade intemporal e universal: resistir, mesmo nas piores situações, é sempre possível.
Hoje, na véspera de se celebrar mais uma vez o último dia do fascismo, nos cenários de crise que se vivem, em que a maioria do povo português sofre as agruras violentas das dificuldades quotidianas, em que o desemprego cresce afectando brutalmente todos, mas em particular uma juventude nascida maioritariamente depois do 25 de Abril, 48 lembra-nos que comemorar esse dia, festejar a Revolução dos Cravos, é sublinhar a traço grosso e em cor viva as esperanças que há trinta e sete anos irromperam numa onda de incontida alegria percorrendo todo o país, acordando energias que, nos quase 50 anos, a ditadura fascista tinha congelado pela violência.
Comemorar o 25 de Abril não é um exercício de nostalgia, nem um rastilho de memórias para quem o não viveu, é afirmar que a esperança que fez nascer em todos os portugueses e que tem sido sistematicamente destruída por mais de trinta anos de governação desastrosa, posta em prática pelos chamados partidos do arco do governo, está na ordem do dia, nasce mais forte em cada 25 de Abril. Continua a inundar as ruas de fraternidade. Continua a tornar o ar mais leve e puro no vermelho dos cravos. Continua a dar mais força para ultrapassar as barreiras que o querem ocultar ou atirar para a prateleira da história.
Os anos passam, mas o 25 de Abril nunca será mais um 25 de Abril, será sempre um 25 de Abril novo, para todos para quem a liberdade, a democracia, a vida são valores imperecíveis, por que se luta todos os dias.